ZUNGUEIRA
Isabel Dinis

Isabel Dinis

SEGUROS. Presidente do conselho de administração é acusado de desvios, em cartas anónimas. Em resposta, Manuel Gonçalves nega qualquer acusação e revela que denúncias visam criar agitação interna.

MANUEL GONÇALVES ENSA

Duas cartas anónimas e várias denúncias graves denunciam mau clima na Empresa Nacional de Seguros de Angola (ENSA). Mas o presidente do conselho de administração (PCA) da empresa, Manuel Gonçalves, garantiu não haver “nenhum facto verdadeiro” no conteúdo da carta que o acusa de atropelos na gestão da seguradora.

“Tudo zero”, garantiu, ao responder ao VALOR, durante a conferência de imprensa de apresentação dos 40 anos da empresa. Considerando “não uma carta”, mas “um documento colocado nas redes sociais apenas para manchar a reputação de terceiros”, Manuel Gonçalves acrescentou que as “inverdades” contidas nele “são óbvias”.

Entre as denúncias, a carta acusa Manuel Gonçalves de ser “fornecedor” de vários serviços à seguradora.

Fonte próxima da administração, que não quis ser identificada, aponta, por sua vez, aquela que considera “a principal razão para o descontentamento por parte de alguns trabalhadores”. Garantiu tratar-se da dificuldade que muitos dos trabalhadores estão a ter para honrar os compromissos que têm com o banco, na sequência de um protocolo que a ENSA tem de facilitação de crédito aos colaboradores. “Muitos pediram créditos, mas, como agora estão com dificuldades de pagamento devido à situação económica do país, defendem que deve ser a ENSA a fazer e a administração discorda, esse é o principal problema que existe”, explica.

DESENCONTROS

Entre os vários trabalhadores ouvidos pelo VALOR, as ideias estão divididas. Há uns que acreditam que a carta foi escrita por um trabalhador insatisfeito que quer subir de cargo. “É apenas frustração de um grupinho. Desde que foram nomeados novos directores que isso começou. Trabalho há mais de uma década na ENSA e não é a primeira vez que coisas do género acontecem. A empresa tem centenas de trabalhadores e é normal isso acontecer. Apenas dessa vez foi parar às redes-sociais”, comentou um dos funcionários. Para outros, a carta tem verdades e exageros.

NÚMEROS DA SEGURADORA

Angola tem 26 seguradoras. A ENSA lidera o mercado. A empresa tem mais de 600 trabalhadores e, até Setembro do ano passado, a seguradora teve um resultado líquido de 699,2 milhões de kwanzas em consequência de um montante total de 37 mil milhões de kwanzas de prémios brutos emitidos. Os custos com as indeminizações aos clientes foram de cerca de 21 mil milhões de kwanzas.

PATRIMÓNIO. Maior partido na oposição, através da proposta de Lei Sobre o Regime Extraordinário de Regulação Patrimonial, apresentada à Assembleia Nacional, quer tornar legais todos os ‘desvios’, cobrando uma taxa especial de 45% a favor de um Fundo de Erradicação a Pobreza. Lei abrangeria todo o património que se encontra ou não em Angola.

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A UNITA pretende que quem tenha recursos patrimoniais, transferidos ou mantidos no exterior ou dentro do país, não declarados, e cuja origem seja o território nacional, deverá declarar ao Estado, através de uma entidade criada para esse efeito.

O maior partido na Oposição deseja que a proposta seja incluída na Lei Sobre o Regime Extraordinário de Regulação Patrimonial (RERP), apresentada no início de Dezembro do ano passado, na Assembleia Nacional (AN). O projecto, que foi rejeitado para ser discutido na próxima reunião plenária, marcada para a próxima quinta-feira, é visto pelo líder parlamentar da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, como uma “oportunidade de se pôr ordem aos roubos ao património, ou seja, uma regulação não apenas para o que foi levado para fora do país, mas também para o desviado dentro do país”.

A lei abrangeria todo o património que se encontrava ou não em Angola até 30 de Agosto de 2017, que consistia em direitos reais de barras de ouro e prata, minerais, metais e ligas metálicas, depósitos, certificados de depósitos, valores mobiliários e imobiliários, valores monetários e outros instrumentos financeiros de origem lícita e ilícita, não declarados ou declarados, com omissão ou incorreção em relação a dados essenciais, remetidos ou mantidos dentro e no exterior, ou repatriados por residentes ou domiciliados no país.

Ficaram de fora, neste projecto-de-lei, os bens com origem no tráfico de substâncias psicotrópicas ou drogas e afins, terrorismo e seu financiamento, contrabando de armas, extorsão mediante sequestro e organização criminosa.

O maior partido na oposição propõe ainda uma contribuição especial para a regularização do património, fixada numa taxa de 45% de todos os bens. A contribuição seria paga e arrecadada uma única vez e constituiria receita extraordinária do OGE, que serviria para alimentar o Fundo de Erradicação da Pobreza, uma entidade autónoma a ser constituída pelo Presidente da República.

