ANGOLA GROWING
César Silveira

César Silveira

Editor Executivo do Valor Económico

Assume-se como angolano e é assim que fala na primeira pessoa. Há 12 anos a viver e a liderar a empresa em Angola, sente-se “da terra” e, como tal, elogia as últimas medidas governamentais, sobretudo as de incentivo à entrada de estrangeiros. Avisa que não se deve ter medo, mas recomenda que o país não se iluda com o ligeiro aumento do preço do petróleo. Garante nunca ter corrompido, mas admite ter sofrido com isso.

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Que avaliação faz do estado actual da economia angolana?

Estamos numa situação perfeita, a sair de uma crise. Estamos a deixar de ser um dos países mais caros e difíceis de operar para ser um dos mais eficientes. Estão a registar-se mudanças que proporcionarão grandes oportunidades. A abertura das fronteiras, por exemplo, vai ser incrível para o desenvolvimento do país, visto que ficámos fechados por mais de 45 anos e era muito difícil entrar nos últimos 15. Com a abertura, o país poderá receber, com mais facilidade, tudo o que o mundo aprendeu e desenvolveu enquanto estivemos fechados.

Fala com muita expectativa, quando há sectores empresariais que ainda se manifestam receosos. Há alguma razão em particular?

É preciso crer, acreditar que as coisas boas vão acontecer. Acredito muito na capacidade das pessoas. Nós, TGI, por exemplo, não investimos em negócios, mas em pessoas. Se conseguirmos ser um grupo onde todas as pessoas evoluem, o grupo também vai desenvolver-se.

Uma das operações do grupo é o da prestação de serviços ao sector petrolífero, que foi um dos que mais se ressentiu com a crise. Como inverteu a situação?

Foi muito interessante. Olho para o mundo de forma um pouco diferente. Tudo no mundo é criado por átomos. Ou seja, positivo, neutro e negativo. Cientificamente, tudo no mundo tem o positivo, neutro e o negativo. Com a crise, obviamente, aconteceram muitas coisas negativas, perdemos contratos, mas comecei a pensar onde estão os protões desta situação. Encontrei três situações. Primeiro, todos os concorrentes estavam a deixar o país, mais de metade das empresas saiu e nós investimos mais. Procurámos estar mais fortes para quando a situação melhorasse e estivéssemos mais preparados. Segundo, todos os nossos potenciais clientes estavam a procurar baixar os custos. Foi para nós uma oportunidade de apresentar novas propostas com preços mais baixos e conseguir ‘roubar’ contratos das outras empresas. Crescemos muito na diversificação dos clientes, estamos com quase todos da área petrolífera.

E qual a terceira situação?

Uma das grandes dificuldades em Angola é o capital humano. Desde 2002, até ao início da crise em 2015, todas as grandes empresas, como a Chevron, BP, Total e Exxon, treinaram muitos angolanos, mas despediram muitos por causa da crise. E, pela primeira vez, tivemos um mercado de capital humano incrível, muitos angolanos com capacidade para operar em multinacionais. Decidimos investir no capital humano, aproveitámos para trocar a nossa equipa e, actualmente, mais de 80% é angolana. Temos uma equipa incrível, estamos fortes e prontos para o que vier.

A folha salarial tornou-se mais pesada?

Sim, mas foi compensada pelos novos contratos. Ainda que não fossem tão lucrativos, mas foi bom para o crescimento da empresa. Foi uma possibilidade de mostrarmos o nível de serviço que podemos prestar. Estamos numa posição boa para o futuro.

O petróleo continua a ser o principal produto de exportação, mas fala-se numa aposta na diversificação. Como olha para esta realidade?

O petróleo continua a ser, mas a crise foi uma bênção porque nos forçou a apostar na diversificação. É verdade que, durante anos, o Governo já apelava para a diversificação, mas os empresários não investem apenas pelo apelo do Governo, precisam de alguma justificação financeira. Quando não havia dólar, os empresários olharam para as várias oportunidades. A crise empurrou-nos para a diversificação da economia. Ou seja, é verdade que o petróleo continua a ser o principal produto, mas vão surgindo outras empresas.

Como é que a vossa empresa tem estado a gerir a falta de divisas?

Temos uma boa relação com os nossos parceiros, bancos e fornecedores. Todos sabem que pagamos as dívidas e foram muito pacientes. Mas também nos sacrificámos muito. Algumas vezes, tivemos de adquirir no mercado informal, mas era necessário.

Acredita na melhoria da situação com a tendência crescente do preço do petróleo?

Espero que nos ajude, mas também que não nos sintamos confortáveis porque esta subida não será para sempre. Temos de aprender a viver sem o petróleo, como um mercado normal. Temos de estar dispostos a trabalhar para chegarmos ao nível dos países que não têm petróleo, mas estão muito bem. Temos uma terra produtiva, portos e rios. Só temos de estar dispostos a sacrificar as nossas energias e esforços. Precisamos de perder o medo de que temos de nos proteger. Temos uma população pequena e muito boa.

Como olha para o turismo em Angola na diversificação da economia?

O turismo de negócios vai ser incrível se abrirmos as fronteiras. Quando é difícil viajar para um país, os investidores desistem. Para vir para Angola, em muitos casos, as pessoas tinham de viajar antes para um outro país. São muitos gastos. Isso desvia muitos investidores. Temos um país com muitos recursos. Há muitas coisas que ainda não estão em Angola, mas já é uma realidade no resto do mundo devido ao período de guerra que tivemos.

Há muito para ser feito. Temos de facilitar a entrada dos investidores, não podemos ter medo, precisamos de abrir o país e deixar os empresários entrarem. Há correntes que acreditam que a abertura total pode provocar o surgimento de monopólios estrangeiros, considerando a posição de desvantagem dos nacionais. Concorda?

