A democracia liberal em África pode esperar
Os decisores políticos africanos entendem que uma forte liderança económica e política é essencial para se alcançar o crescimento e a estabilidade. Durante anos, as economias africanas melhoraram muito mais que era expectável, devido ao compromisso de melhorar a governação. A questão agora é saber como manter esse impulso.
As estratégias actuais não fornecem uma resposta adequada. Os líderes, que participaram na recente Conferência Económica Africana, em Adis Abeba, na Etiópia, comprometidos em manter as reformas da boa governação no topo da agenda de África, não ofereceram nenhum plano. Este vazio apresenta uma oportunidade para considerar os novos paradigmas, incluindo aqueles que foram inspirados em dois modelos actualmente mais discutidos: o ‘Consenso de Washington’ e o ‘Modelo de Pequim’.
Os profissionais de desenvolvimento há muito que vêm discutindo qual o melhor modelo. De uma forma simples, a ‘governação’ refere-se a um quadro dinâmico de regras, estruturas e processos que ajudam os governos a gerir os seus assuntos económicos, políticos e administrativos.
Mas os princípios aos quais um governo se concentra variam de acordo com a abordagem escolhida. O modelo defendido pelo Ocidente valoriza os direitos humanos e a democracia, enquanto o defendido pela China está mais preocupado com a estabilidade política e o crescimento económico.
Desde a eleição do presidente Donald Trump, os EUA, que continuam a ser um dos principais doadores de África, concentraram-se mais nos princípios defendidos pela China - estabilidade política, comércio e antiterrorismo - do que nos direitos humanos. O que nos leva a pensar se o modelo de Pequim é o melhor para África a curto e médio prazos. E, embora possa não ser popular de admitir, este é o ponto central da política de Trump.
Alimentos, abrigo, saúde e bom saneamento são mais relevantes para a maioria dos africanos do que o direito ao voto. Além disso, apenas uma população, moderadamente rica, com uma classe média saudável, pode exigir os direitos que a democracia oferece. Paradoxalmente, a maneira mais rápida de construir uma classe média forte em África seria avançar em direcção à hierarquia de princípios que o modelo da China promove.
Para que África reoriente a sua abordagem de boa governação e adopte um Consenso pós Washington, os seus líderes devem comprometer-se em melhorar a eficácia institucional e a gestão económica.
O primeiro conjunto de reformas implicaria estabelecer linhas claras de soberania com parceiros internacionais. O relacionamento de África com os doadores ocidentais, por exemplo, tem historicamente colocado os direitos individuais a sobreporem-se aos direitos nacionais. Os direitos individuais não devem substituir as soberanias. Punir países inteiros por leis que afectam uma minoria é contraproducente.
Um exemplo desse castigo colectivo ocorreu no Uganda em 2014, quando o Banco Mundial congelou cerca de 90 milhões de dólares em empréstimos, logo a seguir à promulgação de uma legislação que criminaliza a homossexualidade. Como um porta-voz do governo ugandês se referiu, nessa altura, o banco “não deveria chantagear os seus membros” para adoptar os valores ocidentais. No entanto, quando os modelos de governação são julgados apenas através das lentes do Consenso de Washington, há muito poucas alternativas.
Na mesma linha, o segundo conjunto de reformas refere-se à forma de priorizar os direitos económicos sobre os direitos políticos. Por exemplo, os políticos que gerem bem uma economia não devem estar sujeitos a limites de mandatos. Nem Singapura, nem a China são democracias; mas os líderes, em ambos os países, usaram o poder político para melhorar padrões de vida. Forçar líderes a demitirem-se no meio de reformas económicas parece contraproducente.
Estas não são ideias exageradas. Hoje, os líderes no Ruanda, que é amplamente considerado um país com uma história de sucesso em África, melhoraram a estabilidade ao afastarem-se da abordagem do Consenso de Washington. Politicamente, o Ruanda é forte, disciplinado e organizado, mas não é liberal. A reeleição do presidente Paul Kagame, no ano passado, teve mais que ver com o poder do que com a democracia. Embora Kagame permaneça com níveis altos de popularidade, o seu governo tem sido criticado por sufocar a liberdade de expressão e os direitos humanos, até mesmo antes das eleições. Não é que os direitos humanos não importem, mas essa disciplina política e formas imperfeitas de democracia são aceitáveis se a compensação for um progresso sustentado pelo desenvolvimento económico e institucional.
Devemos ser intelectualmente honestos e chamar uma espada de espada. Os ruandeses não devem ter vergonha de valorizar a força económica e administrativa mais do que eleições justas. A questão para outros Estados africanos, que procuram reformar os modelos de governação, é o quanto da abordagem de Ruanda pode ser imitada.
Nem o Consenso de Washington, nem o Modelo de Pequim têm todas as respostas. Mas, como o Ruanda demonstrou, se a disciplina e liderança fortes melhoram vidas e protegem bens públicos, talvez a democracia liberal seja uma prioridade, mas apenas a longo prazo.
Economista, dirige o departamento de pesquisa do Instituto Africano para a Governação e Desenvolvimento.
JLo do lado errado da história