ANGOLA GROWING
César Silveira

César Silveira

Editor Executivo do Valor Económico

TRANSFERÊNCIAS. Pretensão consta das medidas que a associação apresentou ao BNA para a resolução da dívida para com as companhias.

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A Associação Internacional dos Transportes Aéreos (IATA) defende a adoptação de uma taxa de câmbio fixa para o processo de transferência da dívida das companhias aéreas que operam no país e que está fixada em cerca de 535 milhões de dólares.

A pretensão é uma das medidas que a IATA apresentou às autoridades para a resolução da referida dívida. “Nós apresentámos três medidas. Primeiro, a resolução da dívida que está em cerca de 535 milhões de dólares. Teríamos de gizar um plano com o BNA de forma a liquidar este valor nos próximos cinco, 10 ou 15 anos”, adiantou o presidente da associação, Alexandre de Juniac, durante a Conferência Internacional sobre a Aviação Civil realizada no dia 18, em Luanda.

Juniac acrescentou que “a segunda medida é que este programa deve ser feito numa taxa de câmbio fixa, negociada para as companhias manterem o valor dos seus activos”.

Entre as posições que a organização apresentou, destaca-se ainda a imposição para que a transferência dos valores em causa seja feita sem muita burocracia. “Queremos que este fundo seja repatriado sem precisar de qualquer aprovação, tão logo as divisas estejam disponíveis”, referiu.

Alexandre Juniac apela ainda para a “organização, transparência e justiça” no processo. “O BNA precisa de indicar um ponto focal para interagir com o sector da aviação para juntos analisarmos esta situação. Também o processo deve ser conduzido de forma transparente e justa. Falo com esta firmeza porque tivemos outras experiências similares noutros países.”

A IATA defende a venda de bilhetes em divisas, enquanto permanecer a dificuldade de acesso à moeda externa. “Entendo que seja extremamente complicado, mas, se fosse possível, por um período determinado, apenas para os voos internacionais seria óptimo.”

Apesar de concordar que a dificuldade de repatriamento de divisas pode dissuadir as companhias a continuarem a investir para a conectividade do país, Juniac escusou-se a comentar sobre a possibilidade de as companhias reajustarem as respectivas rotas às dificuldades do momento actual da economia. “Não podemos decidir pelos nossos associados, vai depender de cada uma das companhias.”

Para fazer face à dificuldade de transferência de divisas, as companhias aéreas, tal como outras empresas, têm optado pela compra de títulos indexados. A TAP, por exemplo, em meados do ano passado, informou que no exercício de 2016 investiu mais de metade dos depósitos que se encontravam bloqueados nos bancos angolanos em Obrigações do Tesouro no montante total de 6.899 milhões de kwanzas, o equivalente a 39,6 milhões de euros, “correspondentes à taxa de câmbio original de 165,074 kwanzas por dólar”. Na altura, a companhia portuguesa estimou em cerca de 100 milhões de dólares o valor que tinha por transferir.

A dificuldade de repatriamento dos seus capitais foi, de resto, a razão apresentada pela Emirates para rescindir, unilateralmente, o contrato de gestão da TAAG que tinha com o Estado.

A intenção da IATA acontece alguns dias depois da implementação da taxa de câmbio flutuante que, entretanto, já provocou o primeiro encontro entre o BNA e os bancos comerciais devido à “violação” de alguns pressupostos.

PETRÓLEO. Grupo de trabalho tem até Março para escolher os parceiros entre as mais de 30 propostas. Construção da refinaria do Lobito será efectiva, enquanto a do Namibe poderá ser suspensa.

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A inexistência de um caderno de encargos está a ser o principal embaraço do grupo de trabalho, criado pelo Presidente da República, João Lourenço, para, até Março, escolher as propostas de construção de novas refinarias. Segundo apurou o VALOR, existem sobre a mesa mais de 30 propostas, suficientes para que o grupo pudesse considerar estar em presença de “uma dor de cabeça saudável”.

No entanto, a falta do documento orientador sobre o que o país pretende transforma o elevado número de propostas em “problemas, sobretudo por existirem muitas opções boas”, segundo um funcionário sénior da Sonangol que acompanha o processo.

“A análise vai ser difícil, porque as propostas não se submeteram ao caderno de encargos que um concurso requer para, mais facilmente, ser comparável às várias ofertas. Foram feitas por livre e espontânea vontade das empresas interessadas e existem propostas muito díspares”, adiantou.

A fonte acredita que a solução passa por “corrigir a falha inicial”, criando o caderno de encargos que será submetido às empresas para que estas voltem a enviar as respectivas propostas, respeitando os pilares do referido caderno.

“Acredito que o prazo será alargado pela necessidade de criação do caderno de encargos. É indispensável [o caderno de encargos], porque diz qual é a intenção do dono sobre o tamanho e outros parâmetros e uniformiza as propostas em termos de padrão”, especifica a fonte para quem a falta do caderno de encargos mostra que o Executivo não esperava por várias propostas de investidores internacionais em tão pouco tempo.

