COMPUTAÇÃO. Docente da Universidade Agostinho Neto (UAN) entende que a classe empresarial tem noção dos ganhos que pode ter de investir nos criadores e inventores, mas admite haver ainda muito caminho a ser feito. E afirma que a crise é uma “boa oportunidade” para se apostar na inovação. Em 2017, Angola foi outra vez premiada na feira de inventores da Alemanha. O que tem sido feito com estes projectos? Alguns dos projectos do Departamento de Ciências da Computação da UAN estão a ser utilizados na UAN, como um interpretador de algoritmos, com resultados muito positivos, ou ainda o sistema integrado de gestão dos exames de acesso no período das candidaturas. Posso também salientar o ‘software’ Zwela, que traduz português para línguas nacionais e reproduz a pronúncia das palavras e que foi produzido com o apoio da Sistec. Existem também projectos que estão a ser implementados noutras instituições e organismos públicos. Seria útil que os outros projectos também estivessem em uso. No entanto, isso não depende apenas dos inventores e criadores, mas de outras entidades ou departamentos ministeriais ligados a estas temáticas e ao empreendedorismo. Estes constantes prémios têm colocado o país na agenda de investidores e indústrias internacionais? O foco deve ser o investimento nacional. Temos de apostar, cada vez mais, nos projectos que desenvolvemos e que têm qualidade. Se aguardarmos pelo investimento internacional, estaremos a perder oportunidades de desenvolvimento. Perdoem a imodéstia, mas temos recursos, capacidade e competências. Não há pretexto para não se concretizarem os projectos com valor e interesse para Angola. Criou o ‘Sistema de Apoio Ao Serviço Nacional de Saúde’. É um projecto que está a ser utilizado? Não ficou engavetado. Foi desenvolvido com o objectivo de auxiliar a obtenção de informação sobre os serviços de saúde disponíveis. Entretanto, evoluiu para outro, denominado ‘SIEMA’ que, além da vertente informativa, pode ser usado por utentes em situação de emergência médica. Temos um outro sistema, o ‘Mwonowaha’, que teve um reconhecimento internacional, recebendo uma medalha de prata, em 2017. Acrescenta um componente para a gestão de bancos de doadores de sangue e informação sobre medicamentos e farmácias. Este tipo de sistemas é uma das utilizações das TIC que tem recebido mais atenção na comunidade científica nos últimos anos. A sociedade angolana e os agentes económicos compreendem melhor a importância da informática? A economia mundial é baseada na informação e os agentes económicos compreendem isso. No entanto, não basta compreender a importância. Será necessário planear e efectivar essa noção em aplicações e tecnologias concretas e utilizadas nas empresas. Tem de ser feita uma utilização adequada dos recursos das TIC, utilizando sistemas, ferramentas e outros meios que dêem aos agentes económicos um diferencial competitivo. Isto não quer necessariamente dizer que seja obrigatório fazer grandes investimentos financeiros dentro das empresas, mas é indispensável ter uma visão abrangente e um objectivo estratégico, colocando a tecnologia ao serviço da empresa e não o contrário. A classe empresarial tem noção dos ganhos que pode ter a investir em invenções e criações? A noção existe, mas a um nível mais abstracto. Ainda existe trabalho a ser feito, mas, à medida que o país for diversificando a economia, é indispensável que as empresas se afirmem no mercado de formas distintas, agreguem valor e apresentem produtos e serviços inovadores. A classe empresarial tem a oportunidade de desempenhar um papel importante na criação e apoio a núcleos de empreendedorismo que unam empresários, gestores, universidades e laboratórios de investigação. Já vai havendo muitas iniciativas empreendedoras com recurso às TIC. Está satisfeito com o nível ou poderia existir mais? Não são tantas quanto as que podem e devem existir. O país carece de profissionais na área das TIC, apesar de todo o esforço e aumento na quantidade de jovens formados. Podemos ter iniciativas com impacto em inúmeros sectores da sociedade e da economia. A crise é favorável à aposta no talento e na criatividade e no sucesso dos novos empreendedores. Como avalia a coabitação em Angola entre sociedade industrial e as TIC? Não tem sido fácil porque a mudança de paradigma gera receios e frustrações. Os receios geram-se, essencialmente, porque as pessoas podem julgar que vão perder o posto de trabalho, quer por inadaptação à tecnologia e à mudança, quer por extinção do posto de trabalho. Existe uma resistência à mudança, observável em quase todas as empresas e instituições, só que já não existe outra opção a não ser evoluir. Esta necessidade obriga a um processo de aprendizagem contínua e à responsabilização individual. As lideranças têm um papel fundamental na criação de uma visão e cultura de inovação e mudança. O maior contacto com as TIC é, em princípio, uma garantia de um futuro melhor? O interesse dos jovens possibilita a existência de mais candidatos a cursos destas áreas e que se possam seleccionar os melhores. Uma preocupação que temos é o interesse particularmente das raparigas pelas TIC, um aspecto que necessita de ser trabalhado em conjunto com várias estruturas. Não podemos confundir interesse e contacto com as TIC com o uso das redes sociais e da internet. De facto, a utilização das TIC por parte dos jovens é facilitadora de maior à vontade, maior predisposição para aceitar estas tecnologias num contexto profissional e menor resistência à mudança. Estes factores aumentarão o ritmo a que os sistemas serão implementados e também a produtividade. PERFIL Mateus Padoca Calado é professor auxiliar na UAN e investigador no BioSystems & Integrative Sciences Institute da Universidade de Lisboa. É doutorado em Informática pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. É docente na Faculdade de Ciências da UAN desde 2008 e docente convidado na Faculdade de Economia da mesma Universidade desde 2010.