Não. Porque é que iriamos criar monopólios estrangeiros? Temos de ter confiança que esta é nossa terra. Falo como se fosse angolano porque estou a investir aqui há 12 anos e gosto do país. Temos de lembrar que ninguém vai conseguir operar tão bem como os angolanos, é a nossa terra. Ao invés do medo, devemos pensar que será boa a vinda dos empresários estrangeiros. Vão causar concorrência, melhorar o nível de serviços e produtos. As empresas internacionais vão puxar pelas nacionais e, quando estiverem ao mesmo nível, por uma questão natural, os angolanos vão preferir comprar nas nacionais. Isso acontece em todas as partes do mundo. Por que é que temos de ter medo? Se o Governo quer combater os monopólios nacionais, por que protegeria os dos estrangeiros? Não temos de ter medo, porque o Governo também não irá proteger porque são ilegais em toda parte do mundo.

Mas concorda que os empresários nacionais têm uma desvantagem visto que não encontram nos bancos, por exemplo, o mesmo suporte que os estrangeiras têm nos países de origem?

A questão da falta de apoio da banca é mais pela falta de divisas porque, de uma forma geral, os empresários precisam de divisas e a banca não tem. E, mais uma vez, os empresários angolanos têm maior probabilidade de se relacionarem com os bancos nacionais. Eu, por exemplo, não sou angolano, mas sinto-me assim e tenho boas relações com os bancos e tenho certeza de que teria mais sucesso comparativamente a uma empresa estrangeira que fosse nova. Se eu estou com esta confiança, os angolanos que levam toda a vida deveriam ter ainda mais.

A TGI tem feito recurso à banca nacional para financiamento?

Localmente, não por não precisar de financiamento em kwanzas, precisamos de moeda estrangeira. As taxas dos bancos aqui são muito altas. Tem que ver, em parte, com a desvalorização do kwanza, mas também estão a pagar boas taxas para os depósitos a prazo. Na verdade, não consigo falar muito sobre o assunto, porque não temos solicitado financiamento.

Mas as empresas nacionais estão, em princípio, dependentes dos bancos nacionais. Não considera uma desvantagem em comparação às estrangeiras?

É verdade, mas o financiamento fora do país também é difícil. Nós, TGI, somos uma empresa angolana, tivemos muitas dificuldades, não foi fácil. Conseguimos depois de muita luta. As empresas angolanas também podem conseguir depois de muita luta, mas não é fácil porque estamos atrasados. Não temos bens em todo o mundo, não temos um sistema bancário onde o dinheiro flui facilmente. Mas temos de chegar lá. Sou um bom exemplo, porque estou no meio-termo. Sou estrangeiro, mas considero-me angolano e somos uma empresa angolana. Definitivamente, teremos coisas negativas (com a abertura), mas não é por causa da banca. Tivemos em guerra durante muito tempo, estamos atrasados como país e temos de alcançar o nível mundial, mas, para isso, teremos de estar abertos ao mundo para que as empresas angolanas possam ganhar o respeito da banca internacional. Nada é perfeito, temos algumas coisas boas e outras más. O negativo é que realmente é difícil conseguir financiamento; a coisa boa é que conseguimos operar no país muito melhor que qualquer outro que chegue, porque Angola ainda não é um país fácil para operar.

Quais são as grandes dificuldades do mercado?

Obviamente, o problema de divisas. Antigamente, havia muita burocracia e o Governo envolvia-se muito nas regras de investimento.

Já sente menos burocracia?

Roma não foi criada num dia, mas os sinais são muitos bons. A alteração da Lei do Investimento e a supressão e facilitação dos vistos são sinais. As tecnologias também vão ajudar. Não teremos de fazer o mesmo trabalho que os outros fizeram e permitem mais transparência. A tecnologia vai fazer com que tenhamos, por exemplo, empresas públicas muito transparentes e vamos conseguir avançar em menos tempo.

Desde que está em Angola já teve de recorrer à corrupção?

Graças a Deus, não. Muitas pessoas entram com esta mentalidade e esta passa a ser a prática. A corrupção não é um problema nem angolano, nem de ninguém. Nem do MPLA, nem africana, é do ser humano. Há corrupção em toda a parte do mundo e as pessoas decidem se querem ou não entrar. Têm aparecido oportunidades e temos perdido por não entrar. Gosto de jogar com regras. A curto prazo, ter-nos-á nos afectado, mas, a longo prazo, não, porque todo o mundo sabe que a nossa empresa não entra no jogo da corrupção. Somos uma empresa de dignidade.

Então não é certo que estrangeiros apresentem a corrupção como uma das barreiras do mercado angolano?

Não estou a dizer que não exista. Em qualquer parte do mundo, se conseguir corromper alguém, vai dar o que se quer mais rapidamente, mas, se decidir pelo caminho menos tomado, que é fazer a coisa certa, é provável que, de imediato, seja mais difícil. Sofri durante muitos anos aqui. O meu negócio não correu bem ao princípio, lutamos muito, tivemos roubos, mas, com o tempo, este investimento de não ser corrupto ajudou-nos e fortaleceu-nos muito mais do que aqueles que nunca conseguiram aprender a fazer as coisas sem corromper. São estes os que estão a chorar muito mais.

Alexander Thomson-Payan

Residente em Angola há 12 anos, Alexander Thomson é filho de pai americano e mãe colombiana. Nasceu nos Estados Unidos da América e criou a primeira empresa em 2006, a Electrix Telecom que se dedica na distribuição de telemóveis de marcas IPHONE, LG, ALCATEL e SAMGSUNG no país. Em 2017, criou o grupo TGI, vocacionada em investimentos que identifica os melhores projectos actuando como parceiro local, para empresas internacionais. A TGI presta serviço às companhias petrolíferas

Proprietário da Diexim que entra no projecto Air Connection Express, chumbado publicamente por João Lourenço, é particularmente duro com as decisões do Presidente da República. Acusa-o de ter agido com “arrogância” e critica-o por não ter ouvido os empresários. Bartolomeu Dias alerta também para os milhares de emprego colocados em risco nos projectos na madeira e nos diamantes e defende a qualidade do projecto de criar uma empresa de aviação para voos nacionais e regionais.