Em Novembro de 2017, por altura da tomada de posse da administração da Sonangol, liderada por Carlos Saturnino, João Lourenço ordenou que se trabalhasse para que, “tão logo quanto possível”, o país passasse a contar com uma ou mais refinarias. “O que pretendemos é que o país tenha refinaria ou refinarias, para que a actual fase que vivemos, de importação de derivados de petróleo, seja atirada para o passado”, referiu o PR. Para João Lourenço, não fazia sentido que um país produtor de petróleo e com elevados níveis de produção continuasse a viver quase que exclusivamente da importação dos produtos refinados. Por isso, Lourenço chegou a considerar mesmo a possibilidade de a refinaria ser construída pelo Estado em parceria com privados.

Também em Novembro, o PCA da Sonangol garantiu que, ainda no primeiro trimestre deste ano, a empresa tomaria a decisão “com quem discutir, com quem negociar e com quem trabalhar para a refinaria de grande porte”.

Refinaria do Namibe em ‘standby’

O VALOR apurou que a reactivação do projecto de construção da Refinaria Lobito é uma forte possibilidade pelas infra-estruturas já existentes. Iniciada em 2011 com capacidade projectada para tratar 200 mil barris por dia e conclusão prevista, inicialmente, para este ano, a construção deste projecto foi suspensa em Agosto de 2016 pela Sonangol.

“A medida aplicada prevê a revisão criteriosa do desenvolvimento, faseamento e ?nanciamento deste projecto e resultou não apenas da adversa conjuntura económica actual, em particular no sector petrolífero, como também da não materialização de alguns dos pressupostos originais que suportaram o seu sancionamento”, justificou, na altura, a petrolífera, sublinhando estar “convicta de que o projecto da Re?naria do Lobito é estratégico para a empresa e para o país dado o elevado de?cit nacional na produção de re?nados”.

Quanto à refinaria do Namibe, segundo soube o VALOR, existe uma forte possibilidade de ser suspensa. Aprovado em Março de 2017 e com uma capacidade prevista de produzir 400 mil barris por dia, o projecto deverá ser suspenso por motivos de viabilidade económica. “A sua construção está aprovada, mas dificilmente uma refinaria daquele tamanho será rentável, sei que estão a ponderar esta possibilidade”, garantiu a fonte.

Estima-se em pouco menos de cinco milhões de toneladas a necessidade anual de produtos refinados dos, sendo que apenas 20% dessta procura é garantida pelo mercado interno, com o país a gastar cerca de 170 milhões de dólares mensalmente para cobrir o défice. Especialistas defendem que o estudo a ser feito deva ter em atenção a necessidade do mercado nos próximos 30 anos, já que o principal cliente de uma refinaria deve ser o mercado interno.

DIPLOMACIA. Últimas declarações das autoridades angolanas, sobre o ‘Caso Manuel Vicente’, agudizam as relações entre Angola e Portugal. Mas o diplomata Ramos da Cruz não acredita em rupturas e confia no bom senso.

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Manuel Vicente passou de uma das personalidades angolanas mais influentes em Portugal para ser um centro de discórdia entre os dois países devido à diferença no entendimento sobre o processo judicial que corre em Portugal contra o antigo vice-Presidente da República, acusado de corrupção. O julgamento está marcado para a próxima semana e poderá representar uma ruptura nas relações entre os dois países, considerando as declarações do Presidente da República.“Portugal tomará, a seu devido tempo, conhecimento das posições que Angola vai tomar”, ameaçou João Lourenço durante a entrevista colectiva que concedeu, na semana passada, a jornalistas nacionais e estrangeiros. “O que é que é preciso fazer para que as relações voltem aos bons níveis do passado recente? Apenas um gesto. Esse gesto é remeter o processo para Angola, é satisfazer o pedido de Angola para que as autoridades judiciais angolanas tratem do processo”, reforçou João Lourenço, acrescentando que “a responsabilidade está do lado de Portugal. Como se costuma dizer, a bola não está do nosso lado, está do lado de Portugal”.

Portugal mantém a posição. As autoridades judiciais negam o envio do processo e o governo portugês repete a ideia de que não pode interferir na decisão judicial, porque “existe uma separação de poderes, entre o político e o judicial que não pode ser posto em causa”.

O diferendo justifica questionar o futuro das relações entre os dois países.

Grande parte das sensibilidades acredita que, apesar do tom duro que caracteriza as últimas declarações de João Lourenço, é impossível que as relações entre os dois se tornem piores do que se encontram actualmente.

Especialista em Relações Internacionais, Francisco Ramos da Cruz defende que a rigidez nas posições é “um recurso que se usa no sentido de pressionar a outra parte”. “O objectivo é simplesmente este porque, nas relações internacionais, a convenção de Viena é bastante clara. Mesmo em situações de guerra, há canais que permanecem abertos que depois permitem as partes encontrarem-se e existir negociação até chegar à paz. O importante é que estes canais estejam abertos”, defende. Francisco Ramos da Cruz, que chegou a ser adido militar em Portugal, também se coloca na posição daqueles que defendem a necessidade de as partes “considerarem as relações históricas, culturais e sentimentais”, sublinhando que Portugal “passou a ser o país que muitos angolanos escolheram como segunda casa e vice-versa”. “Muitos têm residência, trabalharam e constituíram fortes laços com este país que já ultrapassa o pleno de relações inter-estatais. Quem tem residência ou laços familiares não vai deixar de ir a Portugal porque, a nível diplomático, há um incidente”, sublinha.

