ANGOLA GROWING
César Silveira

César Silveira

Editor Executivo do Valor Económico

PETRÓLEOS. Produção resultante da condição de investidor esteve sempre abaixo dos 50%. Grupo de trabalho garante que a situação financeira da petrolífera não se vai deteriorar.

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Com a criação da agência nacional de petróleo e gás, a Sonangol pode perder cerca de 70% da produção petrolífera anual, considerando a taxa média da participação do petróleo a que tem direito enquanto concessionária na produção global da empresa no período 2013/2016. Segundo cálculos do VALOR, a taxa média anual foi de 69,4%.

Em todos estes anos, a produção petrolífera resultante na condição de investidor da empresa esteve sempre abaixo dos 50% da produção global. O maior equilíbrio registou-se em 2016 com a produção do direito de concessionária a corresponder a 62% do global. O maior rácio registou-se em 2013, com a produção da concessionária a fixar-se em 77% do global.

“Durante o ano de 2015, foram produzidos em Angola 649.526.260 barris de petróleo bruto. Da produção alcançada, couberam à Sonangol 236.894.129 barris, dos quais 159.441.978 (67%) enquanto Concessionária e 77.452.151 (33%) enquanto investidora”, lê-se, por exemplo, no relatório referente a 2015.

Apesar da perspectiva da queda, o grupo técnico garante que “o equilíbrio financeiro da Sonangol EP não se deteriora com a retirada da função de concessionária nacional, de acordo com os estudos técnicos realizados pelo grupo de trabalho”, como sublinhou o ministro das Finanças, Archar Mangueira, co-coordenador do Grupo Técnico de Trabalho Interministerial para analisar o modelo de reajustamento do sector dos petróleos.

“Os mesmos estudos técnicos evidenciam que haverá melhoria no desempenho dos indicadores financeiros, nomeadamente os rácios de solvabilidade e endividamento, em razão da optimização da estrutura da Sonangol EP para fazer face às suas reais necessidades, tornando-a mais robusta”, acrescentou durante o encontro com a imprensa para a apresentação das conclusões do trabalho.

Enquanto concessionária, a Sonangol fica apenas com 5% da receita proveniente da exportação do petróleo correspondente ao direito de concessionária, a outra parte entrega ao Estado.

ALIENAÇÃO TOTAL DOS ACTIVOS

Além da garantia da criação da agência, o grupo confirmou a intenção a “alienação dos activos não nucleares e a optimizaçao do portfolio de participaçaoes nas concessões petrolíferas de forma a financiar a sua própria actividade”. Segundo apurou o VALOR, a referida oprtimização se resumirá na redução da participação da Sonangol apenas até 20%. “Vamos voltar ao modelo anterior, que foi alterado depois e que previa que a Sonangol só detinha 20% de cada bloco devido a exposição tanto do risco como a financeira”, confirmou o secretario de Estado para o Petróleo, Paulino Jerónimo, à margem da cerimónia.

Para a implementação do novo modelo está previsto foi definido um modelo de implementação de três fases das quais a primeira vai até ao final do ano e corresponde à preparação da transição. Seguir-se a fase da transição e, sequencialmente, da conclusão que está programada para estar concluída em 2020.

AGÊNCIA ARRANCARÁ COM 655 COLABORADORES

A criação da agência resumir-se-á na deslocação de todo o activo da Sonangol Concessionária para o novo organismo que, segundo o programa de reajustamento do sector, arrancará com 655 colaboradores.

“A Sonangal tem uma vantagem em termos de organização. Se se pretender encerrar a Sonair, pode fazer-se sem afectar o resto da empresa porque é um bloco devidamente definido. Se se pretender fechar a concessionária não afecta as outras unidades. O que faremos é tirar o bloco à concessionária e transferir para a agência. Ao mesmo tempo, vamos criar serviços de apoio e talvez isso tenha maior complexidade do que a transferência dos serviços da concessionaria”, argumento um quadro sénior do Ministério dos Petróleos.

Segundo o programa, a agência mantém as dotações do profit oil para cobrir os custos de operação e deverá seguir o regime da contabilidade empresarial similar ao da Sonangol E.P. Irá também manter-se o actual modelo de financiamento de dotações do OGE resultantes das licenças de concessão (actualmente 5% do profit oil).

UM “PARTO” DIFÍCIL

A decisão de se retirar a função de concessionária da Sonangol não foi consensual entre os membros do grupo de trabalho e o PCA da Sonangol, Carlos Saturnino deixou mesmo a entender esta diferença no posicionamento, em Maio, à margem da conferência das tecnologias offshore, em Houston, a manifestar-se contra a criação da agência. O VALOR sabe que, mesmo durante as reuniões, Carlos Saturnino manteve esta posição, contrariando, o posicionamento na sua curta passagem, enquanto secretário de Estado dos Petróleos, antes de ser nomeado PCA da Sonangol. “Mas é normal este seu posicionamento. Qualquer um que fosse nomeado para a Sonangol se manifestaria contra a retirada da função de concessionária e a reestruturação porque diminui o poder”, argumentou um quadro sénior da petrolífera.

No entanto, algumas vozes manifestam-se recesosos quanto o momento da retirada da função da concessionária da Sonangol, como é o caso do especialista para questões energéticas, José Oliveira para quem “a maior preocupação deveria ser recuperar a Sonangol” da crise que enfrenta.

