ZUNGUEIRA
Isabel Dinis

Isabel Dinis

TURISMO. Tratado aguarda por ratificação desde 2011. Ministra admite que o Governo precisa de contactar os outros países para acelerar o processo que terá “começado mal” quando o acordo foi assinado em Luanda. Angola fez-se representar pelo ministro das Relações Exteriores quando os outros países estavam representados pelos respectivos chefes de Estado.

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O Governo continua a “lutar” para a ratificação do tratado Transfronteiriço da Conservação Okavango Zambeze (KAZA-ATFC), um ‘dossier’ considerado um “problema sério” por ter sido assinado “com reservas” pela parte angolana e o “leque de reservas ter-se tornado cada vez maior”. Foi a própria ministra do Turismo, Ângela Bragança, que admitiu essas reservas num encontro que manteve, à porta fechada, com os embaixadores de Angola com o objectivo de promover o turismo nos países onde se encontram acreditados.

O acordo, considera a governante, “começou com o pé esquerdo, por, na altura da assinatura, o Governo angolano ter sido representado pelo ministro das Relações Exteriores, quando aconteceu em Angola e a presença dos chefes de Estado da Zâmbia, Zimbábue, Botsuana e Namíbia. “Não foi bom Angola ter mandado o ministro.”

Ângela Bragança acrescentou que, no último relatório apresentado ao Presidente da República, sobre o assunto, ficou estabelecido que o Ministério das Relações Exteriores se reunirá com cada um dos países participantes do acordo para abordar essas reservas.

O tratado KAZA foi assinado a 18 de Agosto de 2011 durante a cimeira dos chefes de Estado da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e tem como objectivo promover a conservação e gestão sustentável dos recursos naturais partilhados e património cultural, bem como o desenvolvimento de uma indústria regional.

Durante o encontro, a embaixadora de Angola no Botsuana, Beatriz Morais, aproveitou para sugerir que Angola assine, “com a devida urgência”, o protocolo sobre o turismo da Comunidade dos Países da África Austral (SADC) e a carta do turismo, para “participar nos mesmos termos de igualdade com os demais países da região”.

Beatriz Morais referiu também que o país devia “ver a questão da caça furtiva” e que o governo do Botswana “está preocupado” por causa do abate indiscriminado de animais. A ministra do Turismo concordou com a embaixadora e sublinhou que Angola devia “dar mais atenção” a esses acordos. “Na SADC há 18 tratados ou mais. Precisamos colher as experiências desses tratados e como funcionam. Isso parece o problema dos vistos, em que ficamos amarrados e os outros avançam”, referiu.

Ângela Bragança acrescentou que há uma comissão, que integra o Ministério do Interior, do Turismo e outros organismos, em que o objectivo é tratar da agenda do Sul, e visa abordar a caça furtiva, a abertura de fronteiras, o fluxo de turistas, entre outros assuntos.

A reunião com os embaixadores e o Ministério do Turismo visou essencialmente definir estratégias com os representantes angolanos para potenciar a boa imagem do país no exterior e com isso atrair investidores e turistas.

HOTELARIA. Depois do rompimento com as AAA, grupo francês admite voltar, mas sem a mesma parceria. Norte-americanos da cadeia Hilton também se reuniram com a ministra do Turismo e querem retomar um projecto antigo.

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A cadeia Francesa ACCOR pretende voltar a investir na hotelaria em Angola, mas, desta vez, sem o antigo parceiro, o grupo AAA, com quem rompeu, em Fevereiro, uma parceria iniciada em Novembro de 2016.

Segundo fonte ministerial, o grupo, representado pelo responsável da ACCOR Hotéis para África e Médio Oriente, manifestou a intenção num encontro que manteve, recentemente, com a ministra do Turismo, Ângela Bragança, na África do Sul.

“Os franceses já tiveram uma experiência com as AAA, mas não correu bem. Não sabemos o que houve. Há queixas de um e de outro lado. Mas eles estão interessados em regressar”, confirmou a ministra, num recente encontro com os embaixadores em Angola que visou analisar as potencialidades turísticas do país. Os franceses apresentaram a crise económica e a dificuldade de acesso às divisas como as razões para a rescisão do contrato que previa a gestão, pela ACCOR, das 50 unidades hoteleiras do grupo AAA.

No entanto, ao VALOR, o presidente do conselho de administração do grupo, Carlos São Vicente, considerou o rompimento “necessário”, pela parte angolana, porque os benefícios “eram fracos” e “ficaram aquém dos objectivos”. Uma das razões, apontou São Vicente, foi o facto de o grupo não ter enviado a Angola a equipa que deveria formar os angolanos, como acordado.

