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JORGE LEÃO PERES, ECONOMISTA E BANCÁRIO

Encerramento de bancos são “medidas muito extremas”

Defende a independência do BNA e considera “extrema” a medida de encerramento de bancos. Economista com vasta experiência em matéria de regulação e gestão bancária, Leão Peres aplaude a liberalização do mercado cambial e observa que foi acertada a aposta no câmbio flutuante para equilíbrio do mercado cambial.

Encerramento de bancos são “medidas muito extremas”
D.R.

Sendo um economista que se tem destacado na abordagem sobre microfinanças com a publicação de livros, que conselhos daria às famílias, face à crise económica?

O conselho vai no sentido de se redimensionarem as despesas. Perante um quadro em que há hipoteticamente uma redução dos rendimentos, tem de se actuar no lado da despesa, excluir as despesas supérfluas, economizar mais e eliminar determinadas práticas. É preciso focar-se naquilo que é necessário, procurar atender às necessidades e não às vontades. Quando as pessoas forem fazer compras, têm de se colocar a perguntar “necessito deste bem?” Se necessitar, podem comprar, mas se a resposta não for clara, devem deixar. No lado dos rendimentos, é necessário procurar outras fontes de forma a alargar o orçamento. 

Olhando para o nível de inflação, acredita que o cumprimento destas medidas seria suficiente? 

A inflação, de facto, afecta as decisões dos agentes económicos e ninguém fica indiferente perante um cenário de subida dos preços. O que as pessoas têm de fazer é ir adquirindo as coisas à medida que forem necessitando.

Como olha para o futuro, considerando a necessidade de se aprender a economizar tanto a nível das famílias como do próprio Estado? 

Para o futuro, olho as famílias optando por uma maior racionalidade, famílias cada vez mais focadas na poupança, na racionalização. Haverá um ajustamento estrutural na execução dos orçamentos familiares. Falo isso a nível das famílias e dos entes públicos. 

Ao nível das despesas públicas, havia grandes desperdícios. Infelizmente, parte da população e dos gestores públicos ainda não caiu na realidade de que cada vez mais temos de usar os recursos com maior economicidade, eficiência e eficácia.

Há quem defenda a necessidade urgente da reforma do Estado, focando-se essencialmente na redução da estrutura do Governo. Também considera ser urgente?  

Cada país deve ter o governo que esteja de acordo com a sua capacidade produtiva. E, olhando para a estrutura do PIB de Angola, em termos económicos, temos uma máquina administrativa pesada, porque o Governo não produz, vai obter os seus recursos nos impostos e nos empréstimos e quem paga são os cidadãos. Se temos uma base produtiva fraca e uma máquina administrativa super-dimensionada acaba por afectar o cidadão. Grande parte dos recursos gerados na economia vai para alimentar esta máquina administrativa. O imposto encerra em si um certo paradoxo. Quanto maior é a carga tributaria, as famílias e as empresas ficam com menos recursos.

Considera oportuno o momento escolhido para o acordo com o FMI, considerando que as famílias e empresas já se encontravam em aperto?

O acordo com FMI é uma faca de dois gumes. Por um lado, estávamos neste aperto financeiro. Tínhamos de ir buscar alternativas e uma delas foi o FMI. Só que este recurso ao FMI tem de ser feito com algumas cautelas e reservas. Não podemos, passe a expressão, entregar-nos de peito aberto porque as exigências são enormes e, muitas vezes, podem levar a um desastre social. A grande crítica em relação ao FMI é que tem formula única para todos os países, não leva em conta que uma realidade em um país na Europa não é a mesma num país africano.

 Se não acautelarmos bem este acordo, teremos custos sociais muito elevados. É necessário ponderar-se bem e encorajar o executivo nos seus esforços de conseguir recuperar alguma parte do dinheiro que foi desviado de forma ilícita para diminuir esta dependência ao FMI. 

Há quem defenda que o Governo poderia negociar valores superiores, face às exigências. Concorda? 

