A IGNORÂNCIA DA IGNORÂNCIA

A notícia caiu como uma verdadeira bomba. Não podia ser diferente. Não são todos os dias que se lêem números que envolvem a gestão dos processo públicos, na fasquia dos 50 mil milhões de dólares. Sobretudo quando são contas que traduzem perdas de uma gigante como a Sonangol, independentemente das razões envolvidas. A matéria ocupou os espaços principais de informação, nos órgãos de referência. Incluindo na Bloomberg, a maior agência de informação financeira do mundo.

Internamente as reacções foram mais do que descontroladas. Em parte por ignorância perceptível. Alguns dos media angolanos retomaram a informação do VALOR, interpretando-a como rombos aos cofres da empresa. Alimentaram a confusão total. Não há qualquer referência dessas no texto que, entretanto, originou um comunicado de negação da Sonangol. O artigo fala em imparidades técnicas que ocorrem em situações específicas de desvalorização de activos, como explicado nas páginas 18 e 19, desta edição. Mas há outras referências propositadamente ignoradas, por conta do frenesim. O artigo explicava que o processo de apuração das imparidades técnicas havia iniciado em 2012, com o então ministro Carlos Alberto Lopes. Não foi, portanto, o comité de reestruturação que o despoletou. Nas redes sociais, a balbúrdia atingiu o apogeu. No alto da ignorância, alguns internautas preferiram atacar as revelações do jornal, sem o mínimo conhecimento de causa. O espanto era, claro, o ‘tamanho’ do número.

O artigo em que se retoma o tema, nesta edição, dá mais uma ‘ajudinha’ aos incautos. Só o acidente da plataforma CRX SPP provocou perdas agregadas estimadas em cerca de 10 mil milhões de dólares. Muitos dos seguros da indústria custam 50% acima do valor do mercado, quando comparados com os custos nas praças internacionais. Os investimentos da Sonangol atravessam quase todas as áreas estratégicas da economia. E estendem-se pelo estrangeiro, de onde, volta e meia, são reportados prejuízos assustadores. Como os divulgados, na última semana, pela imprensa portuguesa que contabiliza perdas da petrolífera pública angolana a roçar os 1,5 mil milhões de dólares no Millennium BCP.

Mas as memórias não devem ter apagado ainda a denúncia, em 2011, da Human Rigths Watch, baseada num relatório do FMI, sobre o alegado desaparecimento de 32 mil milhões de dólares nos cofres públicos. Foi o próprio Governo que, ao contestar o suposto engano do Fundo, explicou que as discrepâncias podiam ser imputadas, em parte, a operações parafiscais da Sonangol. É uma simples referência que insinua, em absoluto, que imparidades de 50 mil milhões de dólares não são impossíveis na maior empresa pública.

O comunicado da Sonangol vale o que vale. Não é expectável que fosse diferente. Mas aos leitores do VALOR reafirmamos a fiabilidade das nossas fontes de informação, daí o regresso incontornável ao tema. Aos outros sugerimos, à cautela, pelo menos o controlo da histeria da ignorância incontinente, despejada em fóruns públicos... Mas como diz o sapo “isso não é da nossa conta”.