Desenvolvimento ?para além da assistência

15 May. 2017 Sem Autor Opinião

 

Apesar da aparente tranquilidade nas reuniões deste ano do FMI e do BM, há razões para preocupação com a economia global. O eminente Brexit ‘duro’ do Reino Unido e a agenda antiglobalização do presidente dos EUA, Donald Trump, estão, e vão continuar, a criar incerteza económica.

Em contraste com Trump, o presidente chinês, Xi Jinping, saiu em defesa da globalização, e disponibilizou capital fresco para a criação de bens públicos globais, que promovam a conectividade e criem empregos nos países em desenvolvimento. Mais de 60 países deram as boas vindas à iniciativa ‘Um Cinto, Uma Rota’ (OBOR), e 28 chefes de Estado vão à conferência OBOR em Beijing a 14 de Maio. Então, qual é o racional da China para seguir esta visão grandiosa, que tantos países abraçaram?

No nosso novo livro Ir além da ajuda: Desenvolver a cooperação para transformação estrutural, defendemos que a ajuda oficial para o desenvolvimento (ODA) não precisa de ser sempre concessional, e que se deve ir “além da ajuda”, na direcção de uma abordagem mais ampla, como a eleita pela China, que inclua comércio e investimento. De momento, a definição de ODA da OCDE nem tão-pouco inclui alguns dos instrumentos mais eficientes para facilitar a transformação estrutural em países receptores, como o investimento em capital e grandes créditos não concessionais para infra-estrutura. Ao combinar ajuda com o comércio e o investimento, tanto países doadores como recipientes podem beneficiar. Por exemplo, a Cooperação para o Desenvolvimento Sul-Sul (SSDC) usa as três actividades para capitalizar o potencial económico dos países recipientes. Isto permite à SSDC evitar gargalos com países parceiros que estão no âmbito do modelo ‘standard’ de ODA, que separa ajuda de comércio e investimento privado – e que, com isso, impede que o país explore as suas vantagens competitivas.

No nosso livro, olhamos para este tópico através das lentes da Nova Economia Estrutural (NSE) que trata o desenvolvimento económico moderno como um processo contínuo de mudanças estruturais em tecnologias, indústrias, e infra-estruturas físicas e flexíveis – que, no seu todo, aumentam a produtividade laboral e, com isso, a receita ‘per capita’. De acordo com a NSE, a forma mais eficiente e sustentável de um país dinamizar o desenvolvimento é desenvolver sectores que têm vantagens comparativas latentes: onde os custos de produção são baixos, mas os de transacção são elevados devido a infra-estruturas físicas flexíveis e inadequadas.

Os governos podem reduzir esses custos de transacção através da criação de zonas ou parque industriais, que melhorem a infra-estrutura, e tornem o ambiente de negócios mais atractivo. Com esta abordagem, um país em desenvolvimento pode crescer de forma dinâmica e criar um ciclo virtuoso de criação de emprego e redução da pobreza, mesmo que a sua infra-estrutura e ambiente de negócios geral ainda estejam em falta.

Mais, países com grandes mercados emergentes como a China, Brasil e Índia podem usar as suas vantagens comparativas em infra-estrutura e manufactura para ajudar os outros. Para a China, isto vai ao encontro de um ditado de Confúcio: “aquele que deseja ter sucesso tem de ajudar os outros a serem bem sucedidos; aquele que se quer desenvolver tem também que ajudar outros a desenvolver-se.” A China tem uma vantagem comparativa clara a nível de construção de infra-estruturas, que deve ao baixo custo da mão-de-obra (o custo de um encarregado de obra na China é um oitavo do custo num país da OCDE), e ao vasto mercado doméstico, que lhe possibilitaram atingir economias de escala que os outros países simplesmente não conseguem. O custo de construção total de uma linha de comboios de alta velocidade é dois terços do preço em países industriais. Mas as vantagens comparativas da China em 46 de 97 subsectores – particularmente na manufactura – beneficiam outros países em desenvolvimento também. À medida que o custo de mão-de-obra na China aumenta, as indústrias de manufactura intensiva estão a realocar para países em vias de desenvolvimento que têm custos salariais mais baixos, criando assim milhões de oportunidades de emprego. Por exemplo, a Companhia de Sapatos Huajian, a vestuário C&H, e o JD Group China (vestuário) operam actualmente em zonas económicas especiais na Etiópia, Ruanda e Tanzânia.

Para além de exportar as suas vantagens comparativas, a China também emprega ‘capital paciente’, que tem uma maturidade de dez anos ou mais. Num estudo publicado recentemente, conceptualizamos ‘capital paciente’ como um investimento num ‘relacionamento’, onde um investidor tem uma posição de longo prazo no desenvolvimento de um país. Os donos do ‘capital paciente’ são como investidores de capital, mas estão dispostos a afundar dinheiro no sector real por períodos mais extensos. Estão também mais dispostos e mais bem preparados para assumir riscos. Há uma forte correlação entre a posição de activos líquidos no exterior de um país com uma orientação de longo prazo. Por outro lado, as posições de activos líquidos no exterior de países com orientação de curto prazo e baixa taxa de poupança tendem a deteriorar-se, à medida que a dívida externa aumenta. O ‘capital paciente’ tem um papel importante no financiamento de infra-estrutura, porque, frequentemente, vem acompanhado de ‘know-how’ tecnológico e administrativo, que ajuda a que a conectividade global melhore e a que o desenvolvimento acelere. Até agora, a grande reserva de ‘capital paciente’ da China tem sido usada para financiar projectos domésticos. Mas cada vez mais vai ser exportada à medida que mais empresas e bancos chineses se tornem globais. Na verdade, a China pode rapidamente tornar-se no maior credor mundial, e uma parte dos seus activos estrangeiros vai tomar a forma de ‘capital paciente’, usável para melhorar infra-estruturas, desenvolver sectores de manufactura, e criar empregos por todo o mundo.

Desde 2015 que o financiamento do desenvolvimento deixou de vir tanto da ajuda tradicional, passando a vir mais de instituições de financiamento ao desenvolvimento, bancos de desenvolvimento e de fundos soberanos nas economias emergentes. A China, por exemplo, tem 60 mil milhões de dólares reservados para o financiamento do desenvolvimento em África para o período de 2016 a 2018 – grande parte em ‘capital paciente’. A China e outras economias emergentes estão também a passar de um bilateralismo para um multilaterismo, que trabalha com parceiros globais de norte a sul. À medida que novas instituições lideradas pelo sul, como o Banco Asiático de Desenvolvimento Infra-estrutural e o Novo Banco de Desenvolvimento, trabalham com bancos de desenvolvimento multilateral estabelecidos, aprendem a ser melhores parceiros e a adicionar ‘momentum’ ao esforço global de desenvolvimento. A China, mais do que isso, tenta aprender com os seus parceiros para melhorar a sua própria governança, política de trabalho e ‘standards’ ambientais. A aceitação do novo papel global da China deve ser bem-vinda. Estamos cuidadosamente optimistas de que o sul e o norte possam trabalhar juntos para assegurar a paz e prosperidade para todos.

 

Justin Yifu Lin, antigo economista chefe do BM é o director do Centro para a Nova Economia Estrutural, Decano do Instituto para a Cooperação Sul-Sul e Decano Univ.

 

Peking Yan Wang professora sénior no Centro para Nova Economia Estrutural na Universidade de Peking