ANGOLA GROWING
César Silveira

César Silveira

Editor Executivo do Valor Económico

O antigo director-geral da Roc Oil e da Cobalt defende o fim dos contratos de partilha na indústria petrolífera e fala da necessidade de o Executivo ser implacável na negociação com as companhias petrolíferas.

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O que pensa da criação da agência de petróleo e gás e da consequente retirada da função concessionária à Sonangol?

A ideia é maravilhosa. É necessário que a função ‘concessionária’ fique separada de uma empresa com operações. A maneira como foi criada pode não ter sido a melhor, porém é a solução possível. A pergunta que se impõe, e acredito que o Presidente João Lourenço já a deve ter colocado, é se, na realidade, o país está em condições de fazer esta mudança. E esta pergunta é feita pela seguinte razão: as pessoas que estão hoje disponíveis são as mesmas que estavam ontem. O que sabem, aprenderam dentro do sistema ora existente, e como tal não conhecem nada diferente nem têm outra experiência diferente da Sonangol. Que diferença é que estas pessoas poderão fazer? Vão tentar repetir o que aprenderam, só que num cenário novo. Daqui a 10 anos, poderemos chegar todos à conclusão de que este modelo não foi o melhor. Só que, neste momento, é preciso arriscar.

E qual seria o melhor modelo?

Abandonar o modelo socialista duma vez por todas. Acabar com “estas jogadas” de corpo, de dizer que é nosso quando não é e ir directamente ao assunto. A concessionária lançaria os blocos ao mercado, e quem puder compra, explora e produz sem contratos de partilha de produção. Não há necessidade destes contratos, isso tem muito que ver com o modelo socialista. Num modelo mais liberal, as empresas adquirem os direitos em troca de ‘royalties’, fazem o trabalho e, se têm sucesso, produzem e pagam os impostos previstos por lei. Se se seguir este rumo, definitivamente haverá um saneamento nos custos exagerados da produção de petróleo. O necessário é pôr os recursos do país a trabalhar para o país e isso só é possível quando se arrecadar muito mais do que se arrecada sobretudo em impostos. Não tenho os números, mas a pergunta que deve ser feita é, de cada barril produzido, quanto é que fica para Angola? Não tenho o número exacto mas, pelo que consta, deve rondar entre os 18 e 20%.

É pouco?

Temos de deixar as companhias produzir e pagar o imposto sobre o lucro, cria-se um ‘royalty’ sobre cada barril de petróleo que for exportado. O número que for definido e acordado entra para a equação, para o tesouro público. Se, neste momento, estão a entrar 20%, o país vai cobrar 30 ou 40%. Ou o que for definido. Não importa o quanto a empresa gastou uma vez que isso parte do risco dessa empresa. Angola não tem de partilhar nessas despesas. A empresa tem a obrigação de gastar o mínimo possível, fazer tudo o que pode para aumentar o lucro. O Estado não tem de participar em eventuais perdas. Produziu um milhão, a parte acordada fica para o país. A percentagem, 40% ou 50%, tem de ser estudada. Criar o sistema de ‘royalties’ em que as empresas pagam o acordado sobre o que exportam e, ‘a posteriori’, os impostos sobre os lucros do exercício fiscal. Isto acontece nos outros ramos, na agricultura, por exemplo. O exportador de banana não deduz os custos da compra do adubo, exporta a banana e, se deu lucros, óptimo. Se não deu, o problema é dele. Nos Estados Unidos, o maior mercado de petróleos, não há “contratos de partilha de produção”.

A nova realidade internacional, com o surgimento de novos mercados petrolíferos, obriga o Governo a ser flexível nas negociações, não?

Sempre houve países a produzir petróleo e há-de continuar a haver no futuro imediato. Temos de nos tornar competitivos e as empresas, por si, têm de ser competitivas. É fundamental para qualquer empresa de petróleo obter o máximo de benefícios que puder e é isso que elas fazem. A nossa função, a do Executivo, é defender os nossos interesses quase sempre diferentes das multinacionais. Se não quiserem investir, não invistam, e se quiserem partir, poderão partir.

E fica-se com o petróleo quando precisamos de dinheiro?

Continuaremos a produzir. Não podemos ser escravos da chantagem das multinacionais. Infelizmente, temos colegas na indústria que acreditam que as companhias vão deixar de produzir se não lhes dermos o que elas querem. Temos de começar a pensar de outra maneira. O Presidente João Lourenço precisa de abrir novas avenidas, conversar com novas pessoas para, fundamentalmente, mudar a indústria. A criação da agência com os mesmos elementos que criaram as condições que existem; que negociaram os contratos com as empresas que existem não vai mudar nada. As companhias vão continuar a ter o ‘uplift’. Será que o cidadão sabe que nós pagamos para as operadoras virem investir? As empresas beneficiam do chamado ‘uplift’. O que é isso? É um pagamento que as empresas têm direito a receber em função do que investiram. Se a multinacional investir um milhão de dólares, ao recuperar o investimento, recupera este valor mais o ‘uplift’ que varia entre 30 e 40%. Resumindo, estamos a pagar para elas virem investir. Acredito que é altura de acabar com isto. Agora, será que os nossos quadros estão à altura de enfrentar as empresas neste sentido?

Não se revê mesmo no discurso da necessidade de criação de incentivos?

Definitivamente não. A indústria do petróleo não precisa de incentivos nenhuns. Os vários incentivos fiscais que foram anunciados não são necessários. O que é necessário é a indústria reduzir os custos, a começar pelas despesas com a mão-de-obra, terminando com as empresas de serviços. Um engenheiro de produção norte-americano a trabalhar nos Estados Unidos ganha 10 mil dólares, porém, ao vir para Angola, ganha 30 mil. Será necessário esse incentivo? Por exemplo, até há um ano, as empresas só podiam gastar até 250 mil dólares sem a autorização da Concessionária, por agilização, passou a ser um milhão.

O argumento foi de que os valores acordados anteriormente estavam desactualizados. Não concorda?