O antigo diplomata tem a certeza de que “é quase impossível as relações se degradarem mais do que já estão”. “Não se vão degradar muito mais, porque já se ficou pelo diálogo, já foi feita aquela omissão que, do ponto de vista diplomático, é quase ofensiva na tomada de posse do Presidente da República, perante a presença do presidente português que foi muito ovacionado. A história diz-nos que, mesmo no momento mais difícil (por altura da guerra), em que a UNITA tinha um grande espaço em Portugal e Angola tinha política externa para derrubar os espaços da UNITA não se foi muito contundente. A minha sugestão é que não se vá além das palavras que significam muito para colocar a pressão do outro lado e que já foi feito.”

O Dia D…

Por outro lado, Francisco Ramos da Cruz contraria a corrente dos que acreditam que o dia do início do julgamento poderá representar o fim das relações entre os dois países. “Não creio que venha a constituir o ponto de ruptura. A pressão será mais ao nível político e diplomático. Será mais determinante o fim e não tanto o início. Se terá alguma condenação ou não”.

Inúmeras vozes, por outro lado, defendem que a contundência com que Angola tem estado a abordar a situação poderá fragilizar a sua posição na relação com Portugal, caso não coloque em prática o que está a prometer no caso de não ver satisfeita a sua pretensão.

“Senti uma certa diferença no discurso do ministro das Relações Exteriores relativamente ao discurso do Presidente da Republica. O Presidente foi mais diplomático”, sublinha Ramos da Cruz.

Repatriamento em risco?

Algumas vozes defendem que uma eventual crise entre os dois países poderá representar dificuldade de Angola no plano de repatriar os capitais angolanos no estrangeiros visto que é em Portugal que está parte destes capitais. No entanto, Ramos da Cruz tem outra ideia: “Aí já estamos a cingir-nos na Lei Internacional e o Direito Internacional sobrepõe-se ao Direito Interno. E aí há o Direito da União Europeia que luta pela transparência e contra a lavagem de dinheiro. Não acredito que Portugal possa utilizar como arma de arremesso contra Angola. Alias, é exactamente neste contexto que se investigou Manuel Vicente. Por outro lado, também é do interesse de Portugal repatriar quanto mais não seja para cobrar os impostos inerentes também para a salvaguarda da sua balança comercial.”

Por outro lado, grande parte dos empresários, tanto portugueses como angolanos, acredita que, mesmo que a crise diplomática venha agravar-se “um pouco mais”, as partes saberão proteger os ganhos económicos”. “Poderia haver algumas dificuldades, mas não tantas ao ponto de se acabar com tudo o que se conseguiu ao longo dos anos”, salienta o empresário português Luís Caetano.

Francisco Ramos da Cruz sublinha que “quem compra precisa tanto de quem vende como quem vende precisa tanto de quem compra”.

Os números das relações entre os dois

Os números das relações económicas entre os dois países têm sido afectados pela crise em Angola, mas estão longe de mostrar a perda de importância.

PERSPECTIVAS. Vários agentes económicos estão alinhados com a perspectiva geral de um exercício económico melhor do que foi o ano passado, com a projecção inscrita no OGE do crescimento do PIB a roçar os 5%. Mas o Governo de João Lourenço terá de vencer outros desafios para chegar à meta.

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CRESCIMENTO ECONÓMICO

Manter e corresponder à grande expectativa que se criou, interna e externamente, com o novo executivo para a estabilidade e desenvolvimento económico é o principal desafio do Governo para 2018. O sucesso implica alcançar várias metas e vencer diversas frentes.

Uma destas frentes é o crescimento da economia em 4,9%, como está previsto no Orçamento Geral do Estado (OGE) para este ano. Um desafio hercúleo se se considerar as baixas taxas de expansão económica dos últimos anos e as incertezas que ainda gravitam à volta do preço do petróleo.

Muitos especialistas acreditam ser possível alcançar, pelo menos, um crescimento acima dos 4%, mas consideram mais difícil criar as condições para se manterem níveis de crescimentos semelhantes a 2019. Apresentam como pressuposto, para acreditar no crescimento proposto, a tendência de aumento do preço do petróleo, bem como a previsão de incremento da produção do petróleo com o início de novos projectos. “A nossa previsão para o crescimento de Angola em 2018 está marcadamente acima do consenso dos analistas, a 4,1%, comparado a 2%, principalmente alicerçado pelo aumento de curto prazo na produção de petróleo no poço Kaombo, da Total, que quando estiver operacional vai aumentar a produção em 230 mil barris por dia”, escreveu, por exemplo, em Setembro, a consultora BMI Research.

DÍVIDA PÚBLICA

A colocação da dívida pública, calculada em 38,6 mil milhões de dólares, em níveis sustentáveis é outro grande desafio, sem o qual “será impossível o desenvolvimento de Angola” como defende o economista Precioso Domingos, sugere uma auditoria para apurar o estágio real da dívida e a tentativa de negociação da mesma. Uma posição também defendida por outros especialistas. “Existe o desafio de inverter esta situação de endividamento excessivo e também de encontrar soluções para reestruturar o endividamento com a duração mais dilatada (a longo prazo), menos onerosas (taxas de juro mais baixas) e sem garantias apoiadas com a produção de petróleo”, defende, por sua vez, o economista Salim Valimamade. No final de 2017, o volume da dívida pública estava estimada acima dos 61% do PIB. À redução da dívida, poder-se-ia juntar o desafio de alcançar a redução na ordem de 2,9 pontos percentuais do défice orçamental de 2018 para 2,9% quando comparado com os 5,8% de 2017.

