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O empoderamento dos novos trabalhadores do milagre chinês

30 Oct. 2017 Michael Spence Opinião

O sucesso da China nos próximos cinco anos dependerá, em grande medida, de quão bem o governo irá gerir as tensões subjacentes à sua agenda complexa. Em particular, os líderes da China terão de equilibrar um partido comunista musculado, estabelecendo padrões e protegendo o interesse público, com um mercado forte e potente, conduzindo a economia rumo ao futuro.

Como revelou o 19.º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, grande parte do foco foi sobre quem ocupará os principais cargos na administração do presidente Xi Jinping nos próximos cinco anos. Mas a trajectória futura da China depende crucialmente de outro grupo de líderes, que receberam muito menos atenção: os tecnocratas que realizarão as tarefas específicas associadas à reforma e transformação económica da China.

Ao longo das últimas quatro décadas, os tecnocratas chineses projectaram de forma colectiva uma transformação milagrosa. A geração actual, um grupo talentoso de formuladores de políticas, vai demitir-se em Março de 2018 ou em torno dessa data, passando o testemunho para uma nova geração. Esta geração - altamente educada, experiente e, na sua grande maioria, bem-sucedida por mérito próprio - está preparada para gerir o progresso económico e social da China com muita competência e dedicação. A questão é se terão margem de manobra.

Uma coisa é certa: a próxima geração de tecnocratas enfrentará condições muito diferentes daquelas encontradas pelos seus predecessores. A China chegou a um momento de significativa incerteza. Além das questões inerentes ao processo de renovação geracional, houve uma mudança dramática no quadro de política dominante da China sob Xi.

Sob Deng Xiaoping - o líder que iniciou a “reforma e abertura” radical de China em 1978, o objectivo político singular foi a transformação e o crescimento económico interno, que seria alcançado com um modelo de tomada de decisão colaborativo que incluía um vigoroso debate interno. Deng descartou explicitamente uma agenda internacional mais ampla para a China - ditame que os políticos da China seguiram durante mais de três décadas.

Desde que assumiu o poder em 2012, Xi alterou este quadro de políticas de várias formas. Para começar, abordou a corrupção endémica que minava a credibilidade do PCC (e, por extensão, o modelo de governação chinês), lançando uma campanha sem precedentes contra a corrupção que alcançou os mais altos níveis de liderança do partido. Muitos esperavam que a campanha anti-corrupção de Xi fosse uma iniciativa temporária, destinada a abrir caminho para a implementação de reformas económicas mais agressivas anunciadas em 2013 na Terceira Sessão Plenária do 18.º Comité Central. Em vez disso, a campanha tornou-se essencialmente uma característica permanente da administração de Xi. Xi acredita que a legitimidade de um governo é, na sua essência, uma função de valores partilhados de forma consistente, juntamente com o progresso económico e social, onde o compromisso estrito com o interesse público tem prioridade sobre a forma de governação.

Enquanto poucos observadores ocidentais reconheceram plenamente esta perspectiva, os acontecimentos ocorridos no Ocidente nos últimos dez anos - a crise financeira de 2008, o aumento da desigualdade salarial e da riqueza e a intensificação da polarização política - reforçaram esta mentalidade. Como consequência, os líderes e cidadãos chineses estão mais convencidos do que nunca de que um governo de um único partido forte é um pilar essencial de estabilidade e de crescimento. Acreditam que o foco no Ocidente na forma de governação, ao contrário de resultados económicos e sociais inclusivos, está errado, porque os sistemas democráticos e autocráticos podem ser de igual forma corrompidos. Além disso, a agenda económica da China, sob a administração de Xi, expandiu-se para além do foco restrito do crescimento e do desenvolvimento doméstico, para incluir um esforço concertado para ampliar a influência chinesa na economia global, especialmente no mundo em vias de desenvolvimento.

Esta agenda externa ampla e em expansão gera pressões sobre os recursos - não se pode ser o investidor externo dominante em África e na Ásia Central sem investir muito dinheiro - enquanto influenciam as escolhas políticas. Por exemplo, as empresas estatais, incluindo os bancos, podem responder de forma mais flexível do que as empresas puramente privadas a uma combinação variável de incentivos públicos e privados e retornos de investimento. Finalmente, nos últimos anos, os quadros políticos da China reflectiram cada vez mais a tensão inerente entre o imperativo de longo prazo em garantir a estabilidade social e política e o objectivo mais moderno da liberalização do mercado.

A liderança chinesa permanece firmemente empenhada em proteger os interesses do partido que, no seu entender, coincidem com os da sociedade. Por este motivo, o PCC continua a concentrar-se em manter a ordem e incutir valores em todos os aspectos da vida chinesa, mantendo uma presença activa não só nos debates políticos, mas também nas actividades do sector privado e nos assuntos sociais.

Ao mesmo tempo, o governo procura dar aos mercados um papel mais decisivo na economia, impulsionar o poder do empreendedorismo e da inovação e responder de forma mais efectiva às necessidades e desejos de uma classe média jovem, educada e de rápido crescimento. E por uma boa razão: estes são os motores internos que permitiram que a China atingisse um crescimento anual do PIB de 6-7%, tendo como cenário uma mudança estrutural difícil e uma transição de rendimento médio, levada a cabo numa economia global relativamente frágil. É difícil dizer com toda a certeza se estes dois objectivos se contrapõem de forma directa. Mas existem motivos para preocupação. O tipo de concorrência dinâmica que leva à inovação fica, afinal, distante de um processo orientado centralmente, embora as escolhas do sector público em áreas como a investigação básica tenham um impacto substancial.

Além disso, tanto na formulação de políticas como no mundo académico, o debate activo é indispensável para diferenciar as boas das más ideias. No entanto, enquanto o sistema chinês provou a sua capacidade para o debate de políticas internas de alto nível entre participantes altamente preparados e experientes cuja lealdade não está em causa, e que seguidamente actuam de forma rápida e decisiva, os líderes da China continuam desconfiados dos debates e comentários públicos sem restrições. Mas muitas escolhas políticas complexas - como por exemplo, sobre a reforma e abertura do sector financeiro - poderiam beneficiar deste processo que uma maior abertura pode oferecer.

Nos próximos cinco anos, o sucesso da China dependerá, em grande medida, de como será gerida a agenda complexa do governo e as suas tensões subjacentes. Para alcançar os seus objectivos, os líderes chineses terão de encontrar um equilíbrio delicado entre um partido forte, disciplinado e omnipresente, que estabelece padrões e protege o interesse público, e os mercados inovadores, capacitados e potentes, levando a economia rumo ao futuro.

Michael Spence, Prémio Nobel de Economia, é Professor de Economia na Escola de Negócios Stern da Universidade de Nova Iorque, Ilustre Visiting Fellow no Conselho de Relações Exteriores, Senior Fellow da Instituição de Hoover na Universidade de Stanford. É autor de A Próxima Convergência - O Futuro do Crescimento Económico num Mundo a várias Velocidades.