As companhias diziam que os limites acordados estavam ultrapassados porque querem ter a liberdade para fazerem despesas a seu bel-prazer. E, muitas vezes, nem são as empresas, mas sim os responsáveis das companhias que funcionam no país. É preciso compreender as razões. A função que a Sonangol desempenhava em controlar, dificultava, porém controlava. Neste momento, com os novos limites, quem vai fazer esse controlo? As empresas vão alargar as despesas, as subcontratadas vão cobrar o que quiserem sem serem fiscalizadas de perto. Os custos que o Francisco Lemos ajudou a trazer para baixo e que, depois, a Isabel [dos Santos] ajudou a baixar mais um bocadinho vão fazer o reverso, vão aumentar outra vez, quiçá consideravelmente. É preciso travar isso, mas, com o quadro actual, não estou a ver isso a acontecer. É necessário que haja uma renovação de quadros. A maior parte dos quadros nacionais foi treinada pela Sonangol e, como tal, são o que a Sonangol era e é. Será que podemos mudar de um dia para o outro? Talvez não. A Taag foi um exemplo: estava em baixa, foi-se em busca de uma equipa técnica de gestão estrangeira diferente da então existente e subiu. Se calhar, é isso que a Sonangol precisa: uma gestão nova, moderna, com gentes experimentadas em gerir empresas de petróleo.

Acredita que seja a única solução?

Se calhar. É bem possível que sim. Expatriados com qualificações como aconteceu com a Taag.

Há quem atribua a queda da produção ao facto de a Sonangol, a determinada altura, ter dado primazia à produção em detrimento da função concessionária. Também entende assim?

Definitivamente não. A baixa da produção existe porque os campos de petróleo têm tendência de declinar. Os campos entram em produção, atingem o apogeu e, a partir de certa altura, declinam. Por causa do preço do petróleo ter baixado, as companhias retraíram-se nos investimentos e, como tal, não há novas descobertas. Não há novas reservas para cobrir o declínio. Essa é a razão.

Mas a Sonangol é acusada de, sobretudo por altura de Isabel dos Santos, ter interrompido processos que dariam lugar a novas explorações.

É possível que haja documentos que tenham ficado engavetados, não sei, mas não é essa a razão. O tempo que a Isabel dos Santos esteve na Sonangol não é suficiente para denegrir a indústria, foi demasiado curto para infligir os danos que lhe acusam. A falta de investimento foi por causa da baixa de preços. Inclusivamente as companhias despediram pessoal. Também foi por causa da Isabel dos Santos? Não, mas sim por causa das políticas como companhias. É preciso começarmos a compreender é que a posição das companhias é estritamente comercial, com o objectivo de obter lucros máximos. O conselho de administração de qualquer companhia grita aos seus homens de campos que é preciso trazer lucros aos accionistas. Como quadro internacional, na gestão de várias empresas a nível mundial, lutei por isso, para maximizar os lucros. Muitas vezes, para maximizar lucros é preciso ir buscar incentivos aos governos. No caso de Angola, acredito que já estamos numa altura em que podemos negociar com eles de outra maneira.

Defende o fim dos contratos de partilha. Acha que a Sonangol, enquanto operadora, está em condições de concorrer em igualdade de circunstâncias?

A Sonangol tem quadros capazes, porém há um mau aproveitamento dos quadros existentes. É capaz de não acreditar, mas há bons quadros da Sonangol que nunca integraram a sua gestão. Temos elementos que não têm nada que ver com a indústria a defender os interesses da indústria. Sou de opinião que, neste momento, quem deveria liderar a Sonangol seria alguém como Francisco Lemos, pessoa com experiência porque já lá esteve. A Sonangol tem uma série de quadros que deveriam estar no activo e não estão.

Mas ele já lá esteve...

Isto não deve ser por vez, deve ser por mérito e capacidade. Note-se que foi com ele que a Sonangol começou a baixar os custos. Essa é a realidade que as pessoas não querem falar, são os tabus.

E porque não Carlos Saturnino que também é um quadro da ‘casa’?

Não quero estar a falar de nomes específicos. Mas Carlos Saturnino, por quem tenho bastante consideração, é um negociador, não entende de sísmica, de perfuração, produção, etc.. Compreende em termos de cultura geral, mas, em termos de formação, não sente a pulsação que sentem os quadros específicos de uma empresa de operações. Neste momento, ele é o PCA e o Presidente João Lourenço sabe porque é que ele lá está. Porém, a Sonangol tem quadros valiosos que, por não terem alinhamento político, por não estarem associados a grupos ou circunstâncias específicas, estão de fora, muitos deles a receberem benefícios como se estivessem no activo.

Resumindo, o Executivo deixou-se pressionar pelas companhias para as alterações que foram feitas?

Sim, as petrolíferas ‘enganaram’ o Executivo, ‘driblaram’ o chefe com a primeira reunião. O primeiro encontro foi realizado muito cedo, mas foi propositado uma vez que as companhias pressionaram neste sentido. O Executivo não estava preparado. Criou-se uma comissão que não estava preparada para negociar com as companhias. Fizeram cedências que, como angolano, acho que não deveriam ter sido feitas, mas que, como executivo de uma empresa de petróleos, fico maravilhado em vê-las conseguidas. Nós, como operadores, vamos exigir, vamos buscar tudo o que podemos ao Governo, vamos deixar só o osso se tal for possível. Acredito que o presidente foi enganado em ter aceitado fazer essa reunião dentro dos primeiros dois meses de gestão.

Não terá sido pressionado pela circunstância económica do país?

A agenda do Executivo tem de ser a agenda do Executivo, não pode ser a agenda das empresas de petróleo.

Está a colocar de parte a possibilidade de o encontro ter resultado também do interesse do Executivo para emprestar outra dinâmica ao sector?

E quais são os resultados? A produção continua a cair, continua a não se fazerem poços de exploração. As empresas continuam a despedir pessoal. É verdade que ainda é cedo para dizer se resultou ou não, mas a indicação é que não resultou.

Mas, disse bem, é cedo...

As pessoas que integram a administração da indústria de petróleo, tanto a nível da Sonangol como da agência, são pessoas que foram treinadas na Sonangol, a maneira de pensar é a da Sonangol antiga. E estas pessoas, quiçá, não vão ter coragem de enfrentar as situações das quais elas fizeram parte. Os contratos existentes foram negociados por estas pessoas e não terão coragem de forçar mudanças. Nenhuma companhia vai embora, a Total não vai abandonar quase 600 mil barris por dia porque se mudaram algumas regras do jogo. E se for, virão outras. E porque não a própria Sonangol?

