António Miguel

António Miguel

AGRO-INDÚSTRIA. Executivo pretende enquadrar bens alimentares angolanos numa reserva estratégica. O plano deve ser apresentado já em Junho deste ano. O grande problema: o país produz apenas 2% do que consome.

 

 

O Executivo angolano criou um Grupo Técnico Intersectorial para conceber o que designa de Reserva Estratégica Alimentar do Estado, uma iniciativa que terá como objectivo armazenar produtos alimentares necessários em momentos de crise alimentar.

Para já, a inserção de produtos de produção nacional constitui o principal desafio. Técnicos do Ministério da Agricultura consideram o feijão, milho e arroz produzidos localmente sérios candidatos para essa reserva, mas os seus colegas do Ministério do Comércio olham para o cenário com cautela, devido à fraca produção nacional.

Para resolver esse problema, o Executivo pretende lançar mão a alguns dos principias projectos agropecuários criados nos últimos dez anos. Trata-se de 13 fazendas espalhadas pelo país.

Sob gestão da Gesterra, empresa de capitais públicos, esses projectos têm como objecto social a gestão e exploração das terras aráveis e que constituem Reserva Estratégica do Estado. O Estado conta ainda com a contribuição de fazendas privadas e de projectos de agricultura familiar.

O Ministério do Comércio estima, entretanto, que essa “conjugação de esforços” garante apenas 2% do consumo nacional, pelo que 98% – avaliado em dois mil milhões de dólares – teria de vir de fora.

O ministro da Economia, Abrahão Gourgel, tinha já alertado para a necessidade de privatizar as fazendas do Estado, visando torná-las mais produtivas. O presidente do conselho de administração da Sociedade de Desenvolvimento do Pólo Agro-industrial de Capanda, Carlos Fernandes, havia sugerido a refundação das empresas públicas ligadas à agro-indústria.

O VALOR continuará a acompanhar o desenvolvimento deste plano governamental para as próximas edições.

TECNOLOGIAS. O director do Instituto Nacional de Fomento da Sociedade de Informação, organismo afecto ao Ministério das Telecomunicações responsável pela integridade dos sistemas informáticos do Estado angolano, Manuel Homem, admite que Angola tem sido alvo de ataques cibernéticos vindos de vários países e até de dentro, mas garante que os autores não têm tido sucesso.

 

Angola foi afectada pelo ataque informático que envolveu, há uma semana, mais de 150 países?

Não temos qualquer registo, mas tem havido várias tentativas de intrusão dos sistemas que monitoramos. A 17 de Maio, por exemplo, tivemos 312 tentativas vindas de pessoas ou máquinas instaladas em Angola, mas nenhuma delas teve sucesso. Tivemos também tentativas da Rússia, Austrália, China, EUA, Holanda, França, Ucrânia e Irlanda. Por precaução, asseguramos que os sistemas principais do Governo que estejam disponíveis na Internet deixam de o estar. O hacker estuda muito. Em Angola, também temos uma sociedade de tecnologia que está a criar valência crítica, ou seja, hackers.

No ano passado, a organização de hackers “Anonymous” anunciou que atacou o site do Tribunal Supremo em protesto pelo julgamento do caso 15+2. Confirma?

Sim. Os “Anonymous” atacaram vários sites em Angola. Os sites do Governo também sofreram essa tentativa de intrusão. O que fizemos nesta altura, em primeiro lugar, foi retirar a visibilidade dos portais na Internet dos sistemas sob nosso controlo. Isso permitiu criar uma falsa sensação de que fomos atacados. Foram tentativas de intrusão não concretizadas.

Os hackers podem ser detectados?

Podem. A engenharia hoje permite fazer o processo reverso e há todo um conjunto de técnicas, no âmbito da segurança cibernética. Angola aprovou a Lei 7/17, que prevê a criação de uma equipa de resposta aos incidentes informáticos que ocorram no nosso ciberespaço. já temos muitas infra-estruturas apontadas para a protecção e monitoramento das comunicações. Estamos a criar uma equipa coordenada com todos os actores, públicos e privados, que intervêm na Internet, para que possamos responder como um todo, um corpo.

Porquê acontecem ataques cibernéticos?