Sim, e depois o FMI vai dando por tranche. Concordo que as exigências não estão na proporção daquilo que foi o desembolso. É importante que a equipa económica defenda, antes de mais, o patriotismo para não hipotecarmos o país.

Concorda com o câmbio flutuante?

A taxa de câmbio foi uma forma de protecção das reservas internacionais porque havia poucos dólares. Essa protecção foi para inverter aquilo que se chama uma das motivações por procura da moeda estrangeira. Porque é que as pessoas querem dólares? Primeiro, pela motivação transacções, depois tem a motivação de rendimento. Há ainda a motivação por segurança e a outra motivação, que é a da especulação, que é aquilo que se verifica na nossa economia. As pessoas procuram moeda estrangeira de forma a obter ganhos com a depreciação, e é o que víamos até 2017 quando o câmbio esteve aí congelado nos 196. As pessoas ganharam muito dinheiro. Esta motivação continua a verificar-se, mas não mais com muita intensidade. É necessário que o câmbio oficial suba de forma a reduzir esta margem e foi nesta orientação que as autoridades monetárias e cambiais acharam por bem aumentar o câmbio para desincentivar esta motivação de especulação.

Ou seja, era uma medida necessária?

Sim, era necessária face às poucas reservas cambiais que tínhamos.

Mais recentemente, o BNA liberalizou o mercado cambial, acabando com a obrigatoriedade de uma margem limite de 2% sobre o preço praticado pelos bancos. Também é uma decisão oportuna?  

Naquela altura, o que o BNA tinha feito era amordaçar os bancos. Um limite de 2% amordaça os bancos, porque a moeda estrangeira também é uma mercadoria, o seu preço deve ser regulado pela lei da oferta e da procura. É verdade que as autoridades não podem ficar indiferentes a uma subida exagerada dos preços, aliás, por isso é que o BNA é que detém o monopólio das reservas internacionais. Tem de ir regulando o mercado, mas deixar os bancos transaccionarem livremente. Só pontualmente, caso haja uma tendência especulativa, o banco central intervém. Portanto, são medidas que se impunham de forma a deixar os bancos em ambiente de concorrência perfeita.

Mas o BNA ainda continua com alguma presença considerável...  

Sim. a intervenção do banco central ainda é muito forte pela particularidade da economia angolana, dos problemas estruturais. Praticamente importamos tudo, então ainda se impõem estas medidas. Os preços angolanos são formados tendo em conta os choques externos decorrentes da depreciação da moeda nacional. Como resolver este problema? Alicerçar o sector privado, temos de ter uma base económica, começar pela agricultura de facto. Muitas vezes, o executivo fala em sector petrolífero e sector não-petrolífero, mas, em minha opinião, não temos sector não-petrolífero porque tudo gravita em torno do petróleo. Verificamos que as indústrias param pela subida do câmbio ou escassez do dólar, então não temos indústrias. Estas pseudo-industrias não são sector não-petrolífero, porque estão muito dependentes, toda a matéria-prima vem de fora, por isso digo que não temos sector não-petrolífero. A solução passa por voltarmos a pegar seriamente na diversificação da economia.

Mas os empresários queixam-se também dos bancos, pelo fraco investimento… 

A banca só não apoia aqueles projectos que não são viáveis. O grande problema é que o nosso empresariado, devemos reconhecer, ainda tem algum défice de literacia financeira. A média da carteira de crédito malparado está acima de 33% e há bancos com nível muito superior. As pessoas não pagam, mas alguns têm capacidade de pagar. Não pagam porque há debilidade do sistema da justiça, não pagam e não lhe acontece nada. Daí que a banca tem alguma relutância em financiar.

Qual é a saída?

