Isabel Dinis

Isabel Dinis

DÍVIDA PÚBLICA. Ministério das Finanças propõe-se reduzir dívidas através de compensações fiscais e de créditos malparados em bancos públicos. Líder da CEA considera opções apenas “generalidades” e diz que “há títulos que valem menos que um quilo de ginguba”.

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O Ministério das Finanças, na nova estratégia de regularização da dívida pública interna, pretende regularizar os passivos do Estado com os prestadores de serviço pela compensação com créditos em bancos públicos, por muitas empresas, que reclamam dívidas ao Estado, serem simultaneamente devedoras de bancos públicos.

O Ministério acredita que é “uma oportunidade para diminuir créditos malparados junto destes bancos, através do pagamento da dívida das empresas em contas domiciliadas nos mesmos”. “Há muitos credores a pagarem juros de mora nalguns bancos com financiamentos. O objectivo é os fundos ou títulos a serem pagos caírem na conta onde o credor estiver domiciliado ou carregado o crédito para se abater directamente”, referiu a secretária de Estado para as Finanças e Tesouro, Vera Daves, na apresentação de uma conferência sobre a estratégia actualizada de regularização dos atrasados.

Além da compensação com créditos em bancos públicos, o Ministério vai adoptar outras medidas. Entre elas, a compensação fiscal, que prevê “a dívida pela dívida”. As Finanças estão a negociar uma plataforma de compensação fiscal por entendimento, em que a dívida poderá ser abatida nos impostos que o prestador de serviço tem na Administração Geral Tributária (AGT). A solicitação poderá ser por via oficiosa, por iniciativa do Ministério ou por solicitação do prestador de serviço.

As outras medidas propostas passam pelo pagamento da dívida em títulos da dívida não indexados, com maturidade de dois a quatro anos, nas situações em que o passivo é regularizado integralmente por títulos. Opção que, segundo a secretária de Estado, vai ser a preferida das empresas que, “não tendo necessidades imediatas de liquidez têm perspectiva de necessidade de liquidez, a médio prazo”. Há ainda a previsão de pagamento de 80% e 90% de títulos da dívida não indexados com maturidade entre cinco e sete anos e 10% e 20% a serem pagos em dinheiro. “A opção é reservada para os credores com necessidades imediatas de liquidez, em valores reduzidos, mas dispostos em deixar a maioria da parcela em instrumentos do tesouro”.

Na previsão dos pagamentos em dinheiro, que são reservados quando os valores “são muito baixos, ou seja, abaixo dos 500 milhões de kwanzas” a previsão é começar a partir deste mês e se estender a todos os meses. “A possibilidade vai depender da disponibilidade de tesouraria. Todos os meses vai haver um montante para pagar a dívida em dinheiro, mas vai depender também do surgimento de emergências”, alertou Vera Daves.

Divergências entre empresários

As organizações empresariais divergem ao analisar as propostas das Finanças. Francisco Viana rebate as opções e diz, em forma de adágio, que “as boas contas fazem os bons amigos”. O líder da Confederação Empresarial de Angola (CEA) considera as opções de pagamentos apenas “generalidades” e a “forma de quem não quer pagar o que deve” e sugere que o ministro das Finanças, Archer Mangueira, se sente “com quem deve” para “negociar os termos de pagamento e não de forma unilateral”. “Nem tem em conta a correcção da inflação e nem dos cambiais”, reafirma Francisco Viana.

O líder empresarial considera que “ninguém quer comprar a dívida angolana, por “não haver confiança” e salienta que “há títulos do Estado que valem menos que um quilo de ginguba”.

O presidente da Associação dos Industriais de Angola (AIA), José Severino, ao contrário de Viana, aplaude o modelo de liquidação e destaca a dívida de menor valor – até 500 milhões de kwanzas – que poderá ser maioritariamente de pequenas empresas. Considera “sensato” da parte das Finanças fazer ‘linkage’ com os credores para o saneamento da dívida tributária e, na compensação com créditos em bancos públicos, acredita que pode ser alargada a outros bancos. “Há bancos que também financiaram muitas dessas empresas e o nível de crédito malparado é elevado ,coartando alguns deles no seu desejo de financiar a economia por essa razão. Cabe, pois, aos bancos mexerem-se”.

Não obstante estar em sintonia com o modelo de pagamento, Severino critica o Estado por, enquanto devedor “recusar-se a pagar juros de mora quando ele (Estado) não se coíbe de o fazer de forma arrogante quando as empresas se atrasam e, muitas vezes, por erros de seus contabilistas amadores”.

