Globalizar a vacina contra a COVID
O desenvolvimento e aprovação de vacinas seguras e eficazes contra a covid-19 menos de um ano após o início da pandemia é uma realização verdadeiramente notável, que nos permite esperar que o fim desta crise devastadora possa estar próximo. O que se passará nos próximos meses, ou mesmo semanas, será igualmente notável: as vacinas contra a covid-19 serão disponibilizadas a pessoas de todo o mundo, não apenas nos países mais abastados, praticamente ao mesmo tempo.
As vacinas vão chegar à maioria dos cidadãos de países ricos no primeiro trimestre deste ano e os cidadãos de países de rendimentos baixos e médio-baixos também começarão a ter acesso a elas. A velocidade e a escala a que as vacinas estão a ser fornecidas são simultaneamente extraordinárias e necessárias para acabar com a pandemia e só são possíveis graças a uma demonstração sem precedentes de solidariedade global e de apoio multilateral ao Covax, o mecanismo central do esforço de vacinação contra a covid-19, iniciado no ano passado pela Organização Mundial de Saúde e pela Gavi, a Aliança para a Vacinação (que lidero).
O Covax vai facilitar a distribuição de dois mil milhões de doses da vacina durante o próximo ano, chegando a pessoas em 190 países e economias participantes, independentemente da sua capacidade de pagar. Com efeito, devem existir doses suficientes para proteger todos os profissionais de saúde e de cuidados sociais de todo o mundo até meados de 2021. E apesar de encontrar a sua quota-parte de opositores, o programa continua a atrair mais governos, decisores económicos e fabricantes de vacinas. Estes participantes estão a aderir porque reconhecem que o Covax é a única solução global viável para a crise da covid-19.
Agora que chegámos a esta encruzilhada crítica, têm de cessar as especulações sobre se o Covax será mal sucedido. É altura de começar a proporcionar o apoio necessário para garantir que é bem-sucedido na missão para a qual foi concebido. O desenvolvimento e aprovação de vacinas é apenas o primeiro passo. Enquanto o coronavírus puder ser transmitido entre pessoas, muitas continuarão a ser infectadas e algumas morrerão. A esperança de voltarmos à normalidade nos negócios, no comércio e nas viagens continua a ser difícil.
Para terminar o ciclo, não podemos vacinar apenas algumas pessoas de alguns países: temos de proteger todas as pessoas em todo o mundo. Mas à medida que as vacinas foram sendo distribuídas, a procura ultrapassou previsivelmente a ainda limitada oferta. Nestas condições, mesmo que estejam prometidas futuramente doses para o resto do mundo, a distribuição de vacinas aos lances mais elevados só poderá prolongar a crise. O nacionalismo vacinal é precisamente o problema para a resolução do qual se criou o Covax.
No combate à covid-19, temos de evitar que se repita o que ocorreu em 2009, quando um pequeno número de países ricos adquiriu a maioria da oferta global da vacina contra a gripe H1N1, deixando o resto do mundo desguarnecido. Como cada governo nacional tem o dever primordial de proteger os seus próprios cidadãos, não surpreende que uns 35 países já tenham celebrado acordos bilaterais com empresas farmacêuticas relativos a vacinas contra a covid-19.
Estes acordos não são ideais no que respeita ao esforço global de vacinação. Embora o Covax seja suficientemente flexível para contornar este problema específico, só poderá fazê-lo desde que os fabricantes lhe forneçam o mesmo acesso às vacinas de que os governos nacionais gozam. Infelizmente, já estamos a ver alguns governos a adquirir doses em número muito superior ao que necessitam, agravando a pressão sobre a oferta global durante esta crítica fase inicial.
Alguns destes países assinalaram que pretendem doar as suas encomendas excedentárias e, nesses casos, essas doses adicionais terão de ser redireccionadas da forma mais rápida e equitativa possível. A melhor maneira de garantir que isso aconteça é fazer com que os governos doadores adiram ao mecanismo Compromisso Avançado de Mercado Gavi/ Covax (AMC), criado para garantir que as vacinas contra a covid-19 são disponibilizadas às pessoas que vivem nos 92 países do mundo com rendimentos baixos e médios.
Até agora, o Covax garantiu perto de mil milhões de doses para estes países, conseguindo acordos com fabricantes das mais prometedoras candidatas a vacina. Mas são necessárias muito mais doses. Todos os fabricantes têm de participar e de fazer com que as suas vacinas estejam disponíveis e acessíveis pelo Covax, para que possa acontecer uma distribuição global coordenada. Alguns fabricantes já fizeram isso; e doadores internacionais já contribuíram com os dois mil milhões de dólares de que o AMC do Covax precisava para 2020. Mas o programa precisou de mais cinco mil milhões de dólares para 2021, e em Dezembro os EUA destinaram quatro mil milhões à Gavi no seu segundo pacote de medidas para alívio da covid-19.
Em Fevereiro passado, poucos imaginavam que no fim deste ano teríamos mais de uma vacina aprovada e que estaríamos em posição de distribuir doses a países de rendimentos elevados e reduzidos em simultâneo. Mas a comunidade global uniu-se e criou uma plataforma para fazer precisamente isso. Tudo o que Covax precisa agora é de apoio internacional suficiente para concluir a tarefa.
JLo do lado errado da história