Apesar de estar próximo das margens do Rio Kwanza, o Pólo Agro-industrial de Capanda, criado há mais de 10 anos, em Malanje, ainda não tem água e depende da chuva. Em período de seca, regista perdas de milhões de dólares. O projecto de abastecimento hídrico está orçado em 200 milhões de dólares, mas espera, há oito anos, por aprovação do Governo. O gestor da Sodepac lembra que este é um projecto raro no mundo e que pode colher muitos frutos.
Dez anos depois da sua criação, o Pólo Agro-industrial de Capanda (PAC) está a cumprir os objectivos?
Sim. Os desafios são, em primeiro lugar, o crescimento e a diversificação da economia, a segurança alimentar e, naturalmente, a criação de emprego e distribuição do rendimento nacional. Um outro aspecto que tem sido esquecido é a redução do êxodo rural. Reduz-se, criando condições locais para que os camponeses não migrem para as cidades. Estando nas cidades, a probabilidade de regressarem para o campo é muito menor.
O PAC já está infra-estruturado para que se desenvolva o agro-negócio em Malanje?
Temos um plano director, que, no fundo, é uma orientação do ponto de vista estratégico da maneira como se deve gerir e ocupar o Pólo Agro-industrial de Capanda. A principal condição necessária para o desenvolvimento do PAC é a criação das infra-estruturas. Estamos a falar, em primeiro lugar, da água e energia. O plano de abastecimento hídrico foi solicitado ao Executivo em 2011 e, por razões que são alheias à Sodepac, este programa aguarda a sua inserção no programa de investimentos públicos há cerca de oito anos. E é uma infra-estrutura básica fundamental.
Isso significa que não há água no pólo?
Isto quer dizer que o PAC, ao contrário do que deveria acontecer, dispõe naturalmente das chuvas, da pluviosidade normal e sabe-se que a pluviosidade nem sempre é segura. Há anos de seca e naturalmente os projectos precisam de ter calendários seguros para a irrigação.
E quando não chove?
Na altura em que é previsto irrigar, se não chover, naturalmente, há problemas e perdas enormes. Daí a necessidade do plano de abastecimento hídrico. Aguardamos a aprovação deste plano para irrigar em todas as áreas do pólo, cerca de 37 mil hectares. Hoje, há uma maior sensibilidade do Executivo em encontrar fontes de financiamento para a execução deste plano.
Em quanto está orçado o plano de abastecimento hídrico?
A primeira fase está em cerca de 200 milhões de dólares. Fazemos votos de que, a partir desde ano, ou, o mais tardar, em 2019, tenhamos a possibilidade de arrancar com o plano de abastecimento hídrico.
Em termos de infra-estruturas, o que já foi feito?
As infra-estruturas rodoviárias, que foram concluídas em 2015. Foram cerca de 173 quilómetros de estradas secundárias no interior do pólo. Também já estão criadas as condições de abastecimento de energia. Estes dois projectos, a rede rodoviária e a eléctrica, orçaram em 140 milhões de dólares. A rede de distribuição de energia tem uma extensão de 164 quilómetros e a sua conclusão verificou-se em 2016, tendo sido introduzida a potência em 2017. Estamos em negociações com diversas operadoras de telefonia para que sejamos agentes no PAC. De um modo geral, na região do PAC, há uma cobertura média de entre 60 e 70% da área, mas essa cobertura precisa de ser total, por um lado, e precisa de melhorar a qualidade. Para isso, tem de haver um agente centralizador, que somos nós, e estamos a negociar com as operadoras.
O pólo tem uma área de 411 mil hectares. Em termos percentuais, qual é o espaço já ocupado?
Tem 411 mil hectares brutos, mas tem apenas 293 mil hectares de terras aráveis. O restante é área de preservação ambiental e de ocupação humana. Até ao mês passado, verificou-se uma ocupação de cerca de 182.705 hectares, portanto, cerca de 60% de espaço arável. Esta ocupação foi feita com cerca de 36 contratos de direito de exploração de terras, com uma previsão de criação de cerca de 8.803 empregos directos e com uma produção média anual de cerca de 5.437.000 toneladas, correspondente a 203.783.000 kwanzas.
São previsões ou resultados ‘palpáveis’?
São resultados até agora. Apesar de não termos tido as infra-estruturas, que são a principal condição potenciadora para o investimento privado, construídas a tempo, já conseguimos obter esses resultados. Se a infra-estrutura de abastecimento hídrico estivesse construída, estaríamos muito mais longe. Os projectos de grande envergadura não podem sujeitar-se aos caprichos de ‘São Pedro’ (chuvas). É preciso que a água seja retirada da albufeira de Capanda e seja distribuída pelas três zonas agroindustriais de Capanda.
Quantas empresas estão aí instaladas?
