ANGOLA GROWING
Editorial Editorial

Editorial Editorial

O conselho de administração da Sonangol anunciou que o conjunto de medidas efectivadas, até ao momento, permitem poupança superiores a 240 milhões de dólares por ano. Mais do que qualquer extrapolação sobre a relevância dos resultados, face à dimensão da empresa, é preciso dizer-se que se trata de uma boa notícia. Sobretudo se se levar em conta o período relativamente curto de trabalho da equipa liderada por Isabel dos Santos.

Em termos efectivos, as decisões na base dos resultados que se anunciam agora reportam-se a Junho deste ano, altura em que José Eduardo dos Santos nomeou a nova administração da Sonangol. O período anterior, aproximando de oito meses, em que a petrolífera pública esteve sob o controlo de uma comissão de gestão, em termos formais, serviu para a elaboração de um diagnóstico sobre a ‘saúde’ da empresa e não propriamente para a aplicação de decisões com impacto no negócio. Por esse facto, mais uma vez, é notável que, em pouco mais de cinco meses, a mais estratégica das empresas do Estado anuncie resultados concretos. Particularmente, porque, após o término do trabalho da comissão de reestruturação, ficou reafirmado o que todo o mundo já sabia sobre a Sonangol: que a petrolífera pública estava a beira do colapso.

Isso ficou mais uma vez claro, aliás, na lista de decisões que Isabel dos Santos e pares tiveram de tomar para, como refere a administração da empresa, recolocar a petrolífera na rota da rentabilidade. A renegociação e o cancelamento de contratos ou a racionalização de gastos e consumos supérfluos explicam parte das razões que levaram, há poucos anos, a referências de falência técnica da mais importante empresa pública.

Há duas semanas, olhando precisamente para as mudanças ocorridas na gestão de algumas das principais empresas públicas, com a Sonangol incluída, antecipávamos, neste espaço, que o sector empresarial do Estado experimentava, até ao momento, a fase mais importante de reformas, viradas para a criação de valor. Como exemplo, referimos também o caso da transportadora aérea TAAG que, com uma gestão estrangeira, pela primeira vez na história, anunciou a possibilidade de atingir o ‘breakeven’, equiparando receitas e despesas. Analisada a questão exclusivamente nesta perspectiva, ou seja, na óptica da rentabilidade e da maximização dos activos do Estado, não há como não concordar que, mais do que as pessoas, o mais importante é a garantia real que possuem de tornar as coisas possíveis.

Assim como a TAAG, a Sonangol esteve anos a fio sob o comando de gestão angolana de aclamada competência e de reconhecida confiança política do poder. Se a empresa tocou quase no fundo do poço e jamais tornou público planos de renegociação ou de cancelamento de contratos altamente nocivos, por exemplo, é porque, seguramente a partir de certa altura, passou a requerer a pessoa errada no lugar certo. É, no fundo, o que alguma crítica interna não percebe em relação à presença de Peter Hill na liderança da TAAG. Se há quem pense que o britânico é uma pessoa errada por ser estrangeiro, isso deixa de ter valor a partir do momento em que atesta que está no lugar certo. E não prova melhor do que os resultados que já apresentou em apenas um ano.

Os dados divulgados, na última semana, pelo ‘Financial Times’, sobre o Investimento Directo Estrangeiro (IDE), em Angola, no ano passado, voltam a expressar a velha preocupação sobre o domínio absoluto do sector petrolífero na captação desses recursos. Como indicam os números do relatório compilado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em inglês), dos 2,7 mil milhões de dólares captados em 2015, a petrolífera francesa Total reclamou 2,2 mil milhões, qualquer coisa a roçar os 82% do total do investimento.