Mas pode não investir para novos projectos?

Total, Chevron, BP hão-de continuar a investir. Agora, precisam de refazer a filosofia de operações. E como é que refazem a filosofia das operações? Sendo responsáveis pelo seu próprio investimento, mas, neste momento, não são. Quem está a investir é Angola, indirectamente. Na melhor das hipóteses, o que as companhias estão a fazer é um adiantamento e este adiantamento custa muito caro ao país. Não há razões para a indústria ser tão cara como é. A nossa indústria é mais cara que na Nigéria ou na Guiné Equatorial, um país com mais problemas de quadros e infra-estruturas.

Como olha para o futuro da Sonangol a continuar o subaproveitamento dos quadros que diz existir?

Porque é que não se privatiza a Sonangol? Aliás, o país precisa de fundos. Foi o que se fez com a Petrobrás. A Petrobrás precisava de fundos, o Brasil precisava de fundos, lançou-se a Petrobrás para o mercado. Na Oferta Pública Inicial (IPO, em inglês) que foi feita, foi buscar-se ao mercado quase cem mil milhões de dólares. Não sei se a Sonangol iria buscar o mesmo valor, mas, pelo menos entre 30 e 40 mil milhões. Temos a bolsa de valores, temos de pôr as empresas na bolsa de valores. E não é só a Sonangol, é a Taag, a empresa de pontes e muitas outras empresas financiadas pelo Estado. Os ultranacionalistas, os indivíduos de tendência socialista, vão dizer que, assim, qualquer dia não somos donos de nada. Não precisamos de ser donos, precisamos de ser capazes de gerir o que temos, de cobrar impostos e de rentabilizar os nossos recursos. Muitos impostos para financiar o ensino para fazermos melhores angolanos. Para financiarmos a saúde para termos angolanos saudáveis.

A venda dos activos não petrolíferos da Sonangol é insuficiente?

Os activos não petrolíferos que estão propostos a serem vendidos, pelo que é do meu entendimento, são aqueles que estão em prejuízo e com as quais o Estado não quer gastar mais dinheiro. Porém, por uma questão de um ‘fundraising’, a colocação da Sonangol no mercado de valores seria a mais adequada. Entraria ‘cash’ de que o Governo precisa e teríamos certeza de que a Sonangol teria uma administração corporativa comercial e, como tal, competitiva para que garantisse retorno do investimento. Poderia não ser na BODIVA, poderia ser na bolsa de valores de Londres, Nova Iorque ou, melhor ainda, Hong Kong, Singapura ou Sidney.

O que pensa do pedido de financiamento ao FMI?

São coisas diferentes. O FMI é para uma questão de emergência, mas não sei até que ponto é a melhor solução. O FMI nunca resolveu o problema de país nenhum. Pelo contrário, ajudou a afundar a Argentina, a Grécia. É discutível, mas não sou economista por isso não gostaria de ir por aí. Mas em termos ‘fundraising’, a colocação de uma empresa como a Sonangol no mercado poderia atrair, inclusivamente, as empresas que estão cá. Tornar-se-iam parceiras e a Sonangol poderia ficar mais parecida com a ARAMCO, a companhia estatal saudita.

Como olha para futuro da indústria, uma vez que reprova o actual modelo?

Não é que reprove. Não reprovo nada. Tenho simplesmente uma opinião diferente. Suspeito que nada vá mudar. Leopardo não deixa de ser leopardo simplesmente porque o tiraram duma jaula e o puseram na selva. Os quadros que temos, a actuação que tiveram nos últimos 15 e 20 anos garantiu-lhes o seu bem-estar e o seu posicionamento social e, por causa deste seu bem-estar e posicionamento social, ninguém vai mudar. Ninguém corre o risco de aparecer com uma ideia nova e nós precisamos de ideias novas, precisamos de cortar o cordão.

Não acredita no futuro melhor?

Enquanto o preço do petróleo se for mantendo alto, o pouco que cabe dá para tapar os buracos porque nós, angolanos, não somos exigentes, somos muito humildes e contentamo-nos com pouco. Mas a verdade é que não estamos a tirar o maior proveito possível da nossa matéria-prima. Deveríamos estar todos a lutar para ir buscar mais às companhias. Se o preço baixar agora para 40 dólares, teremos muitas dificuldades.

Mas os resultados das decisões recentes devem ser avaliados a prazo. Não acredita que estaremos melhor?

Não vamos estar porque continuamos a adquirir dívidas. Para sairmos da situação em que estamos, temos de ir buscar mais nos impostos, a despesa tem de diminuir e, neste momento, não está a diminuir, mantém-se com tendência a aumentar porque os benefícios fiscais aumentam as despesas.

Não parece o director de uma companhia privada a falar...

Estou a falar como cidadão angolano e não como indivíduo ligado a qualquer companhia. Estou a falar como cidadão nacional, com uma certa idade e que vê que poderíamos estar muito melhor do que estamos mas que não estamos. Quiçá, por causa de interesses pessoais, continuamos a proteger as posições das multinacionais, o que, se calhar, não precisamos de fazer. Quando estiver sentado à mesa a defender os interesses da companhia pela qual sou pago, a minha posição é diferente. O leão, quando ataca a presa, não se importa se é fêmea ou se é macho, se está grávida ou não. Devora. É o que fazem as multinacionais. Estamos a passar mal, temos problemas sérios, elas não estão preocupadas com isso, nenhuma multinacional está preocupada com as dificuldades do país. As obras sociais que vão fazendo, fazem-nas porque são obrigados por condições contratuais.

QUATRO DÉCADAS DE PETRÓLEO

De 62 anos, 40 dos quais dedicados ao sector petrolífero, António Vieira, formou-se em Engenharia de Petróleos, no Texas, Estados Unidos da América, em 1983. Porém, a carreira no sector iniciou-se em 1978 em Angola. De regresso da formação, ficou pouco menos de dois anos no país “justamente por falar de mais”. Foi para a Austrália onde, além de fazer o mestrado, iniciou uma carreira internacional. Passou também por países como Nova Zelândia, Nova Guiné, Vietname, Albânia, Roménia, Mauritânia, Guine Equatorial, Estados Unidos e Colômbia.

