ANGOLA GROWING
César Silveira

César Silveira

Editor Executivo do Valor Económico

FINANCIAMENTO. Dos cerca de 19,5 mil milhões de dólares em negociação, foram conseguidos 11,8 mil milhões. Do chinês ICBC, Angola conseguiu obter apenas cerca de 27% do valor que estava a negociar. Analistas alertam para o “perigo chinês”.

 

Admite compreender a corrupção, porque “houve um sistema que a permitiu”. Por isso, Manuel Sousa defende que haja tolerância e que se possibilite a transformação do dinheiro ganho “de forma pouca correcta em negócios mais claros e lícitos”. Crítica a banca por não forte e independente, queixa-se de haver muitas “restrições e fiscalizações exageradas” e lamenta as limitações impostas nas exportações.

 

 

Na primeira visita oficial de João Lourenço à China, o embaixador chinês em Angola garante que vão ser assinados novos acordos, mas com um novo modelo de cooperação em que só serão financiados os projectos viáveis. Cui Aimin tem dúvidas sobre a dívida angolana à China, garante que as empresas chinesas apresentam trabalhos de qualidade, que cumprem sempre os acordos e abre portas a mais cooperação, sem ser meramente económica.

 

PARCERIA. Encontro que se realiza de três em três anos arranca hoje, 3.08, na China. Novos financiamentos e possibilidade de transformação da moeda chinesa em divisa são alguns dos temas em discussão.

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As trocas comerciais entre África e a China cresceram 17,4% nos primeiros sete meses do ano, comparativamente ao período, homólogo, passando de 98,9 para 116,1 mil milhões de dólares. No referido período as trocas globais chinesas foram de cerca de 2,6 biliões de dólares, o que fixa em cerca de 4,4% a participação africana, registando-se um crescimento de 0,6 pontos percentuais comparativamente aos primeiros sete meses de 2017. Os números mantêm a tendência de crescimento das trocas bilaterais dos últimos anos, período em que o país asiático se posicionou como o maior parceiro comercial do continente. Prova do cumprimento de parte do objectivo da criação do Fórum de Cooperação China Africa (FOFAC), em 2000.

Em busca de relações mais justas

Há, no entanto, consenso sobre a necessidade de se equilibrarem as vantagens das partes. Devido aos termos dos financiamentos, a China tem sido a maior beneficiária. As empresas e a produção africanas pouco ou nada beneficiam das empreitadas resultantes dos financiamentos chineses.

“A China tem apoiado Angola, mas também se comprometeu a que 30% das empreitadas financiadas pela China seriam para empresas angolanas e tem-se esquecido disso”, afirmou, por exemplo, o banqueiro Fernando Teles, em finais do ano passado, durante o Fórum Económico ‘cidades sustentáveis’, integrado na 22.ª Feira Internacional de Macau (MIF). “Grande parte das empreitadas das empresas chineses são essencialmente realizadas com operários e empresas chinesas, isto não é bem-vindo a Angola”, insistiu. O discurso é semelhante ao de muitos operadores africanos.

O presidente da Câmara de Comércio Angola China, Arnaldo Calado, defende, no entanto, que “a culpa não é de quem dá, mas de quem recebe”, apelando para a necessidade de o sector empresarial potencializar-se para substituir os Estados na busca dos financiamentos. “A política da China é: ali onde nota que há défice, exige que sejam eles a fazer.

Há um país em África onde eles sabem que já não precisam de fazer isso porque a classe empresarial, por exemplo, está em condições de responder aos desafios. Ou seja, nestes países onde as empresas já têm capacidade, o Estado apenas dá o suporte, mas quem realmente assume a dívida é a empresa”, compara, reconhencendo que mais países, incluindo Angola, estão em melhores condições de negociar com o gigante asiático, comparativamente ao passado.

“China e África: em direção a uma comunidade ainda mais forte, com um futuro compartilhado através da cooperação win-win” é o tema da 6ª cúpula que se rrealiza desde hoje até ao dia 5 deste mês na cidade chinesa de Beijing. Acredita-se que a ocasião servirá para a China anunciar mais um pacote financeiro para o continente, depois dos 60 mil milhões adiantados na 5.ª cúpula que aconteceu na África do Sul. Aliás, muitas são as nações africanas que já indicaram que vão aproveitar a ocasião para discutir novos financiamentos e reestruturar as actuais dívidas. Tudo indica que Angola faz parte do grupo de países com pré-acordos para novos financiamentos.

