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Soluções para termos um mercado de capitais para todos em Angola

31 Aug. 2022 Opinião
Soluções para termos um mercado de capitais para todos em Angola

Este é o quarto (4º) artigo sobre bolsas de valores que escrevo no jornal Valor Económico.

Na semana passada, propus que este semana trouxesse um conjunto de fórmulas e cálculos para quem quer colocar parte ou todo do capital em Bolsa, calcular preço inicial em entrada neste mercado de capitais, a distribuição de dividendos aos accionistas versus o valor das acções dessa empresa, por exemplo. Contudo e tendo em conta o sucesso que tem tido e o interesse que tem gerado com estes artigos, trago ainda um artigo deveras impactante para os empresários, gestores, gestores financeiros, investidores, agentes intermediários (‘brokers’). O tema desta semana é sobre um conjunto de informacções e uma proposta para o Executivo angolano, para a Comissão de Mercado de Capitais, etc: quer entrar na Bolsa de Valores de acções e obrigacções (em Angola)?

Entrar em bolsa é solução para vários problemas. É uma forma de obter financiamento ou liquidez para as sociedades cotadas em Bolsa. É uma forma de ganhar visibilidade ou de valorizar a empresa a preços de mercado, mas uma entrada em bolsa não é tarefa fácil. Requer meses/anos de preparação, custa dinheiro e obriga a cumprir uma série de requisitos.

Os requisitos para se entrar em Bolsa dependem do mercado onde a empresa quer ser admitida e, na minha opinião, Angola não deve ter Dois Índices dentro da mesma Bolsa de Valores Mobiliários. A minha proposta passa por ter:

1. Índice Principal, que eu designo por “Bolsa de Valores
de Angola – A1”

É no índice principal onde estarão cotadas as maiores empresas cotadas: bancos, seguradoras, petrolíferas, diamantíferas e tipo de empresas consideradas como Grandes Contribuintes que estão instaladas e registo comercial e financeiro realizado em Angola.

Quem queira cotar-se aqui tem de dispersar um mínimo de 25% do capital, ou 5% equivalentes a 100 milhões de Kwanzas, ser uma sociedade anónima e pertencer a um grupo em que está juridicamente constituída sob o formato de sociedade anónima, com acções ao portador.  Além disso, a empresa terá de apresentar os relatórios e contas auditados dos últimos três exercícios sem reservas de auditoria externa, respeitar as normas internacionais de contabilidade e relato financeiro, não ter dívidas fiscais e ao Instituto Nacional de Segurança Social, não estar em situação de Capitais Próprios negativos ou neutros, muito menos estar com processo curso no Tribunal de Comércio em fase de liquidação da empresa, não estar em tribunal judicial com processos sobre a titularidade do capital da empresa, e desenhar um prospecto de admissão. 

2. Índice Secundário, que eu designo por “Bolsa de Valores
de Angola – A2”

O Índice Secundário: “A2” é dirigido a pequenas e médias empresas. Uma entrada no Índice A2 pode ser feita de duas formas: com uma Oferta Pública de Venda (OPV), à qual têm acesso investidores qualificados e particulares, ou com uma colocação privada, à qual só têm acesso investidores qualificados. No primeiro caso, a empresa terá de dispersar um mínimo de 50 milhões de Kwanzas. No segundo, tem de ter angariado um mínimo de 25milhões de Kwanzas nos 12 meses anteriores à operação, junto de, pelo menos, três novos investidores. Em ambos os casos, a empresa terá de apresentar os relatórios e contas auditados dos últimos dois exercícios, além de terem de respeitar as normas contabilísticas do país em que estão a cotar-se e as outras regras previstas no Índice “A1”.

Há ainda a possibilidade de entrar em Bolsa pelas empresas que queiram aderir, é o mercado para empresas tecnológicas e cooperativas de agricultura, habitação, por exemplo, que terão os seguintes requisitos:

- Será necessário apresentar os relatórios e contas dos últimos três (3) anos com certificação legal de contas: relatório com o parecer de um perito contabilista, além de uma offering circular (um prospecto abreviado).

O processo de entrada em Bolsa é longo e deve começar a ser preparado, pelo menos, dois anos antes de a operação concretizar-se. Se a entrada for feita através de uma Oferta Pública Inicial, há três momentos a ter em conta:

•Preparação, 12 a 24 meses antes da entrada. A primeira coisa a fazer é preparar o percurso da operação. Este é o momento para desenhar a história da empresa que será apresentada aos investidores e ela terá que responder entre outras questões:

- Qual é a proposta de valor da empresa?