Dividas não registadas

A estimativa total de atrasados não registados no sistema do Ministério das Finanças supera os cinco mil milhões de dólares, relativos a mais de 1.700 reclamações de prestadores de serviço. Durante o ano passado, foram assinados acordos de regularização de dívida no valor de 87.170 milhões de kwanzas, que correspondem à regularização da dívida de 137 prestadores de serviço.

Vera Daves revelou que deste valor não registado 25% das dívidas do Estado para com as empresas correspondem a processos fraudulentos. “É um serviço que não foi prestado”, realçou a secretária de Estado. As dívidas registadas no Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado (SIGFE), entre 2014 e 2016, estavam estimadas em 391,145 mil milhões de kwanzas.

As dívidas abaixo de 500 milhões de kwanzas, cujo valor inscrito equivalia a 71.699 milhões, cerca de 67% desse valor foi regularizado. Das dívidas acima dos 500 milhões, cujo valor inscrito equivalia a 319.446 milhões de kwanzas, foram regularizadas apenas 18% desse valor.

Um erro de um funcionário, somado a uma distracção de um técnico tributário, levou a que a empresa de consultoria Engineering Services pagasse 10 vezes mais do que devia em impostos, há mais de cinco anos.

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A empresa devia pagar mais de 400 mil kwanzas pelo imposto de selo, mas foi-lhe cobrado mais de quatro milhões de kwanzas. Verificado o erro, a direcção da consultora enviou, por carta, a devida reclamação à Administração Geral Tributária (AGT), mas esta só respondeu cinco anos depois e sem restituir a diferença cobrada por excesso.

Para uma pequena empresa de prestação de serviços, na área da fiscalização de obras, o atraso da AGT na reparação do erro de quatro milhões equivale a uma travessia no deserto, ainda que tenha no Estado o maior cliente.

Fátima Lima, directora e proprietária da empresa, diz mesmo que já pensou em declarar falência, mas continua a resistir porque quer reaver os valores. A resposta da autoridade tribuária não garante, entretanto, a restituição dos valores, nos termos em que a directora da Engineering Services pretende. A AGTA sugeriu uma compensação através do pagamento do imposto de selo, que incide sobre 1% do valor dos pagamentos feito pelo Estado. A ideia não “caiu bem” à empresária que rejeitou a forma de pagamento. Desde que lhe foi proposto o método para reaver os valores, nem 100 mil kwanzas de descontos foi atingido.

Fátima Lima conta, entretanto, com a compreensão do técnico tributário que interveio na ‘Conferência sobre o IRT e o Imposto Industrial’, realizada na última semana em Luanda. Wilson Salvador lamenta o sucedido e admite não compreender o “tanto tempo de demora” para a AGT resolver a situação. O técnico garante que, em casos semelhantes, é normalmente feita a compensação ao contribuinte, visto que “a devolução de impostos não está prevista na legislação”. Em casos idênticos ao da Engineering Services, em média, “demoram 45 dias para serem resolvidos”, segundo Salvador.

“A AGT tem conhecimento de contribuintes que pagaram impostos excessivos que não conseguem compensar no prazo legal e que pretendem eliminar a sua actividade comercial. Essa é uma situação que o conselho da administração da instituição está a ver e haverá uma alteração legislativa para que se compense os contribuintes”, afiança.

Wilson Salvador pediu desculpas à empresa e enfatiza que a administração tributária “já não é a mesma de há cinco anos”. “A instituição mudou”, reforça.

A empreendedora, diz-ze, entretanto, “agastada com a lentidão” da AGT e compara Angola a outras realidades, em que “as instituições são rápidas e eficazes e os contribuintes têm outro tratamento”. “Também tenho uma empresa em França, tendo já feito o pagamento em excesso numa situação semelhante, e, no mesmo mês, depois de ter feito a carta, tive o valor restituído com um cheque bancário. Se tivesse investido um depósito a prazo, hoje teria pedido a multa e os juros que esse dinheiro tinha dado. Deviam pagar-me com juros, por o terem retido por cinco anos”.

Na altura em que ocorreu o erro, a empresária, enviou uma carta ao ministro das Finanças, que a encaminhou ao Bairro Fiscal. Este, por sua vez, chegou a contactá-la, mas Fátima Lima aclara que o valor reclamado não foi devolvido.

