Editorial Editorial

Editorial Editorial

19 Jun. 2017

‘INVENCIONE’

Mais do que um debate de natureza legal, a discussão em torno do Projecto de Lei Orgânica sobre o Regime Jurídico dos ex-Presidentes e vice-Presidentes da República é essencialmente política. No campo legal, o conjunto das garantias reservadas aos ex-Presidentes da República neste Projecto de Lei não vai além dos direitos já estabelecidos na Constituição de 2010. Regalias como residência oficial, escolta pessoal, viatura protocolar e pessoal administrativo estão previstos na lei magna, especificamente no seu artigo 133º que desdobra o estatuto dos antigos Presidentes da República. O mesmo que também já predetermina outros direitos definidos em lei. A importância que alguma interpretação confere ao fórum privilegiado, para o caso de responsabilização criminal, e ao período de nojo de cinco anos, referidos no Projecto, também só se explica por pura distração. No artigo 127º sobre a responsabilidade criminal, a Constituição já prevê o período de carência em causa (os tais cincos após o término das funções) para que um ex-Presidente da República responda por eventuais crimes estranhos ao exercício das suas funções. E o fórum que a Constituição estabelece é um tribunal superior, no caso o Tribunal Supremo. Grosso modo, pode dizer-se que o actual Presidente da República e os seus futuros sucessores já tinham, na Constituição, um quadro legal que lhes permitiria viver o ‘day after’, com significativa estabilidade a todos os níveis. Em termos comparativos, também é fácil perceber que, em relação a regalias, o Projecto de Lei, de iniciativa do MPLA, não inventa quase nada. Há vários casos de realidades consolidadas em que os antigos presidentes e vice-presidentes da República e respectivas famílias gozam de estatutos especiais em questões como a protecção pessoal, habitação, pensão de reforma, acesso à saúde, entre outras garantias. Os Estados Unidos da América são um exemplo terminado nesta matéria.

O que constitui uma verdadeira invenção do MPLA, neste caso, é a proposta de instituição da figura de ‘Presidente da República Emérito’. E não se trata de uma invenção qualquer. Em termos políticos, é uma criação susceptível de manchar, de forma despropositada, a mensagem de desapego que José Eduardo dos Santos passou ao país, ao decidir ceder a posição de candidato do MPLA às próximas eleições. Por muito que se discuta a longevidade do poder do Presidente da República, José Eduardo dos Santos tinha legitimidade constitucional e apoio incondicional do seu partido para concorrer a mais um mandato, sucedendo-se a si próprio. Ao decidir abandonar o cadeirão máximo do Estado, sem imposição, confundiu necessariamente as vozes que lhe denotavam apego desmesurado ao poder. No fundo, com a decisão de saída por iniciativa pessoal, apesar da contestação do partido que lhe renovou confiança no último congresso, só por desonestidade intelectual ou falta de rigor histórico José Eduardo dos Santos poderia ser comparado ao leque de líderes africanos da estirpe de Robert Mugabe. O que a proposta do MPLA põe em causa, na parte da instituição do Presidente Emérito, é precisamente isso. Porque, em rigor, seria sempre possível considerar-se soluções político-legais menos ruidosas, mas igualmente efectivas do ponto de vista da protecção e da segurança do futuro ex-Presidente da República. Qualquer coisa que não passasse por tão ‘brilhante’ invencionice.

12 Jun. 2017

COLAPSO IMINENTE ?

Em menos de dois meses, o VALOR noticia, em primeira mão, dois factos relacionados com o mercado doméstico da aviação comercial, no mínimo, inquietantes. O primeiro foi a informação de que o Instituto Nacional da Aviação Civil (INAVIC) havia orientado a suspensão dos voos da Air 26, exigindo a reestruturação da empresa. Desta vez, é reportada a proibição da Chevron aos seus funcionários de usarem as aeronaves do Sonair, a companhia aérea controlada pela concessionária pública e criada, sobretudo, para atender as necessidades de deslocações internas do pessoal afecto à indústria petrolífera. Em qualquer um dos casos, as fontes não detalharam as razões de fundo. A explicação possível avançada resume-se em alegadas falhas nos procedimentos, detectadas quer pelo regulador, no caso da Air 26, quer pela petrolífera norte-americana, no caso da Sonair.