PETRÓLEOS. Produção resultante da condição de investidor esteve sempre abaixo dos 50%. Grupo de trabalho garante que a situação financeira da petrolífera não se vai deteriorar.

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Com a criação da agência nacional de petróleo e gás, a Sonangol pode perder cerca de 70% da produção petrolífera anual, considerando a taxa média da participação do petróleo a que tem direito enquanto concessionária na produção global da empresa no período 2013/2016. Segundo cálculos do VALOR, a taxa média anual foi de 69,4%.

Em todos estes anos, a produção petrolífera resultante na condição de investidor da empresa esteve sempre abaixo dos 50% da produção global. O maior equilíbrio registou-se em 2016 com a produção do direito de concessionária a corresponder a 62% do global. O maior rácio registou-se em 2013, com a produção da concessionária a fixar-se em 77% do global.

“Durante o ano de 2015, foram produzidos em Angola 649.526.260 barris de petróleo bruto. Da produção alcançada, couberam à Sonangol 236.894.129 barris, dos quais 159.441.978 (67%) enquanto Concessionária e 77.452.151 (33%) enquanto investidora”, lê-se, por exemplo, no relatório referente a 2015.

Apesar da perspectiva da queda, o grupo técnico garante que “o equilíbrio financeiro da Sonangol EP não se deteriora com a retirada da função de concessionária nacional, de acordo com os estudos técnicos realizados pelo grupo de trabalho”, como sublinhou o ministro das Finanças, Archar Mangueira, co-coordenador do Grupo Técnico de Trabalho Interministerial para analisar o modelo de reajustamento do sector dos petróleos.

“Os mesmos estudos técnicos evidenciam que haverá melhoria no desempenho dos indicadores financeiros, nomeadamente os rácios de solvabilidade e endividamento, em razão da optimização da estrutura da Sonangol EP para fazer face às suas reais necessidades, tornando-a mais robusta”, acrescentou durante o encontro com a imprensa para a apresentação das conclusões do trabalho.

Enquanto concessionária, a Sonangol fica apenas com 5% da receita proveniente da exportação do petróleo correspondente ao direito de concessionária, a outra parte entrega ao Estado.

ALIENAÇÃO TOTAL DOS ACTIVOS

Além da garantia da criação da agência, o grupo confirmou a intenção a “alienação dos activos não nucleares e a optimizaçao do portfolio de participaçaoes nas concessões petrolíferas de forma a financiar a sua própria actividade”. Segundo apurou o VALOR, a referida oprtimização se resumirá na redução da participação da Sonangol apenas até 20%. “Vamos voltar ao modelo anterior, que foi alterado depois e que previa que a Sonangol só detinha 20% de cada bloco devido a exposição tanto do risco como a financeira”, confirmou o secretario de Estado para o Petróleo, Paulino Jerónimo, à margem da cerimónia.

Para a implementação do novo modelo está previsto foi definido um modelo de implementação de três fases das quais a primeira vai até ao final do ano e corresponde à preparação da transição. Seguir-se a fase da transição e, sequencialmente, da conclusão que está programada para estar concluída em 2020.

AGÊNCIA ARRANCARÁ COM 655 COLABORADORES

A criação da agência resumir-se-á na deslocação de todo o activo da Sonangol Concessionária para o novo organismo que, segundo o programa de reajustamento do sector, arrancará com 655 colaboradores.

“A Sonangal tem uma vantagem em termos de organização. Se se pretender encerrar a Sonair, pode fazer-se sem afectar o resto da empresa porque é um bloco devidamente definido. Se se pretender fechar a concessionária não afecta as outras unidades. O que faremos é tirar o bloco à concessionária e transferir para a agência. Ao mesmo tempo, vamos criar serviços de apoio e talvez isso tenha maior complexidade do que a transferência dos serviços da concessionaria”, argumento um quadro sénior do Ministério dos Petróleos.

Segundo o programa, a agência mantém as dotações do profit oil para cobrir os custos de operação e deverá seguir o regime da contabilidade empresarial similar ao da Sonangol E.P. Irá também manter-se o actual modelo de financiamento de dotações do OGE resultantes das licenças de concessão (actualmente 5% do profit oil).

UM “PARTO” DIFÍCIL

A decisão de se retirar a função de concessionária da Sonangol não foi consensual entre os membros do grupo de trabalho e o PCA da Sonangol, Carlos Saturnino deixou mesmo a entender esta diferença no posicionamento, em Maio, à margem da conferência das tecnologias offshore, em Houston, a manifestar-se contra a criação da agência. O VALOR sabe que, mesmo durante as reuniões, Carlos Saturnino manteve esta posição, contrariando, o posicionamento na sua curta passagem, enquanto secretário de Estado dos Petróleos, antes de ser nomeado PCA da Sonangol. “Mas é normal este seu posicionamento. Qualquer um que fosse nomeado para a Sonangol se manifestaria contra a retirada da função de concessionária e a reestruturação porque diminui o poder”, argumentou um quadro sénior da petrolífera.

No entanto, algumas vozes manifestam-se recesosos quanto o momento da retirada da função da concessionária da Sonangol, como é o caso do especialista para questões energéticas, José Oliveira para quem “a maior preocupação deveria ser recuperar a Sonangol” da crise que enfrenta.

O histórico da necessidade de separar a actividade de operadora e de concessionária da Sonangol é antigo, mas durante anos ficou-se pelo consenso de que era o mais certo para o bem do sector. Em 2016, marcou-se o primeiro passo oficial com a criação do modelo de reajustamento do sector petrolífero.

Aquele, no entanto, reservava a actividade de concessionária à Sonangol que, sequencialmente, veria os outros negócios migrarem para outras companhias que estavam previstas todas as outras actividades. Enquanto Concessionária, a Sonangol seria “responsável pela gestão e monitorização dos Contratos Petrolíferos”.

