Isabel Dinis

Isabel Dinis

COMÉRCIO. Fontes ligadas ao processo garantem que o recuo no plano de João Lourenço se deve à conclusão de que a eliminação da obrigatoriedade do alvará comercial não “faz qualquer sentido”.

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A medida de remoção da obrigatoriedade do alvará para o exercício da actividade comercial, prevista no ‘Plano Intercalar’ aprovado em Outubro, não deve ser aplicada, apurou o VALOR de fontes ligadas ao dossier que assumem reajustes na estratégia governamental.

O Governo justificou a inclusão da medida com a necessidade de “tornar mais expedito o processo de criação de estabelecimentos comerciais”, mas uma avaliação posterior a nível do Ministério do Comércio precipitou o recuo na decisão governamental. “Não faz sentido nenhum terminar com a obrigatoriedade da obtenção do alvará, por isso não vai acontecer a remoção, sob nenhuma hipótese”, assegurou a fonte, antecipando que o processo para a devida correcção e consequente eliminação da medida do ‘Plano Intercalar’ “está bem encaminhado”.

A promessa de simplificação do exercício da actividade comercial vem sendo anunciada há vários anos, mas é a primeira vez que se aventou a possibilidade de se acabar com os alvarás comerciais. O discurso oficial foi sempre no sentido de se tornar menos burocrática a obtenção da licença.

Em 2013, por exemplo, foi lançado o alvará em vigor com a garantia de que passaria a ser emitido num período de entre três e oito dias, contra os 30 dias que requeria o documento então substituído. Um objectivo alcançado, segundo o Ministério do Comércio, bem como diversos operadores do sector.

O alvará em vigor tem validade de cinco anos, sendo renovado periodicamente, de acordo com a Lei das Actividades Comerciais e do Decreto Presidencial nº 288/10, de 30 de Novembro, que aprova o regulamento das actividades comerciais em Angola.

Sobre as outras medidas relacionadas com o sector do comércio, incluídas no ‘Plano Intercalar’, a fonte avança que não devem ser mexidas, por estarem em “conformidade” e por responderem ao objectivo de se desburocratizar a criação de espaços comerciais.

Entre outras, o ‘Plano Intercalar’, segundo o Governo, pretende reforçar a inspecção sobre a circulação mercantil, de modo a garantir a disponibilidade dos produtos e combater situações que condicionem o normal funcionamento dos mercados, além da defesa dos interesses do consumidor. O plano governamental prevê também a facilitação e o incentivo à entrada de novos operadores na cadeia logística, sem deixar de parte a melhoria do controlo e o acompanhamento dos circuitos de importação.

IMPOSTOS. Cidade da China, Shopping Kilamba e casinos destacam-se entre os infractores. AGT detectou, só no município de Viana, 1.058 comerciantes na informalidade dos 2.660 existentes. Em 20 dias, a instituição arrecadou 200 milhões de kwanzas e identificou mais de 400 milhões.

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A iniciativa de ‘Alargamento da Base Tributária, Combate à Informalidade e a Potencialização da Receita’, que a Administração Geral Tributaria (AGT) está a desenvolver desde Setembro, detectou, em Viana, que cerca de 40% dos comerciantes não pagavam impostos. Entre os comerciantes em falta, destaca-se grande parte dos que vendem no centro comercial Cidade da China e no Shopping Kilamba, ambos localizado na via expressa Fidel Castro.

O projecto de alargamento da base tributária visa “sensibilizar, identificar, notificar, contribuir para a justiça fiscal e potenciar a arrecadação de receitas”, tirando do mercado informal os agentes económicos. A iniciativa identificou, naquele que é o município mais populoso de Luanda, 1.058 comerciantes dos 2.660 existentes que actuam informalmente na venda de mercadorias diversas, contando com o mercado do ‘Km 30’.

A informação foi avançada pelo coordenador do projecto, Gerson Bravo, do departamento de serviços fiscais da terceira região tributária, em Luanda, assegurando que a iniciativa vai abranger todos os municípios da capital e está a decorrer em simultâneo em outras províncias.

Segundo cálculos da AGT, a campanha permitirá arrecadar, só em Viana, cerca de 449,1 milhões de kwanzas para o Estado, caso os contribuintes paguem os impostos na sequência das notificações. Os cálculos correspondem aos resultados económicos de 2013 até ao ano passado e recaem sobre o imposto industrial, selo sobre recebimento e imposto predial urbano (IPU), em cerca de mil notificações.

No entanto, segundo o relatório de intervenção, durante os trabalhos, que duraram 20 dias, a instituição arrecadou cerca de 200 milhões de kwanzas daqueles comerciantes que manifestaram o interesse de cumprir as obrigações com Estado imediatamente.

Na via expressa, os técnicos da AGT constataram que, além dos centros comerciais Cidade da China e Kilamba, grande parte dos diversos casinos e armazéns não paga impostos, de acordo com os rendimentos mensais. A autoridade tributária verificou também a existência de muitos comerciantes estrangeiros que trabalham com a situação migratória ilegal ou irregular e sem documentação que os autorize a exercerem o comércio.

