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Preparar África para o COVID 19

10 Mar. 2020 Opinião

O vírus Ébola chegou à Nigéria em Julho de 2014, quando um liberiano infectado viajou de avião para Lagos, onde eu estava a trabalhar como médica. Quando foi ao nosso hospital para receber tratamento, estávamos brutalmente despreparados. Na verdade, fiquei infectada, tal como vários dos meus colegas.

Mas pelo menos era um hospital privado com recursos razoáveis, inclusive água corrente e luvas médicas. Além disso, quando suspeitámos que tínhamos um caso de Ébola, o nosso director clínico soube imediatamente que teria de entrar em contacto com os responsáveis do Ministério de Saúde Pública e da Organização Mundial da Saúde. Os ministérios públicos e federais da saúde mobilizaram os recursos de imediato.

No final de contas, foram necessários 93 dias para conter o vírus na Nigéria. Perderam-se oito vidas, inclusive as de alguns dos meus colegas mais próximos. Tive sorte em sobreviver. Mas o surto foi muito mais devastador na Guiné-Conacry, Libéria e Serra Leoa. Com sistemas de saúde frágeis e com poucos recursos, esses países precisavam desesperadamente de apoio internacional para conterem o surto. No entanto, quando esse apoio chegou, foi no geral muito pouco e muito tardio.

Entre Abril e Outubro de 2014, as Nações Unidas mobilizaram 15 milhões de dólares, através do Fundo Central de Resposta de Emergência (CERF) para os esforços no combate ao Ébola. Mas, em Agosto de 2014, o custo estimado para conter o surto passou a ser superior a 71 milhões de dólares. No mês a seguir, quando surgiram 700 novos, era de mil milhões de dólares. 

Sem financiamento adequado, os hospitais não tinham camas ou unidades de tratamento de isolamento suficientes para todas as vítimas. Com poucas opções, os familiares das vítimas do Ébola desafiavam as ordens do governo e largavam os corpos infectados, ainda com perigo de contágio, nas ruas. 

Por fim, em Setembro de 2014, a ONU criou a Missão de Resposta de Emergência ao Ébola (UNMEER) para intensificar os esforços no terreno e estabelecer outras missões entre países, com “unidades de objectivos”. 

Em Dezembro, países e organizações de doadores prometeram arrecadar 2,89 mil milhões de dólares. Mas até essas promessas não funcionaram como planeado: em Fevereiro de 2015, apenas pouco mais de mil milhões de dólares tinham sido disponibilizados. 

Essa lacuna não surpreende. De acordo com a Oxfam, os doadores entregam apenas 47%, em média do que prometem para esforços de recuperação e até mesmo esse valor pode sobrestimar a quantia que chega nos países beneficiários. Isto reflecte uma total falta de responsabilidade. Quando as promessas não são cumpridas, as agências da ONU, que lidam com a angariação de fundos, não informam. O resultado é um ciclo vicioso, no qual os atrasos no financiamento permitem que o surto se agrave, aumentando assim o custo total. Quando o Ébola ficou controlado, já tinham passado três anos e os países gastaram quase cinco vezes a quantia que tinha sido prevista em Setembro de 2014. Cerca de 12 mil pessoas morreram.

A história parece estar a repetir-se com o surto de COVID-19, mas numa escala ainda maior. Os países para os quais o vírus já se espalhou contêm mais de metade da população mundial. Quando chegar aos países africanos, que contam com sistemas de saúde débeis, o número de novas infecções poderá disparar, principalmente nas cidades densamente povoadas.

Reconhecendo este risco, o director-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Ghebreyesus, solicitou uma disponibilização de 675 milhões de dólares para preparar sistemas de saúde débeis para lidarem com o COVID-19, entre o momento actual e Abril. No entanto, no final de Fevereiro, a Fundação Bill & Melinda Gates tinha sido a única organização a responder ao apelo, oferecendo 100 milhões de dólares. A este ritmo, um número incalculável de vítimas vai concluir que a ajuda chega demasiado tarde, em África e noutros locais. 

O surto de Ébola de 2014-16 fez destacar duas verdades da resposta à crise mundial: a angariação de fundos durante emergências raramente funciona e o CERF, que cobre tudo, de furacões a secas, não consegue resolver o problema. É por isso que deve ser criado um fundo separado de ajuda de emergência focado em surtos de doenças e continuamente reabastecido por países doadores, ONG e agências da ONU.

Isto não é uma questão de caridade, mas sim de auto preservação. Os vírus não respeitam as fronteiras nacionais. Pensei que estava a salvo do Ébola na Nigéria e depois contraí o vírus. Quando os italianos do norte de Itália ouviram falar do surto de COVID-19 em Wuhan, na China, provavelmente nunca esperariam acabar numa situação de isolamento.

Enquanto um país como Singapura pode ser capaz de dar uma resposta poderosa e eficaz às infecções por COVID-19, muitos outros não conseguem. E quando um vírus se espalha para comunidades sem capacidade de contê-lo, mesmo aqueles que têm capacidade podem rapidamente ficar sobrecarregados. Simplificando: ninguém está seguro até que todos estejam.

Os vírus movem-se mais depressa do que os governos ou as recolhas de fundos internacionais. A nossa melhor oportunidade de minimizar os riscos de surto é garantir que um fundo adequado de ajuda de emergência esteja pronto e possa ser mobilizado assim que os riscos surgirem. Se o Ébola não nos ensinou essa lição, o COVID-19 certamente deveria fazê-lo.

 

Médica sobrevivente ao ébola;  defensora da saúde global , membro da Aspen New Voices Fellow