César Silveira
Editor Executivo do Valor EconómicoPlano pode deixar Angola com ainda menos dólares
DIVISAS. Gigante asiático pretende aproveitar a influência que tem no mercado petrolífero para impor a sua moeda e Angola está na agenda como país de ensaio. Especialistas entendem que pode ser positivo, desde que as negociações sejam bem-feitas. O plano da China de aproveitar a condição de influente comprador mundial de petróleo para promover a internacionalização do yuan apresenta-se como um grande desafio para Angola, devido à forte possibilidade de reduzir a importância do dólar no sistema financeiro nacional. As informações da existência do plano chinês foram postas a circular, na última semana de Março, por diversos órgãos internacionais com recurso a fontes não identificadas, mas não confirmadas nem desmentidas pelos diversos organismos chineses. É consensual entre os especialistas de que existe, efectivamente, este plano. E justificam-no, sobretudo, com a abertura da Shangai International Energy Exchange (SIEEX), unidade da bolsa de Shangai Futures Exchange que vai permitir negociar contratos de petróleo em yuan. O investigador do Centro de Investigação da Universidade Católica José Oliveira entende que o crescimento desta unidade estará dependente da aceitação, por parte dos maiores vendedores. “Um dos factores que vai influenciar o crescimento desta nova bolsa de negociação de petróleo na China com base em contratos de futuros vai ser a aceitação, por alguns países grandes exportadores como a Arábia Saudita, Rússia, Angola, Irão, Iraque etc, de alguns pagamentos em moeda nacional, o yuan. Se tal não acontecer, a nova bolsa não vai crescer muito nos primeiros tempos”, respondeu a convite do VALOR para analisar os riscos e vantagens para Angola da possível substituição do dólar pelo yuan. Informações divulgadas pela imprensa internacional dão conta da intenção da China de iniciar o uso o yuan ainda este ano e, numa primeira fase, com as compras nos dois maiores vendedores, ou seja, Angola e Rússia. José Oliveira entende que a introdução do yuan nas compras de Angola “tanto pode ser negativa como positiva”, dependendo da habilidade nas negociações. “É positivo se apenas englobar as exportações de petróleo destinadas ao pagamento da dívida de Angola, fruto dos financiamentos da China. Mas, para que tal aconteça, e de forma neutra – sem prejuízos para ambas as partes –, é necessário que as entidades financeiras dos dois países negoceiem para, primeiro, converter a dívida à China, ou parte dela, de dólares para yuans”, argumenta José Oliveira. Para o especialista em questões energéticas ,“o que Angola não deve, para já, permitir, enquanto o yuan não for uma moeda internacional e convertível, é que as exportações de petróleo que agora lhe são pagas em dólares, e que o país usa no comércio internacional passem a ser pagas na moeda chinesa”. “Os chineses estão, de forma lenta, a internacionalizar a sua moeda, mas ainda há muito caminho para andar nos próximos anos para que ela possa ser aceite nos pagamentos internacionais como acontece com o dólar, euro, yen ou franco suíço, a não ser nos casos em que o montante recebido se destine a amortizar divida à China”, acrescenta. Por sua vez, o economista Cristóvão Neto entende que “assim, à primeira vista, é positivo para Angola”, devido à escassez de divisas das economias petrolíferas. “Também é uma tendência antiga da economia mundial, a pluralidade das moedas. Ou seja, o mercado das moedas torna-se mais plural e o dólar e as outras deixem de ser as únicas moedas fortes. Pelo volume de comércio que proporciona, a moeda chinesa vai tender a ser aceite na maior parte das economias”, argumenta. A possibilidade de o plano chinês concorrer para reduzir o dólar no sistema financeiro deve-se ao facto de o petróleo representar mais de 90% das exportações angolanas e a China ser o maior destino do petróleo angolano. Em 2016, por exemplo, segundo o relatório e contas da Sonangol, a China adquiriu 48% das exportações. Ainda em 2016, o gigante asiático pagou cerca de 13,7 mil milhões de dólares pelo petróleo angolano, segundo a Administração Geral de Alfândega da China que dá conta ainda de que, em 2017, a China pagou 19,4 mil milhões de dólares.
