A crise existencial dos 50
Angola Chegou à Meia-Idade, e agora? Passaram os fogos de artifício, a euforia, as celebrações pomposas, os abraços calorosos, as mensagens de felicitação, as almoçaradas de lagosta e os grandes espetáculos…
Volto a perguntar: e agora? Um país, tal como um indivíduo, ao chegar aos 50 anos, deveria ter atravessado a adolescência turbulenta e a fase adulta imatura trocando a ostentação pela funcionalidade do alcatrão, da água corrente e de hospitais que não obriguem o paciente a comprar o soro na farmácia da esquina. Deveria ter feito o inventário das conquistas e, mais importante, dos erros capitais. Aos 50, a crise existencial exige uma reflexão honesta: de onde saímos? Onde estamos? E, pelo amor de Deus, para onde vamos? "Mas tivemos quase 27 anos de guerra! O que impediu que o país se desenvolvesse mais”, dirão eles. É verdade. Mas estamos há 23 anos em PAZ. Vinte e três anos. É tempo suficiente para construir dezenas de cidades, infraestruturas de longo prazo, hospitais de referência e um sistema educativo funcional. Tomemos como exemplo o Japão e a Alemanha que se reergueram em menos de 30 anos após serem derrotados e destruídos na Segunda Guerra Mundial. Foi tudo, claro, graças a uma combinação de factores, incluindo o uma grande ajuda financeira de outros países. Tal como nós a recebemos, com o diferencial de que quem governou estes países investiu fortemente na sua reconstrução e não nas suas contas bancárias. Afinal, o que de verdadeiramente estruturante foi feito neste quarto de século de tranquilidade? Pelas nossas contas o estruturante foi apenas a estrutura que permite a alguns enriquecerem sem estorvos e a outros descobrirem que o buraco sempre pode ser mais embaixo. Ao que parece a chegada à meia-idade em Angola é apenas uma pausa estratégica para podermos convidar as nações amigas a virem apreciar o nosso ‘savoir-faire’ incomparável na arte de organizar festas. O mais importante foi, sem dúvida, feito: provámos que sabemos celebrar a nossa própria estagnação com estilo e estrondo, com direito à partida futebolística mais indecente de que se tem memória. Fala-se em mais de 12 milhões de dólares para ter a selecção argentina em solo pátrio. A estrela mundial, claro, já chegou a Luanda, onde demonstrou com clareza que não quer o mínimo contacto com os angolanos, excepto, presumivelmente, o contacto com o nosso dinheiro. O êxtase colectivo é tão eficaz que ninguém se lembra de perguntar de qual ‘cafokolo’ saiu tanta massa. Mas o que importa? O povo está anestesiado pelo grande feito de sua excelência o PR, que trocou, sem pestanejar, o futuro pela festa, garantindo algumas horas de distracção com dribles estrangeiros. Antes de cá virem, os jogadores, tiveram de apanhar vacinas contra tudo e mais alguma coisa, afinal estavam a caminho da selva. Só não sei se apanharam contra a miséria. Vai que pega?!... E o que falar das medidas de segurança para um jogo que devia ser uma celebração? Ao Zé Povinho não foi permitida a entrada das suas "latas andantes" no estacionamento do estádio, pois isso estragaria a estética VIP da festa. Como a prioridade não é a mobilidade do cidadão, mas sim o cenário da ostentação, tiveram mesmo de ‘apear’, pra saberem bem… Mais grave: Cartazes com "mensagens comprometedoras" devidamente confiscados. Sim, o papel da polícia, em vez de garantir a segurança e a tranquilidade, foi relegado para a censura e a caça ao papelão que ouse questionar o status quo. A polícia ficou ainda com a incumbência de confiscar quem tem ou não bilhete. Mas o nosso ‘povueeee’… foi mesmo ‘cuculu, cuculu’ ao aeroporto receber o deus argentino e a esta hora muitos devem estar no estádio a receber reboçados e chocolates, porque decidiram entrar na política do pão e circo. Há coisas 'memu' que nos merece…
Recuando para o acto central das comemorações, no seu discurso surpreendentemente curto, João Lourenço, naturalmente, não resistiu ao ‘recuerdo’ dos largos anos de colonialismo e opressão dos portugueses. Este ‘flashback’ não agradou a uns e outros lá em terras lusas, que prontamente responderam. É o caso do ‘desbocado’ André Ventura que pegou no seu telemóvel, entrou nas suas redes sociais e mandou um recado ao poder angolano. Segundo man Ventura é a corrupção dos governos do MPLA que têm o país no estado em que está e que faz com que muitos angolanos procurem nas terras de Camões o conforto que não encontram no próprio país. Na lei lei lei, tirando a parte em que isenta a quota parte da responsabilidade de Portugal, o ti André não mentiu. Mas por cá houve quem também não tivesse gostado do que ouviu… Entretanto em vez de quem de direito pegar também no seu aparelho e devolver o ‘beef’, decidiram elevar a fasquia e envolver a televisão de todos nós no ‘biló’. Foi então que testemunhámos a televisão pública ultrapassar os portugueses pela direita e vaticinar que André Ventura não vai ganhar as eleições em Portugal. Numa nota cuja fonte devem ser as vozes da cabeça de alguém, que precisa urgentemente de um psiquiatra, a TPA avança que se por algum milagre Ventura vencer as eleições vai governar apenas as cabras da beira alta e baixa. Olhem a ousadia! Aos 50 anos, Angola provou que pode não ter diversificação económica, transparência ou saneamento básico... mas tem profetas políticos na televisão estatal! O país celebra 50 anos sem sequer ter conseguido construir um sistema de saúde universal e funcional, forçando os seus cidadãos mais abastados a procurar diagnósticos e tratamentos decentes em Portugal; As escolas continuam a cair aos pedaços, a formação de professores é precária. E enquanto os Minguitos e as Belitas continuam a penar com a falta de investimento estrutural, o aparelho de propaganda estatal encontra tempo e recursos para se dedicar à cartomancia política. A televisão pública, paga com o dinheiro que deveria estar a asfaltar ruas, a comprar medicamentos ou a combater a pobreza, atreve-se a vaticinar o futuro das eleições portuguesas e a insultar os eleitores de outro país, relegando-os à companhia das cabras. Isso só pode ser azar… Mas enquanto o país e a TPA se distraíam com as cabras da Beira Baixa, o ‘partido’ fazia das suas. O Bureau Político do MPLA decidiu que o tempo de Carolina Cerqueira na Assembleia Nacional expirou e que é a vez de Adão de Almeida ocupar o lugar. Sem como nem porquê, sem debate público e sem justificação plausível: porque quem manda, manda e quem não manda obedece. Carolina Cerqueira, no seu infortúnio, quebrou dois recordes singulares na "meia-idade" angolana: o de ser a primeira mulher a dirigir a AN e o de ser a primeira a ser varrida antes do fim da legislatura. É a prova cabal de que, aos 50 anos, Angola pode não ter aprendido a engatinhar na democracia, mas domina a arte do xadrez político. O mais importante, afinal, não é servir o país, mas sim satisfazer as ordens do Bureau Político. Mas afinal de contas o que é que a mana Carol desconseguiu de fazer que terá de ser o mano Adão a fazer nos dois anos que faltam?
*Crónica do programa ‘Dias Andados’, referente ao dia 14 de Novembro de 2025





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