ANGOLA GROWING
António Miguel

António Miguel

CONCURSO PÚBLICO. Após contratação de 20 mil professores, Governo aprova quotas de ingressos para 1.700 profissionais da saúde.

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O concurso público para a contratação de novos técnicos de saúde deverá ser aberto em breve. O Governo aprovou já 1.700 quotas de ingresso para profissionais do sector, como inicialmente previsto aquando do incremento de 10% na dotação orçamental da saúde.

Em 19 despachos conjuntos dos Ministérios das Finanças, Administração do Território e Reforma do Estado e da Administração Pública, Trabalho e Segurança social foi definido o número de vagas para cada província, sendo que os hospitais centrais têm uma quotização à parte não obedecendo ao critério de província.

Entre as categorias de profissionais de saúde, estão médicos internos gerais, enfermeiros licenciados de 3.ª classe e técnicos superiores de diagnósticos e terapeuta de 2.ª classe.

A contratação de técnicos de saúde decorre depois de o Estado ter já realizado um concurso público de ingresso de 20 mil professores. Devido à situação macroeconómica menos boa que Angola atravessa, o Governo suspendeu a realização de concurso público de admissão à função pública, abrindo as excepções para a educação e saúde. Para concretizar estas contratações, o Executivo solicitou ao parlamento um incremento orçamental para os dois ministérios.

Com a aprovação do relatório parecer conjunto da Assembleia Nacional, o orçamento para a educação registou um aumento de 9%, que corresponde a um valor global de 46,4 mil milhões de kwanzas, e o da educação de 6%.

Para a saúde, o documento prevê um incremento da dotação orçamental de 10%, que corresponde a um valor global de 34,9 mil milhões de kwanzas, esticando para 4% do OGE a verba do sector. A autorização para a contratação de novos técnicos de saúde e professores vem espelhado no Relatório Parecer Conjunto, que ainda prevê verbas para a reabilitação de vários hospitais.

ALIMENTAÇÃO. Autoridades pretendem controlar estabilidade da oferta de bens alimentares da cesta básica. Despacho não prevê que a REA possa cobrir danos provocados pelas calamidades naturais.

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O Presidente da República autorizou a criação da Reserva Estratégica Alimentar do Estado, abreviadamente designada por REA, que visa “contribuir para a estabilidade da oferta de bens alimentares da cesta básica”.

A REA, que fica sob gestão do Entreposto Aduaneiro de Angola (EAA), é criado mais de um ano após um grupo técnico intersectorial ter apresentado as conclusões do estudo de concepção do projecto. Em despacho de 31 de Julho, João Lourenço delega competências aos ministros do Comércio e das Finanças para elaborar a regulamentação da REA.

O ministro das Finanças e o governador do Banco Nacional de Angola devem alocar os recursos financeiros para garantir a concretização da REA, que vai ter um conselho consultivo, com secretários dos departamentos ministeriais do Comércio, Economia e Planeamento, das Finanças e da Agricultura e Florestas. O presidente do conselho de administração também terá um assento no conselho consultivo, que será dirigido pelo ministro do Comércio.

Durante a sua concepção, aventava-se que, entre várias funções, a REA serviria também para acudir populações em caso de calamidades naturais, como seca e cheias que ciclicamente apoquentam a região Sul, deixando milhares de pessoas desalojadas e privadas de alimentos. No entanto, isso não está previsto no despacho.

Ainda durante a elaboração da REA, ficou incumbido, aos peritos do grupo técnico intersectorial, a realização de um estudo sobre a possibilidade de inclusão de produtos nacionais na REA. Arroz, feijão e milho, por exemplo, foram apontados por fontes do Ministério da Agricultura como possíveis produtos nacionais a serem comprados para a REA.

Mas fontes ligadas ao Ministério do Comércio, argumentando que não se faz reserva alimentar com agricultura de subsistência, indicaram que a “débil produção nacional de alimentos” reduz a probabilidade de o Governo ver esse desiderato realizado. Apenas 2% de bens alimentares consumidos em Angola constituem a produção nacional, segundo dados do Ministério do Comércio . Todo o resto, 98%, que está avaliado em mais de dois mil milhões de dólares, é importado.