Segundo dados da Iniciativa de Pesquisa China-África (CARI), da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, em Washington, a China emprestou cerca de 125 mil milhões de dólares ao continente, entre 2006 e 2016, com Angola a reclamar cerca de metade desse valor, a julgar pelos dados oficiais que colocam os empréstimos chineses ao país na casa dos 60 mil milhões de dólares.

Yuan em África

Outro tema com quase presença garantida tem que ver com a possibilidade de passar-se a usar a moeda chinesa RMB, ou Yuan, como moeda de reserva no continente como forma de facilitar o comércio e investimento China-África. Tem havido poucas vozes contra e já é uma realidade em alguns países, como a Nigéria e África do Sul.

Em Maio, 14 países africanos reuniram-se em Zimbábue para discutir o uso da moeda chinesa como reserva e grande parte dos participantes mostraram-se favoráveis. No entanto, há as vozes contra ou, pelo menos, que apelam para cautelas. Defendem, por exemplo, que a adopção do yuan pode aumentar as percepções de que as economias emergentes da África se tornaram muito dependentes da China. Esta corrente lembra ainda que o dólar continua a dominar as reservas estrangeiras, constituindo 63% das participações estrangeiras dos países, segundo o FMI.

Nas economias emergentes e em desenvolvimento, representa um pouco mais - cerca de 66% das reservas externas. Em contraste, o yuan representa menos de 2% das reservas internacionais em todo o mundo. Quanto a Angola, Arnaldo Calado defende que a moeda chinesa já deveria ser uma realidade no país “há mais tempo”. O processo já tem alguns registos. Em 2015, Angola e a China firmaram um acordo monetário que previa que a moeda chinesa passaria a ser aceite no país a partir de 2016 e o kwanza aceite em compras no mercado chinês. Um outro registo tem como protagonista o Banco de Fomento de Angola. Em 2016 fez o primeiro pagamento em yuan.

Em 2016, o renminbi aderiu formalmente ao cabaz de moedas do Fundo Monetário Internacional (FMI), um instrumento criado pela instituição com a finalidade de permitir liquidez aos países membros.

Empresas chinesas podem facturar 440 mil milhões

No estudo “Dança de Leão com Dragão”, publicando o ano passado, a McKinsey perspectivou dois cenários para o futuro do investimento chinês em África. No primeiro, as receitas das empresas chinesas crescerão a um ritmo saudável, cerca de 38%, passando dos actuais 180 mil milhões para 250 mil milhões de dólares em 2025.

Nesse cenário, as empresas continuariam a trabalhar, sobretudo nos sectores que dominam (indústria e infra-estruturas) e estariam dependentes do crescimento da economia do continente. Num segundo cenário, as empresas chinesas acelerariam acentuadamente o seu crescimento como resultado da aposta em novos sectores e crescimento nos que exploram. Para este cenário, o estudo perspectiva receitas de cerca de 440 mil milhões em 2025.

O antigo director-geral da Roc Oil e da Cobalt defende o fim dos contratos de partilha na indústria petrolífera e fala da necessidade de o Executivo ser implacável na negociação com as companhias petrolíferas.

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O que pensa da criação da agência de petróleo e gás e da consequente retirada da função concessionária à Sonangol?

A ideia é maravilhosa. É necessário que a função ‘concessionária’ fique separada de uma empresa com operações. A maneira como foi criada pode não ter sido a melhor, porém é a solução possível. A pergunta que se impõe, e acredito que o Presidente João Lourenço já a deve ter colocado, é se, na realidade, o país está em condições de fazer esta mudança. E esta pergunta é feita pela seguinte razão: as pessoas que estão hoje disponíveis são as mesmas que estavam ontem. O que sabem, aprenderam dentro do sistema ora existente, e como tal não conhecem nada diferente nem têm outra experiência diferente da Sonangol. Que diferença é que estas pessoas poderão fazer? Vão tentar repetir o que aprenderam, só que num cenário novo. Daqui a 10 anos, poderemos chegar todos à conclusão de que este modelo não foi o melhor. Só que, neste momento, é preciso arriscar.

E qual seria o melhor modelo?

