ANGOLA GROWING
César Silveira

César Silveira

Editor Executivo do Valor Económico

O Banco de Poupança e Crédito reabriu, na semana passada, o crédito de salário antecipado. Um serviço que nunca deveria ter sido interrompido pelo potencial de negócio que representa. Mas foi forçado a interromper por ter priorizado o crédito ao investimento, quando os ‘assalariados’ representavam e representam parte considerável dos seus clientes por culpa da domiciliação dos salários.

Durante anos, o BPC tinha o monopólio da guarda dos salários públicos, perdeu em 2011 por incapacidade de os administrar. Eram constantes as falhas, que levaram muitos clientes a procurarem por outros opções tão logo passaram a ser possíveis. Talvez o banco ganhasse mais se, mesmo depois da abertura do mercado, conseguisse manter os clientes, oferecendo serviços de qualidade. Acrescentando ao crédito salário antecipado, os créditos para micro e pequenos negócios, mas sempre priorizando quem tivesse salários domiciliados.

Se assim fosse, o banco dificilmente atingiria o actual nível de malparado, mais de 77% do crédito. Certamente seria bem menor, considerando duas máximas bem conhecidas no meio bancário e financeiro: o “pobre é bom pagador” e a outra que diz, mais palavras menos acentos, “arranja problemas com o banco quem beneficia de um microcrédito e o banco arranja problemas com quem beneficia de um ‘macrocrédito’”, em alusão à maior dificuldade das instituições negociarem e cobrarem os malparados a devedores de grandes valores.

Caso o banco se venha a salvar, mais uma vez, esta deveria ser a direcção, sem, no entanto, descurar os créditos ao investimento, mas só e apenas quando se tratasse de uma grande oportunidade. Só e apenas quando a avaliação concluísse que se tratasse de um negócio infalível, sem grandes riscos. Deixaria estes com os bancos privados.

Se assim for, certamente, o BPC teria muitos dos ‘assalariados’ a regressar pela incapacidade ou pela falta de interesse dos bancos privados disponibilizarem este produto. Não são poucos os trabalhadores que se interrogam sobre as vantagens de terem os salários nesse ou naquele banco que não consegue ‘oferecer’ o adiantamento de um salário. Uma realidade que permite a que os credores informais vão dominando o mercado do microcrédito, que serve também para mostrar que são precisas instituições de microfinanças.

O governador do Banco Nacional de Angola, José de Lima Massano, tem um registo que nenhum outro governador iguala, desde a abertura da actividade bancária, em 1991 e desde o surgimento dos primeiros bancos privados, depois da independência, em 1993: o de fazer desaparecer três bancos. Decretou falência ao Banco Espírito Santo Angola (Besa), em 2014, por altura da sua primeira passagem no BNA, e, agora, revoga as licenças dos bancos Mais e Postal. Talvez fosse motivo suficiente para se acreditar que Massano seja o líder necessário para a entidade legisladora do sector bancário. Que prima pelo rigor e transparência.

Mas os três processos estão longe de reunir consenso suficiente para que assim seja. O ano passado, por exemplo, Massano viu algumas pessoas tirarem-lhe o voto de confiança, admiração e respeito na sequência das declarações de Álvaro Sobrinho, segundo as quais a falência do Besa resultou de uma decisão política.

Muitos deixaram de acreditar em Massano não tanto por duvidarem que o banco não tivesse falido, mas mais por acreditarem que, se o BNA se tivesse baseado apenas em questões técnicas, a falência teria sido decretada antes de Agosto de 2014.

Massano, entretanto, não se limitou a ouvir. Garantiu que se tratou de um “processo absolutamente transparente, dentro das margens em aquilo que a própria legislação permite ao BNA no sentido da salvaguarda e protecção do nosso sistema financeiro”. Faz o mesmo em relação aos bancos Mais e Postal. Garante que a revogação das licenças dos dois bancos não teve motivações políticas.

Ou seja, por sua conta e risco, Massano pretendeu consolidar o estatuto de ‘governador das falências’, ignorando todas as margens e opções à disposição. Ignorando, por exemplo, que o Banco Mais “antes mesmo da entrada em vigor do referido aviso” já tinha por iniciativa própria solicitado o aumento do seu capital no valor de cinco mil milhões de kwanzas, o que, entretanto, não veio a cumprir. Ignorando, mais uma vez, a solicitação do mesmo banco, no último dia útil de 2018, de uma moratória de 45 dias para proceder ao exigido aumento. O Banco Postal solicitou uma moratória para fazer um referido aumento neste mês, mas Massano também ignorou. Só pode ser mesmo por muita vontade de manter o estatuto de ‘governador das falências’ que ignora, por exemplo, a importância do Postal para aquelas pessoas que tiveram nas ‘agências roulottes’ do Xikila o seu primeiro emprego ou a sua primeira conta bancária. Mas é grave colocar um objectivo pessoal sobre um objectivo colectivo como o da literacia financeira, que era um dos pontos fortes do Xikila, sobretudo quando os depósitos não estavam em risco.

Na semana passada, fomos brindados com uma notícia dando conta que o grupo japonês Toyota Tsusho pretende investir 600 milhões de dólares num projecto, aprovado pelo Governo, de desenvolvimento da baía do Namibe. Difundido como se tratando de um projecto de investimento privado e, por isso, com grandes vantagens para o país, é, na essência, um daqueles males do passado que devem ser corrigidos.