Assume que nunca usou a condição de filha do actual presidente do Parlamento para ter sucesso. Como empresária, lança dúvidas sobre os benefícios para Angola da Zona de Comércio Livre, critica os bancos “por sufocarem” os empresários, acredita que a crise é passageira e apoia o combate à corrupção, apesar de lançar dúvidas sobre o sucesso da empreitada. O combate à corrupção é uma das bandeiras do Governo. Acredita no seu êxito? A corrupção combate-se com melhor educação e a responsabilização dos agentes públicos e não só. Sem medidas criminais exemplares, fica muito difícil de acreditar. Mas, só de existir esta manifestação clara do novo Governo, já é uma verdadeira conquista. Concorda com quem pensa que o fim da corrupção e outras práticas semelhantes representam a falência de grupos empresariais cujo sucesso sempre esteve dependente destas práticas? Não. Haverá uma organização. Todas as grandes riquezas mundiais vieram de situações que se acreditam ilícitas. Angola não iria fugir a este paradigma. Agora, não pode ser regra. Os conflitos armados mexem com a organização do Estado. A estabilidade política impõe regras claras e justas, onde a riqueza assente no rendimento justo é obrigatória para todos. A nova lei do investimento estrangeiro acaba com a obrigatoriedade da parceria com nacionais. Concorda? Alteramos tantos procedimentos legais. Nunca percebi, sinceramente, o seu propósito. Uma lei que impunha as parcerias estrangeiras aos empresários nacionais, humildemente falando, tem, na sua génese, um cariz proteccionista. Ao retirar-se esta obrigatoriedade, abre-se a liberdade às iniciativas estrangeiras que gozam de toda a protecção dos seus estados para a procura de novos mercados e esquecemo-nos de capacitar os nacionais. Precisamos de cair no realismo político, social e económico de outro modo. Caminhamos para um monopólio estrangeiro, já existente, só que agora liberalizado e legalizado pelo nosso Estado de direito e democrático. Mas muitos empresários angolanos também defendiam o fim desta obrigatoriedade. Como explica esta posição? São as ambiguidades tipicamente angolanas. De certeza que são os angolanos com dupla nacionalidade ou duplo interesse. Muito mais virados para o mercado estrangeiro do que para o nacional. Grande parte dos empresários nacionais, se tem capacidade financeira, não tem a tecnológica e, para criar maior dificuldade, a nossa banca de investimento ainda não está tão consolidada de modo a criar-se um proteccionismo aos empresários nacionais sem injecção de capital financeiro estatal. Ou seja, a nossa ‘garantia real’ ainda é o tão sonhado negócio bilionário com o Estado que, na prática, já não existe. Quem se fez rico! Optimo! Quem não se fez, vira servente! Só podemos depreender isso. Vamos caracterizar estas posições de os ‘chamados interesses instaurados’. Quando fala em possível monopólio estrangeiro está também a dizer que a Zona de Comércio Livre pode ser mau para o empresariado nacional? Sinceramente, só posso considerar que sim. Porque, dentro das políticas macroeconómicas que foram traçadas ao longo dos anos pelo nosso executivo, permitiria um início de processo na Zona de Comércio Livre certamente competitiva com as necessárias adaptações! Os nossos ditos empresários, os chamados fortes, só apostaram em negócios transaccionáveis e nada produtivos para o nosso PIB. Há uma certa relatividade no que a Elizabete diz? Não. Há realismo. Mostrem-me uma indústria nacional forte! Autónoma! Em que os seus custos de produção só dependam dos factores produtivos internos! O que se espera de nós, na Zona de Comércio Livre? Se nem a nossa moeda nacional é capaz de nos segurar e estruturar... Só um milagre. Tem tido contactos com potenciais parceiros estrangeiros. Quais têm sido as maiores preocupações que apresentam? O repatriamento dos capitais investidos. Temos de ser flexíveis. Quem investe no nosso país está a contribuir para a construção de um património económico e social. Agora é bem verdade que o valor investido só deve sair depois da devida maturidade do negócio e formação contínua dos quadros nacionais. “A crise é temporária” Como tem estado a gerir a dificuldade de importação de matérias-primas? Essa questão é estrutural, é uma questão de Estado. Primeiro, não podemos brincar aos empresários, temos de nos preparar para tudo, para os bons e maus momentos, sermos empresários de verdade. Hoje, os problemas estão aí, temos de os enfrentar, procurar soluções. As empresas que estão bem estruturadas vão sobreviver. A crise é temporária e é um teste para filtrar quem realmente é empresário. Estamos a viver também a problemática da escassez de divisas, mas temos parcerias estratégicas lá fora que ainda nos alimentam. Não tem dificuldades? Temos fornecedores que, mesmo sem divisas, dão os produtos e, na medida que vamos conseguindo, liquidamos as dívidas. Dentro dos próximos tempos, com os nossos parceiros, vamos montar uma unidade de fabrico de cartões, por exemplo, ainda este ano. Vamos também produzir internamente o milho e, no âmbito de uma parceria estratégica, vamos montar uma empresa que vai fornecer vacina animal. Há problemas, mas o desejo de vencer é maior. A fazenda Pérola do Kikuxi mantém a liderança na produção do ovo? Representamos 60% da quota do mercado. Um dos grandes segredos é a programação da reposição dos bandos. Qual é a facturação anual da Fazenda Kikuxi? A facturação anual, com a venda de ovos e galinhas, é de cerca de oito mil milhões de kwanzas. Com estas dificuldades, haverá necessidade de aumentar o preço do ovo? Produzir ovo é caro, partindo da importação de matéria-prima, água, energia, enfim, tudo isso influencia no preço final. O preço oficial está agora, fixado em 40 kwanzas. É justo. Agora no mercado informal, ronda os 70 a 100 kwanzas, o que já não se justifica. Recentemente, disse que estavam com dificuldade de explorar a 100% a Solmar, fábrica