Abandonar o modelo socialista duma vez por todas. Acabar com “estas jogadas” de corpo, de dizer que é nosso quando não é e ir directamente ao assunto. A concessionária lançaria os blocos ao mercado, e quem puder compra, explora e produz sem contratos de partilha de produção. Não há necessidade destes contratos, isso tem muito que ver com o modelo socialista. Num modelo mais liberal, as empresas adquirem os direitos em troca de ‘royalties’, fazem o trabalho e, se têm sucesso, produzem e pagam os impostos previstos por lei. Se se seguir este rumo, definitivamente haverá um saneamento nos custos exagerados da produção de petróleo. O necessário é pôr os recursos do país a trabalhar para o país e isso só é possível quando se arrecadar muito mais do que se arrecada sobretudo em impostos. Não tenho os números, mas a pergunta que deve ser feita é, de cada barril produzido, quanto é que fica para Angola? Não tenho o número exacto mas, pelo que consta, deve rondar entre os 18 e 20%.

É pouco?

Temos de deixar as companhias produzir e pagar o imposto sobre o lucro, cria-se um ‘royalty’ sobre cada barril de petróleo que for exportado. O número que for definido e acordado entra para a equação, para o tesouro público. Se, neste momento, estão a entrar 20%, o país vai cobrar 30 ou 40%. Ou o que for definido. Não importa o quanto a empresa gastou uma vez que isso parte do risco dessa empresa. Angola não tem de partilhar nessas despesas. A empresa tem a obrigação de gastar o mínimo possível, fazer tudo o que pode para aumentar o lucro. O Estado não tem de participar em eventuais perdas. Produziu um milhão, a parte acordada fica para o país. A percentagem, 40% ou 50%, tem de ser estudada. Criar o sistema de ‘royalties’ em que as empresas pagam o acordado sobre o que exportam e, ‘a posteriori’, os impostos sobre os lucros do exercício fiscal. Isto acontece nos outros ramos, na agricultura, por exemplo. O exportador de banana não deduz os custos da compra do adubo, exporta a banana e, se deu lucros, óptimo. Se não deu, o problema é dele. Nos Estados Unidos, o maior mercado de petróleos, não há “contratos de partilha de produção”.

A nova realidade internacional, com o surgimento de novos mercados petrolíferos, obriga o Governo a ser flexível nas negociações, não?

Sempre houve países a produzir petróleo e há-de continuar a haver no futuro imediato. Temos de nos tornar competitivos e as empresas, por si, têm de ser competitivas. É fundamental para qualquer empresa de petróleo obter o máximo de benefícios que puder e é isso que elas fazem. A nossa função, a do Executivo, é defender os nossos interesses quase sempre diferentes das multinacionais. Se não quiserem investir, não invistam, e se quiserem partir, poderão partir.

E fica-se com o petróleo quando precisamos de dinheiro?

Continuaremos a produzir. Não podemos ser escravos da chantagem das multinacionais. Infelizmente, temos colegas na indústria que acreditam que as companhias vão deixar de produzir se não lhes dermos o que elas querem. Temos de começar a pensar de outra maneira. O Presidente João Lourenço precisa de abrir novas avenidas, conversar com novas pessoas para, fundamentalmente, mudar a indústria. A criação da agência com os mesmos elementos que criaram as condições que existem; que negociaram os contratos com as empresas que existem não vai mudar nada. As companhias vão continuar a ter o ‘uplift’. Será que o cidadão sabe que nós pagamos para as operadoras virem investir? As empresas beneficiam do chamado ‘uplift’. O que é isso? É um pagamento que as empresas têm direito a receber em função do que investiram. Se a multinacional investir um milhão de dólares, ao recuperar o investimento, recupera este valor mais o ‘uplift’ que varia entre 30 e 40%. Resumindo, estamos a pagar para elas virem investir. Acredito que é altura de acabar com isto. Agora, será que os nossos quadros estão à altura de enfrentar as empresas neste sentido?

Não se revê mesmo no discurso da necessidade de criação de incentivos?

Definitivamente não. A indústria do petróleo não precisa de incentivos nenhuns. Os vários incentivos fiscais que foram anunciados não são necessários. O que é necessário é a indústria reduzir os custos, a começar pelas despesas com a mão-de-obra, terminando com as empresas de serviços. Um engenheiro de produção norte-americano a trabalhar nos Estados Unidos ganha 10 mil dólares, porém, ao vir para Angola, ganha 30 mil. Será necessário esse incentivo? Por exemplo, até há um ano, as empresas só podiam gastar até 250 mil dólares sem a autorização da Concessionária, por agilização, passou a ser um milhão.

