Editorial Editorial

Editorial Editorial

07 Aug. 2017

ENFIM, LAÚCA

Angola presenciou, na sexta-feira passada, o que poderá ter-se tratado do último grande acto público do Chefe de Estado angolano, semanas antes de se aposentar do cargo. Contrariando o senso mais ou menos generalizado de que estaria gravemente debilitado, José Eduardo dos Santos mostrou-se para o país descontraído, atento ao momento e, acima de tudo, decidido a presenciar os primeiros instantes do início de produção de energia da mega estrutura que é a hidroeléctrica de Laúca.

Do actual Chefe de Estado haveremos, certamente, de falar dentro de dias, quando as cortinas descerem sobre o homem que decide os destinos do país há quase quatro décadas. O momento é de Laúca, um gigante projectado em momento de bonança e construído num cenário de carência não planeada.

O início da produção de energia marca o fim de uma fase importante nos esforços do Executivo que visam reduzir o défice de um bem sem o qual Angola, por muito que a retórica nos queira convencer do contrário, não irá trilhar desenvolvimento algum. Marcou-se mais um passo importante rumo ao desafio de se adicionar nove mil megawatts de energia à rede eléctrica nacional até, o que permitiria aumentar o número de beneficiários muito para lá dos oito milhões de Laúca.

Não importando tanto as propaladas motivações político-eleitorais do acto, releve-se o facto concreto: o país tem à disposição mais energia eléctrica.

Quer queiramos quer não, com todos os argumentos bota-abaixo que possamos esgrimir ressalte-se o facto de se ter podido erigir um projecto estruturante em meros cinco anos num contexto de profunda adversidade económica e financeira que chegou a perigar o cumprimento de prazos.

Espera-se que, para trás, fique o frenesim popular, com fortes laivos de ´xinguilamento´ durante os quais as províncias na rota de Laúca sofreram cortes sucessivos e electricidade porque se precisava de prover a famigerada albufeira de água desviada de Cambambe.

E acreditamos também ser justo que, concretizada a primeira das diversas fases, fora do perímetro de Laúca, se tenha acautelado toda a cadeia seguinte que permitirá a que o ´precioso bem´ chegue ao consumidor. Esta referência não é para menos, se atendermos que o drama destes anos todos abrange algo mais que a produção da energia em si. Já é sem graça quando Angola houve, amiúde, responsável disso e daquilo escudar-se nas deficientes estruturas de transporte e de distribuição para justificar o ritual de cortes endémicos. Mais do que isso, chega a ser abusivo quando se espera que o cidadão-contribuinte perceba a razão dos sucessivos apagões; ou que o industrial veja na contabilidade da sua empresa custos com combustíveis subirem constantemente.

Angola não se pode dar ao desprestígio de adquirir um Lamborguini sem que, para tal, tenha acautelado estradas à altura por onde rolar a portentosa máquina. O país não poderá dar-se ao luxo de construir uma hidroeléctrica da dimensão de Laúca, um sorvedouro de fundos públicos e linhas de créditos, sem que tenha equacionado formas viáveis e seguras que levem a electricidade ao seu destino último.

As reluzentes torres nas principais vias que ligam as províncias do Norte a Luanda dão uma ideia clara que assim não foi, mas espera-se que só nesta fase em que o gigante de Malanje produz 334 megawatts, não nos surja um iluminado esgrimindo os argumentos de sempre.

Nas próximas semanas, o país estará tomado pela maior movimentação política dos últimos cinco anos. O início da campanha eleitoral, que se segue à não menos agitada pré-campanha, está aí para convencer 9.317.294 de angolanos a quem deverão confiar o seu voto dentro de exactos trinta dias.

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Uns com os discursos mais bem calibrados que outros, os cinco partidos e uma coligação irão galgar o país real, tentandoconvencer-nos de que são a melhor aposta para assumir os destinos de 27 milhões de cidadãos nos próximos cinco anos.

Por definição, eventos desta natureza atiçam os ânimos e afinam o verbo, e disso decorre, regra geral, trocas nervosas de acusações e outros mimos.