AMBIENTE DE NEGÓCIOS E SECTOR EMPRESARIAL PÚBLICO

A criação de um ambiente favorável de negócios é o outro grande desafio, visto ser determinante para estimular o investimento privado (e estrangeiro), sobretudo no sector não-petrolífero, pressuposto determinante para a diversificação da economia (a criação das bases concretas e firmes para a diversificação nos próximo anos é outro desafio para 2018).

Neste sentido, impõe-se uma revisão da lei de investimento privado, segundo diversos especialistas. Aponta-se a necessidade de revisão da obrigatoriedade do investidor estrangeiro ter uma parceria nacional, fixada em 35%. As implementações com o sucesso da medida que vai obrigar (segundo promessa do Presidente da República) do repatriamento de dinheiros de angolanos, depositados no estrangeiro, também se destacam entre os desafios, além de poder vir a representar um contributo determinante para o aumento do investimento privado.

Ainda no sector empresarial, o outro grande desafio prende-se com a mudança de paradigma na gestão das empresas públicas, para as tornar rentáveis, como defende Faustino Mumbica. Um sinal positivo seria a publicação dos respectivos relatórios e contas nos canais estipulados pela Lei do Sector Empresarial Público.

Das mais de 60 empresas, a Sonangol tem sido a excepção na prática de apresentação e publicação dos relatórios com regularidade. Também representaria um ganho para a conclusão dos processos de privatização de empresas públicas e o início de novas privatizações, mas com maior rigor e transparência quando comparado ao que tem acontecido, defendem observadores.

EFICIÊNCIA NOS PETRÓLEOS

A conclusão ou, pelo menos, início do processo de reestruturação dos petróleos com o objectivo de tornar o sector mais eficiente é outro desafio. O mote foi lançado em Maio de 2016 com a aprovação e publicação do modelo de reajustamento da organização dos petróleos que, entre outras medidas, preconizava que a Sonangol viria a dedicar-se, exclusivamente, a ser concessionária e surgiriam outros intervenientes como o Conselho Superior de Acompanhamento do Sector Petrolífero (COSAP) e a Agência para o Sector Petrolífero. No entanto, recentemente, João Lourenço criou um grupo de trabalho para reapreciar o referido modelo.

Ainda no sector petrolífero, faz parte dos desafios terminar o ano com a certeza de que o país terá (ou não, caso seja essa a decisão) uma nova refinaria, sobretudo devido ao histórico de fracasso na construção da Refinaria do Lobito.

‘EMBARGO’ DA BANCA E DÍVIDA COM RESSEGURO

Os desafios também abrangem o sector bancário e financeiro. O mais visível é o resgate das relações com os bancos norte-americanos. Uma das principais consequências do ‘embargo’ dos EUA é o desaparecimento do dólar entre as divisas disponibilizadas pelo BNA para os bancos comerciais. “Não teremos hipóteses de continuar a ser bons bancos e a fazer boas operações para o exterior se não tivermos de volta a relação com os bancos norte-americanos, será muito difícil, porque, parecendo que não, o mundo ainda anda à volta do dólar”, defende a administradora executiva do BFA, Manuela Moreira.

É consenso entre os especialistas que a alteração do quadro actual é o principal desafio da banca e acreditam ser possível, ainda este ano, o país dar sinais concretos ao mercado internacional de estar comprometido com as regras de ‘compliance’. “As autoridades monetárias devem introduzir políticas e práticas para restabelecer novamente a confiança do sistema financeiro internacional e, dessa forma, canalizar mais fluxos financeiros para Angola, através de investimentos directos e linhas de financiamento com melhores condições”, defende Salim Valimamade .

Enquanto isso, o desafio continua a ser a gestão rigorosa e transparente das poucas divisas disponíveis (consequência do referido embargo e da quebra do preço do petróleo). O aumento da taxa de bancarização (que, em Dezembro, estava fixada em cerca de 59%) é outro desafio, sobretudo se se considerar a meta que era atingir uma taxa de 60% em 2015, lançada em 2012.

A melhoria dos serviços, visando a fidelização dos clientes, e a digitalização dos serviços também constam da ‘carteira’ de desafios da banca, assim como os bancos responderem, positivamente, à exigência de aumento de capital. O pagamento da dívida por parte das seguradoras destaca-se, por sua vez, entre os desafios do sector segurador, visto que o incumprimento pode comprometer a relação com os parceiros internacionais.

INFRA-ESTRUTURAS

Nas infra-estruturas e serviços essenciais (com destaque para as estradas, água, energia), é um grande desafio encontrar o caminho para que, definitivamente, a insuficiência deixe de constar da lista das maiores preocupações dos diversos agentes económicos com destaque para os investidores. E fazer com que os resultados dos investimentos, até agora, sejam uma realidade. O lançamento com sucesso do primeiro satélite angolano, Angosat, em Dezembro, também representa um desafio tanto para o sucesso operacional como comercial do projecto.