Temos, em funcionamento, por volta de 20 empresas. Estão em fase de arranque e é preciso verificar que há uma serie de factores inibidores. Em primeiro lugar, a conjuntura económica e financeira que o país atravessa desde 2014. Esta conjuntura caracteriza-se, sobretudo, pela escassez de recursos por parte da banca, ou seja, para o crédito bancário aos investidores. Por outro lado, tendo em vista os níveis de inflação alcançados e as restrições que temos na obtenção de divisas, muitas das empresas têm dificuldades em arrancar por causa das dificuldades de importar os ‘inputs’. O Pólo Agro-industrial de Capanda não está livre da conjuntura que o país atravessa mas, apesar disso, os resultados são extremamente positivos.
Por estarem no PAC, as empresas beneficiam de atenção especial, em termos fiscais?
É um trabalho em curso. Estamos a trabalhar com a Administração Geral Tributária e o Ministério das Finanças no sentido de encontrar um quadro especial fiscal para aquela área, tendo em conta as suas características especiais. Mas ainda estamos longe de atingir o objectivo. Estamos mais próximos é nas negociações que temos com Banco de Desenvolvimento de Angola e outros bancos, precisamente para que possamos, por um lado, fazer com que os estudos de viabilidade que os bancos precisam para financiar os projectos, ou melhor, os encargos decorrentes desses estudos, feitos pelos consultores, possam ser incorporados no valor do crédito e a pagar posteriormente. Por outro lado, negociar, no sentido de que as obras de infra-estruturas serem financiadas fora do quadro central do projecto em causa. Isto é, há ‘core business’ da empresa que será financiada, em determinadas condições de taxas de juros e período de mora, mas este conjunto de infra-estruturas será financiada à parte com condições especiais, precisamente para não encarecer a estrutura de custos e com isto provocar a falta de competitividade dos produtos que serão produzidos no PAC.
O que se produz no PAC?
O primeiro critério para a selecção das culturas a desenvolver no PAC é precisamente aquilo que o mercado precisa, os produtos que concorrem para a segurança alimentar e para a substituição das importações. O outro critério é saber que condições é que o Pólo tem para criar produtos, que correspondam a essas necessidades. Aqui tem que ver com as condições do próprio solo. Juntando estes dois critérios, as principais culturas que seleccionamos, ou seja, que recomendamos que sejam produzidas no PAC são o milho, soja, massambala, cana-de-açúcar, mandioca, arroz, pastagens e a florestas.
E a pecuária?
Só temos em funcionamento a pecuária de corte e essa cadeia ainda não está completa. Naturalmente, temos áreas vocacionadas para a bovinicultura que é constituída pelas forragens. Temos um matadouro e, provavelmente, uma área oficinal e depois promover a venda do produto final no mercado.
Quantas empresas que gestoras cadeias produtivas estão no PAC?
Antigamente, havia seis empresas âncoras. Três eram geridas pela Gesterra. Estas empresas do Estado ocupam cerca de 60 mil hectares (cerca de 26% da área) e atingiram insolvência financeira e falência técnica. Trata-se da Pungo Ndongo, Fazenda Pedras Negras e a Fazenda Quizenga, que eram geridas pela Gesterra e foram entregues ao Fundo Soberano. Há uma confusão à volta disso, esperemos que o Governo resolva este problema. Actualmente, as empresas âncoras que temos são a Companhia de Alimentos de Malanje, que controla a cadeia produtiva da mandioca; a Biocom, da cana-de-açúcar, e a Socamia, dos grãos. A Socamia é uma empresa do grupo Castel e vai produzir milho e soja para a matéria-prima de produção de cerveja, que é componente industrial. Outras estão agora em fase de implementação.
Dívidas a subir
Estas empresas estão inoperantes há quanto tempo?
Estão paradas há, pelo menos, três anos. E queríamos cobrar uma taxa de ocupação dos terrenos. Não tenho dados de quantas pessoas ficaram no desemprego, mas sei que a dívida do conjunto dessas empresas para com a Sodepac atingiu entre 2015 e 2017 mais de 435 milhões de kwanzas.
Sobre quem recai a responsabilidade pela falência das empresas?
Tenho esperança de que o Executivo tenha em mão esse processo e seja recuperado o mais rápido possível. Do nosso ponto de vista, para nós que gerimos o PAC, era necessário agir e propusemos uma metodologia que passava, em primeiro lugar, por um saneamento técnico e financeiro das empresas, precisamente para separar o activo do passivo. O segundo passo seria abordá-la na base do capital de risco promocional. Ter-se-ia de abrir a estrutura accionista das empresas a entidades com capacidade financeira comprovada e capazes de financiar um projecto de reestruturação, criando uma entidade gestora, que formaria os quadros necessários ao longo de todo o processo. Naturalmente, esta entidade financeira tomaria a maior parte da estrutura accionista da empresa. O Estado ficava com a menor parte. Temos a responsabilidade de gerir o PAC e não podemos aceitar que estas áreas sejam ocupadas sem rentabilidade nenhuma.
Além dessas empresas, há outras no PAC que têm dívidas para com a Sodepac?