A explicação para essa fuga de recursos, face ao passado recente, é, indiscutivelmente, a conjuntura económica de preços baixos do petróleo que reduziu significativamente o potencial de crescimento do mercado interno. Basta um recuo aos números de até há dois anos para se perceber isso com clareza. Em 2014, segundo contas divulgadas o ano passado pelo mesmo jornal britânico, o país beneficiou de cerca de 16 mil milhões de dólares de Investimento Directo Estrangeiro bruto, colocando-se imediatamente atrás do Egipto. Apenas um ano depois, os cálculos consolidados pela UNCTAD remetem Angola para a sétima posição, sendo ultrapassada inclusivamente por países como Moçambique e Costa do Marfim e colocando-se muito próximo do Quénia e do Senegal.

Os dados permitem ainda outras leituras preocupantes. Além da concentração do IDE nos petróleos, sector com um contributo residual na criação de emprego, como é de senso comum, a aplicação de capital estrangeiro duradouro na economia é reduzida a um número restrito de investidores, como se depreende da posição absolutamente avassaladora da petrolífera francesa.

Numa altura em que se insiste no discurso da diversificação da estrutura económica, as contas do IDE deixam mensagens verdadeiramente inquietantes. Vários estudos já reconfirmaram que, além da estabilidade política e social, o potencial de crescimento de uma economia é determinante para a decisão dos investidores. Ora, as notícias a este nível estão longe de ser animadoras. O Fundo Monetário Internacional, mais pessimista que o Governo, antevê que o produto interno bruto (PIB) recue para o 0%, em 2016. Para o próximo ano, espera-se por novas projecções do Fundo, mas o próprio Governo não admitiu mais do que 2,1%, no Orçamento Geral do Estado ainda à espera da aprovação dos deputados. Para uma economia com a dimensão do PIB angolano, crescimentos a este nível são excessivamente baixos para serem estimulantes. Não é por acaso que, entre as preocupações levantadas desta vez pela equipa do FMI que está por Luanda, a necessidade de expansão da economia foi destacada de forma absoluta. Assim como o foi a desejável desaceleração do nível geral de preços.

Postas quase de parte as perspectivas de crescimento da economia entre os factores de atracção de investimento, pela modéstia dos números, ao Governo sobra uma única alternativa para continuar a manter, no curto prazo, alguma apetência do investidor estrangeiro em aplicar, no país, recursos que impactam de forma duradoura: convencer que está interessado de forma decisiva a transformar Angola num país bom para fazer negócios.

31 Oct. 2016

A RECEITA DA TAAG

É uma observação fria e informada. Desapaixonada e, sobretudo, frontal, por isso susceptível de criar ‘reacções patriotescas’. Numa única frase, Peter Hill, o britânico que preside ao conselho de administração da TAAG, reduz o que não se encontra em mil páginas de jornais, sempre que se procuram soluções à viabilidade das empresas do sector público em Angola. A saída, declara o número um da TAAG, é a contratação de estrageiros, particularmente para empresas que, como a transportadora aérea, se encontram em processos de reorganização. A explicação é directa: um estrangeiro está protegido de toda a pressão externa que condiciona a autonomia da administração da empresa. E que, por arrasto, inviabiliza qualquer possibilidade de uma gestão profissional, focada na criação de valor.

Peter Hill vê em si próprio e na sua equipa o verdadeiro exemplo. E não dá palavras. Dá números. Em pouco mais de um ano, criou poupanças de 120 milhões de dólares, sem cortar, no todo, na qualidade do serviço. Os cortes incidiram sobre o número “inacreditável” de consultores que forneciam informação sem serventia. Mas também na renegociação de contratos bons e na reavaliação de tantos outros que, de tão inacreditáveis, faziam rir, para ninguém chorar.

A tese de Peter Hill até pode parecer simplista, mas só se for analisada também de forma simples e abstracta. Não se pode contrapor o presidente da TAAG, por exemplo, com o paralelo de contratações de certos gestores estrangeiros, que, vindos de culturas empresariais da periferia da Europa, sucumbiram à mediocridade e à promiscuidade, na primeira esquina de Luanda.

A proposta do britânico é sobre estrangeiros e culturas empresariais com estofo moral acima da média e com solidez material suficiente, ao ponto de recusarem acordos de indigência. É sobre gente que está apta a bater com a porta, logo à primeira ‘ordem superior’ que se precipita sobre a liderança e sobre os verdadeiros interesses da empresa. Não parece haver dúvidas, aliás, de que foi precisamente esse o entendimento do Governo, ao ter preferido para a TAAG uma parceria sobre cuja gestão teria pouca ou nenhuma influência.