ESTABILIDADE DA MOEDA

O recuo do Governo na intenção de desvalorização do kwanza para optar pela depreciação a ser ditada pelo mercado representa um outro grande desafio, sobretudo pelo peso que a escassez de divisas no circuito formal tem para o insucesso da medida. Ou seja, para se ter sucesso, seria necessário garantir o acesso à moeda estrangeira pelo circuito formal sem grandes constrangimentos. Caso contrário, seria o circuito informal a ditar a taxa de câmbio. Portanto, o grande desafio passa a ser evitar que o mercado formal ande a reboque do informal na nova política cambial em que se passa do câmbio fixo para o flutuante, permitindo que seja o mercado formal a criar o equilíbrio da taxa de câmbio.

 

O secretário para a energia e água do ‘governo sombra’ da UNITA revela os aspectos que devem ser alterados na proposta do OGE para contar com o voto favorável do maior partido da oposição. Dá razão aos governantes que não apresentaram as declarações de bens e perspectiva insucesso no desafio de repatriamento do dinheiro depositado no estrangeiro.

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Que análise a UNITA faz da proposta do Orçamento Geral do Estado (OGE)para 2018?

É prematuro falar já da nossa posição por apenas agora [o OGE] estar disponível para os vários actores com intervenção relevante. Mas do que já nos deu a perceber, é um Orçamento que, do ponto de vista da estrutura, não foge muito daquilo que tem sido o habitual. Tirando uma ou outra rubrica que trouxe um dado que, não sendo tão novo, é surpreendente quando olhamos para o que foi o discurso do MPLA e, sobretudo do próprio Presidente, enquanto candidato. Refiro-me ao elevado investimento nos sectores da defesa e segurança em detrimento dos sociais. São as primeiras impressões que nos permitem dizer que há este elemento surpresa. A proposta está a ser analisada em várias perspectivas para ver se, em função disso, se despoleta o diálogo ou se o regime vai adoptar a postura de sempre: aprovar um orçamento que não leva em consideração a necessidade de consensos onde se julgue, não estritamente necessário, mas obrigatório até certa medida porque está ligado a áreas que ultrapassam os espaços dos governos, que envolvem o Estado no seu todo como são a saúde, a educação, a energia e a água.

A UNITA já procurou entender as razões que levam o MPLA a manter despesas maiores na segurança e defesa em detrimento dos sectores sociais?

Ficam, claramente, distintas duas opções em termos de políticas e concepção do próprio Estado em relação ao conceito paz, segurança e estabilidade nacional. Existem duas formas de ver as coisas que distinguem a UNITA do MPLA. O MPLA continua a ter a lógica da paz e estabilidade como consequência de uma forte intervenção nos sectores de defesa e segurança. Nós achamos que a paz, a segurança nacional e a própria estabilidade não deveriam ser consequências exclusivas dos sectores de defesa e segurança, mas ter nestes ramos um prolongamento. A segurança nacional deveria ser encarada mais no conceito do desenvolvimento nacional. E aqui a priorização seria para o bem-estar social porque o militar, o polícia, os agentes dos serviços secretos e outros afins não deixam de ser cidadãos. A educação, saúde e a economia no seu todo deveriam jogar um papel primordial. A UNITA entende que investir fortemente nos órgãos de defesa e segurança não é sinónimo de bem-estar dos seus agentes. O militar, hoje, vive mal, tanto na unidade como no seio da sua própria família, está mal uniformizado e com péssimas condições de trabalho. Se o inverso for feito, estaremos a investir melhor na segurança nacional.

A UNITA, muitas vezes, é acusada de ignorar os riscos externos quando aborda a questão dos investimentos na defesa e segurança?

Na nossa perspectiva, as ameaças externas sempre se colocarão, mas pensamos que, se quisermos ter forças armadas mais bem potenciadas, a dimensão humana e do desenvolvimento dos recursos humanos, assim como a dimensão do desenvolvimento dos vários sectores da sociedade deveriam ser levadas em consideração e ser dos principais pilares da aposta para as demais áreas deste sector serem a extensão. O país não tem tantos problemas do ponto de vista de equipamento militar e vemos uma insistência neste sentido. Além disso, é preciso olhar para a forma de se assegurar a logística para as próprias forças militares. Talvez ganhássemos mais, por exemplo, se se revertesse o actual modelo económico, priorizando a produção nacional. Teria grande impacto no desenvolvimento nacional, inclusive nos ramos ligados aos órgãos de defesa e segurança. Os rios de dinheiro que se gastam com a importação da alimentação poderiam ser substituídos com a produção local. A UNITA não põe de lado os riscos externos que qualquer estado corre, sobretudo um estado à dimensão do nosso, com os níveis de recursos que tem e, também, inserido numa região muito conflituosa e propensa à imigração ilegal.

Além desta questão das verbas para os sectores da segurança e defesa, há outras preocupações?

O discurso do presidente da UNITA, por altura dos cumprimentos de fim de ano, apelava para a disposição ao diálogo e cooperação. Deixa linhas muito claras de que há disposição para a UNITA não votar contra. Ou seja, está disposta também a votar a favor desde que este Orçamento obedeça a padrões ligeiramente diferentes, sobretudo no modelo da sua abordagem. Que não se sujeite, exclusiva e excessivamente, ao critério do voto maioritário, mas, sobretudo à necessidade de se conseguirem os consensos para os benefícios comuns. Há vários aspectos no Orçamento que levariam a UNITA a votar contra, mas é prematuro dizer que votará.