Mas o bom senso e o sentido de responsabilidade, individual e colectiva, deverão levar os angolanos a apostar numa campanha mais pacífica possível, cordata e que releve, sempre, o direito à diferença de outrem. Diferença alguma será forte o suficiente para que quem sair à rua ou permanecer em casa, faça vista de mercador ao princípio basilar, sempre válido, da convivência harmoniosa e pacífica: os direitos de um terminam onde começam os direitos de outro.

Pouco, ou nada, importará de quem se trata. Apenas que se trata de um angolano, de alguém merecedor do nosso respeito e humanismo. Neste aspecto, o povo angolano pode orgulhar-se de si mesmo. Salvo pequenos incidentes verificados nalgumas regiões do país, julgamos que a pré-campanha eleitoral saldou-se pela positiva. Houve ânimos exaltados e apelos menos responsáveis que, entretanto, não passaram disso mesmo.

Dos principais autores assistimos a reiterados apelos de que as nossas diferenças não nos levem a esquecer, em momento algum, de onde partimos para aqui estarmos.

Pois bem. É precisamente dos principais actores políticos, os concorrentes, que se espera uma postura contínua que inspire os seus apoiantes. Regra geral, é deles que partem discursos inflamados e musculados.

Será a nova oportunidade à disposição geral; oportunidade de mostrarmos que o grande exemplo de 2002, ano em que o país enterrou a maior das suas diferenças e optou pelo pacifismo, continua bem vivo; oportunidade de desfazermos eventuais equívocos de que essa opção seria sol de pouca dura e que os 15 anos já coleccionados hão-de se multiplicar; oportunidade de provar a quem vem de fora nos observar que a aposta deste povo pelo respeito mútuo é permanente e que, sim, poderão regressar aos seus países e vincar bem claro nos seus relatórios que as eleições por lá foram livres e justas; oportunidade de vincarmos a maturidade de um povo que cresceu e pretende olhar, agora, para desafios da consolidação democrática, de desenvolvimento e do progresso transversais; oportunidade de definir caminhos e meios para contornar as adversidades que nos impõem uma crise económica atroz; oportunidade de assegurar a quem pretenda vir ca investir que pode fazê-lo, pois o clima será bom e propício para a realização de negócios.

Posto isto, resta-nos esperar, e apelar, para que quem deseja ser poder seja convincente o bastante. Nos tempos de antena ou nos eventos públicos projectados a nível nacional, que saibam esmiuçar os seus programas de governação, eixos, linhas-de-força, estratégias. O que for.

Em boa verdade, o angolano-eleitor espera ouvir promessas concretas que lhe permitam viver num país mais justo, onde o básico esteja garantido e ele possa contribuir.

Que saibam convencer e seduzir quem lhes vai decidir o futuro político, de que a Cidade Alta e a Assembleia Nacional serão palcos a partir dos quais se implementarão as aludidas promessas. E que tais promessas passem disso mesmo: promessas.

17 Jul. 2017

BOAS PRÁTICAS

É consensual hoje, pelo menos em teoria, que o país carece de um conjunto de reformas que assente, resumidamente, na adopção de boas práticas. Boas práticas precisam-se na produção, gestão e distribuição dos rendimentos públicos nos diferentes níveis da governação e da administração do Estado. Boas práticas requerem-se na administração de empresas públicas e privadas. Na gestão da banca e na regulação dos mercados. Boas práticas exigem-se na administração e gestão do ensino. Nos critérios de acesso às oportunidades, em termos gerais e abstractos. Boas práticas recomendam-se até, a nível mais doméstico, na gestão dos recursos pessoais. O país, no fundo, precisa de boas práticas no seu todo.