O histórico da necessidade de separar a actividade de operadora e de concessionária da Sonangol é antigo, mas durante anos ficou-se pelo consenso de que era o mais certo para o bem do sector. Em 2016, marcou-se o primeiro passo oficial com a criação do modelo de reajustamento do sector petrolífero.

Aquele, no entanto, reservava a actividade de concessionária à Sonangol que, sequencialmente, veria os outros negócios migrarem para outras companhias que estavam previstas todas as outras actividades. Enquanto Concessionária, a Sonangol seria “responsável pela gestão e monitorização dos Contratos Petrolíferos”.

Aquele modelo também já perspetivava a agência, mas não como concessionária. Teria a função de coordenação, regulação e avaliação do desempenho do sector petrolífero angolano, preparando e negociando a atribuição de blocos petrolíferos e resolvendo, por via administrativa, os eventuais conflitos entre tutelas sectoriais e diversos agentes desta indústria”.

As funções destas duas figuras motivaram, na altura, algumas interrogações, visto que as que seriam atribuídas à agência bem caberiam na concessionarias. Naquela altura, alguns especialistas acreditaram que a equipa que trambalhou no processo terá preferido manter a Sonangol como concessionária para não abrir a possibilidade de renegociação de contratos em curso com as operadoras.

No modelo agora revogado estava ainda previsto um Conselho Superior de Acompanhamento do Sector Petrolífero (“COSASP”).

DESAFIOS. Crises estão para os líderes como as falhas para quem trabalha. São incontornáveis. Podem ajudar o crescimento e/ou a experiência, mas também podem ser fatais, dependendo da gestão. Seguem-se alguns líderes que enfrentam crises actualmente.

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Isabel dos Santos, empresária

A empresária enganou-se se algum dia acreditou que, com a saída de José Eduardo dos Santos, o grande desafio de provar a sua capacidade empresarial se resumiria na gestão dos negócios já estabelecidos. Está a confrontar-se com a revogação de negócios bilionários por decisão do actual Presidente João Lourenço. A empresária queixa-se de estar a ser tratada de forma singular. “Há muitos empresários e o que não consigo entender é porque é que só se fala de um empresário e do projecto de um empresário”, afirmou recentemente, em entrevista à rádio MFM, acrescentando existir quem teve “mais benefícios, privilégios e mais ajudas” e “não apenas de garantias soberanas, beneficiou de pagamentos directos do Estado, comprou propriedades e, depois, gratuitamente ou de forma muito subsidiada, cedeu a privados e que destas situações não se fala, não se revoga”.

José Mourinho, treinador de futebol

Não é nada de novo na carreira de José Mourinho. Enfrentou crises por quase todos os clubes por onde passou, sendo esta a razão da rescisão de contratos em alguns casos. No Manchester United, desde Maio de 2016, o português está de ‘costas viradas’ com os dirigentes do clube, devido a visões diferentes sobre o plantel. Mourinho defende a contratação de mais jogadores, enquanto os dirigentes condicionam a chegada de reforços à venda de alguns dos do actual plantel, provavelmente pelos investimentos feitos nas épocas anteriores sem que se tenham reflectido nos resultados.

Elon Musk, CEO e fundador da Tesla

Nos últimos tempos, Elon Musk tem estado a enfrentar situações diversas, mas que podem significar pouco, considerando ser dos líderes empresariais que mais crises enfrenta. Os carros eléctricos da Tesla, por exemplo, geram descontentamentos e provocam processos na Noruega, porque a explosão de vendas supera a logística da fabricante, cujos serviços de atendimento ao cliente está a deixar muito a desejar. Por outro lado, a empresa registou prejuízos de 717,5 milhões de dólares, no primeiro semestre do ano.

Michael O’Leary, CEO da Ryanair

Uma onda de greves tem estado a marcar a maior companhia ‘low’cost’ da Europa, a Ryanair, desde o ano passado. A situação levou Michael O’Leary a abdicar do bónus anual, avaliado em cerca de um milhão de euros, a que tinha direito pelos lucros em 2017. Na semana passada, os pilotos da Ryanair, na Alemanha, decidiram apoiar a paralisação de 24 horas, que aconteceu na sexta-feira, inicialmente anunciada pelos pilotos da Irlanda, Suécia e Bélgica. Até à semana passada, a companhia já tinha o registo de 400 voos cancelados, 250 dos quais na última sexta-feira pelas greves.

Mark Zuckerberg, fundador e CEO do Facebbok

Se a actual tendência de perda do Facebook, ao invés de conhecer uma reviravolta, piorar, a companhia poderá, no futuro, servir de mais um exemplo para sustentar a tese de que, depois do pico, se segue o desastre. A companhia só somava sucessos até que se deparou, entre outros, com o caso Cambridge Analytica, que obrigou o seu CEO a testemunhar no congresso dos EUA e na Europa. No primeiro semestre, a empresa sofreu um défice, pela primeira vez, ao registar o menor aumento de usuários em comparação ao trimestre anterior.

Jorge Mesquitta, presidente e director executivo da J & J.