Quais são estes vários aspectos?

Poderíamos falar da própria estrutura do orçamento no que tange à afectação das verbas. Uma coisa é o discurso e outra é a prática. Na forma de arrumar o próprio orçamento, há coisas que precisam de ser mais bem esclarecidas. Se temos uma organização do Estado que está formada no princípio da sectorização dos vários ramos de acção é incompressível que encontremos rubricas dispersas por vários sectores que chamam a atenção a qualquer um. Por exemplo, porque é que, no Ministério da Administração do Território, aparecerem rubricas tão volumosas e ligadas ao sector da educação quando temos um Ministério da Educação? Temos um Ministério da Saúde, mas encontramos rubricas tão elevadas, ligadas à saúde, em sectores como a Casa de Segurança da Presidência da República. Temos a questão da despartidarização do Estado. Porque é que temos de encontrar, no Ministério da Juventude e Desportos, uma rubrica como é o CANFEU (Campo de Férias dos Estudantes Universitários), que é uma actividade organizada e participada por militantes da JMPLA. O mesmo diria dos torneios de hóquei patins e de futebol de velhas guardas José Eduardo dos Santos. Temos ainda a questão das organizações de utilidade pública. Porque é que se colocam rubricas tão avolumadas com esta designação tão opaca. Seria mais sensato haver uma descrição de quem são essas organizações e que critérios levam a que determinado grupo de organizações beneficie. Porque é que a AJAPRAZ, FESA, Movimento Espontâneo ou a AMA-Angola beneficiam e a ADRA ou a Associação Justiça e Paz não? Todos estes aspectos podem ser discutidos.

Antecipa por flexibilidade na discussão desses aspectos?

Deixe-me acrescentar que há ainda aqueles aspectos que se prendem com a duplicação de rubricas. Temos uma mesma no Ministério da Economia e no Ministério da Industria e, em muitos casos, com verbas duplicadas. Temos também questões de investimentos públicos que carecem de algum esclarecimento. É o caso daqueles que dizem respeito à demarcação das fronteiras marítimas. Quase que vêm, sucessivamente, nos vários orçamentos e são rubricas milionárias. Quando é que terminam estes programas? Temos ainda exemplos concretos ligados à diversificação da economia. É a música mais badalada. Há promessas feitas tanto no âmbito eleitoral como do programa do Governo, mas, quando olhamos para determinadas rubricas viradas para a diversificação, notamos que há uma disparidade com o discurso. Não se vai diversificar uma economia com 200 mil dólares. A aposta na agricultura familiar é um exemplo. São alguns exemplos que mostram a necessidade de haver uma discussão aberta, franca e, sobretudo, patriótica.

Acredita no crescimento da economia de 4,9% como está projectado no Orçamento?

A maior preocupação não é na percentagem que tem de crescer, mas, sobretudo, em que sector é que precisa de crescer. Até agora, as perspectivas apontam para o crescimento da economia com base no preço do barril do petróleo, tivemos momentos áureos em que o petróleo esteve a caminhar para os 200 dólares, mas vimos o que se passou a seguir. As consequências, estamos a vivê-las até hoje. O perfeito seria se se olhasse mais para o sector não-petrolífero, mas não na perspectiva do discurso (porque na perspectiva do discurso, se formos analisar o relatório de fundamentação e os vários discursos que lhe antecedem qualquer um fica satisfeito). O elemento mais esclarecedor que indica se estamos ou não a ir bem encaminhados na direcção do discurso ou o contrário é o próprio Orçamento.

E o que diz o orçamento?

Temos alguns dados que podem ajudar nesta compreensão. Por exemplo, um programa como o desenvolvimento da agricultura familiar é chave para a diversificação da economia, mas o Orçamento previsto é de 22 milhões de dólares. Significa nada para alavancar a agricultura familiar, sobretudo porque mais de 80% da agricultura no nosso país é familiar. Quando olhamos para o orçamento de países como a Zâmbia, Zimbábue ou Moçambique, estão a falar da aposta na agricultura familiar com cerca de 100 milhões de dólares e qualquer um deles tem menos população. No Ministério da Indústria, encontramos um programa de apoio ao desenvolvimento da indústria transformadora também com cerca de 22 milhões de dólares, mas a indústria transformadora é chave para a diversificação. Em contra-senso, encontramos no Ministério da Indústria uma rubrica “manutenção de residência de membros do Governo” com quase meio milhão de dólares que se vai repetindo pelos vários ministérios.

Não estaremos em presença de um Orçamento realista, que admite estar o crescimento da economia ainda muito dependente do petróleo?

Somos realistas de que, por enquanto, ainda vamos crescer com base nas receitas do sector petrolífero, mas precisamos de ter sinais claros de que, ao longo de 2018, haverá situações significativas que mostram que, em dois ou quatro anos, teremos as condições criadas. Até porque, a nível do relatório de fundamentação, se assume que se pretende que 2018 seja o ano de arranque para que, a médio prazo, consigamos crescer mais no sector não-petrolífero. Mas, desta forma, não se chega lá porque não é com discursos, mas sim com investimentos concretos.