Esses ataques partem de especialistas que tentam, por várias motivações, aceder a um dado sistema informático. Um dos principais objectivos é a autoestima de um técnico informático em conseguir atacar o site de uma instituição. Sente-se orgulhoso por isso. Outros tentam obter benefícios financeiros com essas práticas.

Estamos perante a guerra do futuro?

É a guerra do presente, porque já está a acontecer. Aliás, outra vertente tem a ver com guerra de informação entre instituições e que depois gera prejuízos financeiros. Estou a falar de espionagem industrial, militar ou política. É precisamente a espionagem cibernética que representa neste momento a maior preocupação. Hoje, a guerra entre nações passou a ser uma guerra de informação. Quanto mais informação um dos lados recolher sobre uma determinada entidade, empresa ou país, mais privilegiado estará.

A resposta ao fenómeno deve ser global, a nível das nações?

É uma preocupação que se coloca a nível da Organização Internacional das Telecomunicações (OIT). Há um grupo específico, no seu seio, que cuida das questões relacionadas com os ataques cibernéticos, visando garantir a soberania tecnológica, a soberania dos países. Nós estamos a seguir os mesmos princípios. Angola tem estado a criar legislação o mais actualizada possível no contexto mundial do desenvolvimentos das tecnologias de informação, mas, mais do que legislar, é necessário criar as condições para operacionalizar o que está legislado.

AVIAÇÃO. Fonte do INAVIC avança que estão em causa “falhas em procedimentos”. Lojas da operadora privada continuam abertas, mas não podem vender bilhetes.

 

O Instituto Nacional de Aviação Civil (INAVIC) ordenou a suspensão dos voos da Air26, companhia privada que já foi referência no segmento comercial privado em Angola com operações para quatro destinos. Fonte daquela entidade disse ao VALOR que em causa estão irregularidades nos procedimentos de segurança operacional.

A imobilização dos seus aparelhos na placa do Aeroporto Doméstico, com ar de abandono, levou a que passageiros e agentes da indústria receassem por falência da companhia, mas sabe-se agora que se tratou de uma medida do INAVIC imposta no primeiro trimestre do ano passado.

O VE apurou que a penalização da reguladora da aviação comercial nacional, afecta ao Ministério dos Transportes, visa garantir o cumprimento de procedimentos de segurança que a Air26 terá quebrado. “A empresa continua a fazer parte das companhias autorizadas a voar, mas tem de solucionar algumas questões. A segurança operacional não tem preço. Não se negoceia”, asseverou a fonte do INAVIC. Sem precisar os procedimentos de segurança em causa, a fonte adiantou, entretanto, que já se passaram seis meses, “o que é muito tempo”. “Quanto mais cedo a operadora corrigir as anomalias, mais cedo voltará a voar”, assinalou.

A Air26 afasta os rumores sobre falência, mas também não especifica que regulamentos a companhia terá violado. O director comercial da empresa, Luís Arriegas, apenas confirmou ao VALOR estar em curso um processo de “reformas administrativas e operacionais”.

As lojas da transportadora continuam abertas, mas não podem vender bilhetes até ao levantamento da interdição. “É isso que temos informado aos clientes. Se tivéssemos falido, não teríamos os escritórios e as lojas abertos todos os dias”, argumenta Arriega. O responsável da empresa recusou-se a avançar um prazo para a conclusão da “reestruturação”. ”Em breve, o serviço público estará restabelecido”, limitou-se a observar.

Também não comentou sobre perdas financeiras que a empresa vem acumulando decorrentes da paralisação, mas informou que a mesma está a beneficiar de descontos no pagamento das taxas de parqueamento das aeronaves. Nessas situações, esclareceu, basta informar à Empresa Nacional de Exploração de Aeroportos e Navegação Aérea (ENANA) para se reduzirem as contribuições ao organismo governamental que gere os aeroportos nacionais.

Apesar de paralisada, a empresa não despede trabalhadores e continua a pagar os salários. “Estamos a colocar as pessoas em lugares certos, mas não despedimos ninguém”, assegurou. A Air26 emprega mais de 100 trabalhadores, todos angolanos. Foi criada em 2006, tem seis aviões jactos de fabrico brasileiro Embraer, de 37 a 50 lugares, que, até à data da interdição, voavam para Cabinda, Soyo, Benguela e Ondjiva.