O grupo japonês vem à boleia de uma linha de crédito aberta para Angola pelo Banco do Japão para Cooperação Internacional (JBIC - Japan Bank for International Cooperation). Ou seja, o projecto de desenvolvimento da baía do Namibe será pago por Angola, que, depois, terá de pagar estes 600 milhões de dólares, acrescidos dos respectivos juros ao banco japonês. Um exercício do passado, inúmeras vezes criticado pelas desvantagens que proporciona.

A expectativa – e que os angolanos gostariam – é que se apostasse em modelos como o chamado Build-Operate-Transfer (BOT), por apresentar-se menos pressionante para os cofres do Estado. O grupo japonês mobilizaria recursos necessários, investiria, beneficiando de todo o apoio institucional e exploraria a infra-estrutura, por determinado período, para a recuperação do investimento. É neste modelo que gostaríamos de ter a Toyota Tsusho e todas as outras ‘toyotas’, ‘boeings’ e ‘hyundais’ no país. Este modelo, segundo os registos, foi utilizado pela primeira vez na construção do China Hotel, em 1979, e é uma prática em vários países.

Inaugurado em finais do ano passado, o aeroporto de Istambul, cuja primeira fase custou perto de sete mil milhões de dólares, foi construído com recurso a este modelo de financiamento. Em finais do ano passado, por exemplo, o Sudão assinou um contrato com uma empresa turca para construir, este ano, o Aeroporto Internacional de Cartum, um projecto avaliado em cerca de 1,5 mil milhões de dólares com recurso ao BOT. Segundo dados da Associação de Empreiteiros Turcos, nos últimos quatro anos foram construídas em África, entre estradas, portos, pontes e caminhos-de-ferro, obras avaliadas em cerca de 15 mil milhões de dólares com recurso ao BOT.

O modelo não é totalmente desconhecido entre nós. Foi o escolhido para a remodelação da marginal de Luanda, mas, posteriormente, revogado. Também foi o escolhido para a construção do Porto da Barra do Dande. Entretanto, projecto também revogado. Em nenhum dos casos, a razão da revogação foi o BOT.

Regressando ao investimento da Toyota Tsusho, há uma pergunta que se impõe: por que razão se optou pela adjudicação directa quando, no discurso do Executivo, é para substituir esta modalidade de contratação pela do concurso público. Admitindo que, sendo uma linha de financiamento de um banco japonês, apenas poderiam concorrer empresas daquele país, então que se realizasse um concurso público limitado às empresas nipónicas, quando mais não fosse em nome da coerência, visto que o modelo em si é mais dispendioso, comparativamente ao BOT. Contas rápidas fixam em cerca de 108 milhões de dólares o serviço da dívida que o Governo terá de pagar por este investimento anualmente. Gerará fluxo suficiente ou será mais um peso para as contas orçamentais dos próximos anos?

João Lourenço terminou como começou o ano. Colocou-se, no dia 21, à disposição da imprensa, depois de já ter feito a 8 de Janeiro. Um exercício que sabe a pouco, considerando o registo em branco no que diz respeito a entrevistas exclusivas a órgãos nacionais quando para estrangeiros o histórico já contabiliza perto de cinco.

Sabe a pouco também pelas limitações impostas. Depois da exposição na primeira sessão, sustentada pela reclamação dos jornalistas/órgãos presentes que não tiveram direito a fazer perguntas, esta limitação foi gerida com mais ‘mestria’, foram credenciados apenas alguns e todos usufruíram do direito de perguntar. Desconhecesse, entretanto, os critérios que orientaram a selecção dos órgãos. Portanto, o selo positivo que o exercício (conferência colectiva) tem direito deve-se, sobretudo, ao histórico na relação entre a Presidência da República e os órgãos de comunicação. Era pior. Mas pode ser bem melhor!

João Lourenço pode e precisa de ganhar o direito e autoridade de também considerar estar a fazer “afirmação gratuita” a quem, num futuro breve, ousar acusá-lo de apenas dar entrevistas a órgãos nacionais como fez quando, no encontro com os jornalistas, foi confrontado com a triste realidade de a elite angolana correr ao estrangeiro para tratar da saúde e ter lá os filhos a estudar, quando muito nas escolas estrangeiras sediadas em Angola. Ou seja, João Lourenço precisa de tornar também gratuíta a afirmação “nunca deu uma entrevista a um orgão nacional”.

No encontro, o Presidente garantiu que tem registos, por exemplo, na clínica da Girassol, mostrando ter autoridade para considerar que se tratou de uma “afirmação gratuita” que, entretanto, não foi assim tão gratuita, considerando a generalidade como o jornalista/colega colocou a questão, apesar de citar, como exemplo, o Presidente da República.

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Não é justo João Lourenço pretender considerar telegraficamente as questões dos jornalistas na mesma ocasião em que sublinha ser imperativo entender que a afirmar “cofres vazios não significa necessariamente cofres zerados”.

Por outra, parece despropositado colocar ao mesmo nível os doentes “pobres” que vão de tratamento ao estrangeiro fazendo recurso à junta médica e a elite que se desloca ao estrangeiro, por exemplo, propositadamente para consultas de rotina ou extrair um dente.