Aquele modelo também já perspetivava a agência, mas não como concessionária. Teria a função de coordenação, regulação e avaliação do desempenho do sector petrolífero angolano, preparando e negociando a atribuição de blocos petrolíferos e resolvendo, por via administrativa, os eventuais conflitos entre tutelas sectoriais e diversos agentes desta indústria”.

As funções destas duas figuras motivaram, na altura, algumas interrogações, visto que as que seriam atribuídas à agência bem caberiam na concessionarias. Naquela altura, alguns especialistas acreditaram que a equipa que trambalhou no processo terá preferido manter a Sonangol como concessionária para não abrir a possibilidade de renegociação de contratos em curso com as operadoras.

No modelo agora revogado estava ainda previsto um Conselho Superior de Acompanhamento do Sector Petrolífero (“COSASP”).

DESAFIOS. Crises estão para os líderes como as falhas para quem trabalha. São incontornáveis. Podem ajudar o crescimento e/ou a experiência, mas também podem ser fatais, dependendo da gestão. Seguem-se alguns líderes que enfrentam crises actualmente.

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Isabel dos Santos, empresária

A empresária enganou-se se algum dia acreditou que, com a saída de José Eduardo dos Santos, o grande desafio de provar a sua capacidade empresarial se resumiria na gestão dos negócios já estabelecidos. Está a confrontar-se com a revogação de negócios bilionários por decisão do actual Presidente João Lourenço. A empresária queixa-se de estar a ser tratada de forma singular. “Há muitos empresários e o que não consigo entender é porque é que só se fala de um empresário e do projecto de um empresário”, afirmou recentemente, em entrevista à rádio MFM, acrescentando existir quem teve “mais benefícios, privilégios e mais ajudas” e “não apenas de garantias soberanas, beneficiou de pagamentos directos do Estado, comprou propriedades e, depois, gratuitamente ou de forma muito subsidiada, cedeu a privados e que destas situações não se fala, não se revoga”.

José Mourinho, treinador de futebol

Não é nada de novo na carreira de José Mourinho. Enfrentou crises por quase todos os clubes por onde passou, sendo esta a razão da rescisão de contratos em alguns casos. No Manchester United, desde Maio de 2016, o português está de ‘costas viradas’ com os dirigentes do clube, devido a visões diferentes sobre o plantel. Mourinho defende a contratação de mais jogadores, enquanto os dirigentes condicionam a chegada de reforços à venda de alguns dos do actual plantel, provavelmente pelos investimentos feitos nas épocas anteriores sem que se tenham reflectido nos resultados.

Elon Musk, CEO e fundador da Tesla

Nos últimos tempos, Elon Musk tem estado a enfrentar situações diversas, mas que podem significar pouco, considerando ser dos líderes empresariais que mais crises enfrenta. Os carros eléctricos da Tesla, por exemplo, geram descontentamentos e provocam processos na Noruega, porque a explosão de vendas supera a logística da fabricante, cujos serviços de atendimento ao cliente está a deixar muito a desejar. Por outro lado, a empresa registou prejuízos de 717,5 milhões de dólares, no primeiro semestre do ano.

Michael O’Leary, CEO da Ryanair

Uma onda de greves tem estado a marcar a maior companhia ‘low’cost’ da Europa, a Ryanair, desde o ano passado. A situação levou Michael O’Leary a abdicar do bónus anual, avaliado em cerca de um milhão de euros, a que tinha direito pelos lucros em 2017. Na semana passada, os pilotos da Ryanair, na Alemanha, decidiram apoiar a paralisação de 24 horas, que aconteceu na sexta-feira, inicialmente anunciada pelos pilotos da Irlanda, Suécia e Bélgica. Até à semana passada, a companhia já tinha o registo de 400 voos cancelados, 250 dos quais na última sexta-feira pelas greves.

Mark Zuckerberg, fundador e CEO do Facebbok

Se a actual tendência de perda do Facebook, ao invés de conhecer uma reviravolta, piorar, a companhia poderá, no futuro, servir de mais um exemplo para sustentar a tese de que, depois do pico, se segue o desastre. A companhia só somava sucessos até que se deparou, entre outros, com o caso Cambridge Analytica, que obrigou o seu CEO a testemunhar no congresso dos EUA e na Europa. No primeiro semestre, a empresa sofreu um défice, pela primeira vez, ao registar o menor aumento de usuários em comparação ao trimestre anterior.

Jorge Mesquitta, presidente e director executivo da J & J.

A fábrica de produtos para bebés, Johnson & Johnson, enfrenta, desde 2011, uma crise mundial pela acusação de que o seu pó talco pode conter amianto que supostamente causou cancro nos ovários em mulheres que usaram o produto por um período prolongado. Recentemente, a empresa foi condenada, nos EUA, a pagar uma indemnização avaliada em 4,6 mil milhões de dólares a 22 mulheres. O relatório do primeiro semestre assinala uma queda de 20% nas vendas no mercado norte-americano. A mesma situação levou a que uma fábrica da marca fosse fechada na Índia, em 2013.

ENERGIA. Isabel dos Santos reafirma que não usou fundos do Estado para a compra da Efacec e garante que a ENDE é quem não pagou a totalidade do valor correspondente à sua quota-parte pelo que teve a sua participação reduzida de 40% para 16%.

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João Lourenço terá ordenado a saída da Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE) da parceria que tem com Isabel dos Santos na Efacec Power Solutions, garantiu a empresária ao VALOR. “Foi-nos comunicado que foram dadas instruções, pelo sr. Presidente da República, ao ministro de Energia e Águas para a saída da ENDE da Efacec. As acções detidas pela ENDE serão vendidas no mercado internacional”, declarou.

Isabel dos Santos voltou a garantir que não adquiriu a empresa com fundos públicos, afirmando, antes pelo contrário, que foi ela quem avançou com os fundos que permitiram a entrada da ENDE. “A Efacec foi comprada por 195 milhões de euros e a ENDE pôs 16 milhões de euros. Então como é que foi o Estado quem pagou?”, interrogou a empresária, acrescentando que “cada sócio deveria colocar a sua parte e pagar as suas acções”.

“Era suposto que a ENDE, pelos 40% do capital da Winterfell, pagasse 40 milhões de euros. Mas isso não aconteceu. Pagou apenas 16 milhões de euros, nunca chegou a pagar a totalidade. O restante do dinheiro teve de ser avançado pela própria Isabel dos Santos para que a ENDE pudesse entrar no negócio e titular as acções”, acrescentou.

