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Quem tem medo da influência da China?

24 Dec. 2018 Minxin Pei Opinião

Desde que terminou a Guerra Fria, o Ocidente tem investido enormes quantidades de recursos em esforços para induzir a liberalização política na China, nomeadamente através de programas para a promoção do estado de direito, da sociedade civil, da transparência e da responsabilização governamental. Os resultados têm sido desanimadores. Em vez de se tornar mais democrata, a China tem resvalado ultimamente para o autoritarismo de linha dura. E agora está a investir recursos em esforços para tentar alguma indução própria sobre as democracias mundiais.

O tráfico de influências da China no Ocidente tem sido tema de reportagens na comunicação social e de estudos por grupos de reflexão e tem suscitado preocupação junto de políticos em posições de relevo, desde o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, ao antigo primeiro-ministro australiano, Malcolm Turnbull. As ‘actividades de influência’ da China, defendem, incluem o desenvolvimento de relações com políticos ocidentais, a fundação de institutos Confúcio em todo o mundo para a promoção da língua e cultura chinesas, a expansão do alcance global das redes de propaganda oficial da China, doações a instituições académicas e programas de intercâmbio com as mesmas.

Como deverão as democracias liberais do Ocidente confrontar uma China que se apropria de uma página da sua própria cartilha, ao explorar a abertura para promover os seus objectivos ideológicos e geopolíticos?

Para começar, os líderes e instituições ocidentais devem distinguir actividades patrocinadas pelo Estado de intercâmbios culturais, cívicos e educacionais legítimos e mutuamente benéficos entre cidadãos e entidades privadas.

Com efeito, a sofisticada operação de ‘Frente Unida’ do Partido Comunista Chinês – que se centra na neutralização da oposição às suas políticas e autoridade, dentro e fora da China – depende frequentemente dos cidadãos para alcançar objectivos. Os intervenientes privados também têm incentivos informais para ganharem favores junto dos governantes chineses, ao comportarem-se de modo favorável ao PCC. Consequentemente, até as actividades aparentemente independentes ou privadas podem acarretar riscos políticos e reputacionais para as organizações ocidentais, que podem ser acusadas de agir como ‘agentes de influência’ a favor da China.

Mas isso não significa que as entidades ocidentais devam rejeitar liminarmente qualquer oportunidade de cooperação com entidades e indivíduos chineses. Uma tal abordagem não só faria com que as organizações e indivíduos desperdiçassem oportunidades importantes; também fortaleceria a capacidade do PCC em controlar o fluxo de informações, manipular a opinião pública e moldar as narrativas populares.

Portanto, embora o Ocidente tenha de permanecer vigilante, deverá evitar reacções exageradas. Uma doação de uma empresa estatal chinesa a uma instituição académica ou cultural ocidental deverá ser recebida com cuidado extremo, ou mesmo rejeitada, já que poderia comprometer a reputação ou restringir a liberdade do destinatário. Mas uma oferta de um abastado empresário chinês deverá ser bem recebida, desde que seja transparente e não inclua condições que colidam com a missão do destinatário.

Com efeito, a transparência é um dos mecanismos mais poderosos para proteger processos democráticos ocidentais das operações de influência da China. Por exemplo, os requisitos de divulgação pública relativos às origens e condições das doações a políticos, partidos políticos e instituições cívicas e académicas, bem como às participações de capital na comunicação social, fariam com que fosse muito mais difícil para o governo chinês exercer a sua influência através de intervenientes aparentemente privados. Um código de conduta partilhado para os relacionamentos com a China também ajudaria a garantir que os valores democráticos fossem defendidos em qualquer acordo ou colaboração.

A defesa destes valores também significa que os governos ocidentais têm de exercer cautela para evitar um outro tipo de reacção exagerada: visar os seus próprios cidadãos de origem chinesa. Dado o longo historial da China na exploração da sua diáspora para ganhos económicos e políticos, algumas pessoas no Ocidente poderão ser tentadas a encarar todos os cidadãos de etnia chinesa com desconfiança, expondo-os à discriminação e até potencialmente sujeitando-os à vigilância.

Mas permitir que os cidadãos de etnia chinesa sejam assediados, intimidados, ou castigados por exercerem os seus direitos cívicos e políticos – por exemplo, fazendo donativos políticos ou insurgindo-se em questões do seu interesse, nomeadamente relativas à China – seria uma enorme injustiça. Também seria contraproducente, do ponto de vista estratégico: o poder suave, mas intenso dos valores democráticos que o Ocidente alega defender constitui a defesa mais eficaz contra as operações de influência chinesas.

As instituições ocidentais beneficiam de uma resiliência incomparável, graças aos valores liberal-democráticos em que assentam. Não podem ser facilmente subvertidas por um regime autoritário, independentemente do número de intercâmbios culturais ou de institutos de línguas que constrói. Com efeito, o que é mais notável sobre os esforços da China para difundir a sua influência não é o seu sucesso, mas a naturalidade com que são expostos. Retratá-los como uma ameaça genuína para as democracias mundiais não só trai a própria insegurança do Ocidente, como dá à China mais importância do que merece.

Professor de Politicas Públicas, no Instituto de Claremont McKenna, autor do livro ‘O amigo íntimo do capitalismo da China’