O argumento foi de que os valores acordados anteriormente estavam desactualizados. Não concorda?

As companhias diziam que os limites acordados estavam ultrapassados porque querem ter a liberdade para fazerem despesas a seu bel-prazer. E, muitas vezes, nem são as empresas, mas sim os responsáveis das companhias que funcionam no país. É preciso compreender as razões. A função que a Sonangol desempenhava em controlar, dificultava, porém controlava. Neste momento, com os novos limites, quem vai fazer esse controlo? As empresas vão alargar as despesas, as subcontratadas vão cobrar o que quiserem sem serem fiscalizadas de perto. Os custos que o Francisco Lemos ajudou a trazer para baixo e que, depois, a Isabel [dos Santos] ajudou a baixar mais um bocadinho vão fazer o reverso, vão aumentar outra vez, quiçá consideravelmente. É preciso travar isso, mas, com o quadro actual, não estou a ver isso a acontecer. É necessário que haja uma renovação de quadros. A maior parte dos quadros nacionais foi treinada pela Sonangol e, como tal, são o que a Sonangol era e é. Será que podemos mudar de um dia para o outro? Talvez não. A Taag foi um exemplo: estava em baixa, foi-se em busca de uma equipa técnica de gestão estrangeira diferente da então existente e subiu. Se calhar, é isso que a Sonangol precisa: uma gestão nova, moderna, com gentes experimentadas em gerir empresas de petróleo.

Acredita que seja a única solução?

Se calhar. É bem possível que sim. Expatriados com qualificações como aconteceu com a Taag.

Há quem atribua a queda da produção ao facto de a Sonangol, a determinada altura, ter dado primazia à produção em detrimento da função concessionária. Também entende assim?

Definitivamente não. A baixa da produção existe porque os campos de petróleo têm tendência de declinar. Os campos entram em produção, atingem o apogeu e, a partir de certa altura, declinam. Por causa do preço do petróleo ter baixado, as companhias retraíram-se nos investimentos e, como tal, não há novas descobertas. Não há novas reservas para cobrir o declínio. Essa é a razão.

Mas a Sonangol é acusada de, sobretudo por altura de Isabel dos Santos, ter interrompido processos que dariam lugar a novas explorações.

É possível que haja documentos que tenham ficado engavetados, não sei, mas não é essa a razão. O tempo que a Isabel dos Santos esteve na Sonangol não é suficiente para denegrir a indústria, foi demasiado curto para infligir os danos que lhe acusam. A falta de investimento foi por causa da baixa de preços. Inclusivamente as companhias despediram pessoal. Também foi por causa da Isabel dos Santos? Não, mas sim por causa das políticas como companhias. É preciso começarmos a compreender é que a posição das companhias é estritamente comercial, com o objectivo de obter lucros máximos. O conselho de administração de qualquer companhia grita aos seus homens de campos que é preciso trazer lucros aos accionistas. Como quadro internacional, na gestão de várias empresas a nível mundial, lutei por isso, para maximizar os lucros. Muitas vezes, para maximizar lucros é preciso ir buscar incentivos aos governos. No caso de Angola, acredito que já estamos numa altura em que podemos negociar com eles de outra maneira.

Defende o fim dos contratos de partilha. Acha que a Sonangol, enquanto operadora, está em condições de concorrer em igualdade de circunstâncias?

A Sonangol tem quadros capazes, porém há um mau aproveitamento dos quadros existentes. É capaz de não acreditar, mas há bons quadros da Sonangol que nunca integraram a sua gestão. Temos elementos que não têm nada que ver com a indústria a defender os interesses da indústria. Sou de opinião que, neste momento, quem deveria liderar a Sonangol seria alguém como Francisco Lemos, pessoa com experiência porque já lá esteve. A Sonangol tem uma série de quadros que deveriam estar no activo e não estão.

Mas ele já lá esteve...

Isto não deve ser por vez, deve ser por mérito e capacidade. Note-se que foi com ele que a Sonangol começou a baixar os custos. Essa é a realidade que as pessoas não querem falar, são os tabus.

E porque não Carlos Saturnino que também é um quadro da ‘casa’?