O património que se encontra no exterior deverá ser repatriado com o apoio do Estado, para uma conta aberta em Angola ou numa conta no exterior em nome do Estado angolano. Sempre que os activos forem superiores a 100 mil dólares, o declarante deverá solicitar a autorização à instituição financeira no exterior e enviar informação sobre o saldo desses activos para a entidade gestora do programa de regularização no país.

A declaração de regularização deverá ser entregue até 30 de Novembro deste ano, caso a proposta seja aprovada.

Para a efectivação da lei, o partido propõe a criação de uma Comissão de Regularização Patrimonial (CRP). A entidade deverá ser composta por nove integrantes. Um designado pela Sociedade Civil e pelo Presidente, que coordenará a comissão. Três designados pelos grupos parlamentares da Assembleia Nacional, um representante da Ordem dos Contabilistas de Angola, um da Unidade de Informação Financeira, um representante do Tribunal de Contas, um da Inspeção do Estado e outro da Administração Geral Tributária.

O Banco Nacional de Angola também está a preparar uma lei que vai obrigar os angolanos com depósitos superiores a 100 mil dólares no estrangeiro e não declarados a repatriar os valores em seis meses, sem estarem sujeitos à investigação criminal, tributária ou cambial.

EXPLORAÇÃO FLORESTAL. Novas regras de exploração e exportação de madeira, a serem implementadas a partir de Maio, vão exigir comprovativo de compra. Só depois a mercadoria poderá sair do país.

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O Ministério da Agricultura e Florestas vai exigir, a partir de Maio, que o exportador de madeira comprove o pagamento prévio, alterando as regras em vigor.

Até agora, um empresário podia exportar livremente e receber o pagamento no exterior, impedindo, muitas vezes, que o dinheiro entre no sistema financeiro nacional. Com a alteração do quadro, “só vai ser permitida a saída da madeira perante depósito prévio de pagamento ou perante uma carta de crédito”, reforça o secretário de Estado para os Recursos Florestais do Ministério da Agricultura, André Moda.

A implementação de novas regras justifica-se pelo crescente interesse pelo negócio. A madeira passou a ser um dos principais produtos de eleição para a exportação, permitindo aos exportadores acesso às divisas.

No entanto, o mercado tem sido marcado por inúmeras irregularidades como a alegada presença, em número considerável, de estrangeiros, maioritariamente chineses, na exploração, contrariando o que está previsto na lei.

Recentemente, em conferência de imprensa, André Moda responsabilizou os empresários nacionais pela presença de estrangeiros na produção de madeira, mas também admitia a carência de fiscais para fazer face às irregularidades. “A exploração por estrangeiros tem sido feita com licenças trespassadas por nacionais, acto proibido na lei de bases e florestas. Apenas podem ser detentores de uma licença para exploração empresários nacionais e ou empresas de direito angolano”, recordava o governante.

Ao VALOR, proprietários de licença aceitam a crítica de André Moda, admitindo que cedem a exploração a estrangeiros, mas justificam a atitude com a falta de apoios bancários.

O governante acredita que o novo plano vai conferir “maior confiança aos agentes económicos, maior grau de controlo, fiscalização aos recursos florestais e a consequente redução das empresas intervenientes no processo”.

A aplicação do modelo será reforçada com a construção de entrepostos de fiscalização e comercialização para receber a madeira de vários pontos de produção.

3 milhões USD/mês

Dados da Direcção Nacional do Comércio Externo, organismo do Ministério do Comércio, indicam que, entre Janeiro de 2016 e Junho de 2017, Angola exportou 280.518 toneladas de madeira, o que resultou numa facturação de cerca de 56,3 milhões de dólares, uma média de três milhões de dólares por mês (ver quadro).

Já os dados do Ministério da Agricultura (que, por norma, usa medida de volume) mostram que, em 2015, foram produzidos 163.371 metros cúbicos e, em 2016, 170 mil. As exportações passaram de 31.313 para os 125.189 metros cúbicos no mesmo período.

Angola possui uma superfície florestal de mais de 69 milhões de hectares; 4,5 mil milhões de metros cúbicos de reservas e uma capacidade anual de corte de 500 mil metros cúbicos de madeira, representando 55,6% da superfície territorial. Conta também com um potencial de florestas plantadas, constituídas por eucaliptos, pinhos e outras espécies que ocupam uma superfície de cerca de 140 mil hectares.

PRODUÇÃO. No passado, foram licenciadas 300 unidades com investimentos de 344,8 milhões de dólares. Números representam uma redução de mais de 40%, face à média anual dos quatro anos anteriores.

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O Ministério da Indústria licenciou, entre 2012 e 2017, investimentos no valor de 2,7 mil milhões de dólares dos quais 344,8 milhões correspondem a 2017 em que foram licenciadas 300 unidades.