A ACCOR Hotéis é uma multinacional com sede em França, fundada em 1967, e que actua nos ramos hoteleiro, agências de viagens, ‘spas’, restauração e gestão de casinos. Está presente em 100 países e conta com mais de 250 mil colaboradores. É proprietária de quase quatro mil unidades hoteleiras em diversas marcas e classes e está cotada na bolsa de londres. A receita do grupo francês subiu no primeiro trimestre, deste ano, 9,5%, chegando aos 633 milhões de euros. O resultado foi impulsionado pelos resultados na Europa, Ásia e América.

Hilton também estuda o mercado

Além do grupo ACCOR Hotéis, o Ministério do Turismo também se reuniu com responsáveis da cadeia de hotéis Hilton, para África e Médio Oriente que também manifestaram interesse em investir em Angola. “Há interesses. Disseram-nos para visitar o que têm no Dubai, para verem o padrão deles”, salientou a ministra Ângela Bragança.

No entanto, não é a primeira vez que a marca Hilton dá sinais de querer instalar-se em Angola. Em 2012, representados pela empresa namibiana United Africa Group, anunciou um investimento em parceria com o grupo angolano Chicoil.

O acordo, que não foi cumprido, previa construir um hotel de cinco estrelas, denominado ‘Hotel Hilton Angola’, num amplo investimento orçado em mais de 75 milhões de dólares, numa obra que se concretizaria em seis meses, em Luanda.

Na altura, o presidente do conselho de administração do grupo Chicoil, Elias Chimuco, garantiu que o projecto poderia gerar mais de 120 postos de trabalho directos.

TURISMO. Operadores turísticos alegam que a VFS Global não respeita a lei e faz concorrência desleal. Situação tem levado ao encerramento de agências e à redução de trabalhadores.

Augusto Pedrosecretario geral da Avota201805231195

A multinacional de origem indiana VFS Global é acusada de violar a lei angolana, ao impedir as agências de viagens de requisitarem directamente os vistos dos seus clientes, junto dos consulados de Portugal, Brasil, França e China.

A denúnica vem pela própria Associação das Agências de Viagens e Operadores Turísticos de Angola (Avota) que, através do seu secretário-geral, Augusto Pedro, fala em “rombo” no número de clientes e na facturação das empresas, indicando perdas entre os 94 e os 97%.

Detalhando situações “humilhantes” como o impedimento das agências de entrarem nos consulados ou a instrução para que estas escondam os cartões de operadores turísticos para conseguirem entregar e levantar passaportes nos consulados, Augusto Pedro denuncia que os associados da Avota são tratados como “ilegais” e fala em “desrespeito” de uma empresa estrangeira pelas leis angolanas. “Pagamos impostos, pagamos arrendamento de espaços e temos de trabalhar como se fôssemos ilegais. Actualmente, os nossos clientes começaram a nos passar certificados de incompetentes. Se não conseguimos tratar o visto dos clientes, não conseguimos nada”, lamenta, alertando para o risco de falências em catadupa. “Há agências a encerrar por causa disso. Aquelas que se aguentam tiveram de optar por reduzir trabalhadores ou reduzir nos salários.”

Augusto Pedro recorda que as “injustiças” da VFS Global remontam a 2011, altura em que a líder mundial no fornecimento de serviços de contratação externa de vistos permitia que as agências tratassem apenas “um ou outro visto”. Mas, segundo explica, a situação ficou “incontrolável”, quando o Consulado-Geral de Portugal em Luanda contratou a empresa, em 2016, para a prestação de serviços. É, sobretudo, a partir dessa altura, segundo a Avota, que a multinacional indiana passou a funcionar como um “monopólio”, ao ser prestadora de serviços de contratação externa de vistos e dona de uma agência de viagens ao mesmo tempo. “A concorrência desleal passou a ser notória quando a empresa decidiu fazer tudo nos consulados. Os seus serviços vão desde o agenciamento de viagens até à produção de fotocópias com preços exorbitantes, chegando aos 300 kwanzas”, confere o secretário-geral da Avota. O mesmo que faz as contas da facturação mensal da VFS Global e chega a conclusão de que é “exorbitante” pelo serviço que prestam. “São cerca de 300 utentes só no Consulado de Portugal. Com uma facturação mensal estimada em 49 milhões de kwanzas, é muito dinheiro”, contabiliza.

A Avota declara que já remeteu cartas à ministra do Turismo, Ângela Bragança, por altura da sua tomada de posse, mas, até hoje, nada foi alterado. “A actuação da VFS vai matar as agências de viagens se nada for feito. Vamos desaparecer e o Governo devia retirar o discurso de que o turismo vai diversificar a economia, que, do jeito que as coisas estão, é uma falsa ideia”, declara o associado Aurélio David, presidente do conselho de administração da agência Esmearq Service.