Precisamos de desenvolver a nossa capacidade produtiva, os empresários precisam da banca e a banca diz que os empresários têm limitações… Existe uma interacção entre a banca e a economia. Os bancos precisam da economia e a economia da banca. Se os bancos não concederem crédito, afecta a sua rendibilidade, há esta complementaridade. A intermediação financeira consiste na transformação de recursos improdutivos em recursos produtivos. No entanto, grande parte dos bancos onde é que acomodam os seus recursos? Fazem aplicações de risco zero, aplicações em títulos públicos. Estamos aqui perante um paradoxo: o Estado fica com estes recursos e evidentemente a economia começa a ter menos recursos. Está errado? Não está, mas é preciso que o Estado, com os recursos que retirou da economia, crie efeitos multiplicadores, crie infra-estruturas. 

Não concorda que os bancos só não emprestam mais porque têm esta possibilidade de emprestar ao Estado, além de terem o câmbio como também um bom negócio? 

Não deixa de ser verdade. Há bancos que, na verdade, são grandes casas de câmbio.

Como é que se resolve isso porque os empresários acreditam que, se não existissem estes dois negócios, os bancos emprestariam mais?

É melhorar o quadro institucional, jurídico-legal. Os factores que podem ajudar são o aumento da literacia financeira, a melhoria do quadro institucional que abarca também o jurídico-legal no sentido de viabilizar a constituição de empresas. Depois, é preciso que os tribunais funcionem, o cidadão não pagou, é condenado.  O outro factor é a criação de infra-estrutura, estou a falar de infra-estruturas físicas e institucionais. 

Acredita que, se os empresários melhorem as limitações, poderão contar com a banca, existindo esta facilidade dos títulos públicos?  

O crédito tem o efeito multiplicador e depois temos o PAC, em que está instituído que os bancos têm que praticar 2% dos seus activos em crédito.

Mas 2% para um país que precisa urgentemente de muita coisa não é pouco?

Considero uma cifra suficiente e 2% estamos a falar para as actividades que fazem parte da cesta básica, mas, se os bancos quiserem, podem dar mais. Se os projectos forem devidamente elaborados e houver comprometimento e responsabilidade dos promotores, os bancos financiam. Só não financiam porque as garantias, muitas vezes, não têm sustentabilidade. A capacidade do Estado de endividamento não é ilimitada, haverá altura em que se vai registar a redução do endividamento do Estado.

Encerramento de bancos são “medidas muito extremas”

Recentemente levantou-se a discussão sobre a necessidade de revisão da lei orgânica do BNA. Qual é o seu posicionamento?  

O problema que se impõe é a autonomia do Banco Nacional de Angola. Tem de ter uma certa independência no sentido da condução da política monetária. O objectivo de qualquer banco central é assegurar a preservação do valor da moeda, ou seja, é controlar a inflação. Se este controlo começar a falhar, é porque há uma deficiência ao nível do banco central na condução da sua política monetária. Concordo plenamente com a revisão da lei 16/10 porque aquela lei já não se ajusta. Uma eventual revisão tem de ter o foco na sua autonomia. Tem de ser o banco central a conduzir a política monetária, definir a meta de inflação. Deixar de ser influenciado pelos outros entes públicos e principalmente na conjugação de dois tipos de políticas que têm fins conflituantes, a política monetária e a política fiscal. Os dois têm direccionamentos opostos. Enquanto a política monetária procura enxugar a liquidez no sentido de haver estabilidade de preços, a política fiscal, conduzida pelo Ministério das Finanças, é expansionista.

Acredita que haja vontade política para esta alteração?  

Acredito que sim, até porque o país só terá ganhos. Vemos noutros países. O Banco Central Europeu é autónomo, a Reserva Federal nos Estados Unidos também. É necessário que haja esta autonomia, mas não significa o governador do banco fazer tudo. É necessário que haja uma sintonia fina com a política fiscal, mas não esta submissão. Depois é necessário atacar o lado da política fiscal, uma maioria disciplina orçamental.

E quais são as outras possíveis alterações numa hipotética revisão da lei? 