A fábrica de produtos para bebés, Johnson & Johnson, enfrenta, desde 2011, uma crise mundial pela acusação de que o seu pó talco pode conter amianto que supostamente causou cancro nos ovários em mulheres que usaram o produto por um período prolongado. Recentemente, a empresa foi condenada, nos EUA, a pagar uma indemnização avaliada em 4,6 mil milhões de dólares a 22 mulheres. O relatório do primeiro semestre assinala uma queda de 20% nas vendas no mercado norte-americano. A mesma situação levou a que uma fábrica da marca fosse fechada na Índia, em 2013.

ENERGIA. Isabel dos Santos reafirma que não usou fundos do Estado para a compra da Efacec e garante que a ENDE é quem não pagou a totalidade do valor correspondente à sua quota-parte pelo que teve a sua participação reduzida de 40% para 16%.

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João Lourenço terá ordenado a saída da Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE) da parceria que tem com Isabel dos Santos na Efacec Power Solutions, garantiu a empresária ao VALOR. “Foi-nos comunicado que foram dadas instruções, pelo sr. Presidente da República, ao ministro de Energia e Águas para a saída da ENDE da Efacec. As acções detidas pela ENDE serão vendidas no mercado internacional”, declarou.

Isabel dos Santos voltou a garantir que não adquiriu a empresa com fundos públicos, afirmando, antes pelo contrário, que foi ela quem avançou com os fundos que permitiram a entrada da ENDE. “A Efacec foi comprada por 195 milhões de euros e a ENDE pôs 16 milhões de euros. Então como é que foi o Estado quem pagou?”, interrogou a empresária, acrescentando que “cada sócio deveria colocar a sua parte e pagar as suas acções”.

“Era suposto que a ENDE, pelos 40% do capital da Winterfell, pagasse 40 milhões de euros. Mas isso não aconteceu. Pagou apenas 16 milhões de euros, nunca chegou a pagar a totalidade. O restante do dinheiro teve de ser avançado pela própria Isabel dos Santos para que a ENDE pudesse entrar no negócio e titular as acções”, acrescentou.

Isabel dos Santos reafirma que, “não obstante esta parceria coxa, a Efacec saiu dos cuidados intensivos, ressuscitou e hoje é uma referência mundial na área da energia e engenharia. Deve custar muito a certos sectores engolir este sucesso de Isabel dos Santos”, avalia.

A parceria, segundo a empresária, “tinha tudo para dar em casamento feliz”, visto que “a ENDE passaria a ter acesso a competências de topo na área da energia e engenharia” e havia ainda “o projecto de se construir uma fábrica de transformadores e cabos eléctricos em Angola no ano seguinte, fazendo-se, assim, transferência de ‘know- how’ e criando 300 novos empregos qualificados”.

A Winterfell é detentora de 66,07% da Efacec que, em 2017, teve um crescimento nos lucros de 75% para os 7,5 milhões de euros.

Razão da suspeição

Não é a primeira vez que a empresária garante que a compra da Efacec “não foi financiada directa ou indirectamente pelo Estado ou recebeu de alguma forma fundos públicos angolanos”.

As suspeições de que terá beneficiado de fundos do Estado começaram, essencialmente, em Agosto de 2015 na sequência de um decreto presidencial que autorizava a ENDE a comprar 40% da Winterfell, que, cerca de três meses antes, oficializara a compra da Efacec Industrial. A desconfiança era ainda suportada pelo facto de se desconhecer o valor que a ENDE tinha pago pela participação, com determinada corrente a suspeitar que seria a totalidade ou a maioria do valor investido na compra da Efacec.

Na altura, alguns parlamentares portugueses solicitaram às autoridades lusas que verificassem se as regras de prevenção de ‘lavagem de dinheiro’ tinham sido cumpridas.

Futuro com interrogações

A relação de negócios da empresa, de origem portuguesa com Angola data dos anos 1960. Nos últimos anos, realizou alguns contratos significativos, como o assinado em 2014, para a reabilitação e reforço de potência da barragem de Luachimo, com uma duração de 37 meses e avaliado em cerca de 83 milhões de dólares. Naquele ano, o então director da empresa, José Cabral Costa, estimava em cerca de 100 milhões de dólares o volume de negócios da empresa em Angola. Tem ainda um contrato com a barragem de Laúca à qual, em 2017, forneceu um transformador trifásico de 371 MVA e níveis de tensão de 400/18 kV.

ENTREVISTA. Empresário e vice-presidente da Associação Nacional dos Industriais e Madeireiros de Angola (ANIMA) defende que haja investimento na plantação de florestas com objectivos industriais. Acredita que o novo pacote legislativo vai afugentar do negócio grande parte dos estrangeiros que apostaram na madeira para apenas fazer face à crise das divisas e alerta que a riqueza de Angola, em madeira, poderá não ser tão elevada como se pensa.

Grande Entrevista VE 119

Que avaliação faz do estado das empresas, considerando as incertezas sobre a abertura do ano florestal?

A avaliação é negativa. As empresas estão paralisadas há seis meses e, como consequência, estão a atravessar uma crise terrível. A maior parte está a ser obrigada a suspender os trabalhadores, umas fecharam completamente. É um cenário que traz problemas graves às empresas, principalmente na relação com os financiadores e também com os clientes, porque há contratos que não foram cumpridos, o que é sempre negativo. As empresas angolanas já eram exportadoras, tinham criado uma boa imagem e só por isso exportavam, porque os mercados de destino são muito exigentes. Esta boa imagem perdeu-se completamente. É preciso voltar a conquistar essa confiança.