- Que perspetivas de crescimento há, quem são os mercados-alvo, quem são os clientes tipo?

Depois, define-se o tipo de entrada a fazer: a empresa tem visibilidade suficiente para apostar no retalho, ou deve dirigir-se apenas a investidores qualificados? Por fim, prepara-se a estrutura da empresa para uma maior abertura ao exterior, mantendo o enfoque no negócio mas pensando em novas valências.

•Execução, um a 12 meses antes da entrada. Concluída a fase inicial, é preciso construir uma nova equipa, concentrada apenas na entrada em Bolsa, criar uma estrutura de governance (governo da sociedade), bem como as funções de relacções com investidores e de comunicação, e iniciar um roadshow (roteiro) para captar investidores.

•Conclusão, um a 24 meses após o lançamento da Oferta Pública Inicial. O último passo é atrair os investidores e analistas, depois de iniciada Oferta Pública Inicial, e determinar o preço da oferta.

Em alternativa, pode ser feita uma colocação particular, mais barata, mais rápida, mais flexível na escolha dos investidores, mas com menor potencial de liquidez e resultando num maior poder de voto dos investidores. É a solução indicada para as empresas que procuram transacções mais pequenas e que não precisem de muita liquidez inicial. Neste caso, é exigida uma due dilligence e a preparação de uma offering circular. Em alguns casos, pode ser necessária uma avaliação externa para angariação de novos investidores, sendo ainda necessária a intervenção de um listing sponsor (lista de patrocionadores — esta é uma entidade responsável por preparar a entrada de uma empresa em Bolsa, ajudá-la com os deveres de informação e, no fundo, guiar a empresa ao longo da sua negociação em bolsa).

Quanto aos custos gerais, comissões, taxas e impostos nada pode ser considerado por inexistência efectiva e real de um mercado de capitais que possa esclarecer, pois apresento uma proposta original para Angola, pelo que deveremos aguardar pelos Índices que teremos, incluindo após a consumação da privatização de 30% da Bolsa de Valores de Dívida de Angola (BODIVA), ao abrigo do programa de privatizacções “PROPRIV”.

Todavida, pela experiência profissional que tenho, para o caso de uma Oferta Pública Inicial implica um apoio jurídico significativo, incluindo para desenhar o prospecto alargado ou abreviado e um esforço de colocação das redes bancárias. É preciso levar a cabo acções de divulgação para colocação das acções da empresa. Para além destes, há também que contar com os custos com os vários intervenientes, desde o listing sponsor aos gabinetes de auditoria, passando pela agência de comunicação financeira.

Quando se está cotado no mercado regulamentado como é o mercado de capitais, os deveres de informação são muitos. Os três são comuns a qualquer país:

•Informação financeira: as cotadas têm de divulgar relatórios financeiros anuais e semestrais, bem como demonstrações financeiras intercalares ou relatórios financeiros trimestrais;

•Transacções dos principais accionistas: quando a participação de um accionista individual num determinado valor mobiliário atingir, superar ou descer abaixo de alguns limiares, o accionista deve informar o emitente e a autoridade nacional de mercado competente;

•Recorrer aos serviços de um listing sponsor ao longo da sua cotação;

•Publicar imediatamente todas as informacções suscetíveis de influenciar a negociação dos seus valores mobiliários;

•Publicar qualquer ultrapassagem dos limiares participação no capital de 50% e de 95%;

•Divulgar as transacções dos iniciados (membros da administração ou outros).

•Informacções regulamentadas: nos mercados da Bolsa angolana, as cotadas têm de difundir a informação regulamentar de forma rápida e não discriminatória. Todas as informações regulamentadas devem também ser armazenadas de modo seguro pelo emitente e ter acesso fácil. Além disso, devem ser publicadas no site do emitente e divulgadas pelo Mecanismo Oficialmente Designado aplicável — no caso de Angola, a Comissão do Mercado de Capitais (C.M.C.).

Penso que o leitor, após a leitura deste artigo e dos outros três (3) primeiros, está mais bem preparado para entender o mercado de capitais na óptica de aforrador, investidor empresarial, individual ou como um(a) profissional que pretende dispesar o capital da sua sociedade: pequena, média, grande empresa na Bolsa de Valores Mobiliários de Angola.

Para a semana continuamos com o tema do mercado de capitais.

Daniel Sapateiro

Daniel Sapateiro

professor doutorado em Economia Monetária e Comparada