de processamento de peixe, que inauguraram recentemente. Este cenário mantém-se? Ainda não está a funcionar a 100%, devido, sobretudo, à escassez da principal matéria-prima, o peixe. Qual é o problema, visto que o país tem mar suficiente? Falta um plano concreto para o devido desenvolvimento das indústrias locais, sem recorrer às importações dos insumos. O processo industrial é uma integração. Nunca pode ser visto como objectivo separado, individualista, sem comprometimento com as políticas do executivo. Como pensa inverter o quadro? Continuar a trabalhar na busca por melhores soluções. Só paro, se o país parar e penso que tal não vai ocorrer. Esta dificuldade pode ser entendida como resultante de alguma falha na elaboração do estudo de viabilidade? Esta falha deve-se a um único propósito, a não organização das principais estruturas que asseguram a nossa actividade. Não há nenhum estudo de viabilidade que funcione, caso as instituições não coloquem as mãos nos agentes económicos que agem de má-fé. Muitas licenças atribuídas beneficiam o mercado informal. Vai conseguir honrar o compromisso com a banca? É uma questão de honra. Vamos, não tenho qualquer dúvida disso. “A banca sufoca” Que avaliação faz da banca? Devia ajudar os empresários em vez de os sufocar. Em muitos casos, exigem garantias que quem está a começar não tem. É um debate que deve ser levantado, tem de se rever alguma coisa de modo a viabilizar os projectos. Os bancos acusam os empresários de apresentar projectos pouco convincentes. Para que lado pende a verdade? Sem uma banca realmente vocacionada para a banca de desenvolvimento, nunca saberemos. Existem erros de ambos os lados, o certo é que, quem perde é o nosso país. Tem alguma facilidade em aceder ao crédito bancário por ser quem é? Se assim fosse, já estava na lista das mais ricas, pelo menos, de África. Não faço uso das prorrogativas políticas e quando tentaram colocar-me nesta condição, retirei-me educadamente. Busco uma postura muito natural. Falando educadamente com quem decide e defendendo aquilo que acredito e os projectos que tenho em carteira. “Conto com o apoio de homens” É fácil gerir homens? O mais complicado não é gerir homens, mas gerir pessoas. Gerir pessoas é muito complicado. Mas hoje, o angolano já não olha para o sexo, mas para a competência e para os planos em que todos se revejam. Conto com o apoio de muitos homens. As políticas não são femininas, mas de todos. Quais são as principais características, virtudes e defeitos, dos trabalhadores angolanos? Sentido de responsabilidade, pontualidade e pressa em ascender sem aprender, na prática, que o sucesso se alcança com trabalho, paciência e humildade. Embora seja uma postura de poucos, quando focados nos seus objectivos, são uma verdadeira mina de ouro. São os chamados ‘diamantes brutos’, que podem ser tão bons como os demais no resto do mundo. Só que, lá fora, é uma regra básica e, em Angola, uma raridade. Na generalidade, o gestor angolano põe em prática o princípio, segundo o qual ‘o principal recurso das empresas são as pessoas’? Quem não procede desta forma está a lançar-se sozinho para o abismo. Ainda há muitas injustiças no mercado de trabalho. No entanto, há novas formas de actuação dos gestores angolanos, muito assentes no concidadão. Muito se deve também a um posicionamento melhorado do perfil do trabalhador. Há quem diga que as mulheres, quando assumem cargos de direcção, se tornam prepotentes. Concorda? Acho que não. Há características próprias dos homens e há características comuns das mulheres. A mulher, por natureza, reage de forma emocional, mas não é por prepotência. Eu tenho o cuidado de tomar decisões sem olhar para as características, se são masculinas ou femininas. Que avaliação faz da presença de mulheres na agro-indústria? Ainda são poucas e com uma forma de trabalhar tradicional. Temos ajudado essas pessoas no sentido de evoluírem, virarem para as grandes indústrias. As mulheres não devem olhar para o género como obstáculo. Devem, primeiro, saber o que querem fazer, unirem-se com as boas pessoas, porque este sector ainda precisa de mais mulheres. Que análise faz do empresariado nacional? Embora muito competitivo, é muito individualista, não persegue os interesses comuns, infelizmente. Apesar de ser filha de quem é, é muito crítica pela forma como é tratado o sector empresarial. Porquê? Nunca tinha prestado atenção. Quem vive os problemas e sente deve manifestar-se. Não sei se as pessoas que privam comigo na condição de empresária me vêem como filha de… Busco demarcar-me e só falo na condição de empresária. Pensa um dia deixar o mundo empresarial para abraçar outra carreira? Vivo um dia de cada vez. Sem deixar de me capacitar para novos rumos ou desafios. Qualquer novo objectivo, que me retire da vida empresarial, terá de ter uma correlação com todo o meu trabalho reconhecido. Ainda tenho algum tempo por estas áreas, sempre inovando. A política é uma possibilidade? Dos maiores orgulhos que sinto do meu pai, certamente, é pela sua carreira política. Todo o pai quer ver um dos filhos a seguir o seu trilho. Há pessoas que privam connosco e perguntam o porquê do meu pai não me lançar no mundo político. O meu pai responde com o silêncio e eu com um sorriso. Ser uma hipotética seguidora do meu pai não é tarefa fácil. Se acontecer, será muito natural, sem cunhas, não é essa a nossa postura. As pessoas não são só importantes fazendo política activa. Se calhar, o meu trabalho junto das mulheres zungueiras é mais impactante do que qualquer acomodação. Por enquanto, estou realizada nesta condição de empresária. É a favor ou contra as quotas de mulheres para cargos de direcção e chefia? Não partilho essa ideia. Homem ou mulher, desde que tenha força e capacidade, não precisa de quota. É uma medida discriminatória, que dá a aparente imagem de equidade e, na verdade, não tem impacto. As oportunidades deveriam