O que a associação tem feito para melhorar a relação dos associados com os vários parceiros?

Temos estado em contacto permanente com o Ministério da Agricultura e Florestas, consideramo-nos parceiros activos. Fomos, por exemplo, participantes do novo pacote legislativo. Junto dos bancos, temos apoiado os nossos associados para que a banca compreenda a situação, que é de força maior. É necessário que os prazos de reembolso sejam dilatados de forma a que se permita a sobrevivência das empresas. Junto dos clientes, temos feito tudo para que compreendam esta situação, mas, como sabe, a distância, às vezes, é inimiga da compreensão.

A Ásia, sobretudo a China, é o maior destino da madeira angolana. É verdade?

É, de facto, verdade, a partir de 2015. A crise financeira permitiu a entrada de indivíduos estranhos ao sector que, com muito capital, alteraram o quadro que se mantinha. Incidindo, essencialmente, sobre uma espécie de madeira existente no Leste de Angola, muito procurada nesse mercado. Mas, antes disto, o principal mercado das empresas nacionais era a Europa e um bocado a Ásia e, no caso, a China. As exigências para exportar para a Europa são grandes. Se as empresas cumpriam, quer dizer que não estava tudo mal.

Os florestais sempre se focaram apenas na exportação, ignorando as necessidades do mercado local?

A capacidade de produção da indústria nacional já implementada é suficiente para abastecer o mercado local, mas há uma margem grande para a exportação. O mercado nacional não absorve mais de 40% da produção da primeira transformação. A indústria da carpintaria, ligada à construção, e mesmo a da marcenaria, são perfeitamente abastecidas pela produção nacional. O problema é que a madeira maciça, proveniente da floresta natural, é um produto caro. Há aplicações na construção civil que não dão para usar a madeira maciça, tornariam as obras mais caras. Por isso é que a construção civil ainda importa muito material ligado à madeira como portas prensadas, aros que são feitos com placas prensadas que têm origem na floresta de outros países.

Há margem para novos negócios abastecidos pela madeira maciça?

Ainda há muita coisa por ser feita. Por exemplo, investimentos em fábricas de contraplacados e de laminado decorativo em algumas províncias com espécies florestais próprias para este fim. São a melhor forma de utilização racional da floresta natural.

Em algumas ocasiões, o senhor defendeu o investimento em plantação de florestas industriais. Continua a defender isso?

Este é um outro nicho de mercado. O negócio florestal, para ser forte e participar de forma intensiva na economia nacional (não só importando divisas, mas também resolvendo parte do problema do emprego e, consequentemente, da pobreza), tem de entrar na plantação florestal para fornecer matéria-prima à indústria de prensados e assim poder fazer fábricas de móveis ou mesmo voltar à produção da celulose. Nós, em Angola, ainda não estamos metidos neste negócio. Ainda não há o objectivo de plantar para a indústria, pode haver algumas intenções, plantam-se alguns eucaliptos, mas não existe um objectivo concreto de plantar para a indústria nacional.

Se não existir esse objectivo, vamos continuar a importar todos os móveis?

O país vai sempre importar porque fazemos parte de um mundo global, mas também porque a cama de madeira maciça, por exemplo, é mais cara do que a feita com placa de madeira prensada e a população geral não tem acesso aos produtos de madeira maciça. Antigamente, tínhamos uma fábrica de contraplacado, mas nem mesmo o contraplacado serve para fazer tudo. Mas também já não temos esta fábrica. O que precisamos é entrar no negócio da floresta plantada para podermos produzir as placas para fazer as mobílias. A madeira natural dá para as carpintarias e, mesmo assim, são mais caras do que as feitas com madeira prensada.

A associação tem levado esta preocupação ao Governo?

Temos dado a conhecer e sabemos que o Executivo tem esta ideia, mas ainda não é um objectivo fundamental. O que a ANIMA gostaria é que o Executivo a tivesse como objectivo imediato, porque só assim se pode pensar em desenvolver a indústria.

Como a associação se defende da acusação de que não investem quase nada na reflorestação?

A associação não se revê nesta acusação, porque a exploração florestal é feita 90% em florestas naturais. Desde que ela seja uma exploração sustentável como exige a lei, a recuperação da floresta natural, é normal e natural. O que o novo regulamento impõe, e nós concordamos, é que os empresários florestais têm o dever de plantar espécies junto das suas explorações e em quantidade correspondente ao seu abate. É uma medida que vem ajudar a reflorestar as zonas degradadas. Mas são coisas diferentes, porque reflorestar é uma coisa e plantar para a indústria é outra.

A ANIMA revê-se totalmente no pacote legislativo que foi aprovado?

Plenamente, porque também contribuiu muito com o seu saber para esta nova legislação e considera que é fundamental para que se evitem, no futuro, os problemas que aconteceram. O discurso da associação, muitas vezes, parece excessivamente proteccionista e está contra novos operadores, sobretudo estrangeiros… É completamente errada essa leitura. Somos apologistas de que o sector florestal é uma riqueza dos angolanos e tem de ser bem gerida porque a floresta natural tem de ser explorada com sustentabilidade. Todos os empresários que quiserem entrar, desde que cumpram as leis, podem associar-se a empresas nacionais e participar. Não somos contra ninguém, mas a favor da lei porque se nós, nacionais, temos de cumpri-la não permitimos que outros não a cumpram.

