Embora seja membro da Aliança Internacional para Energias Limpas, Angola não assinou um acordo-quadro que dá acesso a uma linha de crédito de dois mil milhões de dólares, que visa estimular a produção de energia solar em África. A revelação é do embaixador cessante da Índia em Angola, Kumar Singhal, que avança ainda que, além da mão-de-obra, o crescimento da economia indiana é também impulsionado pelo programa governamental de disponibilização de terras. O diplomata aconselha Angola a aproveitar as energias alternativas, em vez do petróleo.
Fora o petróleo, quais são as áreas de maior interesse da Índia em Angola?
A relação existente entre Angola e a Índia, no âmbito económico, é multifacetado. Nesta altura, o volume de investimento da Índia em Angola ronda os 1,5 mil milhões de dólares e a Índia está no sector de manufacturação, no fabrico de contentores plásticos, aço e outros bens cosméticos. Recentemente, tivemos aqui a visita do ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros da Índia e assinámos um acordo de entendimento na área de informação e tecnologias de informação. Portanto, o nosso relacionamento tem estado a crescer constantemente. Essa relação já existe desde antes da independência de Angola e nos vários sectores, como o político e o económico.
Que apoios concretos a Índia dá a Angola na agricultura?
Temos estado a disponibilizar diferentes apoios. Como sabe, a Índia é um dos maiores países agrícolas. É um dos maiores produtores de cereais do mundo. Temos um memorando de entendimento e espero que seja brevemente assinado entre o Governo angolano e a Índia. É um memorando que já existe desde 2016. Neste mesmo ano, o ministro angolano da Agricultura teve o privilégio de visitar a Índia e esteve em várias instituições de formação. De lá, pôde retirar vantagens que podem ser úteis para Angola. Oferecemos 30 bolsas de estudos, todos os anos, a mais de 140 países. Formamos e, assim sendo, Angola vai beneficiar muito se continuar a mandar os seus quadros para serem formados na Índia.
Angola investe milhões de dólares em barragens para a produção de energia. É assim que a Índia também resolve os problemas de energia?
É preciso que cada país tenha várias fontes de energia. Existem várias alternativas que os Estados podem assumir. Por exemplo, Angola está abençoada com mais de 300 dias de sol e pode utilizar a energia solar para a electrificação do país. E, como tenho estado a aconselhar as autoridades governamentais durante o meu mandato, como as populações angolanas estão em grupos separados, se usarem apenas energia que vem de barragens, a transmissão pode ser muito cara. Mas usando energia solar, isto já pode ser bastante útil e reduz o custo de fornecimento de energia.
A Índia tem interesse em investir nas energias renováveis?
Angola é membro da Aliança Internacional das Energias Limpas, só que ainda não assinou o acordo-quadro para ter acesso aos dois mil milhões de dólares de linha de crédito existente para países africanos. Aí há uma oportunidade. É interesse do governo indiano que Angola possa fazer uso dessa linha de crédito.
Qual é a maior fonte de energia da Índia?
A energia que sustenta a economia indiana provém de várias fontes. Temos a energia térmica, que corresponde a 65%, a hidroeléctrica, que é 25%, e depois temos também as instalações de gás que fornecem energia. O governo indiano está muito focado no uso de energias limpas. Até 2022, quer usar 25% de gigawatts de energias solar e eólica para podermos consumir cerca de 75 milhões de megawatts.
Refere-se também à energia nuclear?
Como já disse, é preciso que as nações tenham várias fontes de fornecimento de energias. Assim sendo, temos, nesta altura, cerca de dois mil megawatts de energia nuclear a serem produzidos na Índia.
Estava prevista a participação da Índia na construção de refinarias em Angola. Por que razão isto não está a acontecer?
Temos uma empresa indiana, a Engeneer India Limited, que foi consultora no sector das refinarias. Aquando da visita a Angola, o ministro indiano de Estado dos Negócios Estrangeiros mostrou-se predisposto a participar, caso Angola apresentasse alguma proposta, na construção das refinarias e não apenas ficar em consultoria. Estamos dispostos a prestar a nossa colaboração, se nos for fornecida alguma proposta. Uma empresa indiana apresentou um memorando de entendimento, que pode ser assinado entre a Sonangol e essa empresa. Se se concretizar, a relação vai atingir patamares elevados.
E como olha para a necessidade de Angola construir refinarias?
Angola é um dos maiores produtores de petróleo na região e gostaria de construir as suas refinarias para deixar de importar produtos refinados. É uma boa decisão do Governo angolano.
Em que percentagem anda a importação indiana do petróleo angolano?