A instituição lamenta o facto de fiscais de alguns organismos públicos se beneficiarem da “desorganização” causada pela ilegalidade de estrangeiros, no sentido em que os têm extorquido por estarem à margem da lei. “O que faz com que, quando os chamamos para o pagamento de impostos, aleguem que já têm pago somas avultadas a fiscais de alguns organismos”. Gerson Bravo atribui a situação ao facto de vários órgãos do Estado fiscalizarem a actividade comercial, provocando uma “descoordenação” entre os mesmos que é aproveitada pelos comerciantes. A situação faz com que a AGT acabe por cair no “descrédito” e vem “sujar o bom nome do Estado”, aponta o relatório.

ESTRANGEIROS DOMINAM

No seu relatório, a AGT informa que a maioria do comércio nos mercados informais, cantinas e armazéns, em Viana, é controlada por estrangeiros ilegais. A autoridade tributária estima entre um e oito milhões de kwanzas a facturação diária destes comerciantes. O relatório salienta que é necessária a “sensibilização” e o “aperto do cerco” aos “infractores”, visto que os mesmos não contribuem para o fisco, além de que repatriam os seus rendimentos para os países de origem.

Segundo ainda o relatório da AGT, muitos comerciantes são induzidos ao erro pelos donos dos alvarás, que garantem que os valores pagos pelo arrendamento já contemplam o pagamento de impostos. “Esta prática tem causado prejuízos avultados aos cofres do Estado”, aponta.

A AGT garante que conseguiu, no município de Viana, cadastrar todos os comerciantes que faziam parte do plano estratégico da actuação. Para os comerciantes sem o número de identificação fiscal (NIF), a administração criou um “NIF mercado informal” para o controlo da receita.

A iniciativa de alargamento da base tributária saiu de Viana para Cacuaco e, no próximo mês, vai para o Rangel. Para os demais municípios, ainda não há datas.

Venda ambulante, “situação especial”

A iniciativa da AGT não abrange a venda ambulante, garantiu Gerson Bravo. Para esta, vão ser criadas taxas fixas de acordo com o comércio de cada vendedor.

Nos mercados municipais, a AGT está a trabalhar com as administrações dos mercados para conciliar com a taxa que os vendedores já pagam para custear a limpeza e manutenção do espaço, evitando tornar mais oneroso o valor da taxa.

CERÂMICAS. Apesar de se debater com a falta de fuel e divisas para a importação de peças de substituição, a Novicer teve crescimento na facturação. A direcção da fábrica garante que é uma empresa “para durar em Angola”.

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A Cerâmicas de Angola, Novicer facturou, nos primeiros 10 meses do ano em curso, cerca de 570 milhões de kwanzas, correspondendo a um crescimento na ordem dos 10% em relação ao mesmo período do ano passado.

Segundo o director da unidade fabril, Miguel Azevedo, ao VALOR, o crescimento já resgiatado mantém a tendência dos últimos anos, mais concretamete desde 2015.

Em termos de produção, a empresa do grupo português Mota-Engil registou uma média mensal de seis mil toneladas, correspondentes a 1,3 milhões de tijolos por mês. Até ao final de 2017, segundo o gestor, prevê-se a produção de 15,7 milhões de tijolos, o que corresponderia a 72 mil toneladas e um crescimento de 16,1%, comparativamente a 2016, ano em que a produção foi de 62 mil toneladas.

A empresa debate-se, no entanto, desde o passado mês de Março, com a falta de ‘fuel oil’ para alimentar o forno que trabalha 24/24 horas.

Face à dificuldade, a empresa passou a fazer recurso ao gasóleo, o que representa custos mais elevados. O gestor estima em cerca de 45% o aumento dos custos da empresa com o combustível e em cerca de 35% o custo de produção do tijolo.

Segundo Miguel Azevedo, a fábrica tem tentado negociar com o Ministério da Indústria a solução do problema. E acrescenta que, dos vários fornecedores do produto, a Sonangol é o que mais tem ajudado a empresa que também se debate com problemas de quebras de energia da rede pública, “situação que pode danificar a maquinaria, apesar de ter melhorado nos últimos anos”.

Além destes constrangimentos, Miguel Azevedo destacou aquele que, nos últimos anos, faz parte das preocupações de grande parte das empresas, falta de divisas. No caso, a empresa necessita, sobretudo, de peças de substituição.

Apesar destes constrangimentos, Miguel Azevedo garante que a empresa está disposta a “ficar e durar” em Angola e que as “vicissitudes” a têm tornado “mais forte a cada ano”.

A unidade fabril foi inaugurada em 2010 numa cerimónia assistida pelos antigos presidentes de Portugal e de Angola, Cavaco Silva e José Eduardo dos Santos, respectivamente. Na altura, a empresa contava com cerca de 80 trabalhadores, tendo reduzido o número em mais de 50%, nos últimos anos, para 48 funcionários.

