O PROPRIV, o 'radar' dos investidores e a Bolsa de Valores
O Propriv é um programa ambicioso e extremamente importante para o país, mas que enfrenta um 'delay' significativo face aos 'timings' inicialmente previstos, muito por conta da covid-19, mas também pela necessidade de preparação adicional de algumas empresas antes de serem privatizadas. O Propriv tem tido o mérito de colocar Angola no radar dos investidores internacionais e emitir um sinal inequívoco da aposta do país numa economia mais alicerçada no sector privado.
Muito se tem falado sobre a insuficiente qualidade do relato financeiro de uma fatia importante das empresas elencadas para o Propriv. Todos sabemos o quão importante seria que estas empresas fossem todas auditadas e que exibissem práticas sofisticadas de relato financeiro. Contudo, uma parte significativa das empresas, tidas como de 'referência nacional', apresentam, efectivamente, contas auditadas. Porém, estas mesmas contas auditadas tendem a evidenciar algumas fragilidades no relato financeiro, o que em nada contribuem para a confiança dos investidores privados. Embora esta seja uma problemática relevante com frequência, os investidores preferem antecipar o futuro mais do que focar-se no passado, razão pela qual o tema do 'doing business' assume particular importância, sobretudo em economias como a angolana.
Naturalmente, a falta de confiança dos investidores no relato financeiro das empresas não joga a favor do êxito das transacções. Mas há formas de mitigar esta fragilidade. Processos de validação do 'deve e haver' do passado deverão ser complementados com a identificação de condições de negócio futuro 'amigáveis' e suficientes para despertar o apetite dos investidores privados. Uma vez mais, estamos a falar do 'ambiente de negócios' e das necessárias reformas que estão em curso, as quais muito ditarão o maior ou menor êxito do programa de privatização. Será, certamente, este despertar de interesse junto dos investidores privados que tenderá a tornar a privatização financeiramente ganhadora para os cofres públicos.
Por outro lado, tal como está a ser implementado, o Propriv não parece que se esgote num mero exercício de arrecadação de receita para o Estado. Para além desta dimensão financeira, de inegável relevo, as privatizações encerram uma oportunidade única de injectar 'know-how', tecnologia, gestão e vocação internacional a muitos negócios e, por consequência, garantir a competitividade, viabilidade económico-financeira, sustentabilidade social e ambiental e a criação de emprego (qualificado) e de riqueza.
Com efeito, o Propriv tem revelado cuidados com a transparência com que tem endereçado o tema, assim como na escolha dos investidores-alvo.
Parece claro que Angola procura um perfil de investidor que não tenha apenas uma carteira recheada, mas que possa acrescentar gestão, capacitar e sofisticar as empresas e acrescentar competitividade ao tecido empresarial. Talvez mais importante do que o encaixe financeiro, que pode resultar da venda de participações no capital social destas companhias, está a oportunidade de viabilizar empresas, criar emprego e riqueza, o que só é possível através do envolvimento dos investidores com o ADN adequado.
Como corolário, os investidores, sobretudo internacionais, mostram-se particularmente sensíveis ao esforço do Executivo de promoção e de credibilização do país além-fronteiras. Mas a pandemia acabou por colocar grande parte das 'démarches on hold'. É fundamental, entretanto, que o país não dê sinais contraditórios para o mercado, que a veia reformista do país não esmoreça e que o programa de privatizações avance, ainda que com atrasos, de forma a não comprometer a confiança dos principais 'stakeholders'.
O Propriv vai ter responsabilidades evidentes na dinamização do mercado de capitais, seja por conta de diversas operações de privatização que estão previstas que ocorram através de IPO, seja por força da privatização da própria Bodiva, a qual está prevista ocorrer através de IPO.
As empresas que vão ser colocadas em bolsa através da forma de IPO têm de se preparar para uma operação de elevada complexidade, a qual pode implicar a mudança do paradigma negocial, organizacional e até mesmo obrigar a repensar a cultura corporativa. Qualquer empresa cotada passará a estar sujeita a requisitos suplementares de 'reporting', transparência, 'compliance', escrutínio por parte de investidores e analistas e, acima de tudo, de compromisso adicional com o cumprimento das respectivas estratégias.
Neste contexto, estimuladas pela perspectiva de Angola passar a ter uma bolsa de valores dinâmica e com liquidez, algumas das maiores empresas privadas angolanas estão também a preparar-se para a corrida ao mercado de capitais, olhando para o IPO como uma oportunidade de excelência para acederem a novas e melhores fontes de financiamento.
JLo do lado errado da história