ser iguais e homens e mulheres a concorrerem em igualdade de oportunidades. Quem é capaz não depende de quotas. Nós, mulheres, já provámos que somos capazes. Quais são as conquistas que as angolanas já alcançaram para provarem que são capazes? Tantas. Pena que os homens só mencionem aquelas que sejam necessárias por conveniência. Pegue na história das mães dos grandes homens do nosso país e depois diga-me se o mérito é dos pais ou das mães. Está satisfeita com a representação feminina nos cargos de chefias nas diferentes áreas? Não. Há muita mulher que, com oportunidade, faria mais e melhor, comparativamente a muitos homens que estão em lugares de acomodação sem apresentar resultados. Quais são hoje os grandes desafios da mulher angolana? Provar, de forma sistemática, que é capaz. Como caracteriza a mulher angolana no geral? Guerreira, astuta, perspicaz, com sentido de dever e obrigação muito raro. A nossa sociedade só ainda não percebeu que grande parte dos grandes homens, ‘senhores doutores’, foi educada por viúvas, mães solteiras, que foram atiradas com os seus filhos para um cruel abandono. “Quis sempre ter poder de decisão” É jurista, mas destaca-se no mundo empresarial onde já venceu um prémio. Qual é o seu segredo? De facto, no ano passado, venci o prémio Sirius na categoria de empreendedora do ano. Foi e continua a ser uma surpresa e uma honra porque não esperava. Trabalho por objectivos e não por prémios, mas, quando o reconhecimento chega, é um orgulho. Quando decidi abraçar o mundo do empreendedorismo, fi-lo por perseguir um objectivo de realização e não por prémios. Mas, quando chega de modo natural, é um orgulho. Sempre defendi, desde criança, que as mulheres podem ser aquilo que elas quiserem, dentro da capacidade e fragilidade de cada uma. Não é uma questão de género, mas sim de mentalidade e determinação daquilo que cada uma das mulheres quer buscar para si. Em que circunstâncias se tornou empresária? Estudei no Nzinga Mbandi. Outras meninas sonhavam ser médicas, aeromoças e eu sempre disse que seria uma empresária de sucesso. Quis sempre estar num espaço de euforia e de poder de decisão. Foi um sonho, mas, até à concretização, tive de trabalhar muito. Qual foi o primeiro projecto que geriu? Muito cedo, em 2006, estava em Portugal a estudar e criei, em Angola, uma empresa de eventos, a Kee-Eventos. Na altura, pedi autorização ao meu pai [Fernando da Piedade Dias dos Santos, actual presidente da Assembleia Nacional], mas ele disse-me para esquecer e que, se avançasse, seria por conta própria. Avancei, mas depois retirei-me da sociedade porque faltou coerência e transparência da parte dos sócios. O projecto perdeu a essência. Sai com a minha dignidade, pedindo apenas que se salvaguardasse os empregos dos funcionários. Teve alguma inspiração familiar? Não. Por incrível que pareça, e perante a minha insistência, só uma pessoa arriscou em acreditar nesta possibilidade. A minha mãe, já falecida, foi uma jovem militar e, naquela altura, não tive ninguém da família que fosse empresário, até porque o sistema empresarial angolano é jovem. A ideia era trabalhar num sector que me motivasse sempre e o mundo empresarial era um deles. Hoje ainda nota esta falta de coerência nas sociedades? Muita. Há luta por dinheiro e falta de transparência. No meu caso, quando me deparo com estas lutas, prefiro lutar pela minha dignidade. Luto pela justiça, nunca por dinheiro. O dinheiro é o resultado de trabalho e persistência. É acusada de beneficiar da influência do seu pai? Qualquer um de nós tem um pai e uma mãe, carpinteiro, pedreiro, etc. Eu sei qual é a intenção da pergunta. Sou sim filha do senhor Fernando da Piedade Dias dos Santos (‘Nandó’), mas sempre procurei não associar a imagem política do meu pai aos projectos empresariais, embora ele seja um observador atento do que faço. Incomoda-a as opiniões de que o seu sucesso empresarial se deve, essencialmente, ao estatuto político e social do seu pai? Sinceramente, não. As pessoas têm direito de emitir a sua opinião sem desmerecer, naturalmente, o respeito e a dignidade dos outros. Desde que esteja consciente das minhas obrigações e dos meus defeitos... Quantas empresas gere actualmente? Tenho como empresa principal a Deside, da qual sou accionista e administradora. A mesma, neste momento, tem um universo de 32 empresas, entre as quais a Fazenda Pérola do Kikuxi, a Avikuve, a Kikovo, a Nutrimix, a Palma, a Solmar e alguns projectos que vão surgir, brevemente. Umas já estão a funcionar, mas sem apresentação pública. No total, criamos cerca de mil empregos directos.
Líder de uma das províncias pesqueiras do país lança o desafio aos produtores de sal a serem mais agressivos sob pena de perderem as licenças. Também promete ser implacável com os colaboradores que não estiverem alinhados com o combate à corrupção. O governador aposta na iniciativa privada para desenvolver o turismo, as pescas e as energias. Defende ainda uma maior descentralização para os municípios. Foi vice-governador antes de ser governador. Significa que teve uma adaptação fácil? Sim, porquanto a nossa província é pequena, se considerarmos a nossa demografia com 500 mil habitantes, cerca de 65% concentrada na cidade facilmente nos podemos enquadrar com o que encontramos. Vamos dar sequência ao programa deixado pelo governador Rui Falcão e ir actualizando de acordo com o programa de investimento público e o Orçamento Geral do Estado. Pretendemos atrair investidores privados, quer nacionais como estrangeiros, para o Namibe dar o salto que pretendemos, visto que temos muitas potencialidades virgens. Ainda não está satisfeito com o nível actual de investimento privado na província? Não, porque o Governo chegou onde tinha de chegar e a situação não está muito boa para ser o Governo a preocupar-se com outros sectores. O Presidente da República chama a atenção para actuarmos neste sentido. Mesmo na