Fundamental é dar maior autonomia. Na actual lei está que “o banco colabora na condução da política monetária…” Não pode, o banco é quem tem de ser o responsável pela política monetária e depois prestar contas ao parlamento. Pode eventualmente o governador do banco central fazer parte do executivo, mas ter esta autonomia. Se não fizer parte também… Há países que, quando os governadores são nomeados, há uma espécie de contrato. Define-se, por exemplo, o objectivo de manter a inflação numa determinada taxa, chega-se ao fim do ano, se não cumpriu, é demitido. No actual quadro, se não cumprir a meta de inflação, o governador pode arranjar desculpas.

Mas, na nossa realidade, faria sentido responsabilizar apenas o banco central e/ou o governador pelo não cumprimento do objectivo de manter a inflação num determinado nível?

É impossível. Depois, a política monetária, a eficácia ainda não é plena porque há uma variável que escapa do controlo do BNA, que é a moeda estrangeira, já que ainda é meio de pagamento. O BNA tem o controlo da massa monetária, sabe quanto está em circulação e quanto está em depósito em termos de liquidez em kwanza, consegue regular, mas o dólar também é meio de pagamento e é uma variável fora do controlo do BNA. Se perguntar ao BNA a quantidade de dólares que está na economia, não sabe, ninguém sabe. Depois, com este problema de fronteira com dólares que entram do Luvu e/ou da Namíbia, Pode-se ter uma ideia, mas como é que se vai actuar sobre isso? Um cenário como este não é aplicável porque ainda existem essas variáveis exógenas.                                            

Este ano, o BNA referiu a necessidade de melhorar a governança dos bancos. Há muitas lacunas? 

Não. Grande parte dos bancos já aplica os pressupostos de governança, tem uma mesa da assembleia-geral, um conselho de administração e uma comissão executiva. A comissão executiva é quem gere o dia-a-dia e o conselho de administração vai ver o direccionamento estratégico, olhar para as áreas de fiscalização. É exactamente para salvaguardar os interesses dos accionistas. Inclusive, no conselho de administração, tem de haver os administradores independentes, aqueles que não estão ligados a nenhum dos accionistas. Normalmente, noutros países estes administradores independentes são recrutados nas universidades, professores universitários. Não está comprometido com os accionistas, constatam as situações e dão os seus pareceres.

Ou seja, há pouco ou nada para alterar? 

É só ajustar em alguns bancos, os bancos não tinham como fugir disso porque foi um aviso do BNA, creio que tenha sido 1/2013. Ao nível da banca, o BNA impõe, noutros sectores empresariais não há, mas era preciso porque este modelo de governança ajuda na transparência e os bancos passam a ter maior confiança nas empresas. 

Está em curso a avaliação da qualidade dos activos de alguns bancos e há quem cogite o encerramento de alguns bancos. Qual é a sua perspectiva?  

Pode ocorrer eventualmente. O que é a avaliação da qualidade dos activos? A empresa de auditoria olha para o balanço do banco e do activo declarado e vai verificar aquele que é realizado. Por exemplo, olha para o crédito, temos lá cem milhões, o auditor solicita os suportes para verificar se são recuperáveis. Pode depois chegar à conclusão de que o crédito não são 100, mas sim 80 porque os outros 20 são de perda total. Faz o mesmo com os imobilizados. Depois em função dos buracos detectados, serão convocados os accionistas para cobrir. Só no caso de os accionistas não terem capacidade, o BNA pode, mas não necessariamente levar ao encerramento. O encerramento é uma política com a qual não concordo. Pode colocar-se o banco à venda. Em Portugal, está a ocorrer com o Banco Espírito Santo, o Novo Banco, não fechou.

Depois da decisão de encerrar os bancos Mais e Postal não parece fazer sentido esperar por medidas semelhantes? 

Sim, mas são medidas muito extremas e depois há consequências como o desemprego. Naturalmente o BNA não pode compadecer-se com determinadas situações, mas pode colocar à venda antes de encerrar. Pode ser que haja investidores que queiram comprar.

Podemos ter aquisições e ou fusões?

Aquisições e fusões é este o fenómeno que é expectável que venha a ocorrer no futuro, porque o banco não pode encerrar. O fenómeno natural no sistema bancário são as fusões e aquisições, não é o encerramento de bancos.