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Como analisa o posicionamento do Presidente da República em relação ao consórcio Air Connection Express?

Um Presidente da República, que quer criar emprego, não fala daquela forma, porque o surgimento de uma empresa é sempre bem-vinda para um país. O que o Presidente da República deve ter como preocupação é que a TAAG não pode voar para Catumbela com um avião 737. É prejuízo. O surgimento dessa companhia seria para substituir este esforço que a TAAG tem feito em manter os voos com prejuízo para honrar um compromisso de Estado, mais por questões políticas do que técnicas ou financeiras. Tecnicamente, não é viável ter um avião 737 a voar 30 minutos entre Luanda e Catumbela ou pouco mais de 20 minutos para Mbanza Congo. São muitos ciclos e o avião tem de estar quase permanentemente em manutenção. Por outro lado, se queremos proteger as empresas e o surgimento de novas, a figura que deve proteger estas empresas é o Presidente. Mas não é naquele tom em que deu a entrevista. Fiquei estupefacto ao ouvir um chefe de Estado como se fosse um inimigo do desenvolvimento. É perigoso.

Mas sabe da razão do Presidente para a decisão que tomou?

Não sou membro do Governo para saber, de facto, o que há, mas, como cidadão visado e com algum conhecimento sobre gestão e liderança, não estou a ver nenhum ministro a cometer o erro de rubricar um acordo com uma instituição internacional sem que o Presidente tivesse conhecimento. Não estou a ver o ministro Augusto Tomás, um indivíduo experimentado nas lides de governação, a cometer este erro. O surgimento desta companhia já existe desde o anterior Governo, foi aprovado em Conselho de Ministros e a TAAG não seria sócia maioritária, teria um volume de acções inferior ao conjunto dos privados. Agora, além da especulação, há aquele negativismo do negro porque nós, raça negra, enfatizamos tudo o que é negativo, não somos indivíduos positivistas para desenvolver o nosso continente e país. Queremos sempre destacar o erro dos outros por mais pequenos que sejam, esquecendo os aspectos positivos.

Não será uma decisão pela suposta incapacidade financeira dos privados que obrigaria o Estado a um grande esforço financeiro?

A TAAG é um sócio dentro do consórcio, não esteve arrolada para dar dinheiro aos outros sócios. Quem estava a fazer a mobilização de capitais eram os privados. O que mais me motivou a entrar no consórcio é a possibilidade de voar para a região. A TAAG deixaria de voar com os aviões 737, dedicar-se-ia ao longo curso e as viagens regionais ficariam para esta companhia. É um projecto viável, é o que mais me motivou porque, com a Diexim, não tinha a possibilidade de fazer voos regionais. Não havia nenhuma relação em que a TAAG seria o senhor com os custos altos para beneficiar um grupo de pessoas que, conforme dizem as más-línguas, estão falidas.

Mas pode ter sido esse o argumento que chegou ao Presidente ou não acredita nessa hipótese?

Se o Presidente pensou assim, está errado. O Presidente não pode avaliar as pessoas pelas conversas. Se for à entrada da Chibia, na Huíla, está lá a ser montada uma fábrica de mais de 20 milhões de dólares. Por detrás da Shoprite (Palanca, Luanda), estamos a montar uma fábrica de luvas. Se for ao lado da Unitel, em Talatona, há três prédios a serem erguidos pelo grupo. Se for a Viana, vai encontrar a fábrica de sacos. Para não citar coisas que estou a fazer fora do país. Como é que vão dizer que estas pessoas não têm capacidade? Mesmo os outros não pararam por falta de dinheiro. Se ligarem para o INAVIC e perguntarem se a Diexim tem ou não aviões a voar, vão dizer que tem, foram inspeccionar os meus aviões que estão na África do Sul porque continuam com a matrícula angolana. Não há incapacidade. Este é um país de meia pancada em que o Presidente vai falar das questões internas, num órgão de comunicação internacional o que tira credibilidade ao próprio país, porque quem assinou o acordo com a Bombardier são privados, mas com o consentimento das instituições do Estado.

Os privados estariam em condições de avançar, caso a TAAG e a ENANA se retirem do consórcio?

Porque não? A arrogância com que o Presidente abordou o tema parece ter alguma situação ou contra o seu ministro ou contra as pessoas que estão envolvidas no negócio. O que deveria dizer é que “vou avaliar a questão, veremos as vantagens económicas para a companhia de bandeira, é um processo antigo, iniciado no antigo Governo, mas vamos analisar os prós e contras”. Esta seria a posição de um líder e não desafiar o jornalista a ligar caso voe com a companhia. Governar um país não é como gerir a nossa casa, há interesses de cidadãos que o Presidente deve defender. Não está aí para agradar pessoas, mas para dirigir o país com a maior transparência, embora não seja prática em África, infelizmente.

Os accionistas, sobretudo os privados, já se reuniram para decidir os próximos passos?

Ainda não, mas teremos este encontro. É necessário analisarmos. Não recebemos nenhum documento oficial que nos notificasse sobre o fim da parceria no sentido de tomarmos o passo que podemos dar porque não estou a ver o Presidente a proibir o surgimento de uma empresa, isso é ilegal. Abusando do poder até pode, mas não deve.

Considerando os acordos já assinados, haverá prejuízos em caso de o projecto não avançar?

Não houve nenhum custo primário, não haverá prejuízo. Ou melhor, haverá um prejuízo, que é o bom nome de Angola que fica manchado e vai ser difícil reparar. Permanentemente, temos vendido uma imagem negativa da seriedade dos nossos governantes e este caso pode servir como mais uma prova de que o país não é sério.

Teve contacto com o ‘dossier’, encontra alguma razão, por mais simples que seja, que possa justificar a posição do Presidente?