Acontece que a simples referência a “falhas nos procedimentos”, para o entendimento comum, abre alas, de forma justificada, para todo o tipo de ansiedades e medos. Porque, em rigor, o que sobra como última preocupação é sempre a segurança dos voos. E essa preocupação coloca a inevitável pergunta sobre até que ponto os nossos voos domésticos continuam a ser seguros. As respostas a esta pergunta têm de ser dadas, naturalmente, pelas autoridades competentes, designadamente o INAVIC. Mas, enquanto os esclarecimentos definitivos não chegam, não há como ignorar o aparente inapelável colapso do negócio da aviação doméstica.

A Air 26 e a Sonair são apenas, neste momento, dois dos raros sobreviventes da onda de falências que devasta o sector desde a década passada. Fracassos, como reconhecido na generalidade pelos próprios operadores, que ocorreram sobretudo pela impreparação dos ‘players’, desavisados de um conjunto de transformações no mercado ocorridas no pós-guerra, com destaque para a entrada dos ‘concorrente’ dos transportes terrestres. Mas também impreparados quanto às novas exigências de investimentos em meios, na segurança e em recursos mais qualificados. E quanto à significativa alteração dos custos operacionais, entretanto, instalados no mercado, relacionados nomeadamente com combustíveis, taxas aeroportuárias e pessoal.

As notícias negativas sobre a Sonair e a Air 26 vão, portanto, além da legítima e inegociável preocupação com a segurança. Em última instância, sugerem que o sector privado (com a devida ressalva da Sonair, que é tutelada por uma empresa pública) pode estar na iminência de deixar a TAAG a explorar o espaço aéreo doméstico sozinha. Basta verificar-se que, no caso da Air 26, por exemplo, os novos desenvolvimentos apontam que a proibição do INAVIC se terá devido também ao facto de a empresa estar há largos meses sem pagar salários aos colaboradores. Os próprios trabalhadores falam em quase um ano e meio. Claro, razão mais do que suficiente, porque ninguém minimamente sensato deixa mexer em aviões pessoas com dezenas de salários em atraso.

07 Mar. 2017

ANSEIOS

À entrada do último mês do primeiro trimestre, ainda estamos em tempo de fazer contas sobre as perspectivas de 2017. Projeções, diga-se, que continuam sombreadas por uma nuvem gigante de incertezas. Mais na economia do que na política, apesar da incontestável interdependência entre ambas. Em termos formais, as grandes ansiedades, na esfera política, estão refreadas. Porque, mais do que os resultados das eleições de Agosto, o esclarecimento preliminar do ano político passava pelo esclarecimento definitivo da posição de José Eduardo dos Santos. Feito o anúncio irrevogável da sua ausência nas eleições, o que resta é a gestão do processo de sucessão e de transição política que tem agora na passagem de pastas a João Lourenço o momento mais esperado.

Na economia, fazem-se, no entanto, outras contas, com outras dúvidas. Por um lado, o relativo optimismo, feito de uma dose de expectativas. A expectativa de que o petróleo mantenha a tendência que traz do ano passado de preços confortavelmente acima da referência fiscal inscrita no Orçamento Geral do Estado (OGE). A promessa de que a incursão do Banco Nacional de Angola (BNA) pela Europa e pelos Estados Unidos devolva alguma confiança no regulador e no sistema financeiro angolanos, permitindo a normalização da relação da banca com as instituições que ditam as regras universais. A previsão da concretização do investimento público, muito acima dos resultados do ano passado, à mercê da recuperação do petróleo e de uma disponibilidade maior dos empréstimos externos, como ficou provado com as últimas corridas à China do ministro das Finanças, onde reconfirmou mais sete mil milhões de dólares. Investimento público que é, nesta fase, indiscutivelmente crucial para a atracção do investimento privado local e estrangeiro, enquanto garante da construção e recuperação de infra-estruturas.