diplomacia, está a dar-se prioridade à diplomacia económica para atrair investimentos. Alguns sectores estão a começar a ser explorados, mas não na plenitude. É o caso do turismo. Com operadores experientes, podemos encontrar fortes potencialidades, considerando as áreas por explorar como é o próprio mar e o deserto. O turismo que é feito, mesmo o doméstico, é insipiente e é feito de uma forma não estruturada. Queremos operadores que de A a Z encontram potencialidades que possam transformar o Namibe, como alguém disse por altura das campanhas eleitorais, na terceira capital do país, mas sempre com o enfoque no turismo. E o que está a ser feito para incentivar estes investimentos? Estamos a trabalhar com o Ministério da Hotelaria e Turismo para que, de uma forma mais organizada, se vá buscar pessoas com experiência e nós, no terreno, vermos o que temos. Há potencialidades, por exemplo, para os desportos radicais e marítimos. No deserto, há muito por se explorar a partir do Parque Nacional do Yona. Há muita coisa por se fazer. Não queremos mais um turismo feito por curiosos, mas sim com operadores que nos permitam sonhar com a possibilidade de fazermos com que, invés das pescas, o nosso cartão postal possa ser o turismo. Para que outros sectores olham com a mesma expetativa? Temos as rochas ornamentais. Pretendemos incentivar a transformação local porque perdemos muito quando só exportamos. Se podermos trabalhar no sentido de termos o produto acabado e semi-acabado, já será uma mais-valia, sobretudo porque fica mais cara a importação dos produtos acabados. Ao importarmos os produtos acabados, pagamos até oito vezes mais e é nesse sentido que estamos a trabalhar. Há empresas que já estão a exportar, só que tem de se fazer mais marketing sobre o que se produz e pretendemos que surjam mais fábricas de polimento de rochas ornamentais porque o potencial no Namibe é muito forte. Muito do granito que aparece na Europa tem como origem o Namibe. Vamos chamar as pessoas para investirem em fábricas porque matéria-prima não vai faltar. Vai exigir, sim, mais investimentos, a montante, ou seja na exploração. Enquanto isso, as pescas continuam a ser o cartão postal da província... Houve um período em que estavam num estado bem moribundo, mas já demos um salto muito grande. Assistimos a uma melhoria satisfatória com a entrada em funcionamento de novas unidades pesqueiras o que permitiu gerar quatro mil postos de trabalhos. Continuamos a trabalhar no sentido de criar condições objectivas que garantam o surgimento de novas empresas no município do Tômbwa, onde, brevemente, vamos inaugurar um entreposto e posto pesqueiro com capacidade de atracagem e descarga, ao mesmo tempo, de vários barcos de longo curso. Estamos a trabalhar para recuperar o sector salineiro de forma a aumentar os níveis de produção, baixar os custos de produção e melhorar a qualidade do produto e integrar a rede nacional de distribuição. Assim, resolveríamos o problema de escoamento do produto. Estão a surgir novas empresas que, aliadas à nossa coqueluche do momento, a Academia de Pescas e Ciências do Mar, representarão um salto considerável nas pescas. Em relação ao sal, os produtores nacionais queixam-se da importação por excesso. Enquanto governador de uma província salineira como pensa atender a estas preocupações? Nós ainda somos deficitários na produção do sal para o consumo interno. No Namibe, particularmente em Moçâmedes, temos três salineiras, mas a funcionar em pleno temos duas. Há espaço e áreas suficientes para que o Namibe possa ultrapassar Benguela na produção. Vamos chamar a atenção aos empresários que estão com estes terrenos porque os investimentos na indústria não são grandes. É, essencialmente, nas máquinas porque temos o mar, assim como o terreno. Se querem pegar, pegam, senão, vamos chamar quem esteja interessado. Há pessoas que ficaram com os terrenos, não fazem e não deixam fazer, vamos tomar algumas medidas porque o Namibe pode dar um salto bastante grande na produção do sal. O que pensa em relação à importação do sal? Têm de ser tomadas algumas medidas a nível superior e isso também em relação a outros produtos, para a defesa da produção nacional. O mesmo serve, por exemplo, para a produção do carapau. Todos os anos, importamos porque a nossa produção ainda não é suficiente, mas isso tem de ser ultrapassado porque temos uma vasta área onde se pode capturar, não apenas estes pelágicos, para satisfazer as necessidades. Temos de encontrar mecanismos com os próprios industriais das pescas. É verdade que houve alturas em que tivemos alguns fenómenos, como o ‘El-Nino’, que influenciaram negativamente na captura, mas as coisas estão a melhorar. Qual é o actual nível de exploração das salineiras? Exploram entre 4% a 10%, mas poderiam explorar mais. Um dos problemas que temos é a falta de agressividade por parte do empresariado e uma certa receptividade por parte dos bancos para as solicitações dos empresários. Esse é um dos maiores problemas que temos: os bancos corresponderem às expectativas das empresas. Quantas licenças estão disponíveis para a exploração do sal? São poucas, quatro ou cinco, embora haja pedidos para grandes indústrias, mas a área que se está pedir fica um pouco fora da rota em que facilmente se pode produzir e fazer a distribuição. Há solicitações para o Bentiaba. Se realmente estiverem interessados e forem agressivos, a indústria salineira vai dar um grande salto. Existem perspectivas de mais investimentos industriais para a cadeia da pesca? O Ministério lança quotas para as capturas em relação à cavala, sardinha e carapau. Em relação ao cacusso, cachucho e corvina têm outro tipo de captura. Somos fortes em relação aos crustáceos, estou a referir-me ao caranguejo que é um dos cartões postais da província, aparecem também os moluscos, lulas e chocos nos períodos próprios, mas, às vezes, não são devidamente aproveitados