AVALIADO EM 200 MILHÕES DE DÓLARES

O Governo deverá precisar de, pelo menos, 200 milhões de dólares por ano para manter funcional a anunciada Reserva Estratégica Alimentar. Fontes ligadas ao Ministério do Comércio estimam que a importação de produtos da cesta básica deverá acontecer trimestralmente, com um custo avaliado em 50 milhões de dólares.

Somando os quatros trimestres, a importação de produtos alimentares da REA deve atingir os 200 milhões de dólares/ano. As fontes avançam ainda que o Governo pretende ter o controlo de, pelo menos, 10% das necessidades totais do consumo alimentar nacional, que estão estimadas em dois mil milhões de dólares.

O Grupo Técnico Intersectorial, encarregado de elaborar um estudo de viabilidade económica e técnico-jurídico de concepção da REA, foi criado 25 de Abril de 2017, por despacho conjunto dos ministérios da Economia, Finanças, Agricultura e Comércio.

Angola não vai atingir desenvolvimento económico e social se não investir nas novas tecnologias de informação e comunicação e se continuar com um ensino universitário deficitário, segundo o professor universitário e especialista em relações internacionais, Francisco Ramos da Cruz, que defende ainda a revisão dos acordos de cooperação com a China. Ao VALOR, o especialista alerta ainda que integrar-se simultaneamente no BRICS, Commonwealth e Francofonia, além de outros blocos regionais, pode provocar embaraços ao Governo de João Lourenço.

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Até que ponto é vantajoso Angola integrar simultaneamente a Francofonia, a Commonwealth e o BRICS?

Para já, penso que é positivo. É um cenário novo. Os críticos do Presidente João Lourenço dizem que “quem tudo quer tudo perde”. Mas penso que não, porque o Presidente, no seu discurso inaugural, sempre disse que estava aberto a relações com todos os países do mundo. Mas essa vontade deve ser mútua. A Commonwealth, por exemplo, sabemos que é composta por 54 Estados. Se esta organização iniciou no plano da cooperação entre aquelas que eram as ex-colonias britânicas, hoje, além de se conceder a estes países vantagens comerciais, melhorias a nível da integração, estas relações passam, actualmente pela democracia, direitos humanos, boa governação e a paz mundial, que é fundamental aos 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas. Um Estado que tenha isso, para nós, é, absolutamente, essencial cooperar com o mesmo. Também porque temos muitos vizinhos que são membros da Commonwealth. Estamos praticamente numa zona em que só nós é que falamos português. É importante interagirmos, no quotidiano, com países de expressão inglesa.

Fazer parte de todas essas organizações provoca ‘ciúmes’ entre potências que regem os conjuntos?

É evidente que cria ciúmes. “O amigo do meu inimigo, meu inimigo é.” Mas temos de ver que isso não é uma união política. A mensagem de João Lourenço vai no sentido de dizer que estamos dispostos a colaborar e manter relações estáveis com todos os países do mundo, explorando as nossas valências e aquilo que tais países nos podem ceder. O Presidente quer vencer um certo isolacionismo, porque estávamos a ficar de alguma forma isolados. Éramos considerados um país que não tinha uma boa governação. Tinha uma governação de longa data, aliás, não é por acaso que, a nível da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a Guiné Equatorial não consegue ascender à presidência. É porque os outros países entendem que este país africano ainda não aboliu a pena de morte.

Mas Angola teria embaraços?

É verdade que, em termos de objectivos, o país poderá criar alguns embaraços, quando se atingir um processo de integração mais acentuado. Volto a criar uma analogia, a nível da CPLP, em que Portugal subscreveu o tratado de Schengen com a União Europeia, mas também de alguma liberdade de mobilidade com países da CPLP, designadamente Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Isso faz com que essa liberdade não seja integral, porque, no plano do direito internacional, a norma internacional sobrepõe-se ao ordenamento jurídico interno. Quer dizer que a norma da União Europeia deve ser incorporada no direito interno de Portugal e isso faz com que determinados pressupostos com os seus pares africanos não possam ser observados se eventualmente chocarem com as normas da União Europeia.

Entre a Commonwealth, Francofonia e o BRICS, qual seria a melhor opção para Angola se tivesse de escolher apenas uma?

