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Deuses menores nos Jogos Olímpicos

22 Aug. 2016 Lucy P. Marcus Opinião

Os Jogos Olímpicos de Verão entraram na sua plenitude no Rio. Toda a vez que os melhores atletas do mundo se reúnem para os jogos, as pessoas, em todo o mundo, têm a oportunidade não apenas para torcer pelos seus países, mas também para se tornarem embevecidos por histórias de sacrifício e sucesso, de ossos partidos e de recordes quebrados. Além das incríveis façanhas de atletismo, são espantosas as histórias sobre espírito de sacrífico como o da nadadora refugiada síria, Yusra Mardini, que há menos de um ano, saltou para o Mar Mediterrâneo para ajudar a empurrar o seu barco destruído que transportava outros 19 refugiados para os colocar em segurança na Grécia.

Neste sentido, os Jogos Olímpicos dizem muito mais sobre a inspiração do que sobre a competição. Mas, graças ao Comité Olímpico Internacional (COI), os Jogos são também sobre algo muito mais obscuro. Na verdade, o COI - juntamente com as suas filiais nacionais, bem como as associações representativas de diversas modalidades - incorpora alguns dos problemas mais importantes que os líderes, em todo o mundo, enfrentam: desigualdade, exploração e pura hipocrisia.

Ao longo dos anos, o COI e as suas organizações profissionais nacionais foram acusados de tudo, desde a má governação à corrupção. Mais recentemente, uma análise do jornal Washington Post retrata, de uma forma clara, o abismo entre os ganhos dos executivos que comandam o ‘show’ e os atletas que são os principais protagonistas desse ‘show’.

Muitos atletas, se não a maioria, ganham pouco ou quase nenhum dinheiro. Os patrocínios podem fornecer fundos, mas também incluem regras restritivas que limitam a capacidade dos atletas em ter esse dinheiro que poderia servir para a sua formação. Como afirmou o velejador olímpico Ben Bargernoted, o dinheiro que o ‘Movimento Olímpico’ produz “vai para executivos em primeiro lugar, depois para os administradores, em seguida, para os treinadores e, por fim, para os atletas.”

Assim, por exemplo, enquanto o presidente do COI, Thomas Bach, aluga, mas sem ser do bolso dele, uma luxuriante suíte num hotel luxuoso na Suíça, o remador Megan Kalmoe, campeão olímpico, vive na linha de pobreza.

Estes extremos lançam uma manta de suspeitas sobre a exploração. E essa exploração não é apenas financeira. O COI e os seus parceiros não podem ignorar os perigos que surgem a partir das relações entre treinadores e os jovens atletas - uma relação que proporciona um terreno fértil para a manipulação e o abuso. Os treinadores podem usar a sua posição de autoridade para conduzir os jovens atletas a iniciar-se no doping ou para ganhar alguma vantagem sexual sobre eles.

Como um relatório recente do Indianapolis Star revelou, na ginástica feminina dos EUA, essa conduta é galopante. A federação, que gere a modalidade - uma organização olímpica -, tem falhado consistentemente em enfrentá-la.

Mas os atletas não são os únicos que o COI desconsidera; também é, aparentemente, indiferente à forma como se conquista uma organização dos Jogos e como se torna uma cidade-sede. O que é exactamente preciso para se vencer uma candidatura olímpica é difuso,parecendo apenas que ter capacidade para dar de comer e de beber é claramente um dos pontos favoráveis. A vitória de Tóquio, para receber os Jogos Olímpicos de 2020, está sob investigação, por suspeitas de ter havido uma ajuda, em pagamentos, de uma empresa ligada ao filho do ex-chefe do atletismo mundial Lamine Diack.

O processo talvez seja obscuro, mas os resultados são claros. No Rio, dezenas de milhares de brasileiros foram deslocados para dar lugar a infra-estruturas olímpicas. Uma medida que tem sido criticada por muitos dos moradores terem sido postos em zonas de risco. Há algo de profundamente chocante entre os brilhantes novos projectos que nascem lado a lado com a pobreza das favelas ou com a cerimónia extravagante ao lado da profunda crise política e económica que o Brasil enfrenta. A festa continua, enquanto caminha para o abismo. Claramente, as prioridades do COI são muito assimétricas. Pode o ‘Movimento Olímpico’ ser resgatado?

Para responder a essa pergunta, vale a pena considerar a experiência da FIFA, outra organização desportiva sem fins lucrativos, mas mergulhada na corrupção. Há dois anos, desde que a verdade sobre a FIFA veio à tona, há rumores de haver mudanças. O que parecia ser um sistema impenetrável começa a desmoronar-se sob pressão de activistas, patrocinadores e associações de futebol. Isto sugere que a mudança é possível.

O primeiro passo é a exposição. A boa notícia é que, hoje em dia, é mais difícil do que nunca manter em segredo escalas tão elevadas de atitudes erradas, ora por causa dos esforços de jornalistas comprometidos ora pela acção de corajosos denunciantes. O testemunho da corredora Yuliya Stepanova foi a chave para expor o programa de doping estatal da Rússia.

A má notícia é que o COI simplesmente ignorou o relatório da Agência Mundial Anti-Doping, que acusou as autoridades russas, e não proibiu a sua equipa nacional..

Como a experiência da FIFA demonstrou, os patrocinadores começam a ficar preocupados com a reputação e os seus interesses podem mudar. Com os esquemas de enriquecimento a serem revelados - que beneficiam, sobretudo, patrocinadores, executivos e um par de ‘superestrelas’ olímpicos - os lucros vão ficando mais reduzidos. Assim, também, não podem continuar a fechar os olhos aos esforços dos países poderosos fazem para enganar. Os patrocinadores devem mostrar que são sensíveis e responsáveis, salvando a face, e que defendem o espírito olímpico. O Estado de direito e da ética, construído no tecido da governança corporativa, deve agora ser o centro do palco. Os Jogos Olímpicos obrigam-nos a reflectir não apenas quem somos, mas também quem queremos ser.

O COI tornou-se um monumento a algumas das piores tendências da humanidade: a ganância, hipocrisia e exploração, que levaram muita gente a desconfiar das instituições. Espera-se que o exemplo da FIFA possa ajudar a marcar um caminho para a redenção do COI, como órgão regulador do ‘Movimento Olímpico’, antes que a chama, do que é digno e inspirador sobre os Jogos, seja extinta.

Fundadora e CEO da Marcus Venture Consulting, professora de Liderança e Governação de Negócios e membro da direcção da Atlantia SpA.