Os dados são relativos às grandes e médias unidades e foram revelados, ao VALOR, pela directora do Cadastro e Licenciamento, Olga Afonso.

Os números indicam uma redução de 41,4% no valor do investimento em 2017, face à média anual dos quatro anos anteriores, estimada em cerca de 588,8 milhões de dólares, enquanto a média anual do quinquénio 2012/2017 está avaliada em 540 milhões de dólares.

A maioria dos licenciamentos foi para o sector alimentar e Luanda lidera na preferência dos investidores. Em 2017, acolheu 90% dos investimentos, que perspectivavam a criação de 31.224 postos de trabalho.

A Direcção de Cadastro licenciou cinco mil indústrias em todo o país, o que representa cerca de 67% do parque industrial. O censo, que o Ministério realizou em 2014 e publicou em 2015, permitiu identificar a existência de 7.467 unidades industriais, sendo 85% privadas e 63% com a situação jurídica irregular.

“Apesar da crise económica e financeira, o processo de licenciamento não parou e os potenciais investidores não focaram inibidos”, analisa Olga Afonso, que prevê, para este ano, a mesma dinâmica nos investimentos.

Burocrático e moroso

O licenciamento das unidades industriais foi tido, nos últimos anos, como sendo bastante burocrático e moroso. Para melhorar o quadro, em 2017, o Ministério da Indústria criou uma plataforma na ‘web’, denominada Sistema de Licenciamento Industrial (SILAI), que permite a atribuição de alvarás provisórios e definitivos.

Em 2016, tornou-se o processo menos oneroso com a redução da tabela de taxas e emolumentos, através de um decreto conjunto dos Ministérios das Finanças e da Indústria. De 2015 ao ano passado, com os emolumentos e taxas, a direcção nacional arrecadou mais de 80 milhões de kwanzas. O valor foi destinado em 40% para o Orçamento Geral do Estado, 40% para a entidade licenciadora e 20% para o Fundo de Apoio Social dos Trabalhadores do Ministério da Indústria (FASTMIND).

INDÚSTRIA. Análises laboratoriais às matérias-primas vão deixar de ser obrigatórias. A Associação dos Industriais entende a medida como uma “precipitação” por “não defender a saúde pública”. A redução de impostos de bebidas e prioridade aos ‘feitos em Angola’ também fazem parte das apostas do Governo.

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O Governo vai extinguir a obrigatoriedade de realização de análises laboratoriais às matérias-primas importadas, acreditando que assim consegue aumentar e dinamizar a produção não-petrolífera, segundo o relatório de fundamentação do Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2018.

Inscrita nas acções ‘políticas para o aumento da produção não-petrolífera na indústria transformadora’, a medida é considerada “precipitada” pelo presidente da Associação Industrial de Angola (AIA), José Severino, “por não defender a saúde pública”.

O líder da organização dos industriais defende que a decisão seja “condicionada e não abrangente” por, no mercado internacional, também se assistir a “graves problemas” com as matérias-primas. “Há matérias-primas que podem trazer riscos. Amanhã, podemos entender que as matérias-primas usadas para produção de plástico causam cancro. O milho é matéria-prima e pode ser transgénico e a lei não permite o uso de transgénico”, alerta Severino.

O biólogo e técnico do laboratório do Ministério da Agricultura Alcides Castro também não encara “com bons olhos” a extinção da obrigatoriedade das análises laboratoriais por se tratar de “uma questão de saúde pública”. Defende que as análises “não devam ser tratadas como questões administrativas”, porque “mexem com a saúde das pessoas”. “A medida só é benéfica para o importador. Para a saúde pública, não é uma boa medida. Todas as medidas que o Estado vem tomando passam por tornar mais fácil a produtividade e a disponibilização de produtos, mas é preciso que o processo de mudança seja acompanhado com algum grau de rigor e segurança para não comprometer a saúde”, reforça.

Entre as principais matérias-primas importadas, destacam-se o clínquer que, por norma, aparece entre os três produtos mais importados, assim como os açúcares. No segundo trimestre do ano passado, o ferro e os artefactos de matérias têxteis também estiveram entre as mais importadas.

Entre as políticas para aumentar a produção não-petrolífera na indústria transformadora, constantes no OGE, o Governo propõe-se ainda reduzir os preços dos exames laboratoriais dos produtos nacionais com a intenção de diminuir os custos das exportações, que é uma das principais preocupações dos exportadores. Está também prevista a redução das taxas de imposto de consumo para a produção de bebidas com o objectivo de criar uma efectiva diferenciação face aos produtos importados.

Uma quarta medida é a criação de um sistema de priorização dos produtos ‘Feito em Angola’ nas obras promovidas pelo Estado. O ‘Feito em Angola’ foi lançado há cerca de seis anos com o objectivo de incentivar a produção e, de lá para cá, já se registaram cerca de 900 produtos de 91 micro, pequenas e médias empresas, segundo dados do Governo.