Não quero estar a falar de nomes específicos. Mas Carlos Saturnino, por quem tenho bastante consideração, é um negociador, não entende de sísmica, de perfuração, produção, etc.. Compreende em termos de cultura geral, mas, em termos de formação, não sente a pulsação que sentem os quadros específicos de uma empresa de operações. Neste momento, ele é o PCA e o Presidente João Lourenço sabe porque é que ele lá está. Porém, a Sonangol tem quadros valiosos que, por não terem alinhamento político, por não estarem associados a grupos ou circunstâncias específicas, estão de fora, muitos deles a receberem benefícios como se estivessem no activo.

Resumindo, o Executivo deixou-se pressionar pelas companhias para as alterações que foram feitas?

Sim, as petrolíferas ‘enganaram’ o Executivo, ‘driblaram’ o chefe com a primeira reunião. O primeiro encontro foi realizado muito cedo, mas foi propositado uma vez que as companhias pressionaram neste sentido. O Executivo não estava preparado. Criou-se uma comissão que não estava preparada para negociar com as companhias. Fizeram cedências que, como angolano, acho que não deveriam ter sido feitas, mas que, como executivo de uma empresa de petróleos, fico maravilhado em vê-las conseguidas. Nós, como operadores, vamos exigir, vamos buscar tudo o que podemos ao Governo, vamos deixar só o osso se tal for possível. Acredito que o presidente foi enganado em ter aceitado fazer essa reunião dentro dos primeiros dois meses de gestão.

Não terá sido pressionado pela circunstância económica do país?

A agenda do Executivo tem de ser a agenda do Executivo, não pode ser a agenda das empresas de petróleo.

Está a colocar de parte a possibilidade de o encontro ter resultado também do interesse do Executivo para emprestar outra dinâmica ao sector?

E quais são os resultados? A produção continua a cair, continua a não se fazerem poços de exploração. As empresas continuam a despedir pessoal. É verdade que ainda é cedo para dizer se resultou ou não, mas a indicação é que não resultou.

Mas, disse bem, é cedo...

As pessoas que integram a administração da indústria de petróleo, tanto a nível da Sonangol como da agência, são pessoas que foram treinadas na Sonangol, a maneira de pensar é a da Sonangol antiga. E estas pessoas, quiçá, não vão ter coragem de enfrentar as situações das quais elas fizeram parte. Os contratos existentes foram negociados por estas pessoas e não terão coragem de forçar mudanças. Nenhuma companhia vai embora, a Total não vai abandonar quase 600 mil barris por dia porque se mudaram algumas regras do jogo. E se for, virão outras. E porque não a própria Sonangol?

Mas pode não investir para novos projectos?

Total, Chevron, BP hão-de continuar a investir. Agora, precisam de refazer a filosofia de operações. E como é que refazem a filosofia das operações? Sendo responsáveis pelo seu próprio investimento, mas, neste momento, não são. Quem está a investir é Angola, indirectamente. Na melhor das hipóteses, o que as companhias estão a fazer é um adiantamento e este adiantamento custa muito caro ao país. Não há razões para a indústria ser tão cara como é. A nossa indústria é mais cara que na Nigéria ou na Guiné Equatorial, um país com mais problemas de quadros e infra-estruturas.

Como olha para o futuro da Sonangol a continuar o subaproveitamento dos quadros que diz existir?

Porque é que não se privatiza a Sonangol? Aliás, o país precisa de fundos. Foi o que se fez com a Petrobrás. A Petrobrás precisava de fundos, o Brasil precisava de fundos, lançou-se a Petrobrás para o mercado. Na Oferta Pública Inicial (IPO, em inglês) que foi feita, foi buscar-se ao mercado quase cem mil milhões de dólares. Não sei se a Sonangol iria buscar o mesmo valor, mas, pelo menos entre 30 e 40 mil milhões. Temos a bolsa de valores, temos de pôr as empresas na bolsa de valores. E não é só a Sonangol, é a Taag, a empresa de pontes e muitas outras empresas financiadas pelo Estado. Os ultranacionalistas, os indivíduos de tendência socialista, vão dizer que, assim, qualquer dia não somos donos de nada. Não precisamos de ser donos, precisamos de ser capazes de gerir o que temos, de cobrar impostos e de rentabilizar os nossos recursos. Muitos impostos para financiar o ensino para fazermos melhores angolanos. Para financiarmos a saúde para termos angolanos saudáveis.

A venda dos activos não petrolíferos da Sonangol é insuficiente?

