CONFLITO. Fábrica do homem mais rico de África reclama por uma mina, ocupada e explorada pelo o 5.º homem mais rico daquele país. As autoridades governamentas dão razão a Dangote, mas Abdulsamad recusa deixar a zona. Dois gigantes da indústria cimenteira da Nigéria e do continente africano estão em conflito por uma zona de mineira de calcário, uma das principais matérias-primas para a produção do cimento, naquele país. Trata-se das empresas Dangote Cement e a BUA. A primeira pertence a Aliko Dangote, que é o homem mais rico da Nigéria e de África, enquanto a segunda é propriedade de Abdulsamad Rabiu, quinto homem mais rico da Nigéria e o 50.º do continente, segundo a Forbes. O conflito, apesar de antigo, ganhou, na semana passada, novos contornos na sequência de uma missiva que o CEO do grupo BUA, Abdulsamad Rabiu, enviou ao presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, a solicitar intervenção. Na missiva de 4 de Dezembro, o executivo, entre outras situações, acusava o ministério das Minas e Aço de tentar desviar o curso da justiça numa disputa entre dois dos líderes económicos. Acusava ainda o Grupo Dangote de ter influenciado altos funcionários do referido ministério e feito recurso a homens armados, incluindo agentes do Estado para garantir que as interrompia as operações da BUA Cement em Okpella. Garantiu que alguns dos homens armados lhe confirmaram que eram leais ao grupo Dangote e provocaram danos na fábrica de cimento de mais de 1.000 milhões de dólares. O empresário estima na missiva que os danos não foram maiores graças à oportuna intervenção do pessoal de segurança da BUA e agências de segurança, sublinhando não ter havido perdas humanas. No entanto, no dia 6 de Dezembro, Mohammed Abass, chefe do ministério de Minas e Desenvolvimento de Aço, respondeu às acuações, descrevendo-as como “uma campanha injustificada de calúnia contra o ministério”. Acrescentou que a empresa de cimento estava a tentar chantagear o ministério para conceder uma permissão para operações ilegais. O ministério diz que emitiu uma ordem de interdição da mina em disputa desde 2015, mas que o grupo BUA ignorou e continuou a trabalhar, quando o processo legal estava pendente. Acrescenta que a empresa, no passado mês de Novembro, reagiu com recurso às forças armadas para impedir o seu despejo. “A administração do Grupo BUA vem usando milícias armadas, soldados e policiais para minas de mármore e calcário em locais de mineração alocados ao Grupo Dangote”, acusou, acrescentando que “nos registros do ministério de Minas e Desenvolvimento de Aço e do Gabinete de Cadastro de Mineração da Nigéria, o Grupo BUA não possuía uma locação de mineração no local contencioso e, portanto, está envolvido em uma mineração ilegal”. Até ao fecho da edição, o grupo Dangote não se tinha pronunciado sobre o assunto. A única declaração pública, ligada ao grupo, tem que ver com um porta-voz que terá orientado a Reuters a contactar o ministério das Minas e Desenvolvimento do Aço para informar-se sobre o assunto. DANGOTE ANUNCIA VENDAS ONLINE Enquanto isso, a Dangote Ciment anunciou a aposta no comércio online resultado de uma parceria com a plataforma de ‘e-commerce Jumia Nigéria’. As vendas, segundo explicações, estavam destinadas a todos os interessados que quisessem comprar desde 300 sacos de 50 quilos e recebem o produto no ponto que indicarem sem nenhum custo extra para o transporte. “Com o acordo, os nigerianos que precisaram de fornecimento contínuo de cimento da Dangote podem fazer pedidos, pagar online e aguardar a entrega em tempo recorde de qualquer fábrica de cimento mais próxima da Dangote para Lagos, Port Harcourt ou Abuja”, disse Key Account Director Chux Mogbolu. Propriedade do Grupo Dangote, a Dangote Cimento é indústria totalmente integrada e tem projectos e operações na Nigéria e em outros 14 países do continente. A capacidade de produção total actual da Dangote Cemento na Nigéria a partir das suas três usinas de cimento existentes é de mais de 20 milhões de toneladas métricas por ano. Por sua vez, a BUA tem uma capacidade de produção de 3,5 milhões de toneladas métricas por ano. *com Agências
César Silveira
Editor Executivo do Valor Económico“Precisamos de uma indústria sustentada”
