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A fragmentação da Internet?

16 Aug. 2016 Josephs Nye Opinião

Quem é o dono da Internet? A resposta é ‘ninguém’ e ‘todos’. A Internet é uma rede de redes. Cada uma das redes separadas pertence a diferentes empresas e organizações que dependem de servidores físicos em diferentes países com leis e regulamentos distintos. Mas sem algumas regras e normas comuns, essas redes não podem estar ligadas de uma forma eficaz. A fragmentação - o mesmo é dizer o fim da Internet - é uma ameaça real.

Algumas estimativas colocam a Internet como contribuindo economicamente para o PIB mundial com 4,2 triliões de dólares, em 2016. Uma internet fragmentada (‘Splinternet’) teria custos muito elevados para o mundo. Mas esse é um dos futuros possíveis analisados no relatório da Comissão Global sobre Governança da Internet, presidido pelo ex-primeiro-ministro sueco Carl Bildt, e publicado o mês passado. A Internet conecta hoje quase metade da população mundial e outras mil milhões de pessoas - bem como cerca de 20 mil milhões de dispositivos - estão previstas para serem ligadas nos próximos cinco anos.

No entanto, esta expansão não está, de todo, assegurada. Na pior das hipóteses colocadas pela Comissão, os custos impostos pelas acções maliciosas de criminosos e os controlos políticos impostos por governos podem provocar uma perda de confiança na Internet e diminuir o seu uso.

O custo do cibercrime, em 2016, foi estimado em 445 mil milhões de dólares, um número que pode crescer rapidamente. Mas à medida que mais dispositivos, desde automóveis a ‘pacemakers’, são colocados ‘online’, os ‘hackers’ mal-intencionados podem virar a ‘Internet das coisas’ e para ‘o armamento de tudo’. Violações massivas de privacidade feitas por empresas e governos e ataques a infra-estruturas civis, tais como redes de energia (como aconteceu recentemente na Ucrânia), podem criar uma insegurança que só enfraquece o potencial da Internet.

Um segundo cenário é o que a Comissão chama de ‘crescimento atrofiado’. Alguns usuários conseguem obter ganhos desproporcionados, enquanto outros não conseguem colher benefícios. Três ou quatro mil milhões de pessoas ainda estão ‘offline’ e o valor económico da Internet, para muitos que se encontram conectados, está comprometido por barreiras comerciais, pela censura, por leis que exigem armazenamento local de dados e por outras regras que limitam o livre fluxo de bens, serviços e ideias.

O movimento em direcção a um controlo soberano da Internet está a crescer e já existe um grau de fragmentação. A China tem o maior número de usuários de Internet, mas a ‘Grande Protecção’ tem criado barreiras em relação ao exterior. Muitos governos censuram serviços por entenderem que ameaçam o controlo político. Se esta tendência continuar, poderá custar mais de 1% do PIB por ano, e também pôr em causa a privacidade, a liberdade de expressão e o acesso ao conhecimento. Enquanto o mundo se envolve nesta trapalhada, uma grande quantidade de oportunidades está a ser perdida e muita gente vai ficando para trás.

No terceiro cenário previsto pela Comissão, uma Internet saudável fornece oportunidades sem precedentes à inovação e ao crescimento económico. A revolução da Internet, das últimas duas décadas, contribuiu para algo como 8% do PIB global e trouxe três mil milhões de usuários online, estreitando as clivagens digitais, físicas, económicas e educacionais. O relatório da Comissão indica que a Internet pode adicionar mais 11 triliões de dólares ao PIB em 2025.

A Comissão concluiu que, para sustentar a inovação sem entraves, é necessário que os padrões da Internet sejam desenvolvidos de forma aberta e disponível; que todos os usuários desenvolvam uma melhor ‘higiene’ digital para desencorajar os ‘hackers’; que a segurança e a resiliência estejam no cerne do projecto do sistema (em vez de se fazer uma reflexão tardia, como acontece actualmente); que os governos não recorram a terceiros para criar mais criptografias; que os países concordem em não atacar a infra-estrutura central da Internet; e que os governos se obriguem a fornecer uma informação transparente sobre problemas tecnológicos de forma a aumentar a segurança da indústria e do mercado.

Até recentemente, o debate sobre a abordagem mais adequada à governança da Internet girava em torno de três campos principais. A primeira abordagem, que envolve várias partes interessadas, teve origem orgânica a partir da comunidade que desenvolveu a Internet, o que garantiu uma eficiência técnica, mas não uma legitimidade internacional, porque foi fortemente dominada por tecnocratas norte-americanos. Um segundo campo favoreceu um maior controlo pela União Internacional de Telecomunicações, uma agência especializada das Nações Unidas, o que garantiu a legitimidade, mas prejudicou a eficiência. Países autoritários, como a Rússia e a China, sendo Estados com forte controlo soberano, defendem tratados internacionais que garantam que não haja qualquer interferência sobre a sua parte da Internet.

Mais recentemente, a Comissão acrescentou um quarto modelo a ser desenvolvido para uma comunidade alargada com uma participação múltipla em que envolve uma planificação mais consciente para a participação de cada parte interessada (comunidade técnica, organizações privadas, empresas, governos) em conferências internacionais.

Um passo importante neste sentido foi a decisão do Departamento de Comércio dos EUA, no mês passado, para a supervisão do chamado ‘livro de endereços’ da Internet: a Corporação de Atribuição de Nomes e Números na Internet (CANNI). Este CANNI é composto por um comité consultivo de 162 membros e 35 observadores e não é uma típica organização inter-governamental: os governos não controlam a organização. Ao mesmo tempo, a CANNI é coerente com a abordagem multi-disciplinar, formulada e legitimada pelo Fórum de Governança da Internet, criada pela Assembleia Geral da ONU.

Alguns senadores norte-americanos queixaram-se de que, quando o Departamento de Comércio, sob liderança do presidente Barack Obama, entregou a supervisão das funções à CANNI estava a “dar a Internet”. Mas os EUA não poderiam “dar” a Internet, porque simplesmente os EUA não a possuem . Enquanto a original Internet ligava computadores inteiramente nos EUA, a Internet actual liga milhares de milhões de pessoas em todo o mundo.

A acção dos EUA, no mês passado, foi um passo em direcção a uma Internet multi-disciplinar e com várias partes interessadas, mais estável e mais aberta do tipo que a Comissão Mundial tem vindo a aplaudir. Vamos esperar que novas medidas nessa direcção se possam seguir.

Ex-secretário-assistente de Defesa e presidente do Conselho de Inteligência Nacional dos EUA, professor na Universidade de Harvard.