Os activos não petrolíferos que estão propostos a serem vendidos, pelo que é do meu entendimento, são aqueles que estão em prejuízo e com as quais o Estado não quer gastar mais dinheiro. Porém, por uma questão de um ‘fundraising’, a colocação da Sonangol no mercado de valores seria a mais adequada. Entraria ‘cash’ de que o Governo precisa e teríamos certeza de que a Sonangol teria uma administração corporativa comercial e, como tal, competitiva para que garantisse retorno do investimento. Poderia não ser na BODIVA, poderia ser na bolsa de valores de Londres, Nova Iorque ou, melhor ainda, Hong Kong, Singapura ou Sidney.

O que pensa do pedido de financiamento ao FMI?

São coisas diferentes. O FMI é para uma questão de emergência, mas não sei até que ponto é a melhor solução. O FMI nunca resolveu o problema de país nenhum. Pelo contrário, ajudou a afundar a Argentina, a Grécia. É discutível, mas não sou economista por isso não gostaria de ir por aí. Mas em termos ‘fundraising’, a colocação de uma empresa como a Sonangol no mercado poderia atrair, inclusivamente, as empresas que estão cá. Tornar-se-iam parceiras e a Sonangol poderia ficar mais parecida com a ARAMCO, a companhia estatal saudita.

Como olha para futuro da indústria, uma vez que reprova o actual modelo?

Não é que reprove. Não reprovo nada. Tenho simplesmente uma opinião diferente. Suspeito que nada vá mudar. Leopardo não deixa de ser leopardo simplesmente porque o tiraram duma jaula e o puseram na selva. Os quadros que temos, a actuação que tiveram nos últimos 15 e 20 anos garantiu-lhes o seu bem-estar e o seu posicionamento social e, por causa deste seu bem-estar e posicionamento social, ninguém vai mudar. Ninguém corre o risco de aparecer com uma ideia nova e nós precisamos de ideias novas, precisamos de cortar o cordão.

Não acredita no futuro melhor?

Enquanto o preço do petróleo se for mantendo alto, o pouco que cabe dá para tapar os buracos porque nós, angolanos, não somos exigentes, somos muito humildes e contentamo-nos com pouco. Mas a verdade é que não estamos a tirar o maior proveito possível da nossa matéria-prima. Deveríamos estar todos a lutar para ir buscar mais às companhias. Se o preço baixar agora para 40 dólares, teremos muitas dificuldades.

Mas os resultados das decisões recentes devem ser avaliados a prazo. Não acredita que estaremos melhor?

Não vamos estar porque continuamos a adquirir dívidas. Para sairmos da situação em que estamos, temos de ir buscar mais nos impostos, a despesa tem de diminuir e, neste momento, não está a diminuir, mantém-se com tendência a aumentar porque os benefícios fiscais aumentam as despesas.

Não parece o director de uma companhia privada a falar...

Estou a falar como cidadão angolano e não como indivíduo ligado a qualquer companhia. Estou a falar como cidadão nacional, com uma certa idade e que vê que poderíamos estar muito melhor do que estamos mas que não estamos. Quiçá, por causa de interesses pessoais, continuamos a proteger as posições das multinacionais, o que, se calhar, não precisamos de fazer. Quando estiver sentado à mesa a defender os interesses da companhia pela qual sou pago, a minha posição é diferente. O leão, quando ataca a presa, não se importa se é fêmea ou se é macho, se está grávida ou não. Devora. É o que fazem as multinacionais. Estamos a passar mal, temos problemas sérios, elas não estão preocupadas com isso, nenhuma multinacional está preocupada com as dificuldades do país. As obras sociais que vão fazendo, fazem-nas porque são obrigados por condições contratuais.

QUATRO DÉCADAS DE PETRÓLEO

De 62 anos, 40 dos quais dedicados ao sector petrolífero, António Vieira, formou-se em Engenharia de Petróleos, no Texas, Estados Unidos da América, em 1983. Porém, a carreira no sector iniciou-se em 1978 em Angola. De regresso da formação, ficou pouco menos de dois anos no país “justamente por falar de mais”. Foi para a Austrália onde, além de fazer o mestrado, iniciou uma carreira internacional. Passou também por países como Nova Zelândia, Nova Guiné, Vietname, Albânia, Roménia, Mauritânia, Guine Equatorial, Estados Unidos e Colômbia.