OITO MESES ANTES DA PARALISAÇÃO

Air26 era a “maior operadora” do mercado Em Abril de 2016, o director comercial da Air26 fez um retrato breve do sector da aviação comercial angolana e posicionou a sua companhia no topo das maiores no segmento privado. Luís Arriegas assegurou, na altura, que, face aos problemas no sector, apenas permaneceriam no mercado as operadoras que respeitassem os horários de voos e tivessem capacidade de inovar constantemente os seus serviços. “A Air26 cumpre os horários e somos, por isso, a maior companhia aérea privada neste momento”, vangloriou-se. O gestor garantiu ainda que a companhia contratava, periodicamente, especialistas em serviços aeroportuários para promover formação dos funcionários. Algumas semanas depois, a empresa recebeu a visita de inspectores do INAVIC. Seguiu-se uma comunicação sobre a proibição de descolagem dos seus aviões.

ALIMENTAÇÃO. Necessidade geral de Angola, em termos de produtos alimentares básicos, está avaliada em mais de dois mil milhões de dólares de importação por ano. O Governo pretende controlar, pelo menos, 10% ‘do bolo’ em reserva estratégica.

 

Pelo menos, 50 milhões de dólares é o que o Governo deverá desembolsar, trimestralmente, para custear a importação de produtos da cesta-básica, visando garantir o funcionamento da Reserva Estratégica Alimentar do Estado, a ser criada ainda este ano.

O custo anual da Reserva Alimentar do Estado deverá atingir os 200 milhões de dólares de importação por ano, segundo fontes ligadas ao Ministério do Comércio. As fontes avançam, no entanto, que os valores só deverão ser efectivados, caso fique aprovado que a Reserva controle, pelo menos, 10% da necessidade geral do país, que se encontra à volta dos dois mil milhões de dólares de importação/ano. “Já há indicações de que a reserva vai cobrir 10% das necessidades”, asseguram as fontes.

O Grupo Técnico Intersectorial, encarregado de elaborar um estudo de viabilidade económica e técnico-jurídico de concepção da Reserva Estratégica Alimentar do Estado, deverá reunir, pela primeira vez, amanhã para discutir o assunto. Os moldes de financiamento da Reserva é dos principais temas a ser abordado pelo grupo, criado a 25 de Abril, por despacho conjunto dos ministérios da Economia, Finanças, Agricultura e Comércio.

O documento ministerial conjunto esclarece que faz parte da agenda de trabalho dos peritos a realização de um estudo económico sobre a possibilidade de inclusão de produtos nacionais na Reserva. Fontes do Ministério da Agricultura apontaram o arroz, o feijão e o milho cultivados em Angola, como sendo os principais candidatos a serem inseridos no projecto estratégico do Governo.

No entanto, fontes ligadas ao Ministério do Comércio mostraram-se cépticas em relação à inclusão de produtos nacionais na Reserva, argumentando que a “débil produção nacional de alimentos” reduz a probabilidade de o Governo ver esse desiderato realizado. “Não se faz reserva alimentar do Estado com a agricultura de subsistência. Este é um problema que temos de resolver”, justificam.

O grupo de trabalho, que deverá apresentar o resultado final a 31 de Junho, deve ainda estabelecer critérios e definir produtos que devem ser considerados da cesta-básica, incluindo condições de aquisição, distribuição e preços dos produtos.

A Reserva Estratégica Alimentar do Estado serve, entre outros, para acudir a população em caso de calamidades. A região Sul de Angola, por exemplo, tem sido ciclicamente afectada pela seca e cheias, deixando milhares de pessoas privadas de alimentação, além de, em muitos casos, ficarem desalojadas. O Governo admite incluir o sector privado no projecto, em função das circunstâncias e das necessidades, de acordo com as fontes.

A gestão da Reserva deverá estar a cargo do Entreposto Aduaneiro de Angola (EAA), que se encontra a investir 1,6 mil milhões de kwanzas na construção de três novas filiares, em Malanje, Uíge e Cunene. A conclusão das obras está prevista para o primeiro semestre deste ano, sendo que cada infra-estrutura está orçada em 564 milhões de kwanzas.