Não posso passar um cartão de incompetência às pessoas envolvidas. O processo começou no anterior Governo. Fui convidado já no fim. Ninguém me forçou, analisei o estudo de viabilidade e achei interessante, tem alguma vantagem que eu não conseguiria ter com a Diexim, que são os voos transfronteiriços. Não iria fazer com a Diexim mesmo que comprasse novos aviões ou aumentasse a minha capacidade. Pelo estudo, vejo simplesmente vantagens. Estou a completar 31 anos como empresário e, se houvesse algo de errado, não entraria, não meteria o meu capital em risco só porque quero ser sócio da TAAG, haveria vantagem para todos. Por outro lado, é contraditório o próprio Presidente que fala em PPP estar contra um projecto destes. Não consigo perceber a posição do Presidente.

Muitos empregos em risco

Disse que esta posição vai contra o seu objectivo ou promessa de criar 500 mil empregos. Mas concorda, certamente, que este é apenas um dos muitos projectos possíveis?

Se ler o estudo, vai ver que os seis aviões criariam muitos postos de trabalho. Depois, como é que o Presidente vai atingir os empregos que prometeu se encerrou o corte da madeira e anulou a emissão de licença para a exploração de diamantes? Desde que entrou, o Presidente só está a colocar travões no desenvolvimento, não fez nenhum gesto que desse sinal de impulso à economia. Mesmo quem quer organizar não pára tudo. Quando eu quero organizar a minha empresa, não fecho. Reestruturei as minhas empresas, por isso estão todas ali mesmo com a crise total, mas não foi necessário fechar.

Mas não concorda que havia muita desordem e o Estado pouco ou nada ganhava?

Não pode ser verdade. Se há algum descontrolo pela forma como é feita a exploração da madeira ou com o processamento dos diamantes pode fazer-se de forma diferente. Criam-se mecanismos de produção, de comercialização e, por último, de controlo. É necessário incentivar as três fases.

Não exagera quando diz que o Presidente ainda não deu sinal de impulso à economia quando já alterou a lei do investimento privado e agora esteve na Europa numa clara iniciativa de diplomacia economia?

Não há país nenhum que se desenvolva sozinho, também não há país que se desenvolva dependente apenas de estrangeiros. Aliás, o comportamento dos estrangeiros, e do europeu em particular, é ver o negro africano sem capacidade para se desenvolver, devido à ausência de política dos Estados africanos. A primeira questão que temos de ter é encontrar mecanismos para fortificar o sector empresarial nacional, foi sempre a minha luta, é o que sempre defendi e defendo. Não é possível, em Angola, termos construído acima de cinco mil quilómetros de estradas e não ter resultado num encaixe financeiro suficientemente bom para os empresários angolanos porque sempre se deu primazia aos estrangeiros. Quando houve a crise, estes estrangeiros foram-se embora, ficaram os nacionais, que o Governo, de uma ou de outra forma, enfraqueceu, que não conseguem cobrir a balança de pagamento com receitas tributárias. Não considero que as visitas de Estado sejam um sinal bom para a economia, é bom para o futuro, mas as empresas e a economia não esperam. É preciso fazer um programa de curto, médio e longo prazos. Estas visitas são uma estratégia para médio e longo prazos, mas precisamos de programas que tirem a economia da crise em que se encontra e só é possível com os empresários nacionais. Não é proibindo a extracção disto e daquilo pelos pequenos empresários nacionais. Ainda não vi sinais. Acredito no que vejo e não no que ouço. O que ouço é que há bons sinais, mas o que estou a ver é diferente.

Mas o Presidente só tem ainda oito meses…

Nas questões económicas, não se espera por anos. Se o antigo Governo fazia algumas coisas erradas, quem vai substituir deve ter linhas definidas de como vai corrigir os erros. Estamos a falar de políticas económicas, da economia real e não de políticas partidárias. Não é falar bonito que vai desenvolver o país, faz-se trabalhando, definindo regras e estratégias para determinados sectores. O maior problema da nossa economia é a falta de estratégia e nós temos várias soluções. A solução não passa pelo endividamento. Temos outras formas de moldar uma estrutura, não digo de carácter definitivo, porque a economia é dinâmica, mas podemos normalizar os efeitos que abalam a economia de três em três anos.

Perdeu a esperança que, no início, depositou neste Governo e no Presidente, em particular?

Não sou de fazer leituras de curta distância. Os erros são passíveis de ser cometidos por quem trabalha e lidera. É um erro do Presidente, espero que faça uma leitura das várias opiniões da sociedade, porque há prós e contras, para se posicionar. E se decidir passos que sirvam a sociedade, estaremos com ele.

Seria necessário acumular vários anos dos quinze de vigência da anterior Lei Geral do Trabalho para igualar o número de despedimentos registados nos três primeiros da actual lei. É uma das constatações do jurista que sublinha ainda que a Constituição fere o princípio da coercibilidade do vínculo laboral.

Antonio Yannik AragaoPresidente da JUTRA Associacao de Juristas do Direito do Trabalho de Angola201805231466

O que é uma associação de juristas do Direito do Trabalho?

A JUTRA foi criada por professores, cientistas e juristas especializados em trabalho. Foi pensada no sentido de criar momentos para a discussão de matérias sobre o Direito do Trabalho. Ou seja, a JUTRA tem, como essência, a defesa do Direito do Trabalho. Não se deve confundir com o defender os trabalhadores ou os empregadores, mas sim o Direito do Trabalho. Existe uma diferença entre o Direito do Trabalho e as leis que regulam a matéria laboral. O nosso interesse é fazer ciência, pegar em normas laborais e discutir sobre elas, ver se vão ao encontro dos princípios gerais do Direito do Trabalho. É olhar, por exemplo, para a norma que diz que o contrato de trabalho é celebrado conforme as partes melhor entenderem, que é a do artigo 6º da Lei Geral do Trabalho (LGT) e ver se ela está conforme. É pegar na norma que diz que o contrato laboral pode ser celebrado por tempo determinado ou indeterminado, dependendo da vontade das partes e nós, a JUTRA, discutirmos e, como resultado, mostrar qual é a melhor interpretação.