O negócio da exploração não será orientado pela lei do investimento privado que retira a obrigatoriedade das parcerias com nacionais?

A lei das florestas e o seu regulamento não permitem que estrangeiros explorem sozinhos.

Quanto é que os empresários florestais investiram nos últimos anos?

Nos últimos 10 anos, as empresas nacionais fizeram muitos investimentos porque a exigência do mercado obrigou. Houve investimentos muito grandes, estamos a falar de dezenas e dezenas de milhões de dólares. Em cada província, existem duas ou três empresas altamente organizadas, bem apetrechadas tecnicamente, com competência, e até a nível dos recursos humanos foram feitos grandes investimentos. É preciso conhecer melhor a transformação da madeira e não se conhece.

Porquê?

Porque este sector está instalado junto das zonas de exploração. É preciso visitá-lo, conhecê-lo e ver a sua importância na comunidade para que se lhe dê o valor que merece. Bem regulado, vai ser um grande sector de exportação porque existem condições técnicas para que as empresas exportem em quantidade e qualidade. No novo pacote legislativo, houve preocupação do Executivo em melhor regular a exportação para evitar fugas e para permitir que as divisas entrem nos bancos. Quem vai exportar, por exemplo, tem de apresentar a carta de crédito do comprador, além do mais, e o que é mais importante para mim, é que existe uma tabela de preços obrigatória. Ninguém pode exportar uma espécie de madeira a um preço inferior ao que estiver na tabela.

É certo acusar apenas os estrangeiros, que passaram a investir no negócio nos últimos anos, de se aproveitarem da fragilidade das leis ou os nacionais antigos também foram aproveitando?

Sempre fomos obrigados a pôr as divisas resultantes das exportações nos bancos nacionais e sempre fizemos isso. Quem desmontou tudo isso foram estes que chegaram em 2016 e 2017.

Qual foi o resultado das exportações antes deste período?

Não é muito fácil adiantar porque a associação não controlou estes aspectos, mas, com a anarquia, entrou menos, mas exportou-se muito mais em 2016 e 2017. Basta ver o resultado do trabalho exemplar que o Executivo fez na apreensão da madeira ilegal. Foram milhares de contentores que não cumpriam normas, eram explorados ilegalmente e nenhuma das nossas empresas está envolvida nestes problemas.

O novo pacote legislativo vai terminar com esta situação?

Vai terminar, porque o Ministério da Agricultura está muito empenhado em fazer cumprir a nova lei e o regulamento e também a nova política de entreposto aduaneiro. Nenhuma madeira poderá sair sem passar por um entreposto aduaneiro devidamente controlado pelas autoridades, além de que, para se obter o processo para a exportação, a empresa tem de, primeiro apresentar a carta de crédito do cliente. Se houver a aplicação rigorosa, a situação vai ser debelada. Mas temos consciência de que são sectores difíceis de controlar. Aliás estamos completamente parados, mas os garimpeiros continuam, é só ver que recentemente 12 chineses foram detidos porque continuavam a cortar.

Qual é o cenário que prevê com a entrada e o cumprimento da lei? Estas pessoas vão optar pela legalização e fazer parcerias com empresas angolanas ou vão continuar a explorar ilegalmente?

São dois cenários que pensamos que vão acontecer. Grande parte vai desistir do negócio porque só estavam nele para conseguir dólares, mas como os mecanismos vão obrigar a que os dólares entrem no país não lhes interessará. Mas vai restar uma parte que se vai associar aos nacionais, mas terá de ser aprovada pelo Ministério da Agricultura.

A invasão da actividade motivou a revisão da lei e a sua organização. Concorda?

Se não houvesse esta situação, estaríamos numa fase de normalidade porque este pacote legislativo já estava em estudo e a normalidade seria a introdução gradual e não haveria estas paralisações.

Qual é o investimento mínimo para exploração florestal?

São necessários dois tractores, mais um carregador e mais dois camiões. São necessários dois milhões de dólares.

A recuperação do investimento é fácil?

Com a experiência de um homem que já está há muito tempo no negócio, diria que é preciso muito cuidado. O negócio da madeira é tão difícil como o das minas porque a sua exploração é muito difícil, o investimento inicial é alto e o retorno não é imediato. Primeiro, porque é uma actividade sazonal; não há seguros, ainda corremos alguns riscos como os incêndios e temos um problema de confrontação com a população. É complicado, mas se for bem executado, não é que seja mais rentável, nem de perto nem de longe, mas dá para viver.

país tem o ‘know-how’ necessário para fazer face aos desafios da actividade?

O núcleo existente é de empresas com ‘know-how’ acumulado durante décadas. Muitas empresas encerram em si um conhecimento muito importante. Inclusive a formação do posto de trabalho foi feita ao longo destas décadas e hoje temos alguma força de trabalho competente. A par disso, as instituições de ensino já estão a formar engenheiros florestais. Se estas empresas morrerem, morre o ‘know-how’. É preciso olhar para esta actividade com olhos de ver e não olhar para os empresários florestais como os destruidores das florestas. Segundo os dados da FAO, o sector florestal degrada a floresta apenas em 6%, os outros 94% são destruídos pela agricultura intensiva, o reassentamento da população, o desenvolvimento humano e as queimadas.

Antes aceitavam ser tratados como madeireiros, mas agora preferem florestais. Alguma razão em especial?

O madeireiro virou um termo depreciativo porque foi conotado com o banditismo da exploração florestal. Gostaríamos de substituir pelo empresário florestal porque não somos madeireiros no sentido lato da palavra, aqueles que usam a actividade para a sobrevivência. Somos empresas organizadas, que exploram a floresta organizadamente com o objectivo de processamento industrial.

Que avaliação faz da madeira angolana no contexto internacional?

Temos duas grandes florestas. A tropical e a savana. Tanto numa como noutra, existe madeira nobre, muito procurada no mercado internacional e com grande valor económico. Daí que há este problema todo que temos assistido. No Leste de Angola, existem espécies de grande procura. Mas quem dá valor às madeiras são os mercados. Por exemplo, no asiático procura-se muito por algumas espécies e essas passam a ter um grande valor nestes mercados, mas não quer dizer que tenham o mesmo valor noutros.

Que destino se deve dar à madeira apreendida?

Somos apologistas de que toda a madeira legal deve seguir os seus trâmites normais de legalidade, ser entregue aos proprietários, existe madeira legal e o Ministério da Agricultura já fez esta destrinça. A ilegal passa para o Estado e caberá ao Estado dar o destino que bem entender. Como são madeiras nobres, é um erro total usar para fazer cadeiras escolares, como alguns defendem. Não se devem fazer carteiras escolares com madeiras nobres que têm grande valor no mercado. O Estado deveria criar as condições para exportar e com a as divisas comprar carteiras escolares, fica mais barato. As carteiras são feitas metade com madeira e metade com ferro com placas. Fazer carteiras com madeira maciça é muito caro, usa muita mão de obra e podemos importar cadeiras escolares a preços muito mais baixos. Com a exportação destas madeiras, o Estado pode não só comprar carteiras como investir no apetrechamento dos organismos de inspecção como o IDF (Instituto de Desenvolvimento Florestal).

O IDF precisa de muitos investimentos?

Os fiscais do IDF têm de ter maior capacidade de intervenção, mais meios e um estímulo diferente. Há problemas na progressão das carreiras, estão mal apetrechados, não se conseguem movimentar eficazmente. O Estado tem de olhar melhor e rapidamente para a fiscalização.

Como olha para o futuro da actividade?

É um futuro risonho, é o futuro do nosso país porque não podemos olhar para o sector florestal apenas no âmbito actual. só para a floresta natural, mas a floresta natural não é base de matéria-prima suficiente e necessária para o desenvolvimento do negócio da madeira. Temos de olhar para o negócio da madeira focando na produção para a celulose, para a produção de placas prensadas para o fabrico de mobiliário e para outros. Temos de olhar para esta complementaridade e plantar florestas com o objectivo de matéria-prima diminuindo assim a pressão sobre a floresta natural. As florestas são fontes regulares e contínuas de matéria-prima. Só assim poderemos pensar no grande negócio florestal em Angola e colocar o país no contexto das nações ricas na exploração florestal.

Mas não somos uma nação rica em termos florestais?

Ouvimos, muitas vezes, dizer que somos ricos. Temos uma cobertura florestal de 53 milhões de hectares, mas a floresta explorável é muito menor. Não digo o número para não assustar. Temos de ter cuidado porque não somos tão ricos assim em floresta comercial. Temos boa concentração no Maiombe, em Cabinda, mas é a parte mais pequena de África. Temos núcleos interessantes no Uige, Zaire e Lunda-Norte. Também no Moxico, Kuando-Kubango e parte do Cunene. Ricas em espécies, mas estamos a falar de florestas de savana de um lado cuja densidade de exploração não é assim tão grande. Se for explorada sustentavelmente chega e sobra, mas para termos o desenvolvimento industrial, temos de plantar e urgentemente.

Qual é a percentagem da floresta explorável considerando os 53 milhões de hectares?

É difícil porque o IDF fez um trabalho excelente que é o inventário nacional das florestas que deveria ser tornado público. Vamos aguardar por este inventário porque vai dar uma noção exacta das nossas potencialidades. Avançar um número, seria da nossa experiência porque somos homens da mata, mas é sempre um número que pode ser especulativo. Vamos aguardar.

Mas o estudo do IDF pode concluir que somos sim tão ricos ou mais ricos do que pensamos?

Não acredito, somos ricos, mas não tão ricos.

Assume-se como angolano e é assim que fala na primeira pessoa. Há 12 anos a viver e a liderar a empresa em Angola, sente-se “da terra” e, como tal, elogia as últimas medidas governamentais, sobretudo as de incentivo à entrada de estrangeiros. Avisa que não se deve ter medo, mas recomenda que o país não se iluda com o ligeiro aumento do preço do petróleo. Garante nunca ter corrompido, mas admite ter sofrido com isso.

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Que avaliação faz do estado actual da economia angolana?

Estamos numa situação perfeita, a sair de uma crise. Estamos a deixar de ser um dos países mais caros e difíceis de operar para ser um dos mais eficientes. Estão a registar-se mudanças que proporcionarão grandes oportunidades. A abertura das fronteiras, por exemplo, vai ser incrível para o desenvolvimento do país, visto que ficámos fechados por mais de 45 anos e era muito difícil entrar nos últimos 15. Com a abertura, o país poderá receber, com mais facilidade, tudo o que o mundo aprendeu e desenvolveu enquanto estivemos fechados.

Fala com muita expectativa, quando há sectores empresariais que ainda se manifestam receosos. Há alguma razão em particular?

É preciso crer, acreditar que as coisas boas vão acontecer. Acredito muito na capacidade das pessoas. Nós, TGI, por exemplo, não investimos em negócios, mas em pessoas. Se conseguirmos ser um grupo onde todas as pessoas evoluem, o grupo também vai desenvolver-se.

Uma das operações do grupo é o da prestação de serviços ao sector petrolífero, que foi um dos que mais se ressentiu com a crise. Como inverteu a situação?

Foi muito interessante. Olho para o mundo de forma um pouco diferente. Tudo no mundo é criado por átomos. Ou seja, positivo, neutro e negativo. Cientificamente, tudo no mundo tem o positivo, neutro e o negativo. Com a crise, obviamente, aconteceram muitas coisas negativas, perdemos contratos, mas comecei a pensar onde estão os protões desta situação. Encontrei três situações. Primeiro, todos os concorrentes estavam a deixar o país, mais de metade das empresas saiu e nós investimos mais. Procurámos estar mais fortes para quando a situação melhorasse e estivéssemos mais preparados. Segundo, todos os nossos potenciais clientes estavam a procurar baixar os custos. Foi para nós uma oportunidade de apresentar novas propostas com preços mais baixos e conseguir ‘roubar’ contratos das outras empresas. Crescemos muito na diversificação dos clientes, estamos com quase todos da área petrolífera.

E qual a terceira situação?

Uma das grandes dificuldades em Angola é o capital humano. Desde 2002, até ao início da crise em 2015, todas as grandes empresas, como a Chevron, BP, Total e Exxon, treinaram muitos angolanos, mas despediram muitos por causa da crise. E, pela primeira vez, tivemos um mercado de capital humano incrível, muitos angolanos com capacidade para operar em multinacionais. Decidimos investir no capital humano, aproveitámos para trocar a nossa equipa e, actualmente, mais de 80% é angolana. Temos uma equipa incrível, estamos fortes e prontos para o que vier.

A folha salarial tornou-se mais pesada?

Sim, mas foi compensada pelos novos contratos. Ainda que não fossem tão lucrativos, mas foi bom para o crescimento da empresa. Foi uma possibilidade de mostrarmos o nível de serviço que podemos prestar. Estamos numa posição boa para o futuro.

O petróleo continua a ser o principal produto de exportação, mas fala-se numa aposta na diversificação. Como olha para esta realidade?

O petróleo continua a ser, mas a crise foi uma bênção porque nos forçou a apostar na diversificação. É verdade que, durante anos, o Governo já apelava para a diversificação, mas os empresários não investem apenas pelo apelo do Governo, precisam de alguma justificação financeira. Quando não havia dólar, os empresários olharam para as várias oportunidades. A crise empurrou-nos para a diversificação da economia. Ou seja, é verdade que o petróleo continua a ser o principal produto, mas vão surgindo outras empresas.

Como é que a vossa empresa tem estado a gerir a falta de divisas?

Temos uma boa relação com os nossos parceiros, bancos e fornecedores. Todos sabem que pagamos as dívidas e foram muito pacientes. Mas também nos sacrificámos muito. Algumas vezes, tivemos de adquirir no mercado informal, mas era necessário.

Acredita na melhoria da situação com a tendência crescente do preço do petróleo?

Espero que nos ajude, mas também que não nos sintamos confortáveis porque esta subida não será para sempre. Temos de aprender a viver sem o petróleo, como um mercado normal. Temos de estar dispostos a trabalhar para chegarmos ao nível dos países que não têm petróleo, mas estão muito bem. Temos uma terra produtiva, portos e rios. Só temos de estar dispostos a sacrificar as nossas energias e esforços. Precisamos de perder o medo de que temos de nos proteger. Temos uma população pequena e muito boa.

Como olha para o turismo em Angola na diversificação da economia?

O turismo de negócios vai ser incrível se abrirmos as fronteiras. Quando é difícil viajar para um país, os investidores desistem. Para vir para Angola, em muitos casos, as pessoas tinham de viajar antes para um outro país. São muitos gastos. Isso desvia muitos investidores. Temos um país com muitos recursos. Há muitas coisas que ainda não estão em Angola, mas já é uma realidade no resto do mundo devido ao período de guerra que tivemos.

Há muito para ser feito. Temos de facilitar a entrada dos investidores, não podemos ter medo, precisamos de abrir o país e deixar os empresários entrarem. Há correntes que acreditam que a abertura total pode provocar o surgimento de monopólios estrangeiros, considerando a posição de desvantagem dos nacionais. Concorda?

Não. Porque é que iriamos criar monopólios estrangeiros? Temos de ter confiança que esta é nossa terra. Falo como se fosse angolano porque estou a investir aqui há 12 anos e gosto do país. Temos de lembrar que ninguém vai conseguir operar tão bem como os angolanos, é a nossa terra. Ao invés do medo, devemos pensar que será boa a vinda dos empresários estrangeiros. Vão causar concorrência, melhorar o nível de serviços e produtos. As empresas internacionais vão puxar pelas nacionais e, quando estiverem ao mesmo nível, por uma questão natural, os angolanos vão preferir comprar nas nacionais. Isso acontece em todas as partes do mundo. Por que é que temos de ter medo? Se o Governo quer combater os monopólios nacionais, por que protegeria os dos estrangeiros? Não temos de ter medo, porque o Governo também não irá proteger porque são ilegais em toda parte do mundo.

Mas concorda que os empresários nacionais têm uma desvantagem visto que não encontram nos bancos, por exemplo, o mesmo suporte que os estrangeiras têm nos países de origem?

A questão da falta de apoio da banca é mais pela falta de divisas porque, de uma forma geral, os empresários precisam de divisas e a banca não tem. E, mais uma vez, os empresários angolanos têm maior probabilidade de se relacionarem com os bancos nacionais. Eu, por exemplo, não sou angolano, mas sinto-me assim e tenho boas relações com os bancos e tenho certeza de que teria mais sucesso comparativamente a uma empresa estrangeira que fosse nova. Se eu estou com esta confiança, os angolanos que levam toda a vida deveriam ter ainda mais.

A TGI tem feito recurso à banca nacional para financiamento?

Localmente, não por não precisar de financiamento em kwanzas, precisamos de moeda estrangeira. As taxas dos bancos aqui são muito altas. Tem que ver, em parte, com a desvalorização do kwanza, mas também estão a pagar boas taxas para os depósitos a prazo. Na verdade, não consigo falar muito sobre o assunto, porque não temos solicitado financiamento.

Mas as empresas nacionais estão, em princípio, dependentes dos bancos nacionais. Não considera uma desvantagem em comparação às estrangeiras?

É verdade, mas o financiamento fora do país também é difícil. Nós, TGI, somos uma empresa angolana, tivemos muitas dificuldades, não foi fácil. Conseguimos depois de muita luta. As empresas angolanas também podem conseguir depois de muita luta, mas não é fácil porque estamos atrasados. Não temos bens em todo o mundo, não temos um sistema bancário onde o dinheiro flui facilmente. Mas temos de chegar lá. Sou um bom exemplo, porque estou no meio-termo. Sou estrangeiro, mas considero-me angolano e somos uma empresa angolana. Definitivamente, teremos coisas negativas (com a abertura), mas não é por causa da banca. Tivemos em guerra durante muito tempo, estamos atrasados como país e temos de alcançar o nível mundial, mas, para isso, teremos de estar abertos ao mundo para que as empresas angolanas possam ganhar o respeito da banca internacional. Nada é perfeito, temos algumas coisas boas e outras más. O negativo é que realmente é difícil conseguir financiamento; a coisa boa é que conseguimos operar no país muito melhor que qualquer outro que chegue, porque Angola ainda não é um país fácil para operar.

Quais são as grandes dificuldades do mercado?

Obviamente, o problema de divisas. Antigamente, havia muita burocracia e o Governo envolvia-se muito nas regras de investimento.

Já sente menos burocracia?

Roma não foi criada num dia, mas os sinais são muitos bons. A alteração da Lei do Investimento e a supressão e facilitação dos vistos são sinais. As tecnologias também vão ajudar. Não teremos de fazer o mesmo trabalho que os outros fizeram e permitem mais transparência. A tecnologia vai fazer com que tenhamos, por exemplo, empresas públicas muito transparentes e vamos conseguir avançar em menos tempo.

Desde que está em Angola já teve de recorrer à corrupção?

Graças a Deus, não. Muitas pessoas entram com esta mentalidade e esta passa a ser a prática. A corrupção não é um problema nem angolano, nem de ninguém. Nem do MPLA, nem africana, é do ser humano. Há corrupção em toda a parte do mundo e as pessoas decidem se querem ou não entrar. Têm aparecido oportunidades e temos perdido por não entrar. Gosto de jogar com regras. A curto prazo, ter-nos-á nos afectado, mas, a longo prazo, não, porque todo o mundo sabe que a nossa empresa não entra no jogo da corrupção. Somos uma empresa de dignidade.

Então não é certo que estrangeiros apresentem a corrupção como uma das barreiras do mercado angolano?

Não estou a dizer que não exista. Em qualquer parte do mundo, se conseguir corromper alguém, vai dar o que se quer mais rapidamente, mas, se decidir pelo caminho menos tomado, que é fazer a coisa certa, é provável que, de imediato, seja mais difícil. Sofri durante muitos anos aqui. O meu negócio não correu bem ao princípio, lutamos muito, tivemos roubos, mas, com o tempo, este investimento de não ser corrupto ajudou-nos e fortaleceu-nos muito mais do que aqueles que nunca conseguiram aprender a fazer as coisas sem corromper. São estes os que estão a chorar muito mais.

Alexander Thomson-Payan

Residente em Angola há 12 anos, Alexander Thomson é filho de pai americano e mãe colombiana. Nasceu nos Estados Unidos da América e criou a primeira empresa em 2006, a Electrix Telecom que se dedica na distribuição de telemóveis de marcas IPHONE, LG, ALCATEL e SAMGSUNG no país. Em 2017, criou o grupo TGI, vocacionada em investimentos que identifica os melhores projectos actuando como parceiro local, para empresas internacionais. A TGI presta serviço às companhias petrolíferas