Por outro lado, o cepticismo alimentado por um sem-números de metas oficiais potencialmente irrealistas. Frontal e cáustico, o economista Victor Hugo aponta algumas, com particular clareza, na entrevista que faz manchete esta semana. Duvida do objectivo do Governo, quanto ao recuo da inflação para a casa dos 15%, depois de ter fechado o 2016 nos 40%. A justificação é o previsível impacto da esperada desvalorização do kwanza (que também questiona) nos preços e nos rendimentos. Questiona o compromisso do Governo com a realização da despesa pública, apesar da recuperação do petróleo. A explicação é o elevado ‘stock’ da dívida pública, acumulado especialmente nos últimos dois anos e que sujeita o Governo a pesadas despesas com o serviço da dívida. Critica práticas da banca nacional, que vê como um cartel e cuja actuação errónea condiciona, em grande medida, o reconhecimento do BNA, como um regulador idóneo. Atira-se contra a política fiscal, que se prevê venha a apertar a tributação do consumo, por considerá-la desproporcional à estrutura e à conjuntura económicas e aos rendimentos médios dos trabalhadores.

No fundo, entre os receios que fomentam o cepticismo e as expectativas que sustentam o optimismo resta a ausência de certezas que, só no fim de contas, serão apuradas.

20 Feb. 2017

PERGUNTAS

Os dados preliminares da execução da despesa pública de desenvolvimento (DPD) em 2016 relem-bram a gravidade com que a crise económica e financeira afectou os recursos ordinários do tesouro. O relatório do Ministério do Planeamento e do Desenvolvimento Territorial sobre a execução do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND 2013-2017) até ao terceiro trimestre de 2016 indica que, dos 1.268,57 mil milhões de kwanzas destinados à despesa pública de desenvolvimento no ano pas-sado, foram aplicados apenas 305,04 mil milhões de kwanzas, o equivalente a pouco mais de 24%. A despesa pública de desenvolvimento é repartida em despesa de investimento público (essencialmen-te aquela que é destinada à execução das infra-estruturas públicas) e despesa de apoio ao desenvol-vimento (a que se destina por exemplo ao desenvolvimento do sector privado). Qualquer uma das rubricas não foi além dos 26%, em termos de execução, no conjunto dos primeiros nove meses de 2016, o que quer dizer, a partida, que os resultados definitivos, incluindo a performance do último trimestre, devem ficar significativamente abaixo do projectado. Comparada ao desempenho nos dois primeiros anos de implementação do PND (2013 e 2014), a execução da despesa pública de desen-volvimento em 2016 chega a causar calafrios. Em termos nominais, em 2013, por exemplo, a execu-ção da DPD atingiu 1.521,99 mil milhões de kwanzas, crescendo 10% no ano seguinte para os 1.679,81 mil milhões. Em 2015, apesar da derrapagem de cerca de 59%, face a 2014, a execução nominal ficou em 685 mil milhões de kwanzas, o que significa que deve superar o desempenho global de 2016.