LEGISLAÇÃO. Dois anos depois de entrar em vigor a actual Lei Geral do Trabalho, o juiz Aldino Pedro Fonseca lançou o livro sobre o contrato de trabalho, em que a consagração do novo modelo contratual constitui o tema central.

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A relação laboral “é originalmente desigual em Angola” por permitir ao empregador deter um poder de supremacia face ao trabalhador, defendeu o juiz de direito Aldino Pedro da Fonseca.

A declaração foi feita por altura do lançamento do livro de sua autoria “O contrato de trabalho no ordenamento jurídico angolano antes e depois da nova Lei Geral do Trabalho ”, lançado na semana passada, em Luanda.

Com a consagração do novo paradigma contratual, que constitui o tema central do livro, o autor considera que, tendencialmente ,a classe empregadora passará a celebrar contratos de trabalho a termo, por ser uma modalidade que permite uma fácil desvinculação. Acrescenta que os trabalhadores, com o novo modelo, correm “o risco real de debater-se com um abuso por parte da entidade patronal”.

“O empregador facilmente pode contornar a proibição de despedimento sem justa causa, não renovando o contrato de trabalho a termo celebrado com o trabalhador, sem correr o risco de instaurar o competente processo disciplinar.”

Aldino Pedro da Fonseca acredita que o legislador, na LGT, pretendeu alterar a cultura laboral dos angolanos por via da flexibilização das relações laborais. Um objectivo alcançado pelo legislador foi a forma como regulou as indemnizações que são feitas em função da dimensão da empresa. “Mas, por altura da contratação, houve uma autêntica desregulação do legislador, deixando o trabalhador à sua sorte.”

O juiz defendeu também que o novo modelo contratual laboral é susceptível de inibir o labutador de exercer livremente os seus direitos fundamentais. Com dois mil exemplares disponíveis, o livro, segundo o autor, surge para dar resposta às dificuldades que os auditores de justiça, candidatos a Magistratura Judicial e ao Ministério Público enfrentavam no acesso à bibliografia, por a actual lei ter alterado o modelo da contratação laboral. “Entendi por bem elaborar um manual que pudesse servir de apoio à formação judiciária e que estivesse de acordo com a nossa realidade, tendo em conta a legislação em vigor”, explica.

Publicado dois anos depois da vigência da actual Lei Geral do Trabalho (LGT), em vigor desde Setembro de 2015, o livro deveria ser apresentado no ano passado, mas não houve concretização por razões técnicas e foi comercializado a quatro mil kwanzas.

Aldino Pedro da Fonseca é licenciado em direito pela faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto. É juiz de direito, em exercício na sala do trabalho do tribunal provincial de Luanda e formador no Instituto Nacional de Estudos Judiciários (INEJ).

INDÚSTRIA. Fábrica de concentrado de tomate na Huíla, parcialmente detida pelo Estado, clama por financiamento adicional aos 10 milhões USD de fundos públicos que recebeu há quase uma década.

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Uma década após beneficiar de um financiamento público de 10 milhões de dólares para reactivar as suas actividades, a Sociedade de Desenvolvimento da Matala (Sodmat), vocacionada para o processamento de tomate, continua paralisada. A empresa precisa de cerca de 1,5 milhões de dólares para arrancar, declarou, ao VALOR, o presidente do seu conselho de administração, Cipriano Ndulumba.

O montante serviria para a montagem de uma linha de embalagens e outros equipamentos, conclusão a que se chegou após um diagnóstico, realizado em 2015, por três empresas estrangeiras e uma nacional para se determinarem as condições necessárias ao reinício da produção.

O Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA) financiou a reactivação da unidade, paralisada desde os anos 1980, com 10 milhões de dólares. O Estado detém 30% do capital da Sodmat, distribuindo-se o restante por entidades privadas.

Segundo o responsável da Sodmat, o empreendimento já tem cerca de 75% de nível de execução e o investimento adicional necessário para a conclusão é “aceitável” e até “muito abaixo do que o BDA já investiu”.

Ndulumba garante que o básico para a retoma está feito, mas alerta que, segundo o resultado do mesmo diagnóstico, alguns equipamentos já instalados são considerados semi-industriais e estão, por isso, ultrapassados.

Em 2011, a Sodmat tentou resolver a inoperância colocando o empreendimento a concurso público, mas as empresas interessadas na sua gestão debatem-se até hoje com a falta de divisas, dado que os equipamentos necessários para o funcionamento têm de ser importados. “Há muitas empresas interessadas, mas todas encontram o problema dos cambiais”, declara o responsável, para quem o investimento numa fábrica de concentrado de tomate é um dos melhores que se pode fazer no país, devido ao excesso da principal matéria-prima.

Os produtores no perímetro irrigado da Matala e de outras províncias produtoras de tomate receberam com particular satisfação o anúncio, em 2009, da reinauguração da unidade fabril. Viram no desenvolvimento uma saída para as enormes quantidades do produto que se deterioram todos os anos, por dificuldades de escoamentos.

Com capacidade para processar 12.500 toneladas de tomate fresco por ano, a fábrica da Matala foi montada em 1960 e encontra-se inoperante desde 1980.