Para mim, o BRICS seria a opção mais acertada, porque esta organização já define em si mesmo economias emergentes. Isto quer dizer que nós, se já lá estivéssemos, teríamos já melhorado o nosso PIB per capita e a economia mais sustentável.

Em termos estratégicos, como olha para a política externa angolana?

A nossa política externa está em fase de reforma, no plano financeiro e de recursos humanos. Muitos diplomatas vão passar à reforma, por limite de idade, enquanto outros que não se adaptam também vão regressar ao país. Neste momento, a nossa política externa está realinhada na diplomacia económica. Hoje, precisamos cada vez mais de atrair o investimento estrangeiro. Não nos podemos isolar, vivemos num mundo que é global, mas, sobretudo, interdependente. Quem produz quer vender, quem não produz quer adquirir, mas adquirir sempre a um preço que se adapte à sua capacidade financeira. Então, em determinado momento, vamos comprar, mas naquilo que podemos produzir vamos vender, então, acabamos por nos especializar. Não precisamos de ser aquele país que faz e é bom em tudo, não precisamos. Vamos especializar-nos em determinadas matérias. Por exemplo, a China é hoje o principal centro manufactureiro do mundo.

Angola explora bem o petróleo como uma arma político-diplomática?

Exactamente. Devemos explorar o petróleo como uma arma diplomática, como os russos fazem, por exemplo, com o gás. Sabe que a Rússia abastece a Europa com o gás, principalmente, no período do inverno. Quando não estão bem, os russos aumentam os preços ou simplesmente fecham as torneiras. Penso que Angola devia explorar melhor o petróleo no plano diplomático. Para isso, temos que definir que objectivos queremos atingir e em que período de tempo, porque não há nada eterno.

A relação Angola-China sempre foi muito criticada por falta de transparência. Hoje qual é o quadro?

Também acho que não está devidamente explicada a relação entre Angola e a China. Em termos de dívida, por exemplo, é preocupante, porque Angola já passou dos 50% do Produto Interno Bruto, ou seja, já ultrapassou os limites. Sabemos que a maior parte desta dívida é para com a China. Penso que temos de começar a pensar nas novas formas de financiar o Estado. A relação entre Angola e a China não é transparente, porque os chineses não são como os angolanos que olham para o futuro numa perspectiva egocêntrica e a curto prazo. Os chineses têm o forte problema de excesso de população e, como também têm excesso de liquidez, aproveitam emprestar este dinheiro, mas com exigência de que têm de ser as suas empresas e mão-de-obra a desenvolver os projectos que eles financiam, no caso, em Angola. Isto não facilita a nossa economia, porque não cria empregos para os angolanos nem sequer passam o ‘know-how’ aos nacionais.

Estando Angola em desvantagem, o Presidente João Lourenço pode rever esses acordos com a China?

Não consigo falar com propriedade, porque os termos em que foram celebrados os contratos não são públicos. Mas o que me parece é que nós, hoje, não estamos em condições de poder rejeitar seja o que for da China. Se os chineses nos cobrassem, hoje, tudo o que devemos, não teríamos capacidade de pagar. Ainda assim, entendo que há determinados acordos que não serviram o interesse nacional e deviam sim ser revistos. Há uma série de obras públicas desenvolvidas, nos âmbitos desses acordos, que não têm nenhuma qualidade. Mas temos culpas, porque nem sequer fizemos uma fiscalização cerrada às empreitadas feitas por chineses. Por exemplo, as obras do novo aeroporto internacional, o Hospital Geral de Luanda e até mesmo as centralidades têm qualidade duvidosa. Então, é necessário rever esses projectos de cooperação para que Angola tenha mais vantagens.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) também é criticado em países em que faz assistência financeira. Como é que Angola se deve posicionar diante desta instituição?