Qual é o ponto de vista da UNITA sobre a dívida pública?

O pensamento da UNITA está expresso nos pronunciamentos oficiais da sua direcção. Fala da necessidade de se despartidarizar o Estado. Só assim se conseguiria fazer uma abordagem desapaixonada para as grandes questões que emperram o nosso desenvolvimento. O facto de o Estado estar partidarizado, e o partido estar tomado por dirigentes motivados mais pelo interesse pessoal e de grupo, faz do partido instrumento para se tornar refém o Estado e o interesse destas pessoas subjuga o próprio Estado. Como é que surge o grande endividamento público? É, sobretudo, por termos a prestação de serviços a ser o principal veículo de endividamento do Estado e, aqui, entram as questões como a sobrefacturação e a improbidade pública. Entendemos que a dívida pública é um dos grandes veículos de escoamento do dinheiro dos cofres do Estado para entidades privadas. Se fosse com resultados razoavelmente positivos para o desempenho da economia e o bem-estar da sociedade seria diferente, mas nem para isso.

Caso a UNITA vencesse as eleições, como resolveria a dívida?

As dívidas públicas, nos países que se consideram estados democráticos e de direito, encontram mecanismos, não só no âmbito da discussão política, mas também do próprio Direito. Aquelas dívidas contraídas e que, comprovadamente, serviram o Estado devem ser honradas. Aquelas que foram feitas no quadro dos fantasmas a lógica seria outra, mesmo no actual Governo, daí a necessidade de fazer-se uma abordagem sobre as dívidas. Na nossa condição, antes de se saldar qualquer dívida, impõe-se uma discussão para que se clarifiquem e sejam pagas nos marcos do direito e políticos. A questão não é tanto de ser ou não ser paga, mas, sim, na sua abordagem para se clarificar. Uma vez clarificadas, necessariamente têm de ser pagas. Este não é um problema só da UNITA ou de quem quer que esteja a governar.

Que resultados espera do combate à corrupção e a outras práticas afins?

As condições básicas estão criadas. Primeiro, há um novo presidente e que empenhou um discurso neste sentido. Há ainda o presidente da UNITA, neste caso por ser o líder da oposição, que também mostra a disposição para que o país consiga sair deste empecilho. São sinais que tranquilizam porque, normalmente, estes vícios se arrastam por aqueles que praticam depois de entrarem numa espécie de autodefesa e esta acaba por ser assegurada através dos mecanismos de estado que eles detêm. A terceira condição, que é fundamental, é a aceitação social. A sociedade despertou e está a aceitar com muito entusiasmo o discurso com esta perspectiva de que precisamos de mudar as coisas. Agora, precisam de ser criadas as condições estruturantes onde devem entrar a acção dos principais autores públicos como é parlamento, o Presidente da República, os tribunais e a comunicação social.

Que avaliação faz do repto lançado pelo Presidente a quem tenha dinheiro no exterior no sentido de o repatriar?

O Presidente lançou este repto, com certeza, para um discurso público porque, quando analisado com alguma cautela, há muito que se lhe diga. O entendimento com que fiquei é que este discurso está 90% mais direccionado para aqueles recursos expatriados, sobretudo, de forma ilícita ou, se expatriados de forma lícita, foram retirados dos cofres do Estado de forma ilícita. Ou seja, dinheiros públicos que foram parar fora e em contas de particulares, pela cultura que se criou e pela forma de administrar a coisa pública que tivemos no país. É destes que se terá pronunciado o Presidente. De contrário, não é possível, enquanto não se criarem condições básicas de investimento. Se eu tiver o meu dinheiro, sou livre de investir onde ele rende mais. A questão do investimento não é apenas de patriotismo, mas, sobretudo, de condições de mercado. É preciso que seja rentável.

E acredita no repatriamento do dinheiro saído de forma ilícita?

Não acredito por duas razões. Primeiro, estas pessoas vão preferir que o Estado recorra a mecanismos legais e, a acontecer, o Estado não será bem-sucedido porque, na história recente, não digo do mundo, mas de África, os estados que tiveram estas iniciativas não conseguiram ter sucesso (falo da Nigéria, Congo Democrático, Zâmbia, Líbia, Egipto). Por outro lado, penso não estarem criadas as condições para que essas pessoas possam fazê-lo.

Quais são estas condições?

As garantias politicas que não podem se limitar ao discurso do Presidente. Estou recordado que faz tempo que a UNITA foi falando da necessidade de um debate nacional sobre os crimes económicos. Impõe-se. E não pode ser uma questão particular do Presidente da República. Tem de ser uma questão do Estado que envolve todas as sensibilidades. No final, vai requerer a necessidade de uma amnistia. Não acredito que estas pessoas tragam este dinheiro sem que, primeiro, estejam cridas estas condições. Também o Presidente fez o apelo, mas é apenas uma acção de charme porque ele sabe quem são estas pessoas. Dentro do MPLA conhecem-se e sabem, inclusive, com quanto é que cada um está a gozar lá fora.

Muitos governantes não entregaram as respectivas declarações de bens, segundo o procurador-geral da República. É mais um desafio para o Presidente da República?