O Regime Jurídico da Actividade das Agências de Viagens e Turismo, que está em vigor desde Dezembro de 2015, refere que é actividade das agências a obtenção de passaportes, certificados colectivos de identidades, vistos ou qualquer outro documento necessário à realização de uma viagem.

Várias tentativas de contactar a VFS Global se revelarem infrutíferas. Com ajuda da Avota, através de uma ‘conference call’, o VALOR chegou a ouvir a promessa de um responsável da empresa, identificado apenas por Sami, de que este responderia ao jornal, não houve resposta até ao fecho da edição.

Quem é a VFS Global?

A VFS Global tornou-se uma empresa especialista em serviços diplomáticos e no apoio à emissão de vistos em todo o mundo. A empresa tem a sede no Dubai, mas pertence à multinacional suíça Swiss Kuoni Group.

Tem representação em 81 países e conta com 44 clientes governamentais, segundo a revista Forbes.

Desde 2001, ano da fundação, que a VFS Global já processou mais de 159 milhões de pedidos de vistos. A empresa nasceu na Índia. O criador era um agente de viagens que queria facilitar a forma de requisição de pedidos de vistos no seu país, eliminando a burocracia. Os indianos precisam de vistos para a grande maioria dos países. Desde 2001, metade dos vistos emitidos em todo o mundo passou pelas ‘mãos’ da VFS. É líder mundial neste tipo de serviços.

A empresa foi comprada pelo grupo suíço Kuoni Group, em 2011. Em 2012, foi a terceira maior empresa suíça a dar lucros, chegando aos 225 milhões de dólares.

ARTES. Largaram as carreiras de sucesso para se dedicarem ao artesanato. Acreditam que a arte em Angola esteve parada no “tempo” e acabou “ultrapassada”, por isso querem recriá-la, com uso de matérias-primas típicas nacionais.

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Ela começou por transformar chinelos em peças de arte nos seus tempos livres. Ele, sempre que pudesse, enquanto publicitário, fazia qualquer coisa com as mãos. O dom sempre esteve lá. Até que, em 2012, o destino os juntou como casal e criaram o projecto Artesanatoangolacr.

Cristina Moda e Rui Lavrador encontraram no artesanato uma nova forma de viver. Cristina largou a carreira de administradora sénior e Rui largou a carreira de publicitário, com experiência e bagagem adquirida em muitos países, tanto na América como na Europa. Hoje, passados cinco anos, os artesãos garantem que vivem exclusivamente daquilo que rende o projecto.

O relacionamento permitiu a partilha, mas o dom ajudou a inovar através de matérias-primas, típicas de Angola, que provêm da natureza. Múcua, cabaças, cana da India, balaios, folhas de coqueiros e tecidos africanos dão lugar a peças únicas, como esculturas, objectos decorativos, acessórios de moda e as famosas bonecas de Angola.

A ideia de usar cabaças e múcua, entre outras matérias-primas, surgiu numa das muitas viagens que o casal fazia para o sul de Luanda. “Numa das muitas viagens para onde nos evadíamos sempre que podíamos, parámos na estrada para comprar umas cabaças que iriamos decorar. Foi o nosso começo. Depois de decoradas, foram vendidas”, revela Cristina, que começou a criar uns conjuntos de chinelos, nesta altura, com base na famosa marca brasileira Havaianas.

Para fazer as peças, inspira-se “normalmente em coisas, nos sentimentos, na cor, no tempo, entre outros”. Ele, “só de olhar” para as matérias-primas, já encontra uma forma para fazer uma peça artesanal. “As formas dos materiais quase me dizem como querem ser trabalhados, para se transformarem em objectos decorativos ou funcionais. As cores são influências da nossa cultura”, enfatiza Rui Lavrador.

Em cinco anos de Artesanatoangolalacr e de Benguela, onde residem actualmente, o casal ganhou notoriedade e foi convidado para decorar as suites do hotel Terminus, no Lobito, e o Hotel Epic Sana, em Luanda.

Recriar o artesanato

Os dois acreditam que o artesanato em Angola “esteve parado no tempo e acabou ultrapassado” pelas peças provenientes do oriente que invadiram África com réplicas feitas em grande escala.

