César Silveira

César Silveira

Editor Executivo do Valor Económico

Está concluído o trabalho da comissão criada pelo Presidente da República, João Lourenço, para avaliar as empresas privadas criadas com fundos públicos. A única revelação é que estes projectos prejudicaram em cerca de 4,7 mil milhões de dólares o Estado. João Lourenço considera o relatório “no mínimo chocante e repugnante”, acrescentando estarem as condições criadas para nos próximos dias accionar-se os “mecanismos para o Estado reaver o património e os activos que lhe pertencem”.

Portanto, fica implícito que o Presidente da República considera astronómico o valor. Se for este o caso, é ‘no mínimo chocante e repugnante’, visto ser quase consensual que estes números estão muito abaixo dos valores do Estado que, efectivamente, terão sido usados para a criação de empresas privadas. Só para se ter uma ideia, a Fábrica de Cimento do Kwanza-Sul foi financiada na totalidade pela Sonangol, custou cerca de 731,1 milhões e, pelo menos, até 2017, o valor continuava em dívida.

Depois de se anunciar o valor de 4,7 mil milhões, seguiu-se um ‘movimento’ nas redes sociais a recordar uma investigação da Human Rigths Watch, que denunciava diversos patrimónios de entidades privadas, entre as quais o MPLA, que tinham sido financiadas pela Sonangol. Falava-se em cerca de 32 mil milhões de Euros.

Este movimento é prova do consenso de que é pouco o valor a que chegou a comissão criada pelo Presidente da República. O que se deseja é que esta ‘falha’ por defeito tenha resultado pura e simplesmente da incapacidade de a equipa alcançar os projectos e números verdadeiros. Porém, não se pode descurar a possibilidade de esta ‘falha’ resultar da intenção de se pretender atacar apenas alguns projectos já identificados. E tudo que o País é que o processo seja transparente, tenha como único objectivo beneficiar o Estado e não o de satisfazer as vontades pessoais de um determinado grupo.

A transparência do processo exige lembrar que muitas destas empresas foram financiadas com suporte legal. Aprovado em Julho de 2003, o Decreto 14/03 tinha como objectivo a promoção do empresariado privado nacional. Defendia que as “empresas públicas de média e grande dimensão, e com capacidades financeiras adequadas, podiam, no exercício da sua autonomia gestionária, financeira e patrimonial, receber e negociar propostas de promoção comparticipada ou simplesmente apoiada, de empresas nacionais que se apresentem inseridas nos respectivos sectores de actividades ou negócios”.

Ou seja, muitos destes estarão apenas numa condição de ‘malparado’ e sempre podem negociar modalidades de amortizar.

Aponta lacunas da legislação que define os bens da cesta básica e outros bens prioritários de origem nacional e defende a definição da legislação sobre as análises dos produtos altamente perecíveis, apontando lacunas. O empresário reconhece ainda a necessidade de apetrechamento e manutenção dos laboratórios de qualidade em funcionamento.

 

AVIAÇÃO. Quedas de dois aviões num espaço de cinco meses levantam suspeitas à volta do modelo mais vendido da história do fabricante norte-americano. Fabricante acredita no sucesso à volta das encomendas de mais de cinco mil unidades, segundo declaração do director geral da Boeing 737 Max 8 para a África subsariana ao Valor. TAAG considera ser muito cedo para tomar uma decisão.

 

Sim, Nelson Mandela tinha mais razões para não perdoar do que José Eduardo dos Santos porque, enquanto prisoneiro, terá sofrido abusos e maltratos pessoais, situações susceptíveis de provocar rancor a qualquer ser humano. Enquanto Presidente da República, José Eduardo dos Santos, em princípio, estava protegido. Por ele outros homens teriam de dar o corpo às balas ou ao chicote se necessário fosse. Ainda assim, o caminho do perdão e da reconciliação que escolheu perante a fragilidade da UNITA, depois da morte de Jonas Savimbi, também demonstra a sua capacidade de perdão. Maior ou menor que a de Mandela? Mas suficiente para, no caso de perdão, o barómetro para indicação de referências políticas, merecer reconhecimento por parte de qualquer angolano.

O Presidente da República, João Lourenço, entretanto, preferiu ficar-se por Nelson Mandela por orientar “o seu povo a não perseguir ninguém, antes pelo contrário, a fazer a paz e perdoar aqueles que fizeram mal ao povo sul-africano de uma forma geral”. Justificou-se em entrevista à RTP, em mais uma exclusiva a um órgão internacional contra as duas colectivas aos órgãos nacionais. Duas situações que deixam transparecer a dificuldades em aceitar e reconhecer os de dentro. É necessário olhar-se mais para dentro e não apenas para criticar.

Quem acompanha o mundo do futebol está, nos últimos meses, perante provas de que, muitas vezes, a solução de determinado problema está em casa. Quando já pareciam totalmente mortas, as equipas de futebol do Benfica e do Manchester United foram transfiguradas por treinadores ‘de casa’. Bruno Lage (Benfica) e Solskjaer (Manchester United) precisaram apenas do apoio, conforto e o voto de confiança de quem manda. Exemplo que pode servir para o tratamento que se deve dar aos empresários nacionais. É preciso não matar o já fragilizado empresariado nacional por força da necessidade e vontade de se mostrar ao potencial investidor estrangeiro que existe no país um melhor ambiente de negócios. Existirão entre nós alguns ‘lages’ e ‘solskjaers’.

César Silveira, Editor Executivo Valor Económico

A Angomédica e a Cimangola podem ser confiscadas pelo E s t a do p or supostas irregularidades nos respectivos processos de privatização. Foram temas de destaque na semana passada. No caso da Angomédica, coube à ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, ‘dessegredar’ a intenção do Governo. Foi curta e objectiva. Considerou “pouco claro” o processo que data de 2005, e o favorecido foi a Fundação Eduardo dos Santos, segundo revelou a governante.

Contrariamente ao caso da Angomédica, o da Cimangola não teve como portador qualquer voz ocial. Tratou-se de um ‘furo’ jornalístico. Não desmentido nem con- rmado. Esclareceu, sim, a própria Cimangola, garantindo que o processo foi transparente e que não usou fundos públicos nem para a compra nem para a modernização da unidade industrial.

O surgimento dos dois assuntos na mesma semana é, certamente, suficiente para os mais ousados nos pensamentos acreditarem que se trata de um ensaio propositado sobre como será o ajuste de contas com as empresas privadas supostamente criadas com fundos públicos. Por ora, a única certeza é que existe uma comissão criada pelo Presidente a avaliar as empresas privadas nestas condições.

Independentemente dos argumentos das partes, para cada um dos casos que se vier a provar terem sido criados com fundos públicos, o estado actual das respectivas unidades deveria ser fundamental na abordagem e tratamento dos dossiês.

Parece ser pouco inteligente confiscar para o Estado uma empresa que se tornou robusta por força da estratégia do privado, quando existe consenso sobre a necessidade de o Estado deixar o sector empresarial por comprovada incapacidade. Mais quando o Estado ainda luta com processo de privatização de outras dezenas de empresas e nada garante que serão processos exemplares em termos de transparência.

Parece pouco inteligente tratar com apenas um “dá cá esta empresa” tanto quem se limitou a transformar em armazém uma unidade fabril funcional, como quem pegou numa unidade em crise e a transformou numa referência. Ainda que o processo tenha sido repleto de irregularidades? Sim, considerando que que a privatização por negociação directa continua a constar entre os possíveis modelos.

 

César Silveira, Editor Executivo Valor Económico