Isabel dos Santos reafirma que, “não obstante esta parceria coxa, a Efacec saiu dos cuidados intensivos, ressuscitou e hoje é uma referência mundial na área da energia e engenharia. Deve custar muito a certos sectores engolir este sucesso de Isabel dos Santos”, avalia.

A parceria, segundo a empresária, “tinha tudo para dar em casamento feliz”, visto que “a ENDE passaria a ter acesso a competências de topo na área da energia e engenharia” e havia ainda “o projecto de se construir uma fábrica de transformadores e cabos eléctricos em Angola no ano seguinte, fazendo-se, assim, transferência de ‘know- how’ e criando 300 novos empregos qualificados”.

A Winterfell é detentora de 66,07% da Efacec que, em 2017, teve um crescimento nos lucros de 75% para os 7,5 milhões de euros.

Razão da suspeição

Não é a primeira vez que a empresária garante que a compra da Efacec “não foi financiada directa ou indirectamente pelo Estado ou recebeu de alguma forma fundos públicos angolanos”.

As suspeições de que terá beneficiado de fundos do Estado começaram, essencialmente, em Agosto de 2015 na sequência de um decreto presidencial que autorizava a ENDE a comprar 40% da Winterfell, que, cerca de três meses antes, oficializara a compra da Efacec Industrial. A desconfiança era ainda suportada pelo facto de se desconhecer o valor que a ENDE tinha pago pela participação, com determinada corrente a suspeitar que seria a totalidade ou a maioria do valor investido na compra da Efacec.

Na altura, alguns parlamentares portugueses solicitaram às autoridades lusas que verificassem se as regras de prevenção de ‘lavagem de dinheiro’ tinham sido cumpridas.

Futuro com interrogações

A relação de negócios da empresa, de origem portuguesa com Angola data dos anos 1960. Nos últimos anos, realizou alguns contratos significativos, como o assinado em 2014, para a reabilitação e reforço de potência da barragem de Luachimo, com uma duração de 37 meses e avaliado em cerca de 83 milhões de dólares. Naquele ano, o então director da empresa, José Cabral Costa, estimava em cerca de 100 milhões de dólares o volume de negócios da empresa em Angola. Tem ainda um contrato com a barragem de Laúca à qual, em 2017, forneceu um transformador trifásico de 371 MVA e níveis de tensão de 400/18 kV.

ENTREVISTA. Empresário e vice-presidente da Associação Nacional dos Industriais e Madeireiros de Angola (ANIMA) defende que haja investimento na plantação de florestas com objectivos industriais. Acredita que o novo pacote legislativo vai afugentar do negócio grande parte dos estrangeiros que apostaram na madeira para apenas fazer face à crise das divisas e alerta que a riqueza de Angola, em madeira, poderá não ser tão elevada como se pensa.

Grande Entrevista VE 119

Que avaliação faz do estado das empresas, considerando as incertezas sobre a abertura do ano florestal?

A avaliação é negativa. As empresas estão paralisadas há seis meses e, como consequência, estão a atravessar uma crise terrível. A maior parte está a ser obrigada a suspender os trabalhadores, umas fecharam completamente. É um cenário que traz problemas graves às empresas, principalmente na relação com os financiadores e também com os clientes, porque há contratos que não foram cumpridos, o que é sempre negativo. As empresas angolanas já eram exportadoras, tinham criado uma boa imagem e só por isso exportavam, porque os mercados de destino são muito exigentes. Esta boa imagem perdeu-se completamente. É preciso voltar a conquistar essa confiança.

O que a associação tem feito para melhorar a relação dos associados com os vários parceiros?

Temos estado em contacto permanente com o Ministério da Agricultura e Florestas, consideramo-nos parceiros activos. Fomos, por exemplo, participantes do novo pacote legislativo. Junto dos bancos, temos apoiado os nossos associados para que a banca compreenda a situação, que é de força maior. É necessário que os prazos de reembolso sejam dilatados de forma a que se permita a sobrevivência das empresas. Junto dos clientes, temos feito tudo para que compreendam esta situação, mas, como sabe, a distância, às vezes, é inimiga da compreensão.

A Ásia, sobretudo a China, é o maior destino da madeira angolana. É verdade?

É, de facto, verdade, a partir de 2015. A crise financeira permitiu a entrada de indivíduos estranhos ao sector que, com muito capital, alteraram o quadro que se mantinha. Incidindo, essencialmente, sobre uma espécie de madeira existente no Leste de Angola, muito procurada nesse mercado. Mas, antes disto, o principal mercado das empresas nacionais era a Europa e um bocado a Ásia e, no caso, a China. As exigências para exportar para a Europa são grandes. Se as empresas cumpriam, quer dizer que não estava tudo mal.

Os florestais sempre se focaram apenas na exportação, ignorando as necessidades do mercado local?

A capacidade de produção da indústria nacional já implementada é suficiente para abastecer o mercado local, mas há uma margem grande para a exportação. O mercado nacional não absorve mais de 40% da produção da primeira transformação. A indústria da carpintaria, ligada à construção, e mesmo a da marcenaria, são perfeitamente abastecidas pela produção nacional. O problema é que a madeira maciça, proveniente da floresta natural, é um produto caro. Há aplicações na construção civil que não dão para usar a madeira maciça, tornariam as obras mais caras. Por isso é que a construção civil ainda importa muito material ligado à madeira como portas prensadas, aros que são feitos com placas prensadas que têm origem na floresta de outros países.

Há margem para novos negócios abastecidos pela madeira maciça?

Ainda há muita coisa por ser feita. Por exemplo, investimentos em fábricas de contraplacados e de laminado decorativo em algumas províncias com espécies florestais próprias para este fim. São a melhor forma de utilização racional da floresta natural.

Em algumas ocasiões, o senhor defendeu o investimento em plantação de florestas industriais. Continua a defender isso?