O presidente da Associação das Indústrias de Materiais de Construção de Angola defende que o sector não precisa de regressar ao passado recente para crescer, caracterizado pelo ‘boom’ generalizado, com destaque para o imobiliário. Aborda ainda os principais desafios da indústria no geral, classificando-a como “estando a recomeçar”, outra vez. Vai no segundo mandato à frente da Associação das Indústrias de Materiais de Construção de Angola (AMICA). Que balanço se impõe? Estou no segundo mandato, sim, e cada mandato é de dois anos, o que significa que a associação tem mais ou menos três anos. Sou suspeito, entretanto, para considerar se o nosso balanço foi ou não positivo. Mas acho que sim. Começámos por agregar oito empresas e, neste momento, somos 17, sempre com o objectivo de proteger a produção nacional de materiais de construção. A nossa associação prima para que todas as empresas estejam legalizadas, paguem impostos e tenham os salários dos trabalhadores em dia. Procuramos produzir sempre dentro dos melhores parâmetros de qualidade e que estejam em conformidade com as indústrias de materiais de construção da melhor qualidade que há no mundo. Mas o número de associados, face à quantidade de operadores do sector, parece pequeno. Concorda? Estamos a crescer com qualidade, temos empresas não só da capital, mas também do Lubango, Catumbela e outras províncias. Somos uma associação de âmbito nacional mesmo também porque as nossas empresas têm esta abrangência, os seus produtos são vendidos para as diversas províncias. A adesão é voluntária. As empresas que têm algum benefício aderem, as que acham que não há não aderem. E há efectivamente benefícios práticos? Quais? Este processo associativo foi impulsionado pela ministra da Indústria que, devido à situação grave da economia, achou que os seus interlocutores estivessem agrupados. Daí que houve a necessidade de fazer estas associações por ramos de actividade, como a associação das indústrias das bebidas e/ou dos cimentos. Há mais-valias, entre as quais podemos destacar o facto de sermos interlocutores do grupo, o que nos permite levar os problemas de todos, que vão desde a falta de divisas à discussão sobre o imposto de consumo ou sobre a pauta aduaneira. Há também a troca de experiências a nível tecnológico entre as diversas empresas. Não faria mais sentido as indústrias cimenteiras integrarem a AIMAC? Porquê uma associação diferente? A Associação das Indústrias Cimenteiras de Angola surgiu antes da AIMCA. Na altura, tiveram a necessidade de se defender da importação desregrada do cimento. Quanto à possibilidade de integrar a AIMCA, é um problema de ‘timing’. Quando citou “os problemas”, não se referiu à coabitação dos produtos locais com os importados. O que se passa? Não estamos satisfeitos com a importação de materiais que nós produzimos, uma vez que os nossos materiais têm a qualidade que as obras exigem. Achamos que devem ser utilizados os materiais produzidos por nós. Demos o nosso contributo na nova pauta aduaneira para que a importação destes produtos seja sobrecarregada de impostos. Mas há mesmo produção local suficiente que justifique esse proteccionismo? Sim, temos materiais com produção nacional interessante. Produzimos o varão de ferro, temos fábricas de tijolos, blocos, tintas, carpintarias. Há uma série de produtos necessários para a construção que são feitos localmente. O que se passa são duas coisas. Por um lado, face à situação crítica das divisas, temos muitas fábricas grandes que não conseguem adquirir as matérias-primas importadas. Por outro, temos muitas empresas que, quando houve o ‘boom’ do petróleo, foram renovadas, ampliadas (algumas ainda em fase de ampliação) e ficaram a dever aos fornecedores, por isso não têm dinheiro para importar a matéria-prima. Temos ainda o problema do imposto do consumo. O nosso produto é matéria-prima para os outros, e, nesta qualidade, não é taxado, porque, se eu importar a matéria-prima, não pago o imposto de consumo. São estas situações que tornam a nossa produção, algumas vezes, mais cara, quando comparada aos produtos importados. No país, há um histórico de sectores que defenderam a protecção e, quando beneficiaram desta, não conseguiram atender o mercado. Não há mesmo o risco com os materiais de construção? Nós defendemos que o Estado deve taxar fortemente apenas aqueles produtos que nós produzimos. Por exemplo, não precisamos de importar tintas, mas precisamos de importar a matéria-prima para fazer a tinta. Qual é a capacidade de produção de tinta do país? Não lhe consigo dizer agora, mas temos duas empresas na associação, a Timicor e a Toptech. E é triste ver, nas grandes superfícies, tintas importadas, é isto que não achamos correcto. Mas essas duas empresas estão em condições de atender as necessidades do mercado, em quantidade e qualidade? Uma coisa é importar matéria-prima e outra é importar o produto acabado. Temos de diferenciar as duas coisas. O produto acabado tem de ser taxado e a matéria-prima não. Se eu tiver uma fábrica pequenina e importar a matéria-prima em condições favoráveis, vou crescer, mas, se me disserem que a tua fábrica é pequenina por isso não precisamos de proteger-te, estaremos a matar o negócio e o objectivo não é este, mas sim proteger