Onde o FMI passa impõe um conjunto de medidas estruturais que os Estados que beneficiam dos fundos da instituição são obrigados a cumprir. Estas medidas estruturais, normalmente, criam desemprego, aumentam os impostos, retiram subvenções e levam a determinados pressupostos que tornam essas medidas, no plano político, o que pode provocar convulsões sociais, porque as pessoas protestam. Vimos isso em Portugal, Grécia, Espanha e em outros países. Penso que Angola aprendeu com esses erros. A demonstração de que Angola aprendeu foi ao não pedir ao FMI um resgate financeiro, ficando apenas pela assistência técnica. Os técnicos do FMI dizem aos ministérios de tutela que têm de fazer isto ou aquilo, mas é o Governo que define, no âmbito da sua soberania, os ‘timings’ para a implementação dos conselhos da assistência técnica. Se Angola pedisse a assistência financeira, seria o FMI a decidir os ‘timngs’. Por exemplo, diria até ao mês x tem que se despedir um milhão de pessoas. Isto traria uma forte contestação popular.

Que leitura faz da relação Angola e Portugal?

Quando Angola crescia na ordem dos dois dígitos, Portugal soube aproveitar este ‘boom’ e foi precisamente a fase em que a troika esteve em Portugal. Portanto, foi Angola que, naquela altura, acolheu grande parte dos desempregados portugueses e aí a relação era boa. Depois, quando Angola começou a cair, passou a investir seriamente em Portugal, o que criou alguns ciúmes de portugueses. Alguns angolanos também foram exacerbando as suas capacidades, até que houve a fase do ‘caso Manuel Vicente’, em que as relações dos dois Estados desceram mesmo a pico. Mas agora retornaram à normalidade, porque Angola também fez valer que é um Estado soberano e não mais uma colónia.

FALTA FISCALIZAÇÃO DAS MEDIDAS TOMADAS

O novo Governo completa um ano Setembro. Qual é balanço que faz?

É positivo, na medida em que o Presidente João Lourenço encontrou o país numa situação relativamente caótica. No plano económico, praticamente, tinha os cofres vazios e hoje não se faz diplomacia com os bolsos vazios. Tínhamos perdido aquela imagem positiva no plano externo e isso não é bom nem para quem é governo nem para quem é governado. Portanto, o que se está a notar é que o Governo, de João Lourenço está a bater-se com as armas de que dispõe. Primeiro, fazer relançar o país no plano económico e conjugar tudo isso numa diplomacia bastante actuante. Definiu, tivemos a oportunidade de ver isso, quando o Presidente, no seu discurso inaugural, defendeu praticamente aquilo que seriam as balizas para o que seria a diplomacia angolana. E ficou decidido que seria uma diplomacia no plano económico, esforçando, cada vez mais o investimento estrangeiro para que internamente se pudesse catalisar o processo de diversificação da economia. Fazer com que Angola não seja um país que viva apenas do sector terciário da economia. Por isso é que o Presidente da República esteve no parlamento europeu, falou com as grandes potências, falou com o presidente francês. Tem prevista uma passagem pela Alemanha e por Portugal. Acabou por renegociar determinadas matérias, tomou medidas a nível interno, quer no plano económico, quer no plano financeiro que ainda não têm os resultados esperados, mas, pelo menos, já se nota uma certa inversão daquilo que era o quadro que ele encontrou.

A Lei de Repatriamento de capitais está a cumprir os objectivos?

Haverá algumas dificuldades na aplicação dessa lei. Na verdade, essas dificuldades já se fazem sentir. É que, até agora, não são nomeados os detentores das fortunas ilícitas no exterior. Ainda não temos conhecimento de quem já se tenha disponibilizado. Sabemos pela imprensa internacional e tribunais que há muitos angolanos que são detentores de riquezas lá fora.

Estas pessoas ainda estão dentro do tempo estabelecido pela lei...

Sim, ainda estão dentro do tempo. Mas também já não falta muito tempo para terminar o ano. Eu acho que essa lei é a possível e bem-intencionada, apesar de o mundo não viver só de boas intenções. Agora, o que se sabe é que as pessoas, que [se aperaltaram] dos valores públicos, não demonstram disponibilidade de cumprir a lei, nos termos em que se faz cingir. Porque a intenção do legislador era não criar uma caça às bruxas, resolver um problema, evitando o outro. Não perseguir o cidadão, principalmente, aqueles que se manifestarem como detentor de fortunas ilícitas no exterior.

O facto de entre essas pessoas estarem membros do MPLA dificulta o processo?