Este é um outro nicho de mercado. O negócio florestal, para ser forte e participar de forma intensiva na economia nacional (não só importando divisas, mas também resolvendo parte do problema do emprego e, consequentemente, da pobreza), tem de entrar na plantação florestal para fornecer matéria-prima à indústria de prensados e assim poder fazer fábricas de móveis ou mesmo voltar à produção da celulose. Nós, em Angola, ainda não estamos metidos neste negócio. Ainda não há o objectivo de plantar para a indústria, pode haver algumas intenções, plantam-se alguns eucaliptos, mas não existe um objectivo concreto de plantar para a indústria nacional.

Se não existir esse objectivo, vamos continuar a importar todos os móveis?

O país vai sempre importar porque fazemos parte de um mundo global, mas também porque a cama de madeira maciça, por exemplo, é mais cara do que a feita com placa de madeira prensada e a população geral não tem acesso aos produtos de madeira maciça. Antigamente, tínhamos uma fábrica de contraplacado, mas nem mesmo o contraplacado serve para fazer tudo. Mas também já não temos esta fábrica. O que precisamos é entrar no negócio da floresta plantada para podermos produzir as placas para fazer as mobílias. A madeira natural dá para as carpintarias e, mesmo assim, são mais caras do que as feitas com madeira prensada.

A associação tem levado esta preocupação ao Governo?

Temos dado a conhecer e sabemos que o Executivo tem esta ideia, mas ainda não é um objectivo fundamental. O que a ANIMA gostaria é que o Executivo a tivesse como objectivo imediato, porque só assim se pode pensar em desenvolver a indústria.

Como a associação se defende da acusação de que não investem quase nada na reflorestação?

A associação não se revê nesta acusação, porque a exploração florestal é feita 90% em florestas naturais. Desde que ela seja uma exploração sustentável como exige a lei, a recuperação da floresta natural, é normal e natural. O que o novo regulamento impõe, e nós concordamos, é que os empresários florestais têm o dever de plantar espécies junto das suas explorações e em quantidade correspondente ao seu abate. É uma medida que vem ajudar a reflorestar as zonas degradadas. Mas são coisas diferentes, porque reflorestar é uma coisa e plantar para a indústria é outra.

A ANIMA revê-se totalmente no pacote legislativo que foi aprovado?

Plenamente, porque também contribuiu muito com o seu saber para esta nova legislação e considera que é fundamental para que se evitem, no futuro, os problemas que aconteceram. O discurso da associação, muitas vezes, parece excessivamente proteccionista e está contra novos operadores, sobretudo estrangeiros… É completamente errada essa leitura. Somos apologistas de que o sector florestal é uma riqueza dos angolanos e tem de ser bem gerida porque a floresta natural tem de ser explorada com sustentabilidade. Todos os empresários que quiserem entrar, desde que cumpram as leis, podem associar-se a empresas nacionais e participar. Não somos contra ninguém, mas a favor da lei porque se nós, nacionais, temos de cumpri-la não permitimos que outros não a cumpram.

O negócio da exploração não será orientado pela lei do investimento privado que retira a obrigatoriedade das parcerias com nacionais?

A lei das florestas e o seu regulamento não permitem que estrangeiros explorem sozinhos.

Quanto é que os empresários florestais investiram nos últimos anos?

Nos últimos 10 anos, as empresas nacionais fizeram muitos investimentos porque a exigência do mercado obrigou. Houve investimentos muito grandes, estamos a falar de dezenas e dezenas de milhões de dólares. Em cada província, existem duas ou três empresas altamente organizadas, bem apetrechadas tecnicamente, com competência, e até a nível dos recursos humanos foram feitos grandes investimentos. É preciso conhecer melhor a transformação da madeira e não se conhece.

Porquê?

Porque este sector está instalado junto das zonas de exploração. É preciso visitá-lo, conhecê-lo e ver a sua importância na comunidade para que se lhe dê o valor que merece. Bem regulado, vai ser um grande sector de exportação porque existem condições técnicas para que as empresas exportem em quantidade e qualidade. No novo pacote legislativo, houve preocupação do Executivo em melhor regular a exportação para evitar fugas e para permitir que as divisas entrem nos bancos. Quem vai exportar, por exemplo, tem de apresentar a carta de crédito do comprador, além do mais, e o que é mais importante para mim, é que existe uma tabela de preços obrigatória. Ninguém pode exportar uma espécie de madeira a um preço inferior ao que estiver na tabela.

É certo acusar apenas os estrangeiros, que passaram a investir no negócio nos últimos anos, de se aproveitarem da fragilidade das leis ou os nacionais antigos também foram aproveitando?

Sempre fomos obrigados a pôr as divisas resultantes das exportações nos bancos nacionais e sempre fizemos isso. Quem desmontou tudo isso foram estes que chegaram em 2016 e 2017.

Qual foi o resultado das exportações antes deste período?

Não é muito fácil adiantar porque a associação não controlou estes aspectos, mas, com a anarquia, entrou menos, mas exportou-se muito mais em 2016 e 2017. Basta ver o resultado do trabalho exemplar que o Executivo fez na apreensão da madeira ilegal. Foram milhares de contentores que não cumpriam normas, eram explorados ilegalmente e nenhuma das nossas empresas está envolvida nestes problemas.

O novo pacote legislativo vai terminar com esta situação?

Vai terminar, porque o Ministério da Agricultura está muito empenhado em fazer cumprir a nova lei e o regulamento e também a nova política de entreposto aduaneiro. Nenhuma madeira poderá sair sem passar por um entreposto aduaneiro devidamente controlado pelas autoridades, além de que, para se obter o processo para a exportação, a empresa tem de, primeiro apresentar a carta de crédito do cliente. Se houver a aplicação rigorosa, a situação vai ser debelada. Mas temos consciência de que são sectores difíceis de controlar. Aliás estamos completamente parados, mas os garimpeiros continuam, é só ver que recentemente 12 chineses foram detidos porque continuavam a cortar.

Qual é o cenário que prevê com a entrada e o cumprimento da lei? Estas pessoas vão optar pela legalização e fazer parcerias com empresas angolanas ou vão continuar a explorar ilegalmente?

São dois cenários que pensamos que vão acontecer. Grande parte vai desistir do negócio porque só estavam nele para conseguir dólares, mas como os mecanismos vão obrigar a que os dólares entrem no país não lhes interessará. Mas vai restar uma parte que se vai associar aos nacionais, mas terá de ser aprovada pelo Ministério da Agricultura.