Foi impulsionada pela suposta existência na LGT de normas que ferem os princípios do Direito do Trabalho?

Não. A JUTRA foi pensada antes da entrada em vigor da nova Lei Geral do Trabalho.

Mas existem muitas normas em conflito com o Direito do Trabalho?

Existem várias normas. Dei vários exemplos e posso repeti-los. Temos o caso da que diz que o contrato de trabalho pode ser celebrado, conforme as partes entenderem. Ou seja, pode ser por tempo determinado ou indeterminado, dependendo da vontade das partes. Esta norma conflitua com os princípios do Direito do Trabalho. O Direito do Trabalho determina que a regra geral da contratação é a por tempo indeterminado. O tempo determinado tem de ser uma excepção em homenagem a vários princípios que o Direito do Trabalho consagra, que são o princípio da continuidade do emprego, da estabilidade do emprego e da continuidade das relações empregaticias. Esta norma, em concreto, conflitua com os princípios basilares do Direito do Trabalho. É, por exemplo, o princípio da protecção. O Direito do Trabalho é criado e tem, como objectivo, a protecção da parte mais débil da relação laboral. Existindo uma norma que diz que o contrato é celebrado pela forma que as partes quiserem estão a afastar de imediato a obrigatoriedade da protecção do trabalhador. O interesse é que o trabalhador tenha uma relação contínua e se há um corte nesta relação, então já não estamos a proteger a parte mais débil. É verdade que existe o princípio da liberdade contratual, mas este princípio, em Direito do Trabalho, deve encontrar restrições porque, em Direito Civil, existe igualdade das partes de facto, mas no Direito do Trabalho não, porque o empregador tem poderes, e o trabalhador, como tem interesse de ser contratado, vai em posição de desvantagem.

Essa norma resultou da distracção do legislador ou foi dolosamente criada?

A JUTRA entende que o Direito do Trabalho foi beliscado, que a norma não está conforme os princípios do trabalho. No que toca à posição tomada pelo legislador, ninguém melhor que o legislador para responder porque é que ele entendeu que a norma devesse ter aquela configuração. Seria um pecado nós querermos afirmar qual foi o ânimo do legislador. Podemos dizer que pecou, porque não atendeu ou não teve a atenção devida aos princípios gerais do Direito do Trabalho.

Há outras normas em conflito com o Direito do Trabalho?

Há sim e aqui posso ser um pouco mais ousado e falar sobre a violação do princípio da coercibilidade do vínculo laboral. O que é que se quer com este princípio geral do Direito do Trabalho, que quer, em respeito ao princípio da protecção, sempre que exista a extinção da relação de forma contrária ao que determina a lei e os princípios do Direito do Trabalho, deve esta relação, obrigatoriamente, ser recuperada. Esta relação deve voltar a existir, mas não reiniciar de onde parou, mas sim como se nada tivesse existido. Qual é a explicação? O Direito do Trabalho quer a protecção do trabalhador. Pode existir extinção da relação laboral por causas objectivas, por exemplo, a morte. Pode haver por vontade das partes. Como também existe por iniciativa de uma das partes que opõe a vontade da outra. Entretanto, esta iniciativa de uma das partes ou contra a vontade de uma das partes, representa o seguinte. Sempre que o trabalhador entender que vai extinguir a sua relação, deve fazê-lo com aviso prévio e fundamentada para ter salvaguardado os seus direitos. Todavia, quando o empregador entender extinguir, deve fazê-lo mediante um processo. O que é que diz a Constituição? Que o despendimento deve ter como fundamento a justa causa e a LGT diz a mesma coisa. Ou seja, diz a Constituição que o despedimento sem justa causa é ilícito e, como consequência, deve haver uma indeminização. A LGT diz que o despedimento que não tenha o fundamento de justa causa tem a sua ilicitude e, se não correr com a tramitação correcta, o despedimento vai ser declarado nulo. Se não tiver justa causa, vai ser declarado improcedente. Tudo isso para dizer que corrobora com o que diz a Constituição.

E está errado?

Quer a Constituição, quer a LGT pecam, porque o princípio da coercibilidade do vínculo empregatício diz que, havendo uma cessação relação laboral por motivo imputado ao empregador que não siga em rigor aos princípios do Direito do Trabalho, esta relação deve continuar. É a famosa reintegração. Só que a Constituição foi a primeira a afastar o princípio da coercibilidade no vínculo. Antes de 2010, o princípio fazia sentir-se de forma rigorosa porque a norma dizia, “é proibido o despedimento sem justa causa”. Não havia qualquer outra expressão. A Constituição de 2010 diz que o despedimento sem justa causa é ilícito. Aparentemente só mudou a terminologia, mas não, porque ela diz que é ilícito e depois continua dizendo que dá lugar a uma indemnização. A constituição não deveria prever uma indemnização para os despedimentos sem justa causa, deveria dizer é proibido e ponto. Ao substituir a proibição por uma indemnização, está a dizer que pode despedir porque o trabalhador vai ser indemnizado, mas o interesse não é este, mas sim a continuidade da relação do trabalho. A Constituição afasta o princípio da coercibilidade e a LGT só veio dar sequência, porque diz que o despedimento sem justa causa é improcedente, paga-se a indemnização. E que o despedimento que não esteja assente nos princípios que norteiam o direito disciplinar é nulo.

Mas a lei fala em reintegração, não?