do ponto de vista comercial e até industrial. Capturam-se grandes quantidades, mas ficam por aí só. O que está a ser feito para que esta coqueluche, a academia de pescas, não venha a transformar-se num ‘elefante’ abandonado? Há um grande problema em relação a estas infra-estruturas construídas pelo Estado. Estivemos muito tempo a trabalhar nas pescas, no Tômbwa, e a experiência que obtivemos da indústria pesqueira é a manutenção. Se não for feita, passados um ou três anos, danificam, depois estamos numa área onde a corrosão é muito forte. No Tômbwa, havia um programa de manutenção de todo o processo, até do rolamento. Quando chegasse o momento para a substituição, não se esperava pela avaria. Um programa de manutenção destas infra-estruturas é muito importante. Depois é o trabalho de sensibilização dos utentes que precisam de ter orgulho de estar numa infra-estrutura imponente. Tomara muitas províncias terem aquela infra-estrutura. Felizmente, está no Namibe e vamos trabalhar para se cuidar dela. Também há preocupação em relação à manutenção da estrada que liga Namibe à Huíla. Como estão a gerir este dossier? Recentemente, estivemos no Lubango para fazer uma concertação com o governo da Huíla porque a estrada 280 está degradada e grande parte desta degradação parte da circulação dos camiões, que transportam blocos de mármore e granito e, às vezes, ultrapassam as capacidades dos próprios camiões. O que pretendemos é que, existindo o Caminho-de-Ferro de Moçâmedes, se passe a usar esta solução porque é mais barata. Há muitos inconvenientes com o transporte por camiões. Quando caem os blocos ninguém se responsabiliza. Os cruzamentos são estreitos e, em muitos casos, registam-se acidentes. O que pretendemos é que se crie um ponto seco na Huila para o transporte dos blocos do Lubango para o Porto Comercial do Namibe. Depois disso, vai fazer-se uma concertação com os operadores para que passem a usar o porto seco. O mesmo vale para os camiões cisternas que levam o combustível do terminal oceânico de Moçâmedes para a Huíla e o Kuando-Kubango que, ao subir, vão derramando. Ainda haverá muito ruído à volta disso, mas temos de encontrar uma solução. Acredita do sucesso desta aposta? A questão não é de sucesso, mas de haver uma compreensão. O Governo está preocupado com a manutenção das estradas que tem provocado muitos acidentes. Vamos colocar duas ou três balanças no percurso e, certamente, muitos camiões irão voltar por excesso de carga. Mas já existiu uma balança... Nunca foi utilizada, mas também foi construída num contexto diferente. Teremos de actualizar. Esta semana, o ministro das Obras Públicas estará no Namibe e um dos temas será mesmo a estrada porque também precisa de ser alargada para evitar acidentes. A crise obriga-nos a outros exercícios para a arrecadação de receitas. E o Namibe como está? Há um trabalho que a AGT está a levar a cabo para formalizar os negócios. Este é um dos aspectos e, no balanço que se fez, no último trimestre do ano passado, a AGT apresentou bons resultados. O petróleo já era, temos de apostar noutras formas. No nosso caso, são estes sectores que já nos referimos, pescas, rochas ornamentais, turismo quando surgir, e o sector informal. Estamos devidamente organizados para ver se saímos da situação actual. Como se está a preparar para liderar a luta contra a corrupção no Namibe? A corrupção é um fenómeno social. Estamos a virar a página da nossa história com a eleição do novo Governo. Desde a independência, passamos por todas as transformações que o país teve do ponto de vista político, económico e social. Se queremos melhorar a nossa situação, temos de combater a corrupção, mas isso vai tocar muito na consciência. Uma questão que é muito importante é a atitude do líder e, em cascata, vai se transmitindo até aos mais baixos. Quem não estiver alinhado terá de sair. Estamos no mesmo diapasão do nosso líder e, na nossa equipa, os quadros também têm de estar alinhados connosco. Quem não estiver vai ter de sair porque não posso fazer esta luta sozinho. Os quadros que me rodeiam têm de saber como penso e o meu pensamento é o do líder do país. Se alguém souber que sou corrupto e tivere coragem, que me aponte. No dia seguinte, peço a minha demissão. Enquanto líder de um território, temos de servir de exemplo. Vai levar o seu tempo, mas temos de mudar. Há províncias mais corruptas do que outras? Isso depende do desenvolvimento de cada província. A massa monetária circul nas grandes cidades. Não posso julgar as outras províncias. Temos de passar a mensagem aos nossos colegas porque quem for apanhado sabemos qual é a atitude que se vai tomar. Da mesma forma, se o titular do poder executivo tiver uma informação de que o governador enfrenta este tipo de situação, já não pode fazer parte da equipa dele. Na posse dos governadores, o Presidente da República pediu a vossa ajuda para descentralizar o poder. Como tem estado a pôr em prática esta orientação? Está a decorrer um processo na base do decreto presidencial 208. A província do Namibe tem 19 direcções, mas brevemente terá 12 ou 13 gabinetes. O que estamos a levar a cabo, na preparação dos quadros, é lema: ‘a vida faz-se nos municípios’. Assim que sair o estatuto orgânico desse decreto, os governadores não terão as mesmas responsabilidades porque serão transmitidas para os municípios. Temos de ter coragem de mudar a mentalidade porque o governador, neste momento, centraliza as actividades, mas agora vai passar para os municípios. Estamos a fazer o mesmo em relação aos nossos vice-governadores. Por exemplo, o vice-governador para a área política e social é, praticamente, o governador para esta área. Da mesma forma, ele tem de passar esta autoridade para as direcções que dependem deste pelouro, porque, quando passarmos para outra fase, já nos teremos libertado dessas responsabilidades. Já não teremos o poder concentrado no governador, vai