A leitura mais curiosa da performance da despesa pública de desenvolvimento ocorre, no entanto, quando olhamos para o desempenho individual de cada província. As diferenças no grau de execu-ção são estranha e extremamente alarmantes. Malanje lidera com uma implementação de 70,42%. Dos 34,10 mil milhões de kwanzas orçamentados aplicou 24,01 mil milhões no período em análise. Kwanza-Norte, ainda que a distância, ficou-se acima da média com uma execução de 57,95%. Aplicou 14,62 mil milhões de kwanzas dos 25,22 mil milhões planificados. Na fasquia dos mais de 30% está apenas a província de Cabinda, acompanhado pela Estrutura Central (32,29% e 31,16% respectiva-mente). No outro extremo colocam-se Cunene (com 0,26% de execução), Lunda-Sul (0,77%), Lunda-Norte (2,28%) e Namibe (2,90%). A pergunta que imediatamente ocorre é óbvia: como se explica que, a propósito do mesmo programa, concebido como um todo nacional, há províncias com grau de cumprimentos de 70% e outras com desempenho quase nulo? O Relatório não responde propri-amente a esta questão, o que deixa margens para algum exercício de especulação. Desde logo, por-que a crise económica e financeira não explicará de forma completa essas discrepâncias, sobretudo porque estão em causa em igual estágio de desenvolvimento, logo com as mesmas necessidades de investimento. O que se terá passado então? Algumas províncias terão recebido os recursos financei-ros orçamentados e outras não? Ou uns terão simplesmente falhado? São algumas das várias per-guntas que, por ora, ficam sem respostas, mas que terão de ser dadas necessariamente.

13 Feb. 2017

CONTAS NACIONAIS

Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou, na última semana, as Contas Nacionais provisórias de 2014 e as preliminares de 2015, um marco histórico do sistema estatístico nacional. À apresentação desses números o INE somou a garantia de estar apto para, a partir de Março, divulgar os dados preliminares das Contas Nacionais por trimestre. Isto significa, desde logo, que, no fim do próximo mês, teremos conhecimento dos resultados preliminares das Contas Nacionais dos últimos três meses de 2016. Consequentemente, nos últimos dias de Junho, estarão disponíveis as Contas Nacionais do primeiro trimestre deste ano e assim sucessivamente. Entre os próximos desafios imediatos, além da apresentação das Contas Nacionais anuais definitivas de forma regular, com o intervalo técnico necessário, o Instituto comprometeu-se a trabalhar de modo a que a segmentação infra-anual das Contas possa ser feita de forma mensal. E mais: com os olhos postos na melhoria da qualidade da informação que processa, o INE espera fazer um ‘upgrade’ no padrão dos manuais que lhe servem de referência, além de ter em vista a actualização do ano base para os cálculos de indicadores, como o produto interno bruto.

Ora, independentemente das questões que se levantem, face à informação produzida pelo INE, não é possível negar que se está em presença da efectivação de um processo de viragem do sistema estatístico nacional. Basta mencionar que Angola passa a ser assim apenas um dos 10 países africanos que produzem Contas Nacionais.

Quem tem a responsabilidade de tomar decisões, especialmente no plano político e empresarial, tem consciência da importância das referências estatísticas que sinalizem as tendências dos principais indicadores da economia no curto prazo. Ao investidor faz, certamente, muita diferença decidir sobre um negócio com base no conhecimento de que, nos últimos três meses, a economia evoluiu de uma certa forma. Assim como para quem governa é sempre mais confortável poder ajustar políticas, conhecendo a realidade dos números sobre os quais decide.

De modo mais alargado, é todo um conjunto diversificado de instituições nacionais e estrangeiras, é todo um país que passa a ter a possibilidade de aplicar a informação fornecida pelas Contas Nacionais aos processos de investigação, de análise e de decisão de forma tempestiva. Até hoje isso não foi possível.

Mas, dito isto, há desafios pela frente aos quais o INE terá de necessariamente dar respostas de forma imediata. O caso do acompanhamento do emprego é dos mais óbvios. Num contexto em que o próprio Governo inclui, no discurso oficial, a promoção do emprego jovem como uma das suas prioridades absolutas, faz falta uma ferramenta que dê informação, a mais oportuna e real possível, sobre o chamado mercado do trabalho. Há, todavia, outras explicações mais densas, quanto estruturais. A discussão cada vez mais frequente sobre a reorientação do ensino às prioridades nacionais passa também pelo dimensionamento do real potencial da economia para a absorção dos recursos humanos que vão ficando disponíveis. Contas feitas, há trabalho feito e há trabalho por fazer. E, mais do que isso, parece haver sobretudo consciência e vontade de se fazer um trabalho cada vez melhor. O que não faltará é tempo para assistirmos ao que o tempo fará.