Sim, mas esta questão da declaração de bens precisa de ser vista com uma lupa diferente. Não vejo porque é que tem de ser apenas o Procurador-Geral da República o fiel depositário destas declarações. A quem é que interessa conhecer o que é que o servidor público tem? É ao cidadão, que é o principal fiscalizador. Esta forma de se olhar para a declaração de bens como uma questão de segredo de Estado é, exactamente, o que contribui para o compadrio. Por exemplo, não importa que quem esteja no Moxico saiba o que é que o administrador da minha comuna de residência, em Luanda, tem de património, mas a mim já interessa porque sou contribuinte residente. É preciso haver uma discussão que modele melhor o formato da declaração de bens porque o actual não está correcto. O servidor público deve ser escrutinado pelo detentor do poder público que é o cidadão. Eventualmente muitos não entregaram por pensarem não fazer sentido declarar os bens ao procurador. Provavelmente, no lugar destes, eu preferiria fazer o que o presidente da UNITA fez, uma declaração pública que está na internet. Isto é que é sensato.

Como analisa a actual situação do sistema financeiro e bancário do país?

Falar do sistema bancário é falar da economia de um modo global. Temos um problema sério que tem como causas principais problemas políticos. Há fragilidades do sistema bancário e do circuito financeiro que permitem que indivíduos se movimentem com milhões de dólares em malas. Estamos com um problema sério de liquidez no sistema bancário porque a maior parte do dinheiro está nos contentores. Temos uma rede comercial muito forte, assegurada por cidadãos expatriados, que só aceita pagamentos em ‘cash’, mas também não fazem de forma isolada, tem cobertura. A forma como se deu a saída de capitais e como é feita a transacção de bens e serviços a nível do nosso mercado deixam claro que o problema não é apenas do circuito financeiro, mas é político. Não é normal que alguém retire milhões do BNA e ninguém saiba como saiu, depois se prende o motorista e/ou o contínuo do banco. É de bradar os céus e revela que os governantes conhecem, perfeitamente, estes esquemas. Muitos são os condutores e utilizam a raia miúda para bode expiatório. Não tenho dúvidas de que muitos dos que são presos, ou caem na armadilha ou estão coniventes, ganham para ficar na cadeia. Estes dinheiros saíram, continuaram a sair e, se calhar, continuam a sair porque há cobertura política.

Se tivesse de citar alguns, quais acha que são os maiores desafios económicos e financeiros do país para este ano?

O primeiro tem que ver com o desempenho do sector empresarial público. É um grande desafio que o Presidente da República tem de tê-lo como cavalo de batalha. Não podemos aceitar que tenhamos empresas tão improdutivas como as que prestam serviços nas áreas de electricidade, água, recolha de lixo em cidades como Luanda, Benguela, Lubango, ou seja, em todas as capitais provinciais que acabam por concentrar maior parte da população. Não podemos aceitar que o salário do professor atrase e o da ENDE, EPAL, ENANA ou da Endiama também. Por razões simples. São empresas que podem, devem e têm de ser rentáveis ao ponto de assegurarem a remuneração do pessoal, desde os gestores aos funcionários de base.

Há um segundo?

O outro desafio económico tem que ver com o sector informal. Há dois programas no Ministério do Comercio e no Ministério da Economia que estão versados para a reconversão da economia informal. É um sector que pode ser bastante rentável para o Estado em termos de tributação, mas precisa de encontrar melhores condições. É preciso olhar para os vários mercados e dar-lhes condições em termos de infra-estruturas e acabar com as práticas actuais em que há muita gente a tributar, mas para um particular. Falo também dos sectores como agricultura familiar, que é uma actividade informal, e das pescas. Se o Estado quer que prosperemos, é preciso apostar fortemente, sobretudo, no cooperativismo agrícola. Não há tanto dinheiro para investir em cada família, mas, agregando é possível. Este investimento tem de ir ao encontro dos locais onde, efectivamente, se faz a agricultura. É preciso apostar-se nas pessoas para que localmente possam andar. É um grande desafio que o Governo deveria ter como prioritário e não da forma que estamos a ver, como diversão e ou manobras dilatórias. Há um terceiro e este é extensivo aos deputados. É preciso estabelecer um eixo de simetria que coloque definitivamente os vícios para trás e termos um novo marco. Este Orçamento já pode ser aprovado com aquelas rubricas a que me referi, autênticas armadilhas. Quero acreditar que o Presidente da República está fintado. Ele tem assessores e é importante que se certifique de que este Orçamento vem para servir.

PERFIL

Nascido em Setembro de 1974, Faustino Morais Mumbica é natural do Kwanza Sul onde fez o ensino primário para depois fazer o ensino médio em de Electricidade Industrial no Instituto Médio Industrial de Luanda (IMIL). Licenciado em Gestão pela Universidade Gregório Semedo, em 2009, é mestrando em Ciências Politicas e Sociais.

Entre outras funções no maior partido da oposição já foi secretário provincial adjunto de Luanda, bem como secretário provincial no Namibe É desde 2015 responde pela pasta de Energia e Água da UNITA, partido que aderiu a 27 de Junho de 1992. É docente do Instituto Superior de Administração e também do Instituto Superior de Angola e já foi presidente da mesa da assembleia-geral do conselho nacional da juventude.