O Choro do "Xadrezista"
Ser do “partido” é complicado. Não no sentido de complexo, com equações de segundo grau ou física quântica. É complicado no sentido de “elástico”. A coluna vertebral tem de ser feita de um material que resista a uma torção de 180 graus a qualquer momento, e o cérebro tem de ter um botão de formatação sempre operacional. Num dia concordamos com chefe na ideia A.
Defendemos a ‘tala’ ideia até às últimas consequências e rebuscamos todo e qualquer argumento, por mais absurdo que possa parecer. Vamos a debates, organizamos workshops, fazemos palestras, citamos teóricos esquecidos e a suamos a camisa pela ideia A. No dia seguinte, eis que, unilateralmente, o ‘talo’ chefe muda de ideia e decide que, afinal, a ideia A já não serve. A visão profética agora aponta para a ideia B. Mas para ficar claro a ideia B, é o oposto diametral da ideia A. E o que acontece? A máquina entra em acção. Os nossos valorosos “Yes Men” não pestanejam. Em vez de questionarem (Deus os livre), iniciam o ritual do esquecimento. O discurso inflamado e a nota de imprensa que garantia que a ideia A era "sagrada”, nunca existiram. Agora são obrigados a desdizer tudo o que disseram anteriormente e fingir demência. "Nunca dissemos que não", diz um deputado, com a cara dele tipo nada. "O que dissemos é que o ‘timing’ não era este, mas agora... agora o Chefe viu a luz!"
E chegamos ao episódio Savimbi/Roberto. Lembram-se de quando se defendia com fervor que estas figuras históricas não preenchiam os "requisitos morais e éticos " para qualquer condecoração? Lembram-se que houve quem sugerisse que condecorar “quem cometeu tantos crimes seria o mesmo que celebrar esses crimes e encorajar as novas gerações a fazerem o mesmo? Lembram-se dos discursos eloquentes sobre o peso da História e a exclusividade da condecoração? Eu lembro-me. Mas, aparentemente, os ‘Yes Men’ não. Bastou o Chefe, num acto de suprema "grandeza estratégica", declarar que, afinal, merecem. E pronto. De repente, a História reescreveu-se. Os mesmos que juravam que Savimbi e Roberto eram a personificação do erro, agora chamam-lhes de "Figuras Incontornáveis". A condecoração, antes uma blasfémia, torna-se a peça final do mosaico da Reconciliação Nacional. E os aplausos? Rhumm são tão estrondosos que parecem ter sido ensaiados há décadas. O mais tragicómico é o título honroso dado ao Boss: "O Grande Xadrezista". Não se trata de inconsistência, não, trata-se de estratégia superior. O Chefe não erra, apenas faz movimentos de xadrez que nós, a plebe, não conseguimos apreender. Todo este tempo o Génio estava apenas a preparar o terreno para este golpe que, só por acaso, implica arrastar na lama a cara de todos quanto lhe seguiram a bala.
No que diz respeito ao discurso em si, Jlo parece ter mudado de estratégia. Assistimos nos últimos anos ao fascinante espetáculo da comparação perpétua com o antigo chefe, como se fossem, de facto, dois partidos rivais que acabaram de disputar uma eleição renhida. O mantra era: "Onde eles falharam, nós estamos a tentar consertar!" Mas, eis que o Xadrezista se sentou, olhou para o tabuleiro e decidiu recuar. De repente, a comparação com o camarada Zé deixou de fazer sentido. O novo inimigo, o novo padrão de medida, não é o passado recente... é o passado longínquo. É o colono. 50 anos de MPLA versus 500 anos de colonato! Que golpe de génio! Ao invés de justificar porque é que a água não chega a todos depois de 50 anos de governação, apenas pergunta: "Mas tinham água no tempo do colono? Viram só como evoluímos!" E isso, meus caros, é uma jogada de mestre que nem o choro no final conseguiu ofuscar. Sim, não vamos passar ao lado do choro… Se o suposto "xeque-mate" estratégico do nosso Chefe dividiu opiniões, o verdadeiro clímax dramatúrgico deu-se no final. Depois da leitura ininterrupta de "milhentas páginas" durante mais de três horas, o que vimos? Lágrimas. Sim, lágrimas rolaram pelo rosto do General, do Chefe, do Xadrezista. E, naturalmente, instalou-se o mistério nacional. Era emoção pura? Ou pura fadiga ocular? Os Yes Men que reagem a qualquer estímulo do Chefe como caixas de ressonância bem calibradas, já estavam com lenços na mão e a ensaiar um soluço de solidariedade. O Chefe só fez uma interrupção, retirou o lenço do bolso limpou o rosto e... os ‘militontos’ aplaudem efusivamente! Mas a pergunta não se quer calar é…. O General chorava de alegria, de tristeza, de cansaço, de pura irritação com a pilha de papéis, ou em algum momento ouviu o tic-tac do relógio e percebeu que o “xeque-mate” não foi contra a oposição, nem contra o antecessor, nem contra o colono, mas contra Angola e os angolanos?
*Crónica do programa ‘Dias Andados’, referente ao dia 17 de Outubro de 2025





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