A Índia é o segundo maior importador do petróleo bruto angolano, importando cerca de 8% do que é produzido.
Há um ano, falava-se em 10%. Está a reduzir?
Nós importamos 10% da produção angolana, mas 8% é do petróleo bruto mundial. Ou seja, quando faço referência a 8%, referiro-me ao petróleo bruto importado pela Índia a nível mundial. Dentro desse 8%, que é a nível mundial, 10% sai de Angola.
Angola está a preparar legislação sobre a concorrência. Que medidas mais poderiam ser tomadas para melhorar o ambiente de negócios?
O Governo angolano já identificou quais são os elementos que impedem o desenvolvimento da economia angolana. Congratulo-me com a chegada do novo Presidente da República e a nova política que está a ser colocada em prática. Por exemplo, os acordos de supressão de vistos com vários Estados, como a concessão de visto logo à chegada no aeroporto. É dos métodos importantes que Angola conseguiu para se catapultar para patamares elementares.
Está a acompanhar as medidas do Presidente contra a corrupção?
É um problema que está em quase todos os países do mundo, mas fico feliz por fazer menção que o Presidente da República de Angola declarou uma luta cerrada contra este mal. Isso vai aumentar os investimentos e melhorar o ambiente de negócios em Angola. Dentro de um futuro próximo, Angola vai poder aumentar os seus dividendos. A Índia tem várias agências ligadas ao combate a esse mal e, se Angola estiver interessada, estaremos dispostos a partilhar o nosso conhecimento.
Quantos indianos vivem em Angola?
Falando da comunidade indiana em Angola, temos de diferenciar. Temos aqueles que são portadores de passaportes indianos, que também são considerados indianos, e temos aqueles que realmente são de origem indiana. Todos esses fazem a comunidade indiana residente em Angola. No total, estamos a falar em cerca de 4.500, entre estes, 1.200 possuem passaportes indianos, embora não o sejam de origem.
Para uma relação de mais de 40 anos e tendo em conta que a Índia tem mais de mil milhões de habitantes, não acha pouco 4.500 indianos?
Concordo que o número é pequeno. Mas isso tem várias razões históricas. O número vai aumentando paulatinamente em função da relação comercial existente entre os dois Estados. Há anos, o antigo ministro angolano da Economia visitou a Índia e levou uma delegação. Recentemente, o actual secretário de Estado para o sector mineiro também visitou Deli e também levou uma delegação. Com essas visitas, o número de indianos em Angola vai aumentar.
E quantos angolanos estão na Índia a residir e a fazer negócios?
O número de angolanos a viver na Índia é muito limitado. Grande parte dessa comunidade vai mais à Índia para estudar. Isto porque o governo indiano tem estado a oferecer todos os anos 30 bolsas de estudos. Este número vai aumentado cada ano que passa e constitui a maior parte da comunidade angolana a residir na Índia.
“NA ÍNDIA, NÃO HÁ TRABALHO ESCRAVO”
A economia indiana é das que mais cresce no mundo. O que está na origem dos actuais níveis de crescimento?
Não é um milagre. O governo indiano prestou muita atenção às infra-estruturas como portos, aeroportos e electricidade. Esses elementos criados aceleram a economia indiana, bem como a fluidez das exportações feitas via barcos, em tempo recorde. Isso acelerou, de que maneira, a nossa economia. Outro aspecto tem que ver com a nossa política de terras. O governo indiano melhorou a lei de terra, disponibilizou mais terra e melhorou as exportações.
Além da mão-de-obra barata, que outros aspectos atraem multinacionais estrangeiras a instalarem-se na Índia?
Existem várias razões. Uma delas que faz com que a economia indiana cresça é o custo de produção que é fundamental, mas não é só. Também a facilidade que o governo indiano criou para que se possa fazer negócio na Índia. Quando os empresários investem conseguem vender os seus produtos e o governo protege os investimentos. O ponto número dois é que somos abençoados com uma população enorme. Estamos a falar de cerca de 500 milhões de homens de negócios. Tudo isso, mais a redução de custo de produção, cria uma economia de escala aceitável. Um outro detalhe importante é a rota automática de fazer comércio.
Como é que isso acontece?
Basta o investidor abrir uma conta no banco central indiano e pode directamente fazer o seu investimento no território indiano desde que tenha a conta aberta. O governo dá garantia de protecção dos negócios dos investidores tanto indianos como estrangeiros.
Há relatos de que a economia indiana cresce também devido ao trabalho de escravo e esforçado.
Estou consciente de que a escravatura já foi abolida há muitos anos e, na Índia, não temos nenhuma cultura de trabalho de escravatura ou forçado.