É verdade que a lei faz um desenho um pouco maior e mais bonito, que é vai haver uma reintegração, entretanto fica sem sustentação, porque, na Constituição, ela é substituída pela indemnização. Permite que o empregador diga, “eu não quero reintegrar o trabalhador”. Quando, normalmente, a decisão de não reintegração não pode caber ao empregador justamente pelo princípio da coercibilidade do vinculo. Os vínculos devem continuar mesmo que seja de forma coerciva. É isso que o Direito de Trabalho impõe. Começou a relação, se quiser terminar faça-o dentro dos limites impostos pelo Direito de Trabalho, porque existem a figura de extinção.

E o que diz esta figura?

O Direito do Trabalho diz que a relação começa com a celebração do contrato de trabalho e ela extingue. Pode extinguir pela morte, uma causa objectiva. Por vontade das partes e ainda por vontade de uma das partes que se opõe à vontade do outro. Justamente é a questão do despedimento, da rescisão por parte do trabalhador. O Direito do Trabalho apresenta todas as figuras, cabe ao legislador olhar para o que diz o Direito do Trabalho para poder legislar de forma correcta. Se eu legislador contrariar o próprio do Direito, estou a atropelar os princípios, mas os princípios são anteriores às normas.

A redução da percentagem a ser paga pelo empregador nos casos das indemnizações é outras questões que levantou muita polémica.

Nós, enquanto JUTRA, a nossa intenção é sentarmos sempre que for necessário para debater temas de Direito de Trabalho. Todos eles vão ser lavrados em acta, teremos as nossas conclusões e vamos publicar sempre para ajudar o legislador a repensar na forma de legislar e nas normas que estão em vigor. Quiçá, rever as que não estejam em inconformidade com os princípios. No que toca às indemnizações, também existe contrariedade com os princípios do Direito do Trabalho, justamente por causa das várias teorias que se põem. Uma delas é qual é a necessidade que teve o legislador? Essa pergunta é que nunca se vai calar, em caracterizar os tipos de empresas para efeitos de indeminização. A Lei 30/11 classifica as empresas em micro, pequenas, médias e temos também as grandes. As grandes empresas indemnizam de uma forma, as médias de forma menor, as pequenas, menor ainda, e as micros bem menor ainda. As quatro tipologias têm obrigações de indemnizar diferentes. Entretanto, no acto de receber a prestação da actividade do trabalhador não existe qualquer distinção, porque o legislador não teve o cuidado de dizer que o trabalhador da microempresa só trabalhar até x horas, por exemplo.

A JUTRA não colhe a ideia de que esta lei foi pensada também no sentido de criar um melhor ambiente de negócios e, sobretudo, estimular os trabalhadores a dedicarem-se mais?

Nós preferimos pensar na configuração em que a lei foi aprovada e várias vozes se levantaram neste aspecto que disse, que é aumentar a motivação dos trabalhadores e atrair investimento. Podemos ter todas as justificações possíveis, mas a verdade é só uma. Desde a entrada em vigo da Lei 7, já foram realizados mais despedimentos do que na vigência da Lei 2 que vigorou por 15 anos. O Ministério deveria ser convidado a apresentar uma estatística sobre isso. Mas, atenção, não digo no rigor da palavra, que, durante 15 anos, houve menos despedimentos que em três anos. O que estou a dizer é que durante os 15 anos de vigência da lei anteriores, os três primeiros anos, nós não conhecemos tantos despedimentos, como conhecemos em três anos de vigência da Lei 7. Podemos cumular muitos anos da Lei 2 para chegarmos ao nível de despedimento em três anos de vigência da nova LG T.

Não colhe a ideia de que foi para atrair investimento?

Se atrair investimento significa permitir que haja atropelos ao Direito de Trabalho, então era mais fácil mudarmos a configuração do Direito do Trabalho, que é impossível. O que de bom podemos descortinar disso é que devemos reflectir sobre as normas e sobre os interesses do próprio Estado. Atropelar o princípio da dignidade da pessoa humana, atropelar, em todo, o que é a configuração natural das coisas é um pouco muito, a expressão é mesmo esta, assustador quando nós estamos a falar de alguém que vende a sua força de trabalho em troca de um pagamento. Tem de haver um respeito excessivo, porque atrair o investimento não significa desprezar o ser humano. Vários países viveram crise económica, querem atrair investimentos mas não alteram a configuração da legislação do trabalho completamente. O que fazem é criar medidas que visam favorecer mas sem atropelar os fundamentos do Direito do Trabalho. Há um artigo ou outro que pode ser alterado e devem ser consultados os especialistas nessa matéria, porque o maior perigo de todo é convidar pessoas sem perícia a pensarem matérias de especialidade. Isto é matéria de especialidade e, em Angola, existem vários professores do Direito do Trabalho, temos juízes e procuradores do Direito do Trabalho. São estas pessoas que devem ser chamadas para se pensar e legislar matéria laboral. Não pode ter havido uma alteração tão profunda a pensar na atracção do investimento.

Está a dizer que os especialistas não foram consultados?

O que estou a dizer é que os especialistas todos discutem sobre a lei e discordam de quase tudo que é semelhante. Traduzindo, os especialistas têm pensamento uniforme e discordam das mesmas coisas. Qual é interpretação? Justamente que não foram chamados, porque se não teríamos um pequeno grupo e não todos a reclamar a mesma coisa.

As normas que atropelam os princípios do Direito do Trabalho justificam a revisão da lei?

Com a gravidade que tem, nem que fosse uma única, deveria ser revista aquela norma. Foram alteradas situações específicas, porque todo o resto mudou apenas o número do artigo. O que mudou foram situações pontuais mas não conforme aos princípios.

Acredita que a lei será alterada?

Esperamos que sim, acreditamos em Deus e rezamos que os homens pensem em alterar.

Falou do excesso de despedimento. Não se pode imputar esta situação à crise apenas?