Vem essa reflexão, mais uma vez, a propósito de dois factos de relevância política, económica e social que marcaram a última semana. O mais importante está relacionado com o universo das telecomunicações. O Ministério das Telecomunicações e Tecnologias de Informação, sob a liderança de José Carvalho da Rocha, anunciou o início das pré-vendas das capacidades de serviços do Angosat1. A Televisão Pública de Angola e a congolesa democrática Renatelsat adiantaram-se com a assinatura de contratos de reserva. Carvalho da Rocha decidiu, entretanto, juntar ao anúncio das pré-vendas outras iniciativas para assegurar que o primeiro satélite angolano já é, de facto e de jure, uma realidade. Uma dessas iniciativas foi abrir as portas do Centro de Controlo e Missão de Satélite, na Funda, em Luanda, a várias individualidades, incluindo directores de órgãos de comunicação e social e fazedores de opinião. E o que ficou à vista, apesar da necessidade de crescimento dos recursos humanos em termos quantitativos e qualitativos, sinalizou, de forma clara, que há vontade para uma aposta séria nas capacidades angolanas. Basta referir que o Angosat 1, a partir do momento em que estiver em órbita, vai ser operacionalizado exclusivamente por técnicos angolanos formados a propósito. A assistência estrangeira estará reservada apenas à eventualidade de intervenções mais complexas. Ou seja, ao contrário do que se esperaria de um projecto dessa dimensão, na operacionalização do satélite angolano não haverá consultores estrangeiros. Apenas jovens angolanos. E ainda que se tenha tratado de uma imposição do fabricante russo, qualquer um de bom senso percebe que estão em causa apenas benefícios para o país. Porque, ao excluir-se a mão visível dos consultores de costume, entre outras possibilidades, há garantias mais efectivas de transferência de conhecimentos para nacionais, logo para Angola. Está aqui, portanto, um exemplo de boa prática que deve ser destacado e incentivado.

Outro facto relevante da última semana que ressuscita o tema das boas práticas foi o rompimento brusco e unilateral do contrato de gestão da TAAG, por iniciativa da Emirates. Quando, em Outubro de 2016, o demissionário PCA da TAAG defendeu, numa entrevista polémica ao VALOR, que a fase de reestruturação das grandes empresas deveria ser liderada por estrangeiros, escrevemos, na mesma edição, que a tese de Peter Hill só seria simplista se fosse analisada também de forma simplista e abstracta. Dissemos, na altura, que Peter Hill se referia a estrangeiros de culturas empresariais com solidez material suficiente, ao ponto de recusarem acordos de indigência. De estrangeiros que não sucumbiam à promiscuidade e à mediocridade na primeira esquina de Luanda. De estrangeiros obcecados pela cultura das boas práticas. Era a derradeira explicação da diferença entre a gestão da Emirates na TAAG e a ‘gestão’ que nos oferecem os consultores de costume. Alguém não percebeu a diferença fundamental e, claro, a Emirates bazou.

Quando Isabel dos Santos foi formalizada como presidente do conselho de administração (PCA) da Sonangol, o país fracturou-se, com críticas e elogios desencontrados que pareciam não ter fim à vista. A contestação concentrou-se, essencialmente, em dois aspectos.

Um de dimensão técnica, que colocava dúvidas quanto à capacidade da empresária de conduzir uma gigante como a Sonangol, uma vez que não lhe era reconhecido qualquer registo de relevo no CV, em matéria de gestão directa de empresas.

Outro de natureza ética que se fundamentava, sobretudo, nas ligações que os interesses pessoais de Isabel dos Santos já mantinham com a Sonangol. Uma terceira linha de crítica, menos cimentada, mas também ligada ao quesito ético, apontava a relação parental da empresária com o chefe do Executivo.

No rol da crítica, não nos mantivemos indiferentes. Assumimos o lado da contestação, mas limitando-nos exclusivamente na questão ética, relacionada com a potencial promiscuidade entre o interesse público e o privado. Declinámos sempre as outras duas narrativas de contestação e, em várias oportunidades, explicámos os porquês. Primeiramente, e ainda que não se lhe reconhecessem cargos de gestão nas suas empresas, toda a gente sempre soube que Isabel dos Santos gira à volta dos grandes negócios há muitos anos.

Em bom rigor, e olhando para o seu portefólio de negócios, provavelmente não há um único angolano, no sector privado, que alguma vez negociou os números a que Isabel dos Santos estava habituada. Isso era razão mais do que suficiente para se relativizarem as críticas que assentavam na componente técnica.

Em relação ao parentesco ao Presidente da República, a discussão teve de elevar-se para a hermenêutica das leis e, ao que ficou provado, os defensores da ilegalidade da nomeação não tiveram argumentos para contrariar, de forma fundamentada, os pareceres jurídicos que validavam o acto discricionário de José Eduardo dos Santos, no ano passado.

Com a publicação dos resultados da Sonangol do exercício de 2016 – os primeiros da Era Isabel dos Santos – reabre-se necessariamente o debate sobre os lados da razão. E fica aparentemente o recado de que as dúvidas atreladas na capacidade da gestora estariam provavelmente equivocadas.