O verdadeiro senão visível na análise de Peter Hill e que jogaria a favor do fervor patriótico é o sigilo de Estado. A receita do ‘redentor estrangeiro’ não pode ser aplicada a determinadas empresas públicas estratégicas, por razões exclusivas de soberania. Mas o argumento da protecção do Estado, nesta fase, só é válido para um número absolutamente reduzido de empresas. Além da Sonangol, não sobrarão mais de quatro e a TAAG, claro, não é nenhuma delas, no entendimento do próprio Governo.

A receita é, portanto, para ser levada a sério. Os angolanos à frente da reestruturação de empresas importantes do Estado têm uma nova oportunidade para provocar que ‘santos da casa podem fazer milagres’. De outro modo, haverá que se dar razão, de forma incontestável, ao PCA da TAAG. A ‘salvação’ terá de vir necessariamente de fora.

17 Oct. 2016

O ESTADO DA NAÇÃO

José Eduardo dos Santos é esperado hoje na Assembleia Nacional para apresentar o ‘Estado da Nação’. A deslocação do chefe do Estado ao parlamento decorre de uma imposição constitucional, pela circunstância da abertura de um novo ano parlamentar que, neste caso, é também o último da presente legislatura. Até à hora efectiva do discurso, admite-se alguma expectativa momentânea sobre a presença pessoal de José Eduardo dos Santos na ‘casa das leis’, sobretudo após os ‘incidentes’ de há quatro anos e do ano passado na abertura dos anos legislativos. Em Outubro de 2012, José Eduardo dos Santos deslocou-se à casa dos deputados, mas optou por não apresentar um novo discurso, por se ter dirigido ao país um mês antes, na cerimónia em que foi investido como Presidente da República, eleito da disputa eleitoral deste mesmo ano. Em 2015, o chefe de Estado, por “indisposição momentânea”, como justificado pelos seus serviços auxiliares, acabou mesmo por cancelar, à última hora, a sua ida à Assembleia Nacional. O vice-presidente, Manuel Vicente, acabou por ler o discurso.

À parte os incidentes paralelos, o discurso sobre o Estado Nação encerra expectativas naturais, enquanto exercício formal que sinaliza a leitura do chefe de Estado sobre os factos relevantes que fazem o país. Neste sentido, funciona domo uma espécie de guião, ao qual se submetem todas as agendas do país, directa ou indirectamente. Não apenas as que dizem respeito à actividade das instituições públicas, de uma forma geral, mas também as que são da esfera dos interesses privados. Quando, em 2014, por exemplo, José Eduardo dos Santos anunciou o recuo no estabelecimento de uma parceria estratégica com o Portugal, os fluxos de interesses exaltaram-se nos dois sentidos. Mas este apenas um dos vários exemplos possíveis que justificam as ansiedades à volta do discurso do Presidente.

Desta vez, as atenções estão necessariamente viradas, de forma diferenciada, para a economia e para a política internas. As razões são óbvias. No plano económico, apesar do notável exercício de contenção dos efeitos da crise, traduzido em várias políticas que se estendem, sobretudo, pelos domínios orçamental, cambial, fiscal, os agentes económicos continuam à espera de uma ‘palavra de conforto’ clara. As empresas quererão ouvir do mais alto magistrado da Nação os limites das reais possibilidades do Governo em relação a soluções, por exemplo, para a crise cambial. Precisam de ouvir um discurso de esperança, comprometido com resultados a prazo, apesar de toda a imprevisibilidade dos cenários económicos. As famílias, particularmente as mais atingidas pela queda abrupta dos rendimentos, por efeito da inflação galopante e da desvalorização cambial, estão aflitas por saber até que ponto o Governo poderá protegê-las e com que medidas concretas.