Há uma professora especializada em Direito do Trabalho que disse que“a crise económica não é fundamento para despedimento”. Vou dar um exemplo de países que sofreram uma crise parecida ou pior à nossa e que lançaram mãos em instrumentos como acordos colectivos de trabalho, contratos colectivos para poder resolver a questão da crise económica. A crise afecta directamente o empregador e a consequência normalmente é o despedimento, porque ele tem redução de liquidez e despedindo vai tentar equilibrar as despesas e as receitas. O Brasil, por exemplo, na altura em que viveu a crise não alterou a Consolidação das Leis Trabalhistas (que equivale a LGT). O que fizeram foi buscar outros instrumentos e os empregadores faziam acordos para se encontrar o meio-termo para não encerrar a empresa e despedir toda gente. A configuração actual da nossa LGT deixa um pouco abalado o princípio da dignidade da pessoa humana, e digo um pouco em respeito a quem pense o contrário, porque se não diria muito.

EMPREENDEDORISMO. Financiamento estrangeiro para ‘startups’ africanas cresceu mais de 28%, enquanto o número de projectos beneficiados aumentou 32%. África do Sul é o país que mais acolheu investimentos, enquanto as angolanas nem constam da lista.

tech startups

A tendência crescente do número de ‘startups’ tecnológicas africanas a beneficiar de financiamento de investidores internacionais manteve-se em 2017, revela o relatório ‘African Funding’ da Wee Tracker.

Segundo o estudo, o número de empresas financiadas cresceu 32% para 201 face às 153 de 2016, ano em que se registou um crescimento de 22,4%, comparando às 125 que foram beneficiárias em 2015.

Em valor investido, registou-se um crescimento depois da quebra de 2016, quando os valores recuaram 29,7%, passando de 185,7 para 130,4 milhões de dólares.

Em 2017, os investidores internacionais canalizaram para as ‘startups’ africanas cerca de 167,7 milhões de dólares, registando-se um crescimento de 28,6%. Foi insuficiente, entretanto, para superar 2015 como sendo aquele em se registou o maior investimento dos últimos três anos.

Na lista das empresas beneficiárias não consta nenhuma angolana. Hélder Kiala, da TGI Group, entende que a ausência resulta do facto de as ‘startups’ angolanas se encontrarem numa fase ainda muito embrionária. “Por exemplo, sabemos que há várias incubadoras, mas ainda não estamos a ver os resultados das ‘startups’ que saem destas incubadoras. A TGI investe em ‘startups’, mas a nível interno.”

Por sua vez, Clara Vieira, da Appy People, garante ter conhecimento de ‘startups’ angolanas que beneficiaram de financiamentos internacionais em 2017 e desconhece as razões pelas quais as mesmas não fazem parte do estudo. Ainda assim, manifesta-se satisfeita com o ‘feedback’ que têm recebido nos encontros internacionais.

A África do Sul conquistou o título de topo de África, com 74 ‘startups’ a beneficiarem de financiamentos, seguida pelo Quénia, que contava com 46. O terceiro lugar foi conquistado pela Nigéria, com 34. Os três países juntos representam 77% do número total de empresas financiadas, um quadro não muito diferente dos últimos dois anos. Na quarta posição, surgiu o Gana com nove empresas, enquanto as companhias dos restantes países totalizaram 32.

Na mesma sequência, os três países também lideraram em termos de valores investidos com a África do Sul a receber 39,60 milhões de dólares, enquanto os projectos do Quénia atraíram 31,4 milhões e os da Nigéria 24,2 milhões de dólares.

O estudo assegura que aos investidores tradicionais (onde se destacam nomes como Mark Zuckerberg e Bill Gates) juntaram-se novos como são os casos da Startupbootcamp, MEST, 500 Startups e Omdiyar Network. Também destaca a participação de fundos governamentais como a CoCreate SA da Holanda e o Fundo Franco-Africano. Os investimentos com origem governamentais fixaram-se em cerca de 90 milhões de dólares.

Bancários, os mais financiados

Entre os sectores, a Fintech (as inovações e uso de novas tecnologias destinadas ao sector financeiro) foi o que mais investimento recebeu com um total de 47 acordos e um investimento de cerca de 30,68 milhões de dólares, representando cerca de 18%do total do financiamento garantido. Neste segmento, destaca-se a nigeriana Flutterwaven (empresa criadora de infra-estrutura para facilitar o processo de pagamento) que beneficiou de 10 milhões de dólares.

Seguiram-se as energias renováveis (cleantech) que beneficiaram de 18,1 milhões de dólares resultantes da assinatura de 19 contratos. Posteriormente, as que apostam na Edu-tech (tecnologias ao serviço da educação) e indústrias de tecnologia de saúde com 17 e 12 contratos, respectivamente.

Entre as várias conclusões, o estudo sublinha que, “com diferentes empresas, organizações e indivíduos interessados, espera-se que o financiamento de ‘startups’ em África testemunhe um pico significativo”.

CONTROLO DOS FLUXOS FINANCEIROS. Indicação do ministro do Interior para dar posse ao director-geral adjunto da entidade responsável pela prevenção do crime de branqueamento de capitais pode não ser um acto inocente. Unidade de Informação Financeira poderá mudar de carácter.

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A Unidade de Informação Financeira (UIF) pode estar a sofrer uma transformação, deixando de ser uma unidade de carácter puramente administrativa e passar a uma entidade policial e/ou mista.

Esta é, pelo menos, a leitura que se pode fazer por ter sido o ministro do Interior, Ângelo da Veiga, a empossar o director-geral adjunto, Sebastião Manuel Adão, e ainda por este ser um quadro do ministério.

Apesar de considerar uma questão “pertinente”, a directora-geral da UIF, Francisca de Brito, garante, no entanto, que a instituição “continua a ser administrativa”. O VALOR também tentou, por email, um esclarecimento do ministro Ângelo Veiga, mas não obteve resposta.

A leitura do VALOR encontra ainda suporte em acontecimentos anteriores à nomeação e tomada de posse do director-geral adjunto. Por exemplo, na alteração ao artigo sobre a nomeação do director-geral da UIF no estatuto aprovado em Janeiro, revogando o de 2013. Até então, o director era nomeado pelo Presidente da República “sob proposta do ministro das Finanças, ouvido o Conselho Nacional de Estabilidade Financeira”, condição que desaparece na lei em vigor, que define apenas que o Presidente da República elege “entre pessoas com notória idoneidade e comprovada experiência técnica para a função”.