Independentemente da explicação do desempenho do resultado operacional, é facto que este indicador cresceu de forma significativa, fazendo fé nos números apresentados. E cresceu em níveis nada esperados, considerando os indicadores agregados do país que apontaram uma quebra de 3,3% no produto interno bruto.

Se é um facto que o resultado operacional foi empurrado mais pela receita do que pela redução da despesa, não seria menos expectável que uma gestão menos prudente anulasse o crescimento registado, com algum descontrolo nos gastos, como é, de resto, histórico na gestão da companhia, mesmo em momentos mais conturbados do petróleo.

Isabel dos Santos, salvo prova em contrário, deixa assim, neste exercício, uma palavra forte sobre a razão das reformas que empreende na companhia, que já levaram a petrolífera a aplicar mais de 96% dos investimentos, em 2016, no negócio core.

E, como já explicado numa oportunidade diferente, parece legitimar as suas críticas contra a gestão dos 15 anos anteriores à sua chegada à Sonangol. Há, de certa forma, ainda histórias para contar.

03 Jul. 2017

UM EXEMPLO

Raras vezes se aborda a evolução da política interna, e particularmente a complexidade de processos eleitorais em realidades como a nossa, com a frieza, conhecimento e elevação com que o faz o antigo director do Instituto Eleitoral da África Austral. A entrevista de Augusto Santana, nesta edição do VALOR, especialmente pelo contexto, é de leitura obrigatória. É, sobretudo, uma verdadeira lição de serenidade e de realismo, enquanto as dispersas e equivocadas vozes de circunstância reclamam o monopólio da verdade sobre os acertos e os erros históricos no processo de construção da democracia. As ideias-chave de Santana são esclarecedoras, ao relembrarem os enganos do triunfalismo partidarista na construção do Estado. Desde logo, porque ninguém é dono e senhor da verdade. E porque, em matéria de democracia, ninguém (particularmente os autores político-partidários) pode afirmar, sem demência, que está à beira da maturidade. Há um inquestionável processo de aprendizagem que ainda se calcula mais ou menos demorado, dependendo, claro, da vontade das lideranças e da sociedade, por extenso.

Mas engana-se, desde já, quem confunde a opção pela reflexão realista com uma espécie de passividade, conivente do situacionismo. O racional pode detrás da serenidade é outro. Passa, essencialmente, por lembrar, neste afã eleitoralista, que todos são partícipes da construção e, de certa forma, responsáveis pelo passado, pelo presente e pelo futuro que nos espera.

Veja-se o exemplo da controvérsia em relação ao financiamento dos partidos políticos para efeitos eleitorais. A crise da democracia que se reconhece hoje pelo mundo significou, sobretudo, a crise dos sistemas políticos, assentes nos modelos de partidos tradicionais. O que, no nosso caso, à semelhança do resto do mudo, como o assinala também assertivamente Augusto Santana, passou a significar o questionamento da legitimidade dos partidos políticos em reclamarem recursos públicos de forma geral e, em particular, para efeitos eleitorais. Numa oportunidade diferente, já antecipávamos aliás que o tema, mais cedo do que tarde, entraria na agenda da discussão pública. Especialmente quando aparecem partidos com propostas que, de tão absurdas, atentam contra a paciência e a inteligência colectivas. No fundo, o que antecipávamos era uma espécie de contenda entre os partidos que, via de regra, reclamam a exiguidade dos recursos do Estado que lhes são destinados para as eleições e a sociedade que entenderia que os partidos políticos já não são suficientemente representativos dos seus interesses, para continuarem a merecer dinheiros públicos.

E de dinheiros públicos não paramos por aqui. A Sonangol antecipou, na última semana, para hoje, segunda-feira, 3, a apresentação dos resultados do exercício de 2016. E, ao contrário do ano anterior em que as expectativas se centraram na estreia da nova administração na apresentação dos números da empresa, desta vez os olhos estão virados para os primeiros resultados consolidados da Era Isabel dos Santos, depois de um conjunto de reformas que foi sendo anunciado no último ano. Uma coisa, desde já, é certa: com a conjuntura do petróleo como a temos registado no último ano, uma garantia de que a Sonangol não exigirá do Estado um esforço orçamental complementar já seria uma notícia menos má.