O casal acredita que Angola tem excelentes artesãos nas áreas dos couros, madeira e cestaria, mas que, apesar disso, “não houve evolução” e diversificação e “normalmente as pessoas acabam por ver sempre as mesmas peças”. “A falta de conhecimentos e pesquisa contribuem para isso. A não valorização e a protecção das autoridades ao que é produzido face à invasão do oriente constituem um forte desincentivo a esta actividade”, rematam. Além disso, apontam outras dificuldades: “O alto custo de vida retira a competitividade face ao estrangeiro, principalmente quando não há inovações, e o desinteresse das direcções provinciais da Cultura em cadastrar os artesãos”.

Os dois artesãos são a prova de que é possível “viver bem” e ter “o suficiente” apenas dedicando-se à arte. A peça mais cara que já venderam custou 200 mil kwanzas.

A maior parte dos clientes são mulheres. Também têm vendido para o estrangeiro. As solicitações mais frequentes vêm de Portugal, Espanha, Rússia, Bélgica, Brasil e EUA.

PERFIL

Cristina Moda tem 56 anos e é natural do Huambo. Viveu muitos anos em Portugal. Trabalhou como técnica administrativa superior e como chefe de departamento dos recursos humanos da cadeia de supermercados Maxi. Tem três filhos. Actualmente é a principal criadora e artesã dos acessórios de moda, bolsas, havaianas personalizadas, colares e as famosas bonecas de Angola em que se integram modelos masculinos e femininos.

PERFIL

Rui Lavrador tem 59 anos e nasceu em Luanda. Trabalhou como publicitário em países como Portugal, Brasil, Espanha, Andorra e Angola. Tem uma filha e actualmente é o principal criador artesão do projecto Artesanatoangolacr. É ele o responsável pelas esculturas e iluminarias.

PRODUÇÃO. Ministério pede ao FIDA para “melhorar” a abordagem na implementação dos projectos e critica a organização da ONU. Esta responde que os projectos são feitos em colaboração com o Governo, mas admite que os recursos são “escassos”.

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O Governo, através do Ministério da Agricultura e Florestas, criticou o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) por causa da abrangência territorial dos projectos de desenvolvimento rural dessa agência da Organização das Nações Unidas (ONU).

O director do Instituto de Desenvolvimento Agrário (IDA), David Tunga, referiu, num ‘workshop’ sobre a avaliação dos programas da agência em Angola, que o Ministério “está preocupado” com o facto de os projectos do FIDA cobrirem apenas um grupo de famílias, quando são desenhados para atender uma província ou município.

O departamento ministerial sugeriu ao FIDA que, nos próximos projectos, “melhore” a abordagem. E pediu clareza na delimitação da abrangência “para não deixar pairar no ar a falsa ideia de que há uma cobertura geográfica que não se traduz na realidade”.

Manifestando a disponibilidade do IDA em oferecer “margem de intervenção” a potenciais parceiros para o desenvolvimento de projectos de apoio rural nas zonas não cobertas, Tunga explicou que não há “elementos sustentáveis” para a avaliação do impacto dos projectos do FIDA. “Há a necessidade de, na altura do desenho e do início da implementação, serem retratados os níveis em que se encontram as famílias a serem apoiadas para, no fim, se fazer uma avaliação dos resultados”, insitiu.

Em resposta à Agricultura, a directora do FIDA em Angola, Abla Benhammouche, refere que as questões geográficas “não têm que ver com o FIDA, mas com o Governo e as suas estratégias”. E que as zonas de implementação “dependem muito do Governo”, que colabora no desenho dos projectos. “Nós não acordamos numa manhã e dizemos: vamos implementar o projecto. Não, os projectos levam muito tempo”, explica, declarando que o FIDA “gostaria de implementar os projectos em todos os municípios”, não fosse a escassez de recursos. “Esses não são nossos programas, são vossos”, declarou, referindo-se ao Governo.

O FIDA trabalha em Angola desde 1989 e, no final de 2017, aprovou sete empréstimos e subvenções associadas, em apoio a uma carteira no valor de mais de 135 milhões de dólares.

No início deste mês, o Fundo e o Governo assinaram, na Itália, um acordo financeiro de 7,6 milhões de dólares, para beneficiar cerca de oito mil famílias rurais, no âmbito do Projecto de Recuperação Agrícola. Pelo Fundo, assinou o seu presidente, Gilbert Houngbo, e, por Angola, o seu embaixador e representante permanente no FIDA, Florêncio de Almeida.

Segundo o Fundo, cerca de 250.600 famílias já foram beneficiadas directamente pelos projectos em Angola, com incidência sobre as áreas mais pobres do Sul do país. Os projectos propõem-se aumentar a produção de alimentos, a pesca e a aquicultura, além de assegurar o acesso a serviços e infra-estruturas básicas para os grupos mais desfavorecidos.