diluir-se até chegar aos municípios e, no fim, às comunas. Isso já na perspectiva das autarquias. Os melhores quadros vão para os municípios porque quem conhece os problemas dos municípios e das ruas são os moradores e os governantes locais. Quais são os municípios que ficariam de fora caso se optasse pela implementação das autarquias locais? Há municípios que ainda não estão em condições e temos de ser realistas. Nas autarquias, os municípios têm de autofinanciar-se independentemente das receitas provenientes do Estado e não podemos tapar o sol com a peneira. É melhor não adiantarmos os nomes porque há ruídos de que têm de ser todos os municípios, mas sabemos que nem todos estão preparados porque senão, na primeira fase, será um fiasco. Uns vão desenvolver-se e outros vão regredir porque não terão capacidade de autossustentar os seus programas. Vamos deixar que as coisas aconteçam e na base do gradualismo. Se as situações objectivas e subjectivas, ao nível de todos os municípios, fossem iguais, não teríamos problemas. Moçâmedes tem porto, caminho-de-ferro e aeroporto, mas o Virei não tem. Para chegar lá, ‘é um Deus nos acuda’. O Kamucuio também não tem e são estas situações que temos de ver. O importante é iniciar e ver onde vamos pecar. Há quem acredite que, na primeira fase, teremos muitos casos de peculato envolvendo autarcas por suposta falta de experiência. Tem o mesmo pensamento? Não concordo. Já houve uma experiência e deram-se saltos qualitativos. Houve um período em que cada município recebeu cinco milhões de dólares. Alguns geriram bem e quem ficou ambicioso foi para cadeia. A consciência de cada um é que vai determinar como vai gerir estes fundos que são públicos. Muitos, quando nomeados, metem-se a jeito e sabemos o que pode acontecer. O tempo que passamos já é mais que suficiente para as pessoas terem consciência da responsabilidade que têm em relação aos fundos à sua disposição. Tem de se ter confiança e quem não tiver capacidade é melhor não arriscar. A província também tem muitos problemas de energia. Como pensam resolvê-los? Estamos a trabalhar com energia fornecida por geradores e houve uma altura que a situação era critica devido à dificuldade de combustível. Esta fase, felizmente, foi ultrapassada. Mas até quando? O Namibe é forte em sol e ventos, de maneira que já chamámos alguns empresários para a construção de uma planta de energia fotovoltaica e outra eólica, sobretudo para o Tômbwa e uma outra planta hibrida. Estamos à espera que nos apareçam os investidores.
CONFLITO. Carlos Saturnino disse que o Estado pretende saber o destino dos carregamentos que serviriam para amortizar as linhas de crédito do Brasil e de Israel e que foram interrompidos pela anterior administração. Isabel dos Santos responde que “não havia carregamentos disponíveis”. A ex-PCA da Sonangol, Isabel dos Santos, nega que, durante a sua administração, tenha direccionado para outros fins os carregamentos de petróleo que deveriam ter como destino o Brasil e Israel para honrar o compromisso que o Estado tem com esses países. O possível destino contrário foi anunciado pelo actual PCA da Sonangol, Carlos Saturnino, na conferência de imprensa da empresa, a 28 de Fevereiro, em que salientava que o Governo pretendia saber o destino desses carregamentos. “Especulações falsas, pois não havia petróleo disponível e não havia carregamentos para mandar pagar a linha de Israel ou do Brasil”, respondeu Isabel dos Santos ao VALOR, acrescentando que “simplesmente” o Estado e a Sonangol “não tinham carregamentos disponíveis, pois, com o preço de petróleo baixo, têm direito a muito menos carregamentos da concessão/blocos”. “Os poucos carregamentos que havia não chegavam para pagar todas as linhas de financiamento. De acordo com os contratos de partilha de produção, o Estado e a Sonangol recebem menos petróleo quando o preço está baixo. Ele [Carlos Saturnino] sabe, pois negociou muitos destes contratos nesses termos. Mente. Pois, infelizmente, é o que sabe fazer melhor”, rebate a ex-presidente da petrolífera. Responder ao Estado Na conferência de imprensa, Carlos Saturnino anunciou que, desde Novembro de 2017, a Sonangol reactivou a amortização da linha de crédito do Brasil e, desde Dezembro, a de Israel. “Tem já amortizados 65 milhões de dólares da linha de crédito do Brasil e 181 milhões de dólares da linha de crédito de Israel”, adiantou, acrescentando que, no primeiro trimestre de 2018, foram alocados cinco carregamentos para o Brasil e dois para Israel. Sublinhando que “era uma orientação antiga do Estado”, Carlos Saturnino acrescentou que, depois da administração da Sonangol reiniciar os carregamentos, o Estado questionou sobre o destino dado aos anteriores “carregamentos que não foram alocados ao Brasil e a Israel”. Carlos Saturnino garantiu que se limitou a dizer que essa questão deveria ser feita à anterior administração. “Estamos à procura para responder ao dono da empresa o que se fez.” O VALOR questionou à petrolífera se já tem a resposta, mas, segundo fonte da empresa, da parte da Sonangol “não há intenção de se pronunciar tão cedo sobre as questões que foram abordadas na conferência de imprensa” e que têm sido rebatidas por Isabel dos Santos, em inúmeras entrevistas e nas redes sociais. O destino dos carregamentos é apenas um dos muitos factos apresentados pelo PCA da Sonangol, Carlos Saturnino, que têm sido negados e esclarecidos por Isabel dos Santos. Entre outras, a empresária refutou também a acusação de transferência de 38 milhões de dólares depois de exonerada e esclareceu a inclusão dos bancos BFA e Euro BIC, de que é accionista, entre os que passaram a trabalhar com a petrolífera. Depois da conferência de imprensa, a Procuradoria-Geral da República anunciou a abertura de um inquérito para investigar as acusações feitas pelo PCA da Sonangol.
Zénu dos Santos renuncia ao indulto de João Lourenço e aponta “equívoco...