A invasão da actividade motivou a revisão da lei e a sua organização. Concorda?

Se não houvesse esta situação, estaríamos numa fase de normalidade porque este pacote legislativo já estava em estudo e a normalidade seria a introdução gradual e não haveria estas paralisações.

Qual é o investimento mínimo para exploração florestal?

São necessários dois tractores, mais um carregador e mais dois camiões. São necessários dois milhões de dólares.

A recuperação do investimento é fácil?

Com a experiência de um homem que já está há muito tempo no negócio, diria que é preciso muito cuidado. O negócio da madeira é tão difícil como o das minas porque a sua exploração é muito difícil, o investimento inicial é alto e o retorno não é imediato. Primeiro, porque é uma actividade sazonal; não há seguros, ainda corremos alguns riscos como os incêndios e temos um problema de confrontação com a população. É complicado, mas se for bem executado, não é que seja mais rentável, nem de perto nem de longe, mas dá para viver.

país tem o ‘know-how’ necessário para fazer face aos desafios da actividade?

O núcleo existente é de empresas com ‘know-how’ acumulado durante décadas. Muitas empresas encerram em si um conhecimento muito importante. Inclusive a formação do posto de trabalho foi feita ao longo destas décadas e hoje temos alguma força de trabalho competente. A par disso, as instituições de ensino já estão a formar engenheiros florestais. Se estas empresas morrerem, morre o ‘know-how’. É preciso olhar para esta actividade com olhos de ver e não olhar para os empresários florestais como os destruidores das florestas. Segundo os dados da FAO, o sector florestal degrada a floresta apenas em 6%, os outros 94% são destruídos pela agricultura intensiva, o reassentamento da população, o desenvolvimento humano e as queimadas.

Antes aceitavam ser tratados como madeireiros, mas agora preferem florestais. Alguma razão em especial?

O madeireiro virou um termo depreciativo porque foi conotado com o banditismo da exploração florestal. Gostaríamos de substituir pelo empresário florestal porque não somos madeireiros no sentido lato da palavra, aqueles que usam a actividade para a sobrevivência. Somos empresas organizadas, que exploram a floresta organizadamente com o objectivo de processamento industrial.

Que avaliação faz da madeira angolana no contexto internacional?

Temos duas grandes florestas. A tropical e a savana. Tanto numa como noutra, existe madeira nobre, muito procurada no mercado internacional e com grande valor económico. Daí que há este problema todo que temos assistido. No Leste de Angola, existem espécies de grande procura. Mas quem dá valor às madeiras são os mercados. Por exemplo, no asiático procura-se muito por algumas espécies e essas passam a ter um grande valor nestes mercados, mas não quer dizer que tenham o mesmo valor noutros.

Que destino se deve dar à madeira apreendida?

Somos apologistas de que toda a madeira legal deve seguir os seus trâmites normais de legalidade, ser entregue aos proprietários, existe madeira legal e o Ministério da Agricultura já fez esta destrinça. A ilegal passa para o Estado e caberá ao Estado dar o destino que bem entender. Como são madeiras nobres, é um erro total usar para fazer cadeiras escolares, como alguns defendem. Não se devem fazer carteiras escolares com madeiras nobres que têm grande valor no mercado. O Estado deveria criar as condições para exportar e com a as divisas comprar carteiras escolares, fica mais barato. As carteiras são feitas metade com madeira e metade com ferro com placas. Fazer carteiras com madeira maciça é muito caro, usa muita mão de obra e podemos importar cadeiras escolares a preços muito mais baixos. Com a exportação destas madeiras, o Estado pode não só comprar carteiras como investir no apetrechamento dos organismos de inspecção como o IDF (Instituto de Desenvolvimento Florestal).

O IDF precisa de muitos investimentos?

Os fiscais do IDF têm de ter maior capacidade de intervenção, mais meios e um estímulo diferente. Há problemas na progressão das carreiras, estão mal apetrechados, não se conseguem movimentar eficazmente. O Estado tem de olhar melhor e rapidamente para a fiscalização.

Como olha para o futuro da actividade?

É um futuro risonho, é o futuro do nosso país porque não podemos olhar para o sector florestal apenas no âmbito actual. só para a floresta natural, mas a floresta natural não é base de matéria-prima suficiente e necessária para o desenvolvimento do negócio da madeira. Temos de olhar para o negócio da madeira focando na produção para a celulose, para a produção de placas prensadas para o fabrico de mobiliário e para outros. Temos de olhar para esta complementaridade e plantar florestas com o objectivo de matéria-prima diminuindo assim a pressão sobre a floresta natural. As florestas são fontes regulares e contínuas de matéria-prima. Só assim poderemos pensar no grande negócio florestal em Angola e colocar o país no contexto das nações ricas na exploração florestal.

Mas não somos uma nação rica em termos florestais?

Ouvimos, muitas vezes, dizer que somos ricos. Temos uma cobertura florestal de 53 milhões de hectares, mas a floresta explorável é muito menor. Não digo o número para não assustar. Temos de ter cuidado porque não somos tão ricos assim em floresta comercial. Temos boa concentração no Maiombe, em Cabinda, mas é a parte mais pequena de África. Temos núcleos interessantes no Uige, Zaire e Lunda-Norte. Também no Moxico, Kuando-Kubango e parte do Cunene. Ricas em espécies, mas estamos a falar de florestas de savana de um lado cuja densidade de exploração não é assim tão grande. Se for explorada sustentavelmente chega e sobra, mas para termos o desenvolvimento industrial, temos de plantar e urgentemente.

Qual é a percentagem da floresta explorável considerando os 53 milhões de hectares?

É difícil porque o IDF fez um trabalho excelente que é o inventário nacional das florestas que deveria ser tornado público. Vamos aguardar por este inventário porque vai dar uma noção exacta das nossas potencialidades. Avançar um número, seria da nossa experiência porque somos homens da mata, mas é sempre um número que pode ser especulativo. Vamos aguardar.

Mas o estudo do IDF pode concluir que somos sim tão ricos ou mais ricos do que pensamos?

Não acredito, somos ricos, mas não tão ricos.