É evidente. A partir do momento em que ocupam terras, mas não têm os créditos para iniciarem a produção, não têm resultados para pagar as obrigações. Mas isso nós compreendemos. Vamos negociando. São 10 a 20% das empresas nesta situação, mas não é nada de grave. Estamos a dar uma ajuda no sentido de, o mais rápido possível, arrancarem com as suas actividades.
O PAC está preparado para os eventuais efeitos da concorrência que se espera estimulada pelos acordos de comércio livre em África?
Os impactos são vários. Criadas as condições de infra-estruturas, estabilizando a situação macroeconómica do país e estando as infraestruturas a funcionar em pleno, o PAC poderá alimentar mais de três milhões de pessoas, pode criar 100 mil empregos directos e 200 mil indirectos. Pode contribuir em 436 milhões de dólares para a substituição anual das importações, produzir um valor de cerca 892 milhões de dólares, na produção agro-pastoril, ou seja, agricultura, floresta e pecuária. O volume de negócios da produção agro-industrial pode estar em cerca de 600 milhões de dólares. O valor de investimento nessas áreas pode estar em 1,4 mil milhões de dólares em 16 anos. Isto é uma série de impacto que não é de negligenciar. É uma área pequena do país que pode contribuir, por exemplo, com o óleo alimentar em cerca de 25% das necessidades do consumo, com 11% do consumo nacional de frango, em cerca de 80% das necessidade do açúcar e em cerca de 6,5% das necessidades da carne bovina. Portanto, uma área com todo esse potencial merece uma atenção especial por parte do Executivo.
Não estando as condições criadas, os produtos serão competitivos?
Quanto menor for o custo de produção, mais competitivo é o produto. Queremos ir à estrutura de custo, baixar a estrutura de custo e aumentar a qualidade para que o produto nacional seja mais competitivo do que o importado. Fazemos isso, baixando as taxas das infra-estruturas, baixando o custo das taxas dos juros, baixando os impostos e naturalmente, aumentando o apoio aos empresários locais. Isto faz com que a sua estrutura de custos seja baixa, o que vai redundar em produtos extremamente competitivos e, neste caso, podemos integrar a zona livre de comércio no continente, porque temos produtos que podem competir com os que vêm de fora.
Algum país tem um projecto como o PAC?
Existe na Califórnia (EUA), na Argentina, Brasil e está agora em desenvolvimento um na África do Sul. José Eduardo dos Santos convidou-me para criar este pólo, precisamente porque tenho uma tese académica que se baseou num pólo desta natureza e o desafio que o ex-Presidente me fez foi precisamente o de implantar isso no país. Estou a tentar fazer com o apoio da Sociedade de Desenvolvimento do Pólo Agro-industrial de Capanda. Portanto, é um projecto inovador.
O Governo prevê que o sector não-petrolífero cresça 5,1%, com a agricultura a registar uma taxa média anual de 8,9%. Estas previsões são realistas?
É uma meta, uma previsão... Mas, se nos forem dadas as condições que potenciem o apoio decisivo ao investidor privado, podemos contribuir muito significativamente para estas metas.
Há queixas de empresários e investidores sobre governantes que dificultam processos, com exigências de integrar estruturas accionistas de empresas a custo zero. O que pensa sobre isso?
De facto, é um problema muito sério. Este problema tem um melhor ambiente de ser encarado agora com a nova visão do Presidente João Lourenço, que abriu uma nova era de expressão, manifestação de vontades e de abertura do debate com base no contraditório. E, mais do que isso, o Presidente está a fazer um combate à corrupção, à impunidade e ao nepotismo. Esta é uma condição que o novo Presidente transmitiu aos compatriotas e à comunidade internacional, mas não é suficiente. É necessário que o aparelho judiciário esteja preparado para receber e tratar no sentido de corrigir essas situações. Portanto, são erros graves, são crimes e têm de ser combatidos.
Em que pé está o projecto Agrovilas?
Tem uma componente social que fará com que, no futuro, não sejam as 196 aldeias dispersas, mas sim 12 agrovilas com condições necessárias para manter as populações rurais no campo. Poderá educar-se os filhos de camponeses, quer na instrução básica, quer na instrução técnica, para que, ao invés de migrarem para as cidades, frequentem escolas agrárias e se transformem em pequenos e médios produtores agrícolas. A nossa visão é esta. Este projecto vai contribuir para o estancamento do êxodo rural para as cidades. Por muito que se gaste nestes projectos, é muito mais barato do que requalificar cidades que recebem todos os dias gente vinda do campo. Estamos empenhados neste pólo para que o seu sucesso seja replicado noutros pontos do país.
PERFIL
Carlos Fernandes, formado em agronomia, é presidente do conselho de administração da Sociedade de Desenvolvimento do Pólo Agroindustrial de Capanda (em Malanje), desde 2008, altura da sua constituição. O engenheiro já exerceu vários cargos no aparelho executivo do Estado, como o de ministro da Agricultura e dos Transportes, tendo sido do também, nos anos 2000, presidente do conselho de administração da já extinta Agência Nacional para o Investimento Privado (ANIP).
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