Por que o kwanza ficou esperto? Perguntem ao BNA
Autoridade cambial está a ajudar à valorização da moeda nacional (impondo limites às taxas oferecidas pelos bancos). Intervenção parece-me ditada mais por razões políticas do que económicas. A inflação é o principal problema do Governo em véspera de eleições e o banco central parece querer dar uma ajuda para o seu controlo.
O kwanza apreciou-se 11,7% em Outubro face ao mesmo mês de 2020 e 9,2% nos primeiros dez meses do ano, o melhor desempenho desde o início da liberalização cambial considerando as taxas de câmbio do final do mês. Nada que surpreenda o governador do Banco Nacional de Angola (BNA). A taxa de câmbio do kwanza encontrou o seu “equilíbrio” num mercado “normalizado” na sequência da liberalização iniciada em Janeiro de 2018. Com as operações “em dia” e as “reservas a crescer”, é “natural” que haja uma apreciação da taxa de câmbio, justificou José de Lima Massano em várias ocasiões.
Eu concordo no essencial com o governador. E a lei da procura e da oferta também parece dar-lhe razão.
Comecemos pela procura. A forte desvalorização do kwanza (72,2% comparando o final de Outubro de 2021 a Dezembro de 2017, antes da liberalização) reduziu por si só a procura de dólares. Os mesmos kwanzas compram agora menos dólares.
As cinco recessões consecutivas entre de 2016 e 2020 reduziram a actividade das empresas e, com a actividade reduzida, as empresas precisam de menos dólares. As limitações às importações no âmbito das políticas proteccionistas do PRODESI reduziram ainda mais a procura das notas verdes pelas firmas.
As cinco recessões consecutivas comeram os rendimentos das famílias que passaram a viajar menos e cortaram nas ajudas a familiares no exterior do País.
A política monetária restritiva do BNA retirou kwanzas do mercado e, com menos kwanzas no mercado, compram-se menos dólares.
Quanto à oferta, depois de ter caído significativamente com a descida do petróleo, agora faz o caminho inverso já que o petróleo recuperou para máximos de três anos.
Com menor procura e maior oferta, os preços descem, diz a lei da oferta da procura. É precisamente o que está a acontecer com o dólar seja no mercado oficial, seja nas kinguilas. Dizer que o dólar está a descer é o mesmo que dizer que o kwanza está a subir.
Mas no mercado cambial, a determinação da taxa de câmbio tem outras nuances. Uma das teorias mais populares sobre a determinação das taxa de câmbio é a da paridade do poder de compra, que diz que a variação das taxas de câmbio deve ser igual, mas de sinal contrário ao diferencial das taxas de inflação. Tomemos as taxas de inflação previstas pelo FMI para Angola e os EUA 14,9% e 3,4%, respectivamente, o que dá um diferencial de 11,5 pontos percentuais. Com base nestas previsões, o kwanza deve depreciar 11,5% face ao dólar.
De acordo com esta teoria, enquanto a inflação em Angola se mantiver muito acima da dos EUA, o kwanza continuará a depreciar-se face ao USD.
Por isso, a valorização recente do kwanza está a gerar algumas dúvidas no mercado e todas as pistas vão dar ao BNA, que estará a intervir administrativamente no mercado cambial, impondo limites às taxas de câmbio de compra que os bancos oferecem na plataforma da Bloomberg.
Segundo as minhas fontes, a intervenção do BNA começou no início do ano com telefonemas da autoridade cambial para os bancos, “recomendando-lhes” que, nas operações de compra de divisas na plataforma da Bloomberg onde agora são feitas as transacções cambiais no mercado primário, não oferecessem taxas superiores à taxa média de compra BGN. Em Abril, a recomendação aos bancos foi reforçada através de um e-mail, relembrando-lhes que não podiam fazer lances de compra acima da taxa média de compra BGN e não à taxa média de compra e venda, como alguns bancos estavam a fazer.
“Aproveitamos para relembrar que, nas operações de compra de divisas na plataforma FXGO, os lances de compra dos bancos comerciais devem estar limitados à taxa de compra BGN e não à taxa média BGN como vem ainda ocorrendo em alguns casos”, lê-se num e-mail enviado pelo BNA aos bancos no dia 21 de Abril de 2021, ao qual tive acesso.
A evolução cronológica do kwanza está em linha com as “recomendações” do BNA aos bancos. A moeda nacional começou o ano em alta, com apreciações em Janeiro e Fevereiro, na sequência dos telefonemas do BNA aos bancos, mas perdeu folego em Março e Abril. Estabilizou em Maio e Junho, após o “lembrete” do BNA e voltou a apreciar em Julho e Agosto, disparou em Setembro e estabilizou em Outubro.
Fontes do BNA confirmam a recomendação aos bancos, mas garantem que foi “pontual” num momento em que alguns bancos compravam moeda ao sector petrolífero e revendiam a taxas especulativas a bancos que não tinham acesso à plataforma. Pontual ou não, a verdade é que a intervenção administrativa do BNA limitando as taxas de compra na plataforma Bloomberg contraria o discurso da liberalização do mercado. A haver intervenções, estas deviam ser comprando e vendendo moeda estrangeira e não limitando as taxas.
Ao forçar a valorização do kwanza, o BNA estará a usar a política cambial para controlar a inflação. Mas, ao fazê-lo administrativamente, põe em causa a credibilidade da sua política cambial.
A intervenção do BNA no mercado cambial parece-me ditada mais por razões políticas do que económicas. A inflação e a consequente perda de poder de compra dos angolanos são o principal problema do Governo em véspera de eleições e o banco central parece querer dar uma ajuda.
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