Penso que não. Isto já não é só uma intenção do Presidente João Lourenço. Isto já é um desiderato do próprio partido MPLA. Porque foi uma promessa eleitoral e é uma promessa que acolheu a confiança dos eleitores. Se o MPLA venceu com maioria, naturalmente, que essa maioria quer ver as promessas cumpridas. O repatriamento de capitais seria um problema se não tivesse o apoio do partido. As pessoas conhecem-se, naturalmente, os bancos têm mais ou menos noção de quem teve uma gestão danosa e quem teve uma gestão parcimoniosa. A nossa sociedade é praticamente pequena, é circunscrita e não houve muita gente que foi gestor público de topo. Facilmente, estas pessoas são identificáveis.

Vê melhorias no ambiente de negócios?

Deram-se passos significativos para melhorar o ambiente de negócios, designadamente a própria lei de concorrência. O Presidente da República fez referência e tomou determinadas medidas, neste sentido, para acabar, principalmente, com os monopólios. Numa economia de mercado, o Estado tem três funções essenciais: regular o mercado, criando leis, controlar a sua efectivação das mesmas leis, punindo os prevaricadores, e, por outro lado, cobrar os impostos. O nosso Estado ainda é um Estado operador económico. Há muitas empresas que são operadas pelo próprio Estado. O que se nota é que essas empresas são, na sua maioria, deficitárias. Não aproveitaram o tempo do superavit, quando o preço do barril de petróleo esteve acima dos cem dólares. Angola não aproveitou essa fase para reinvestir na sua economia, agora estamos nessa fase difícil. Ainda assim, parece bastante positivo, porque é um percurso que não está acabado. A frontalidade e coragem política do Presidente João Lourenço em manter e inverter o quadro é positiva.

Os monopólios são todos maus?

Segundo as teorias de Adam Smith, numa economia de mercado há uma mão invisível em que o mercado se deve auto-regular. Isto é, a procura e a oferta que definem os preços e por via dos preços e do volume de vendas se vai definir as quotas de mercado. O que se passava é que determinados operadores económicos tinham quotas de mercados feitas administrativamente. Fazia entender que uns podiam ser privilegiados relativamente a outros. Por outro lado, a nossa economia é fortemente subvencionada. Ainda hoje, o Fundo Monetário Internacional é contrário que em Angola os combustíveis continuem a ser subvencionados. É evidente que, em termos de política interna, não interessa já terminar efectivamente com todos os subsídios, a nível dos combustíveis, porque a massa salarial e a estrutura da nossa economia ainda não está suficientemente forte para o impacto da retirada total dos subsídios. Por exemplo, os produtos da cesta básica teriam um preço bastante acrescidos e os salários, não acompanhando a inflação, podiam fazer com que se excitasse algumas convulsões no plano social. Isto é tudo que o actual Governo não tem pretensão de provocar.

Quanto ao cimento, os preços não recuaram ao mil e 1.200 kwanzas, mesmo depois de o problema dos combustíveis ter sido resolvido. O que terá falhado?

O que tem falhado é a fiscalização. As medidas são muito boas, temos bons pacotes legislativos, mas depois o exercício desta mesma legislação não é fiscalizado. O empresário visa o lucro e, quando há esse vazio de fiscalização, ele tem um lucro fácil. É isso que incentiva as pessoas a permanecerem na senda da burocracia e corrupção. Combate-se isso com uma maior fiscalização. As questões dos preços, do cimento por exemplo, já deviam estar mais ou menos aliviadas.

Perfil

Nascido em Kwanza-Norte, Francisco Ramos da Cruz é doutorado em História, tendo feito também formação em Estudos de Defesa e Segurança pela Academia Militar Portuguesa. Fez ainda mestrado em Ciências Políticas e Relações Internacionais. O professor universitário foi adido de Defesa adjunto da Embaixada de Angola em Portugal, onde foi condecorado com a medalha Cruz Naval de Segunda classe da marinha Portuguesa. Tenente-coronel, Ramos da Cruz tem já distinções com medalha do combate na defesa do Kuito Kuanavale (1987), assalto à Mavinga na “Operação Zebra” (1989), Andulo e Bailundo e na defesa do Uíge. Conta ainda com distinções no quadro da cooperação a nível da SADC.