estas empresas. Além das tintas, quais são os outros produtos que não precisamos de importar? São muitos produtos. Não consigo adiantar com detalhes, mas posso dizer, por exemplo, os tijolos, blocos, o próprio cimento e os ferros. Como se deve resolver a situação das empresas que, segundo disse, se endividaram por altura do ‘boom’ do petróleo para renovar as unidades? Deveria estudar-se pontualmente cada caso e chegar-se a um acordo com o investidor. Certamente, o Estado não tem meios, nem fundos para resolver as situações de todos. É preciso definir quais as fábricas prioritárias e ajudá-las a concluir os seus processos no sentido de laborarem perfeitamente, porque estas fábricas todas criam mais-valias para o país. E como as unidades da associação estão a sobreviver à dificuldade de importação pela escassez de divisas? Temos empresas do sector da construção que já pararam. É o caso da Condel que, por acaso, não é membro da associação, mas já é do conhecimento público. Há outras a trabalhar no mínimo da sua capacidade, como é o caso da Socolas, que é da associação. Prevê mais fábricas a fecharem ou é mais optimista em relação ao futuro imediato? Pensamos que esta situação é transitória. O Executivo está a fazer todo o esforço para que, no princípio do próximo ano, as coisas estejam bem. Não podemos ser muito pessimistas. Agora, quanto tempo mais cada uma das empresas aguentaria, vai depender muito da realidade de cada uma. Algumas podem aguentar meses e outras, anos. Todos sabemos que o país tem dificuldades, há um Executivo novo que dá esperanças que esta situação seja resolvida. Foi dito que haverá divisas. Poucas ou muitas, não sei, mas, dentro das limitações, se forem bem distribuídas, todos os sectores vão subir, não com à velocidade que a gente quer, mas gradualmente. Tem noção de quanto o grupo de empresas da associação precisa em termos de divisas, em média? Não lhe consigo dizer, teria de solicitar atempadamente estes dados. Quem tem esta noção é o Ministério da Indústria que tem o plano de necessidades das empresas. Além das que já citou, quais são as outras grandes preocupações com que se deparam os membros da associação? Já falei da falta de divisas. Outra coisa é a existência, no mercado, de empresas que não estão legalizadas. Vai-se a qualquer esquina e encontram-se empresas a fazer blocos, vigotas ou a vender algum material que a gente não sabe de onde vêm. Uma coisa que nos preocupa muito é que nós procuramos trabalhar sempre em conformidade, de maneira a que os nossos produtos tenham qualidade para a satisfação do mercado, mas não podemos falar das outras pessoas. E o cliente, muitas vezes, adquire este material. Queremos que o Estado nos ajude a combater esta situação. Mas é um fenómeno difícil de combater por diversas razões. Concorda? Tem de haver maior fiscalização por parte do Estado. Estamos dispostos a ajudar as autoridades. Indicámos certos aspectos que deveriam ser considerados aquando da abertura dos concursos com as empresas todas para o fornecimento de materiais. Deve exigir-se esses documentos de base sobre o estado legal das empresas. Outra coisa é termos, a nível do Estado, laboratórios mais fortes para poder garantir que todos os produtos utilizados nas construções estão dentro dos parâmetros definidos pelo país. Como está projectada a associação para os próximos 10 anos? Dez anos é muito tempo. Mas esperamos que seja uma associação forte e que continue a seguir os princípios que tem agora: trabalhar com qualidade, com as últimas normas e procedimentos que estamos agora a definir como base. Estamos a tentar que as nossas empresas sigam os euro-códigos, que inspiram a construção em quase todo o mundo. Neste momento, a tentar adoptar estas normas desde as fundações aos produtos utilizados, à maneira de fazer cálculos. Vamos adoptá-las, tendo em conta as nossas particularidades e condições. Se passarmos a utilizar estas normas e a crescer gradualmente, procurando utilizar estes princípios, seremos uma associação forte. Somos 17 empresas, até ao final do ano, vamos ter mais duas, e, para o ano, mais cinco ou seis. É um sector aliciante, considerando a realidade angolana? O país todo funciona num conjunto. As empresas têm os seus produtos, se estes forem utilizados (tendo qualidade e estando dentro das normas), e, se taxarem a importação de produtos semelhantes aos nossos e ainda se tivermos isenção do imposto do consumo, é um negócio normal. As empresas ficam protegidas e depois é a lei do mercado. Num passado recente assistimos a um ‘boom’ na construção que foi, certamente, bom para as indústrias de materiais de construção. Acredita que voltaremos a esses tempos? Não precisamos de voltar para aquele período em que havia muito