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Os perigos de uma recuperação global desigual

10 Feb. 2021 Kenneth Rogoff Opinião

A recuperação económica, tal como as vacinas contra a covid-19, não será distribuída uniformemente ao redor do mundo nos próximos dois anos. Apesar do enorme apoio político fornecido por governos e bancos centrais, os riscos económicos continuam profundos e não apenas para economias fronteiriças que enfrentam iminentes problemas de dívida e países de baixos rendimentos que experimentam um aumento alarmante da pobreza. Com o coronavírus ainda longe de ser controlado, o populismo em alta, a dívida global em níveis recordes e a provável normalização desigual das políticas, a situação vai continuar a ser precária.

Isso não significa desmentir as boas notícias em termos gerais dos últimos 12 meses. Vacinas eficazes tornaram-se disponíveis em tempo recorde, muito antes do que a maioria dos especialistas originalmente previa. A maciça  resposta monetária e fiscal construiu uma ponte em direcção ao tão esperado fim da pandemia. E o público adaptou-se conviver com o vírus, com ou sem a ajuda das autoridades nacionais.

Porém, embora os resultados do crescimento em todo o mundo tenham sido muito melhores do que a maioria esperava nos primeiros dias da pandemia, a recessão actual ainda é catastrófica. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que os EUA e o Japão não irão retornar aos níveis de produção anteriores à pandemia até o segundo semestre deste ano. A zona euro e o Reino Unido, novamente em declínio, não vão chegar a esse ponto até o meio de 2022.

A economia chinesa está por conta própria e deve ser 10% maior no final de 2021 do que era no final de 2019. Mas, no outro extremo do espectro, muitas economias em desenvolvimento e mercados emergentes poderiam precisar de anos para retornar às suas trajectórias pré-pandémicas. O Banco Mundial estima que a pandemia covid-19 irá arrastar mais de 150 milhões de pessoas para a pobreza extrema até o final de 2021, com a galopante insegurança alimentar.

As diferentes projecções de desempenho têm muito que ver com o cronograma de aplicação da vacina. As vacinas devem estar amplamente disponíveis nas economias avançadas e em alguns mercados emergentes até o meio deste ano, mas as pessoas nos países mais pobres provavelmente esperam até 2022 e depois disso.

Outro factor é a impressionante diferença de apoio macroeconómico entre países ricos e pobres. Nas economias avançadas, os gastos governamentais adicionais e os cortes de impostos durante a crise da covid-19 foram em média quase 13% do PIB. Com empréstimos e garantias, totaliza-se outros 12% do PIB. Em contrapartida, os aumentos de gastos de governos e cortes de impostos nas economias emergentes totalizaram cerca de 4% do PIB e os empréstimos e garantias outros 3%. Para os países de baixos rendimentos, os números comparáveis são 1,5% do PIB em apoio fiscal directo e quase nada em termos de garantias.

No período que antecedeu a crise financeira de 2008, economias emergentes apresentavam sólidos balanços em comparação com países desenvolvidos. Mas entraram nesta crise sobrecarregados com muito mais dívida pública e privada e, portanto, encontram-se muito mais vulneráveis. Muitos estariam em sérios problemas, não fosse pelas taxas de juros próximas a zero nas economias avançadas. Mesmo assim, tem havido uma crescente onda de inadimplências  soberanas, inclusive na Argentina, Equador e Líbano.

Na verdade, um 'taper tantrum 2.0' (termo que se refere ao aumento de rendimentos de tesouro nos EUA, em 2013) entra quase no topo da lista de coisas que correm risco de correr mal e, se (ou quando) isso acontecer, não vão ser apenas os mercados emergentes a sofrer. O 'taper tantrum' de 2013 ocorreu quando a Reserva Federal dos EUA (Fed) começou a sinalizar que um dia normalizaria a sua política monetária, desencadeando enormes saídas de fundos de mercados emergentes. Desta vez, a Fed tem feito grandes esforços para sinalizar que não planeia, de imediato, aumentar as taxas de juros, mesmo introduzindo um novo arcabouço monetário que basicamente equivale a uma promessa de manter o pé no acelerador até que o desemprego esteja extremamente baixo.

Essa política faz todo o sentido. Desde 2008, permitir que a inflação suba temporariamente acima da meta de 2% da Fed faria muito mais bem do que mal em um ambiente onde os níveis de dívida são altos e a produção ainda está abaixo do potencial. Afinal, há nove milhões de pessoas a menos a trabalhar nos EUA hoje do que há um ano.

Mas se os EUA alcançarem as metas de vacinação até o verão e se as mutações do coronavírus forem controladas, as previsões de um aumento de taxas de juros zero pela Fed podem ser significativamente antecipadas. Isso é especialmente provável dada a enorme reserva de poupança que muitos norte-americanos acumularam, em parte devido ao aumento dos preços dos activos e em parte às transferências do governo que muitos beneficiários optaram por economizar.

Políticas de taxas de juros ultra-baixas em todo o mundo ajudam a prevenir cicatrizes de longo prazo, mas muitas empresas maiores, incluindo as grandes de tecnologia, não precisam do apoio que está a aumentar os preços das acções. Isso está inevitavelmente a alimentar a raiva populista (uma pequena amostra disso ficou evidente nas reacções de alguns políticos dos EUA à recente guerra dos preços das acções da GameStop ).

A inflação pode estar insistentemente baixa por agora, mas uma explosão na procura pode empurrá-la para cima, levando a Fed a aumentar as taxas um pouco mais cedo do que tem planeado. O efeito cascata de tal movimento nos mercados de activos separaria os fortes dos fracos e atingiria os mercados emergentes de maneira particularmente forte. Ao mesmo tempo, os legisladores, mesmo nos EUA, terão de permitir que as falências aumentem e a reestruturação aconteça. Uma crescente maré de recuperação é inevitável, mas não levantará todo mundo.