MOTOTÁXI

E agora pergunto eu...

02 Oct. 2025 Geralda Embaló Opinião

Seja bem-vindo querido leitor a este seu espaço onde, já sabe, perguntar não ofende, no final de uma semana marcada a nível mundial pela cimeira da ONU, actualidade internacional de resto intersecional porque marca também a actualidade interna devido à presença do chefe de Estado e do estado de coisas na mesma tribuna onde Lula da Silva disse que “o mundo vive a consolidação de uma desordem internacional marcada por concessões à politica do poder”, onde Donald Trump disse que a conversa sobre as alterações climáticas é uma vigarice”, e onde Benjamim Netanyahu, descrito pelo presidente colombiano como Nazi, e procurado pelo TPI por crimes de guerra, falou para uma sala com muitos lugares vazios de onde ostensivamente grande parte dos participantes saiu para não o ouvir em sinal de nojo pelo genocídio que o seu governo leva a cabo em Gaza.

E agora pergunto eu...

O chefe que também é presidente da União Africana defendeu, e bem, a reforma do conselho de segurança da ONU em que o continente africano continua a ser o único sem representação. Querido leitor, como já diz o ditado: “até um relógio parado está certo duas vezes ao dia”...

Ainda em termos de actualidade internacional que se cruza de alguma forma com a nossa o ex-presidente francês, Nicolas Sarkozy, foi condenado a cinco anos de prisão efectiva com multa e proibição de exercer cargos políticos por corrupção, no caso contactos com o ex-presidente líbio Khadafi para financiar a sua candidatura em 2007, em troca de apoio político quando fosse eleito, pelo menos 50 milhões de euros segundo um memorando citado em tribunal. A acção em tribunal inclui 11 dos seus correligionários, incluindo três ministros. Em março deste ano já a líder da oposição de extrema-esquerda, Marie Le Pen, foi condenada por um tribunal por desvio de perto de 500 mil euros de fundos europeus para financiamento do seu partido, foi condenada a quatro anos de prisão, multa e banida da política por cinco anos, o que a impede de concorrer às próximas eleições numa altura em que a liderança política em França oscila mais que pudim.

Este tema do financiamento de partidos políticos cruza com a nossa realidade no sentido do financiamento dos partidos - principalmente do partido que mais gasta em campanha política - ser completamente obscuro para o público e com um potencial enorme para promoção de corrupção. Se há desconfianças de que venha dos cofres públicos, ninguém sabe ao certo de onde vem o dinheiro para patrocinar as musiquinhas de apoio ao líder que se usam nas passeatas, as t-shirts impressas com a carinha laroca do chefe, os cartazes com imagens e slogans que alguma consultora provavelmente estrangeira cobrou para desenhar, tudo custa muito dinheiro, que os angolanos não têm conhecimento cabal de onde vem como devia ser o caso em nome da transparência. E que provavelmente teria melhor destino se aplicado no saneamento para as escolas públicas. E agora pergunto eu, aqui o Tribunal de Contas faz auditoria ao financiamento dos partidos? Sabe quem paga esses cartazes e marketing e passeatas onde se contratam pessoas, catering, transportes às vezes até transportes aéreos às vezes para apoiar o líder? Estará o líder de hoje livre de sentar no banco dos réus amanhã acusado (entre outros) dos mesmos crimes que condenaram Sarkozy e Le Pen? Quando deixar o poder não vão faltar certamente assuntos e muitos dos seus apoiantes de hoje, vão certificar-se disso mesmo. Mas o que o presidente pode fazer até ao fim do seu mandato é o possível para implementar políticas positivas que tenham impacto multiplicador em vez de divisivo, políticas que melhorem verdadeiramente os indicadores mais relevantes do país.

E na semana que passou o governo foi lembrado pelo consultor da ONU, Emílio Manuel de que aceitou uma lista extensa, mais concretamente de 209 recomendações de um total de 283, saídas do IV ciclo da revisão periódica universal do conselho de direitos humanos das Nações Unidas em cuja tribuna o chefe foi discursar esta semana. Deve ser embaraçoso para o líder ir aquela tribuna falar para países pares que nessa revisão do estado dos direitos humanos apontaram tantas situações que constituem violações aos direitos humanos dos seus cidadãos, apontaram a falta de alinhamento com os standarts internacionais de respeito pelos direitos humanos com recomendações por exemplo de Espanha e da Austrália que Angola investigue o uso excessivo de força pelas forças de segurança e os casos de execuções extrajudiciais. 

No capítulo da liberdade de expressão de opinião e acesso à informação, para o qual o Comité de Protecção dos Jornalistas em conjunto com o Sindicato de Jornalistas Angolanos e o MISA Angola contribuiu com uma submissão no ano passado a tempo da Revisão Periódica de Angola, as recomendações vieram de 15 países. Entre outros, França, Canadá, Austrália, Noruega, Zâmbia, que já repeliu as leis de difamação criminal em conformidade com os tratados internacionais que Angola também assinou, mas ainda não cumpre, recomendaram desde a liberdade de opinião à investigação de alegações de censura e intimidação de jornalistas e meios de comunicação. Tema bem a propósito da comunicação do regulador da comunicação social, que hiberna perante tantos outros atropelos, particularmente aos produtores de informação, mas que à menção do chefe, cai da cama e vem vociferar contra o que constitui liberdade de opinião e de critica, que o poder deveria encarar como benéfica porque é critica fiscalizadora da sua acção e como tal promotora de valores centrais à democracia e que deveriam ser cânone da media em geral.

Nove países como a Suíça recomendaram mais especificamente que Angola rectifique ou elimine leis que restrinjam o direito ao acesso à informação online e offline. O Reino Unido recomendou que Angola alinhe o famoso artigo 333, que já levou pessoas para a prisão por crimes de opinião, com os tratados de direitos humanos internacionais de que o pais é signatário, a Irlanda fez a mesma referência sobre a Lei do Vandalismo, e a Estónia recomendou que o Estado angolano restrinja a adoção de leis que “prejudiquem o espaço cívico a liberdade de assembleia e de associação e a liberdade de expressão online e offline”.

Sobre o direito a standards adequados de vida as recomendações vieram de 23 países que recomendam a expansão de programas como Kwenda dedicados à irradicação da pobreza extrema, à protecção dos direitos das mulheres, das crianças e de pessoas com deficiências, países que recomendam o acesso à educação, à saúde e à habitação, apoio às comunidades afectadas pela seca. Referem a falta de segurança social de protecção social para os mais vulneráveis. Recomendações sobre o direito ao acesso à saúde vieram de 20 países. 31 países fizeram recomendações sobre a educação, o que reflete o estado miserável do sector. Acesso à água, um direito tão básico; é recomendado por vários países. Pergunto-me do que serve ao governo ir fazer vaidades fora, ou peditórios ou chamadas de atenção na ONU, quando os básicos por aqui não estão minimamente assegurados? É com perguntas, mas esperança sempre, querido leitor, que marcamos aqui encontro e até à próxima, na sua Rádio Essencial.

*Crónica do programa ‘Dias Andados’, referente ao dia 26 de Setembro de 2025

 

 

 

 

 

 

 

Geralda Embaló

Geralda Embaló

Directora-geral adjunta do Valor Económico