dinheiro. Fizeram-se muitos prédios e agora estão, por aí, muitos vazios. Não é o que se quer. Precisamos de uma indústria de construção que seja sustentada. Normalmente, há os planos de crescimento e a indústria de materiais de construção acompanha este plano. As empresas de materiais locais têm conseguido vender para as grandes obras públicas? Vende-se para estas obras. O cimento que se vê nas pontes é angolano, assim como os ferros. Como olha para a relação da banca com este sector? Tenho a impressão de que a banca olha para estas empresas como clientes, não há nada de especial. Algumas empresas têm mais ou menos nome na banca, algumas são mais novas e outras mais velhas e deve haver empresas que têm melhor tratamento com o banco A e outra com o B. São relações entre empresas. Nós, associação, temos alguma relação com o banco onde temos conta, mas não sabemos se isto pode ou não facilitar alguma relação das empresas com este banco. Todas as empresas solicitam financiamentos aos bancos e, normalmente, têm de recorrer ao apoio do Ministério da Indústria para conseguirem as divisas. Mas… Mas, antes de outra pergunta, gostaria de falar de outra dificuldade. Temos, em Angola, uma preocupação que não existe no resto do mundo, que é a preocupação com a água e a energia. Quase todas as empresas produzem buscando água nas cisternas. Todas produzem com gerador e estas situações todas fazem com que os nossos produtos cheguem a ser mais caros que os importados. Se o Estado criar condições para que haja abastecimento de água e energia, o custo de produção baixa. Baixando o custo de produção e havendo a isenção do imposto do consumo, os nossos produtos são competitivos. Temos estado a assistir ao esforço para a diversificação com plano de exportar para a SADEC. É tudo muito bonito falar, mas, na prática, é difícil, não só por causa destes dois pontos a que me referi, mas também pelo facto de as nossas fábricas se encontrarem todas no litoral e Angola é muito extensa. Para transportar um produto que é feito em Luanda para a Namíbia tem de se fazer mais de mil quilómetros em estradas péssimas, o que quer dizer que teríamos custos altos também com o transporte. Os nossos chegariam aos países limítrofes a preços muito elevados. Tudo isto são coisas que devemos analisar, temos de pensar na deslocalização das fábricas para junto das fronteiras, mas também é difícil porque, nestas zonas, não há luz, nem água. Estamos limitados não só pela situação geográfica das nossas fábricas, mas também pelos altos custos de produção. Está a dizer que não estamos em condições de aderir, por exemplo, ao comércio livre na região? Parece-me que este é um caminho. Só temos uma maneira para nos defendermos: é produzir melhor, mais barato e com qualidade. Assim, talvez consigamos combater os produtos que vierem dos países vizinhos porque eles também terão custos de transportes e outros associados para os produtos que trarão para o país. Considera fáceis de combater, no curto prazo, os constrangimentos da falta de água e luz? Acho que sim. Criámos Laúca, a maior barragem, mas não estamos a ver a energia. O Estado fez investimento em água no Kikuxi e outros projectos, mas falta a distribuição. São situações que podem ser resolvidas. Criámos as infra-estruturas, temos de fazê-las funcionar. Não podemos toda a hora viver em situações em que vemos projectos como Laúca a serem inaugurados e continuamos sem luz. Não acredita na solução destes problemas por via dos projectos dos polos industriais e zonas económicas especiais? Há ou houve o projecto de se criarem os pólos industriais. Em princípio, cada província teria o seu pólo. Não sei onde nos pode levar, mas, pessoalmente, não confio muito no desenvolvimento destes pólos, porque faltam coisas de base, que são a água, luz, esgotos, etc. Quando olhamos para os pólos que existem ou projectados, não há lá nada, são as próprias empresas que têm de levar a água e geradores aos mesmos. Há uma série de trabalhos que deveriam ser feitos pelo Estado. Não será que os investidores é que não estão a conseguir explorar estas estruturas? Quais investidores? Os que estão na Zona Económica de Luanda, Viana, por exemplo... Há algum investidor por lá? O investidor é o mesmo, é a Sonangol. O outro problema é a criação de indústrias que não são necessárias no mercado, porque não têm mercados para funcionar. Depois, na Zona Económica, há uma coisa engraçada, as fábricas estão ali, mas o comprador final não tem acesso às fábricas, é preciso ter licença e isto não funciona. Faltou o ponto de venda dos produtos. Aquelas fábricas não podem estar isoladas, têm de vender. As fábricas não podem ser feitas para vender só para outras fábricas, só as pessoas especiais é que têm acesso, não pode ser. