César Silveira

César Silveira

Editor Executivo do Valor Económico

‘Vos não sereis a primeira vítima, outros, dentro e fora do partido, foram sacrificados para que o MPLA tivesse a força que tem. Caros camaradas, alguns de vocês terão de cair para evitar que caiamos no descrédito com sérias consequências para a nossa manutenção como força dominante’.

Se não é este o discurso nos grupos mais restritos do MPLA, era preferível que fosse. Seria mais compreensível, menos chocante e repugnante do que ouvir o também Presidente da República a deixar a entender que o objectivo do partido, ao combater a corrupção, é garantir a manutenção do partido como força dominante do país.

O combate à corrupção não pode ter como principal objectivo a manutenção do MPLA, partido cujos militantes já deram provas de não terem coragem de criticar, apoiando as decisões e práticas do líder mesmo quando estas significam danos para o Estado.

O combate à corrupção deve ser movido principalmente pelo interesse do Estado, ainda que o sucesso possa representar a queda do MPLA. Um discurso nesta perspectiva estaria mais à altura de um estadista. A mensagem deve ser no sentido de mostrar disposição de tudo fazer para pôr em prática o discurso da ‘tolerância zero’ para com a corrupção. Mas o que ficou implícito é que o MPLA sente a necessidade de fazer alguma coisa apenas para não continuar a nada fazer e a ficar cada vez mais fragilizado.

Pode parecer que, ao trabalhar para merecer a confiança do povo, o MPLA estaria necessariamente a servir o Estado. Não é bem assim. A ter como interesse imediato inverter a tendência de perda de votos das duas últimas eleições, o partido facilmente colocaria em segundo plano os caminhos que exigissem, por exemplo, três ou mais anos para o alcance de resultados positivos e sustentados, caso estes caminhos estivessem em conflito com o que garantisse a vitória imediata nas eleições.

Parece uma decisão tomada. Alguns camaradas, e preferencialmente pessoas e nomes sonantes, terão de ser sacrificados em nome da manutenção do MPLA como força dominante.

Se necessário for, o próprio Estado poderá ser sacrificado em nome do MPLA, como pode já ter acontecido no caso Jean Claude Bastos de Morais. É legítimo pensar que sim. Porque é que se aposta na publicidade do valor supostamente recuperado e não no que deixámos de receber, ao se interromper as aplicações que estavam em curso?

Portanto, parece uma decisão tomada. Salvar o MPLA depois da perda de votos nas últimas eleições. A dúvida é se a estratégia resulta apenas da agenda de João Lourenço ou se de um plano devidamente elaborado ainda antes da saída de José Eduardo dos Santos.

César Silveira, Editor Executivo Valor Económico

AVIAÇÃO. Acordo conta com a adesão de 28 países. Exigirá investimentos da Taag para aproveitar as oportunidades e, sobretudo, para não perder o mercado como aconteceu com as companhias nigerianas. CEO da companhia nacional alerta para alguns riscos. Angola pode ser um dos quatro destinos mais procurados.

A memória não me lembra, e nem mesmo o Google, de a Sonangol, perante a incapacidade de atender às necessidades de combustível, ter feito um comunicado que, além de nada esclarecer, criar mais preocupações. “Um certo condicionamento logístico…”. Não acrescenta nada.

O cidadão já sabia que existia um certo condicionalismo tendo em conta as limitações nos postos de abastecimento. Mas qual e quando estaria resolvido? O desejo era ter respostas a estas questões. Mas não foi o que aconteceu.

Três dias depois da ‘crise’, a Sonangol fez, sim, questão de acusar os automobilistas de serem parte principal do problema por aumentarem a procura como se o aumento tivesse resultado da simples vontade de as pessoas abastecerem mais e mais sem qualquer necessidade.

O mais preocupante é que, contrariamente aos comunicados feitos noutras alturas, a petrolífera evitou assumir um prazo para a resolução do problema. Nem sequer fez recurso ao “brevemente”. Disse, sim, que o mercado levará “alguns dias a voltar à normalidade”, depois da reestruturação a que foi forçada a fazer para atender a uma suposta maior procura de combustível.

Ou seja, em suma, o que a petrolífera disse é que houve um condicionalismo logístico e os automobilistas começaram a procurar mais combustível do que o habitual. Viu-se forçada a reestruturar os processos para atender esta demanda desnecessária e a reestruturação levou alguns dias para estar oleada.

A imprecisão no esclarecimento da Sonangol deu lugar a especulações, uma delas dando conta que a empresa foi orientada, pelo Executivo, a cortar em 50% a importação. Assumo que se tratou de especulação a informação do suposto corte na importação, fazendo fé a uma fonte confiável que tenho no Ministério dos Petróleos.

A petrolífera garante, entretanto, que não há falta de combustível. A ser verdade, a questão que se coloca é: Porquê alterar um processo que funcionava perfeitamente? O comunicado da Sonangol pareceu o caminho possível para esconder um grande problema, pois fica difícil encontrar uma razão para que não se detalhasse o condicionalismo logístico. Oxalá esteja enganado…!

César Silveira, Editor Executivo Valor Económico

Está concluído o trabalho da comissão criada pelo Presidente da República, João Lourenço, para avaliar as empresas privadas criadas com fundos públicos. A única revelação é que estes projectos prejudicaram em cerca de 4,7 mil milhões de dólares o Estado. João Lourenço considera o relatório “no mínimo chocante e repugnante”, acrescentando estarem as condições criadas para nos próximos dias accionar-se os “mecanismos para o Estado reaver o património e os activos que lhe pertencem”.

Portanto, fica implícito que o Presidente da República considera astronómico o valor. Se for este o caso, é ‘no mínimo chocante e repugnante’, visto ser quase consensual que estes números estão muito abaixo dos valores do Estado que, efectivamente, terão sido usados para a criação de empresas privadas. Só para se ter uma ideia, a Fábrica de Cimento do Kwanza-Sul foi financiada na totalidade pela Sonangol, custou cerca de 731,1 milhões e, pelo menos, até 2017, o valor continuava em dívida.

Depois de se anunciar o valor de 4,7 mil milhões, seguiu-se um ‘movimento’ nas redes sociais a recordar uma investigação da Human Rigths Watch, que denunciava diversos patrimónios de entidades privadas, entre as quais o MPLA, que tinham sido financiadas pela Sonangol. Falava-se em cerca de 32 mil milhões de Euros.

Este movimento é prova do consenso de que é pouco o valor a que chegou a comissão criada pelo Presidente da República. O que se deseja é que esta ‘falha’ por defeito tenha resultado pura e simplesmente da incapacidade de a equipa alcançar os projectos e números verdadeiros. Porém, não se pode descurar a possibilidade de esta ‘falha’ resultar da intenção de se pretender atacar apenas alguns projectos já identificados. E tudo que o País é que o processo seja transparente, tenha como único objectivo beneficiar o Estado e não o de satisfazer as vontades pessoais de um determinado grupo.

A transparência do processo exige lembrar que muitas destas empresas foram financiadas com suporte legal. Aprovado em Julho de 2003, o Decreto 14/03 tinha como objectivo a promoção do empresariado privado nacional. Defendia que as “empresas públicas de média e grande dimensão, e com capacidades financeiras adequadas, podiam, no exercício da sua autonomia gestionária, financeira e patrimonial, receber e negociar propostas de promoção comparticipada ou simplesmente apoiada, de empresas nacionais que se apresentem inseridas nos respectivos sectores de actividades ou negócios”.

Ou seja, muitos destes estarão apenas numa condição de ‘malparado’ e sempre podem negociar modalidades de amortizar.