CONFLITO. Ministério do Turismo rescinde contrato com a SPIT. Gestora da entidade privada declara ter investido mais de 300 milhões de kwanzas em apetrechamentos dos hotéis do Estado. Valores não estavam previstos no contrato, levando a empresa a arcar com dívida de 68 milhões de kwanzas.

Infotur

A Sociedade de Promoção de Investimento Turísticos (SPIT) admite processar o Ministério do Turismo, como resposta à decisão ministerial de rescindir o contrato de gestão da rede de hotéis do Instituto de Fomento Turístico (Infotur), assinado em 2014.

Em declarações exclusivas ao VALOR, a administradora-executiva da SPIT, Diozandra Guimarães, acusa o Ministério do Turismo de ter “violado cláusulas do acordo que, sobre a rescisão do contrato, estipula aviso prévio com uma antecedência de dois anos”.

“Fomos surpreendidos com o comunicado. O Infotur está a caluniar e a acusar a SPIT de apropriação de propriedade, o que não é verdade. Se for possível, o assunto vai parar ao tribunal”, ameaça a gestora.

Diozandra Guimarães afirma respeitar a decisão do Estado em anular o compromisso de gestão da rede de hotéis, lamentando, no entanto, os moldes como o processo está a ser conduzido. “Praticamente, não nos ouvem e até proibiram os funcionários, que estão nos hotéis, de falar connosco, enquanto gestores. A atitude do Ministério do Turismo é pouco idónea”, afirma.

Em comunicado, o Ministério do Turismo justifica-se com “o grave e reiterado incumprimento das obrigações assumidas pela empresa SPIT, que redundou em ausência total do retorno para o Estado do investimento realizado”.

Face a esta situação, continua o documento, o Ministério do Turismo solicita a todas as entidades nacionais e estrangeiras a absterem-se de celebrar quaisquer compromissos com a SPIT, “que possam vincular as unidades hoteleiras, sob pena de nulidade”. A administradora executiva da SPIT responde que, “neste tipo de investimento, só é possível falar em retorno de investimento” depois de 10 anos.

“Nenhuma dessas unidades hoteleiras tem mais de cinco anos. Os hotéis do Lubango e de Cabinda só começaram a funcionar em Agosto do ano passado. Portanto, ainda é muito cedo para falar de lucros”, defende-se.

Diozandra Guimarães garante ainda que, para que os hotéis começassem a funcionar, a sua empresa investiu cerca de 300 milhões de kwanzas, o que não estava previsto no acordo de gestão da rede hoteleira, deixando a SPIT endividada na ordem dos 68 milhões de kwanzas, por causa dos investimentos realizados em Cabinda e Lubango.

“O Infotur devia entregar-nos os hotéis com chaves na mão, ou seja, receberíamos os hotéis prontos a funcionar, mas não foi o que aconteceu. Entregaram com obras por concluir e obrigaram-nos a fazer esse investimento”, explica a gestora.

“Tivemos de comprar equipamentos de cozinha, louça, roupa de cama e toalhas. Fomos nós que custeámos a instalação dos postos de transformação de energia dos hotéis de Cabinda e Lubango”, assegura.

Diozandra Guimarães esclarece ainda que a SPIT, até à data da rescisão do contrato, se encontrava a gerir apenas três (em Cabinda, Namibe e Lubango), dos cinco hotéis do Infotur, já que os restantes, os de Luanda e Benguela, ainda se encontram em obras.

A gestora admitiu que a unidade do Namibe, inaugurada em 2014, não está a gerar lucros, tendo em conta a baixa taxa de ocupação, que não ultrapassa os 5%. No entanto, em Cabinda e Lubango, a situação é diferente, uma vez que as taxas de ocupação chegam a atingir os 60%.

A rede hoteleira do Infotur é um projecto público orçado em 100 milhões de dólares e foi desenhado para acolher o Campeonato Africano de Futebol (CAN 2010). No entanto, a inauguração da primeira unidade, no Namibe, só aconteceu três anos depois, em 2013. A construção de cada um dos cinco hotéis custou ao Estado 20 milhões de dólares, levando a um valor global de 100 milhões de dólares. Todas as unidades têm 130 camas. O projecto criou 180 postos de trabalho, tendo todos os funcionários contratos assinados com a SPIT.