O crescimento económico da Índia reflecte-se na vida dos cidadãos?
Com certeza. Reflecte-se na vida quotidiana. Basta ver o rendimento ‘per capita’, que aumenta. Como é que conseguimos avaliar isso? Por intermédio da aquisição de bens. Mais cidadãos compram carros e casas e o barómetro vai aumentando de ano para ano.
As medidas proteccionistas de Donald Trump estão a afectar as exportações indianas para os EUA?
O proteccionismo norte-americano é uma grande preocupação e dificulta as economias. É uma grande questão que deve ser levada em conta e ser apresentada à Organização Mundial do Comércio, de que a Índia faz parte. Vamos apresentar as nossas preocupações. Isso não afecta apenas os países que desejam exportar para nações proteccionistas. É um direito que as nações têm, mas isso encarece os custos de produção dos países de origem. A longo prazo, pode ter consequências menos boas para esses países que adoptam essas políticas proteccionistas.
A China é um parceiro, mas também o principal concorrente da Índia. Concorda?
Um dos nossos maiores parceiros comerciais é a China. O nosso volume de negócios ronda os cem mil milhões de dólares. Mas também temos relações muito boas com os países vizinhos.
“Paquistão interfere nos assuntos internos da Índia”
Qual é o ponto de situação do programa indiano de desenvolvimento de ogivas nucleares?
Temos instalações ambiciosas de energias nucleares, porque são amigas do ambiente e também de custo baixo. Temos empresas vindas de países, como a Rússia, Japão e EUA.
A Índia é praticamente uma potência nuclear. O programa não tem fins militares?
Há um mau entendimento quando falamos de instalações de energias nucleares. Essas instalações, que estamos aqui a fazer referência, estão sob responsabilidade da Agência Internacional de Energia Atómica e não são para uso ou fins militares.
O Paquistão acusa a Índia de desenvolver ogivas com fins militares…
Qualquer país pode dizer qualquer coisa contra um outro país. Mas, como fiz referência, essas instalações de energia atómica não são para fins militares.
A disputa territorial entre a Índia e o Paquistão, devido à Caxemira, continua?
Este assunto está bem claro e, algumas vezes, há um mau entendimento sobre essa região. Foi assinado um acordo em 1948 pelo rei da Caxemira, sob auspício do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e está declarado que o Paquistão invadiu esse território. O Conselho de Segurança das Nações Unidas pediu ao Paquistão que se retirasse de Caxemira, mas o Paquistão nunca cumpriu com essa ordem. Portanto, o Paquistão financia grupos terroristas e continua a semear acções de terrorismo mesmo na ilha. Como é óbvio, em 1996, os ataques que tiveram lugar na Índia foram perpetrados pelos paquistaneses e, ainda assim, continuam a financiar actos de terrorismo que estão a ter lugar dentro do território indiano.
Este conflito indo-paquistanês tem registado mortes até de civis, provocando também milhares de deslocados. A comunidade internacional dá a devida atenção ao problema?
Esse elemento pode ser explicado pelo seguinte factor: a Índia é vítima de terrorismo há mais de 30 anos e, quando começou a ter esse problema, ninguém acreditava que se tratava de actos terroristas. Actualmente, o presidente Trump reconheceu que o Paquistão é um país que fomenta o terrorismo no mundo, tanto mais que o Paquistão deixou de ter apoio militar dos EUA. Mas essa questão anda paralisada durante esse tempo todo.
O conflito é baseado em questões étnico-religiosas ou há outras razões?
Como sabe, a Índia é um dos países com maior número de muçulmanos e colocarmos aqui o elemento religioso, como base do conflito, é uma definição errada. Esta confusão que existe não é conflito concretamente, mas interferência de um Estado num outro Estado. O Paquistão interfere nos assuntos internos da Índia. Depois da Indonésia, o segundo maior país de muçulmanos é a Índia e, então, o aspecto religioso não é a base fundamental dessa confusão.
PERFIL
Shri Sushil Kumar Singhal foi acreditado embaixador da Índia em Angola, em Setembro de 2015, estando já em fim de mandato. O seu substituto deve ser acreditado nos próximos 30 dias. Singhal exerceu o cargo de Alto Comissário Adjunto no Alto Comissariado da Índia, em Nairobi. Serviu em missões indianas na Tanzânia, Bélgica, Bangladesh e Hungria. Mestre em Direito pela Universidade de Deli, na Índia, é Associado do Instituto de Secretários de Empresas da Índia, Nova Deli. O embaixador é casado e tem dois filhos.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...