Dos anseios económicos, a travessia para os receios que derivam do contexto político faz-se de um salto. A partida e de forma terminante, espera-se do chefe de Estado a reconfirmação inequívoca do calendário eleitoral que determina eleições em 2017 e sobre o qual se calculam todas as contas políticas. Qualquer tentativa de especulação acerca do tema ficará, desde logo, desfeita. Igualmente importante, é crucial a garantia da estabilidade, porque, além da serenidade que se assegura aos angolanos, é preciso asseverar a todos os que escolheram Angola para viver e trabalhar que as eleições não serão fonte de conflitos incontroláveis.

O jornalista está na vanguarda da sociedade. Ele é o radar, o sonar... Ele funciona como os poros, que vai percebendo as coisas todas . E se ele não tem essa sensibilidade e não sente aquele mínimo de responsabilidade, ele pode escrever bem, ele pode ser um grande jornalista, mas ele descumpre, ele não atende algumas das atribuições que ele tem de ter.” Esta aula, transcrita na íntegra, sobre o papel social do jornalista, é do conceituadíssimo jornalista e professor brasileiro Alberto Dines, a qual subescrevemos de ponta a ponta. Uma interpretação livre da citação sugere, no limite, que é impossível existir jornalismo fora dos marcos delimitados por Dines. A própria legitimidade putativa que a sociedade reconhece nos jornalistas e, por extensão, nos órgãos de comunicação social decorre única e exclusivamente da confiança de que o exercício de intermediação jornalística ocorre na observância escrupulosa das palavras de Dines. É desta forma, em tese, que os propalados rigor e imparcialidade jornalísticos saltam da teoria e ganham corpo na prática, em forma de palavras orais e escritas. E é precisamente por isso que os jornais verdadeiramente sérios se penitenciam quando, por erros involuntários decorrentes da falibilidade humana, violam o rigor e levam os leitores ao engano absoluto. E quem fala de jornais (ou seja, de órgãos de comunicação social) fala dos outros actores sociais que, através da palavra, influenciam, de forma diferenciada, a opinião pública, nomeadamente os comentadores e analistas.

Acontece que, em Angola, por uma infinidade de factores que incluem uma atenção não prioritária à qualidade do trabalho jornalístico, os erros inconscientes dos jornais, a ignorância dos jornalistas e de comentadores e até a manipulação gratuita de analistas, sob a capa de opiniões técnicas, ganham espaço e imperam de forma impune. Os exemplos abundam.

Os enganos propalados, há algum tempo, por alguma media sobre o papel do Fundo Soberano de Angola (FSDEA) é um dos casos paradigmáticos. Quando, há dois anos, se tornou evidente que o Estado precisaria de fontes alternativas de recursos financeiros, pela queda das receitas ordinárias do Tesouro, por efeito da crise do petróleo, houve jornais, jornalistas e comentadores reconhecidos que exigiram a intervenção do Fundo Soberano em socorro do Orçamento. O não-argumento assentava na ideia comum de que o Fundo tinha sido concebido precisamente para acudir o Estado em situações adversas. O problema é que os tais fazedores de opinião, talvez por displicência, talvez por ignorância, esqueceram-se de duas condicionantes fatais. A primeira é o facto de o Fundo Soberano de Angola ter sido criado, a partida, com vocação para a capitalização e não para a estabilização orçamental. Assumindo, entretanto, que esse facto não seja suficientemente impeditivo em situações extremas, é-o seguramente o outro: o Fundo mal tinha recebido, na totalidade, a dotação inicial dos cinco mil milhões de dólares, quando o petróleo começou a quedar em meados de 2014. A pergunta básica que os tais detentores de opinião se deviam fazer é onde o Fundo encontraria os recursos para acudir o Estado. A menos, claro, que considerassem a sua descapitalização! Não esclareceram.

Até houve quem encontrasse uma oportunidade para se penitenciar e corrigir enganos, mas, porque o fez de forma engenhosa, a auto-correcção passou ao lado de muita e gente e muitas inverdades cristalizaram-se. Alberto Dines diria, seguramente, “haja coerência!”