HOTELARIA. Restaurante Fazendeiro cobrou o IVA aos clientes. Mas o imposto ainda não existe. Gestão do espaço alega que o “engano” já está corrigido. AADIC fala em ilegalidade...

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O restaurante Fazendeiro, em Luanda, cobrou aos clientes o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), que tem a previsão de entrar em vigor em Angola apenas no próximo ano.

Segundo o restaurante, a cobrança do IVA aconteceu por causa de uma mudança que esteve a fazer, que abrangeu o ‘software’. A gestora do Fazendeiro, Maria Afonso, explica que se tratou de um “engano”, mas que foi corrigido, depois de alertado por um cliente. A gestora garante que a cobrança do IVA aconteceu apenas num dia. “Assim que notámos o engano, pedimos à empresa que instalou o ‘software’ que mudasse para o imposto de consumo (IPC) que vigora em Angola”.

Uma das facturas a que o VALOR teve acesso mostra que a cobrança do IVA foi de 10% sobre o valor da refeição. Na factura, o valor a cobrar foi de 44.677 kwanzas e o IVA era de 4.467 kwanzas, com o valor final a ficar em 49.145 kwanzas.

O VALOR visitou o local na semana passada e constatou que o restaurante já não estava a cobrar o IVA, mas sim o imposto de consumo com uma taxa de 10% na factura.

A Associação Angolana de Direitos do Consumidor (AADIC) fala,no entanto, em “ilegalidade” e numa “grave violação” do restaurante em cobrar um imposto que não vigora em Angola. Segundo o director adjunto do gabinete jurídico da associação, Jordão Coelho, o IVA, para que seja cobrado por qualquer instituição, depende da aprovação da Assembleia Nacional. Jordão Coelho refere que todo o valor que é cobrado de forma indevida, de acordo com a lei de defesa do consumidor, deve ser devolvido em dobro. O jurista fala ainda em “escapatória” por parte do Fazendeiro, ao alegar mudanças do ‘software’.

A associação aconselha os clientes que viram as facturas emitidas pelo restaurante com o IVA que procurem a AADIC para que se possa repor a “legalidade”. O VALOR tentou também contactar o Instituto de Defesa do Consumidor (INADEC) através da sua directora, Paulina Semedo, mas, até ao fecho da edição, não houve resposta.

O restaurante Fazendeiro funciona desde Fevereiro de 2015 e é descrito pelo site ‘Luanda Nightlife’ como um dos restaurantes mais “trendy” de Talatona, com uma decoração “moderna” e “sofisticada”. No Google, no espaço das críticas, das mais de 160 existentes, o espaço é avaliado como sendo um restaurante “aconchegante”, “acolhedor”, mas que também pratica preços “caros” para o serviço que presta.

FRETES. Perdas anunciadas pela TAAG com o pagamento da carga em trânsito de quase 100 milhões de kwanzas vão “abrandar” com a redução prevista na Pauta Aduaneira Versão Harmonizada de 2017. Companhia aplaude, mas pede abolição da taxa.

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A cobrança de emolumentos gerais aduaneiros da carga em trânsito às companhias aéreas, e que foi alvo de críticas por parte da TAAG, vai ser reduzida até 93%.

Segundo a Administração Geral Tributária (AGT), numa missiva enviada ao VALOR, a redução foi “acautelada” na nova Pauta Aduaneira Versão Harmonizada de 2017, aprovada na Assembleia Nacional em Novembro do ano passado. Os valores cobrados saem dos antigos 400 UCF (35.200 kwanzas) para os previstos 25 UCF/ 50UCF (2.200 até 4.400 kwanzas).

A instituição dessa taxa vem expressa na rectificação que foi feita em Janeiro de 2014, do decreto legislativo presidencial que aprovou a pauta aduaneira. A correcção revogou as isenções de pagamento de emolumentos gerais aduaneiros em benefício de qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada e passou a vigorar em Outubro de 2016.

Segundo uma fonte da TAAG, em anonimato ao VALOR, a companhia estava a ressentir-se, tendo agregado perdas de 100 milhões de kwanzas, desde que foi implementada a cobrança até Janeiro de 2018. Em consequência disso, a TAAG, ainda na gestão da Emirates, sob o comando do britânico Petter Hill, endereçou uma carta ao ministro dos Transportes que, por sua vez, a remeteu à AGT.