COMÉRCIO. Empreendedores queixam-se dos “preços baixos” praticados por concorrentes chineses e vietnamitas, justificados por suposta “qualidade duvidosa” dos produtos. Mas a crise, que provoca limitações de importação de matérias-primas, é ainda o principal problema.

Gráficas

As restrições na aquisição de matérias-primas, devido à escassez de divisas, continuam a ser o principal obstáculo do negócio de produções gráficas de ‘pequena dimensão’. Proprietários e gestores de mini-gráficas, em Luanda, apontam para “pouca atenção” dada pelo Governo.

Quatro anos após o início da crise económica e financeira, os empreendedores referem que “era já altura de se notarem mudanças em relação às medidas de distribuição das divisas”, lamentando que a micro-indústria gráfica esteja em “segundo plano”.

Para já, limitações na produção, incumprimentos dos prazos de entregas das encomendas e redução de clientes preenchem os constrangimentos do mercado destas unidades. Aliás, fala-se mesmo do risco de encerramento de alguns estabelecimentos.

Embora com pouco ‘espaço de manobra’, como reconheceram, os empreendedores procuram reinventar-se, em função das barreiras do momento. Os gestores da Mundo Imprime, por exemplo, estão a apostar em manter contratos fixos com alguns clientes, batendo a portas de outros que eventualmente desconheçam a gráfica.

“Não é época de esperar que o cliente nos procure”, argumenta o assistente Airton Manuel, acrescentando que manter a contabilidade ‘em dia’ é também uma das estratégias da equipa de gestão, que criou quatro postos de trabalho.

“A contabilidade é o coração de qualquer empresa”, argumenta. Já na gráfica Ircom, localizada no Bairro da Polícia, as medidas de contorno à ‘tempestade do mercado’ passam por aumentar a eficiência e o acompanhamento pós-venda, tendo sido criada uma área de gestão de clientes.

Ainda assim, o técnico de impressão digital e designer-gráfico Simão Gonçalves insiste na necessidade de o Governo olhar para o negócio com ‘bons olhos’, facilitando as divisas para a importação das matérias-primas. “Se houver esta facilidade de importação, o resto a gente dá sequência”, afirma Simão Gonçalves, concluindo que “as nossas gráficas são de pequena dimensão”, mas desenvolvem “trabalhos de grande dimensão” e que “pequenas empresas alavancam grandes economias”.

Lonas, vinil, autocolantes, tinteiros, camisolas e papéis de vários tipos e dimensão são as principais matérias-primas utilizadas pelas gráficas. Os preços dos produtos finais são praticados em função da qualidade, quantidade e dimensão de cada artigo.

Por exemplo, o preço de impressão de um metro quadrado de uma lona varia entre os 2.500 kwanzas e os seis mil kwanzas. Um vinil, de também um metro quadrado, custa entre três mil e 7.500 kwanzas. Já na impressão de produtos em papel, os preços rondam entre 200 e mil kwanzas, tendo sempre em conta o tipo e tamanho do produto.

A facturação destas pequenas empresas ronda entre os 200 e os 300 mil kwanzas/mês, tendo um custo operacional trimestral à volta de 200 mil kwanzas. Em investimentos, uma máquina de imprimir lonas e vinil custa entre 3,5 milhões e 10 milhões de kwanzas. Chineses e vietnamitas são acusados pelos empreendedores nacionais de inundar o mercado com produtos de pouca qualidade e preços baixos, provocando uma “concorrência desleal”.

João Ilídio, proprietário de uma gráfica nos arredores do Golfe 2, está convencido de que o material usado por chineses é reciclado e de baixo custo. Além do seu estabelecimento, na área, existem mais três gráficas, todas de proprietários chineses.

“Realmente, é uma grande concorrência, mas acho que não é justo. Porque eu trabalho com matérias originais, tinteiros e máquinas sofisticadas, já os tinteiros que os chineses usam é reciclado e têm pouca duração”, acusa João Ilídio. “Estou a perder, porque os clientes preferem os chineses por causa dos baixos preços, mas o meu produto tem muito mais qualidade.” Ao VALOR, chineses e vietnamitas recusam-se a comentar o assunto.