Ou seja, está omisso o órgão de consulta do Presidente para a nomeação da direcção dos responsáveis da UIF, mas a indigitação feita pelo ministro do Interior, Ângelo Veiga, é indiciadora de que a instituição deixou de ser totalmente administrativa.

Segundo os conceitos, as unidades de informação financeira podem ser divididas em três tipos principais: as do tipo administrativo, policial e uma terceira que resulta da mistura entre as duas primeiras.

As diferenças têm que ver basicamente com a integração. Normalmente, as unidades estão assimiladas numa instituição. Quando são de polícia, integram órgãos policiais (como é o caso de Portugal) e ou até procuradorias-gerais (como acontece em Cabo Verde).

As administrativas são, normalmente, parte de um banco central, ministério das finanças e ou dos serviços de impostos. Por outro lado, as de cariz administrativo, normalmente, têm um gestor com escola não-policial e mais proximidade com as instituições financeiras.

Menos independente?

A posse do director-geral adjunto da UIF pelo ministro do Interior motiva discussões sobre a possibilidade de o organismo perder o carácter independente e autónomo exigido pelas instituições internacionais. Um debate que tem, como base, o histórico da criação e, sequencialmente, da conformidade às exigências internacionais. Segundo se sabe, as autoridades internacionais rejeitaram a primeira versão da natureza da instituição que definia uma UIF totalmente integrada no Banco Nacional de Angola. A rejeição das instituições internacionais levou a que se definisse como “uma pessoa colectiva pública dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, exercendo as suas competências com independência operacional e autonomia técnica e funcional”.

No entanto, na prática, nunca foi bem assim. A gestão financeira, por exemplo, foi sempre da responsabilidade do BNA. Este ano, será o último com o referido figurino, fazendo fé na lei que determina que, a partir de 2019, a UIF passe a fazer a gestão dos recursos disponibilizados, sendo que, este ano, o BNA continua transitoriamente a garantir essa gestão.

A manutenção do carácter independente da UIF é, de resto, um dos desafios, visto que o contrário pode representar o regresso de Angola à lista ‘cinzenta’ de onde saiu em Fevereiro de 2016 como resultado de seis anos de trabalho, num percurso que conheceu avanços, estagnação e retrocessos. Mais recentemente, o país conseguiu outro ganho ao sair do processo de monotorização e avaliação do período do ESAAMLG, representante regional do Grupo de Acção Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Combate ao Terrorismo (GAFI). Aguarda pela avaliação, em 2021, do GAFI, que estará essencialmente focada na aplicação nos vários normativos e que permitiram a saída da lista ‘cinzenta’. Um resultado negativo representará um retrocesso.

Passado a preservar e um futuro a conquistar

Em Fevereiro de 2010, o GAFI incluiu Angola na ‘lista negra’ devido às fragilidades de então para o combate aos crimes de branqueamento de capitais, uma realidade condenada pela instituição para países cujo activo da banca supera os cinco mil milhões de dólares. “Angola não se comprometeu com as normas internacionais nem respondeu ao pedido do GAFI para o envolvimento nestas questões”, sublinhou o organismo, acrescentando que a falta de um regime global de combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo de Angola constituía “um risco para o sistema financeiro internacional” e que, por isso, “Angola deve trabalhar com o GAFI para desenvolver um regime viável em linha com os padrões internacionais”.

O Estado comprometeu-se a elaborar um plano de acção com vista a superar as debilidades. Como resultado, o país passaria da ‘negra’ para a lista ‘cinzenta’ com o compromisso de cumprir com o plano de acção elaborado pela GAFI. “Angola assumiu o compromisso político de alto nível para trabalhar com o GAFI para tratar as deficiências estratégicas e tem demonstrado alguns progressos na melhoria do regime contra o branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo”, sublinhou, em Junho de 2010, num comunicado que também apontava deficiências. Entre estas, fazia referência à necessidade de uma “adequada criminalização da lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo”, bem como o funcionamento eficaz da UIF (que veio a ser criada em 2011). Exigia ainda “estabelecer e implementar um quadro jurídico adequado para identificar, localizar e congelar os bens dos terroristas”, assim como a “ratificação da Convenção das Nações Unidas para a Supressão do Financiamento do Terrorismo e da Convenção das Nações Unidas sobre o Crime Organizado Transnacional”.

Em Fevereiro de 2011, no entanto, regista-se uma estagnação. Angola é apresentada, numa das três reuniões anuais, como um dos países que pouco tinha evoluído, “apesar do alto nível de comprometimento político para trabalhar”. O GAFI “ainda não está convencido de que Angola fez progressos suficientes na execução do seu plano de acção e certas deficiências estratégicas permanecem”, lê-se no relatório da primeira das três reuniões de 2011. Na última das três reuniões deste ano, no entanto, o país voltou a dar sinais de comprometimento, como se pode testemunhar no relatório elaborado na primeira reunião de Fevereiro de 2012.

Em 2013, é reformulado o plano de acção inicial. “Angola foi sujeita a uma avaliação mútua. Destacou deficiências estratégicas adicionais e estas foram incluídas no plano de acção revisto, ao qual foi fornecido um compromisso político renovado”, lê-se no relatório do encontro de Fevereiro. Entre as propostas, destaca-se a necessidade de assegurar que “as leis e procedimentos locais asseguram assistências jurídicas mútuas” com os demais membros. Em suma, era necessária a criação de uma lei que permitisse a extradição por crimes de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. A mesma deveria estar feita até Fevereiro de 2014, o que não aconteceu. Foi a última a ser aprovada e, sequencialmente, permitiu a saída de Angola da lista ‘cinzenta’.