O EAA, que também tem a missão de equilibrar os preços de produtos essenciais, pretende, até 2022, consolidar a rede nacional e estar em plenas condições de contribuir para uma maior oferta de bens alimentares com níveis de qualidade comparáveis aos existentes nos grandes mercados internacionais. Mas, para o curto prazo, a empresa pública tem um outro desafio, que passa pela instalação de uma linha de produção de embalagem de pequena dimensão.

ACTO ADMINISTRATIVO. Funcionários públicos e privados obrigados, por despacho do governo provincial de Cabinda, a limpar as ruas em que as empresas estão instaladas. O não cumprimento pode resultar em encerramento de estabelecimentos.

 

despacho do governo de Cabinda, que obriga funcionários públicos e privados a limpar as ruas em que estão instaladas as suas instituições, suscitou reacções de juristas daquela província, bem como de Luanda. A legalidade do acto administrativo e a possível lesão dos direitos dos trabalhadores foram as questões levantadas.

O jurista Pedro Kaparakata, por exemplo, defendeu que a medida da governadora Aldina da Lomba Catembo só deverá ser válida se tiver fundamentos legais, tendo em conta que “todos os actos de órgãos administrativos devem estar fundamentados em conformidade com alguma lei”.

“Talvez a governadora conheça alguma lei que prevê que os funcionários de empresas públicas ou privadas sejam obrigados a fazer limpeza das ruas das instituições em que trabalham. Enquanto jurista, eu não conheço nenhuma”, atirou o advogado, acrescentando que, em Angola, “os governadores provinciais têm tendência de praticar actos com base em ordem superior, em detrimento de orientações de acordo com a lei”.

Já o jurista André Mboia, residente em Cabinda, entende que “a princípio, a medida do governo provincial” choca principalmente com os direitos dos trabalhadores, que, por força do despacho, são obrigados pelas direcções das empresas em que operam a realizar uma actividade que não faz parte do seu contrato laboral. “O governo da província não pode tomar decisões da forma como lhe convém. Tem de olhar para o que dizem as leis e fazer consulta pública”.

O advogado Vicente Pongolola avisa que a limpeza da via pública se trata de uma actividade económica ou comercial, pelo que os governos províncias têm uma dotação orçamental para este propósito.

“A governadora tem de explicar quem é que deve limpar e porque é que nestes dias, às sextas-feiras e aos sábados, não limpa. Porque as pessoas já pagam impostos, tem de se contratar operadoras de saneamento para cuidar da limpeza das vias”.

No entanto, o jurista Lourenço Taxe defendeu que os governos provinciais têm competência para exarar despachos em função das suas realidades. “Provavelmente, o governo de Cabinda não tenha verbas suficientes para manter a limpeza, por isso, tenha tomado essa medida. Mas isso tem de ser a governadora a explicar”, afirma o interlocutor. Uma advogada residente em Luanda, que pediu anonimato, também entende que a governadora da província tem competência para determinar tais medidas, desde que tenha suporte legal.

Entretanto, no despacho tornado público a 9 de Maio e assinado pela governadora de Cabinda, Aldina da Lomba Catembo, lê-se que o conjunto de medidas visa garantir o envolvimento de toda a sociedade na limpeza e embelezamento da cidade capital da província.

O documento determina que às sextas-feiras, das 14 às 15 horas, todos os órgãos e serviços da administração local do Estado, institutos e empresas públicas, bem como os demais serviços da administração indirecta do Estado devem envolver os seus funcionários e promover acções de limpeza das respectivas áreas.

A nota determina ainda que as instituições privadas, estabelecimentos comerciais, instalações industriais, serviços e estaleiros a funcionar na cidade de Cabinda e arredores deverão, todos os sábados, das 6 às 8 horas, antes da abertura ao público, proceder à limpeza e embelezamento dos seus interior e exterior.

O governo provincial determina também o encerramento obrigatório de todos os mercados municipais na primeira segunda-feira de cada mês, para a limpeza e embelezamento dos espaços. Os estabelecimentos escolares deverão igualmente realizar limpeza no último sábado de cada mês.

O trabalho de limpeza e recolha de lixo, segundo o despacho do governo provincial, será fiscalizado pelos serviços competentes da administração municipal, sendo o incumprimento passível de penalização com base na lei das transgressões administrativas, podendo ainda implicar o encerramento do estabelecimento em caso de reincidência.