A AGT confirma que foi abordada pela companhia e que avaliou a situação, tendo feito “um esforço por acomodar o interesse da TAAG”. Esclarecendo uma matéria publicada pelo VALOR, a 19 de Fevereiro de 2018, em que uma fonte da TAAG afirmava que a companhia havia sido ignorada pela AGT, a autoridade tributária explica que “a abordagem teve uma resposta”, lembrando que a cobrança estava “estatuída”. Enquanto se aguarda pela entrada em vigor na nova Pauta Aduaneira, a companhia insiste, no entanto, que continua a ressentir-se da cobrança dos emolumentos.

TAAG não quer a taxa

A TAAG aplaude a redução dos emolumentos gerais para as mercadorias de carga em trânsito de até 93%, mas reitera que a abolição da taxa era o “ideal”, por ser uma cobrança “de certa forma injusta”.

A instituição explica que, no caso, se a mercadoria for a Cabinda, por exemplo, paga os emolumentos aduaneiros por ser carga em trânsito. Chegando a Cabinda, o cliente tem de pagar outra taxa. “Diminuir já é bom porque estava a pesar nos bolsos da TAAG. Decidimos ao invés de aumentar a tarifa para cobrir essa taxa, suportar o pagamento para não perder o cliente. Retirar a taxa era mesmo ‘ouro sobre azul’”, refere a fonte.

IMPOSTO. Enquanto se aguarda pela entrada em vigor do protocolo assinado, em Fevereiro, com o Dubai, na prática, Angola continua sem qualquer acordo de dupla tributação. Consultora critica o isolamento de Angola, com possíveis consequências no repatriamento de capitais.

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Angola ainda continua a ‘zeros’ em relação aos acordos de dupla tributação, apesar de ter assinado, no início do mês passado, com o Dubai, um protocolo, revelou o partner da consultora Ernest Young, em Angola, Luís Marques.

O acordo com o Dubai, que ainda não está em vigor, faz parte de um conjunto de medidas que Angola vem anunciando, ao longo dos anos, em relação à dupla tributação.

Em conferência de imprensa, Marques considerou o acordo um “passo importante dado por Angola”, mas refere que o país continua “isolado na fiscalidade, o que prejudica a imagem e o posicionamento perante as entidades internacionais”.

Comentando que, no passado, “nunca foi problema”, já que o crescimento de dois dígitos permitia excesso de liquidez, Marques avança que o quadro actual “prejudica o apetite de potenciais investidores”.

O VALOR contactou o Ministério das Relações Exteriores (MIREX), a entidade que rubricou o acordo com o Dubai, mas, até ao fecho da edição, não houve respostas. Fonte do MIREX confirma, no entanto, que o acordo com o Dubai ainda não está em vigor e que precisa de passar por determinados trâmites para a sua efectivação, mas não os precisou.

Ao contrário de outros países da região, como o Congo Democrático que, até ao início de 2017, tinha dois acordos, a Zâmbia (18) e a Namíbia (11), Angola continua, na prática, sem acordos e numa posição de menor atractividade face a outros países africanos no que diz respeito à a tributação de fluxos financeiros transfronteiriços.

Em teoria, a não efectividade de um acordo de dupla tributação torna mais oneroso o investimento angolano no estrangeiro, uma vez que os lucros gerados noutros países ficam sujeitos à tributação no país de origem sem qualquer tipo de redução de imposto, ao qual se acresce ainda a tributação devida em Angola.

Luís Marques sublinha que o acordo de dupla tributação prevê o procedimento de trocas de informações entre Estados, que, no caso, de Angola é “muito importante por pretender repatriar os bens que saíram de forma ilícita e conceder um perdão fiscal”.

Dois grupos para avançar com acordos

Angola já criou dois grupos de trabalho para a promoção e negociações de acordos de dupla tributação. O primeiro teve a aprovação em Março de 2016 e o segundo, em Abril de 2017.

O primeiro grupo foi coordenado pelo ex-ministro das Relações Exteriores, Georges Chikoti, com a integração dos ex-ministros da Economia e das Finanças e do governador do Banco Nacional de Angola.

O grupo tinha a missão de negociar acordos para a protecção recíproca de investimentos e para evitar a dupla tributação de rendimento. Previa-se ainda a promoção de investimentos em Angola na contribuição de um ambiente favorável para os investidores externos.

Um ano depois, foi criado um grupo técnico de preparação e coordenação das negociações dos acordos de promoção e protecção recíproca de investimentos e dos acordos para evitar a dupla tributação de rendimentos e evasão fiscal, coordenado pela actual ministra do Turismo, Ângela Bragança.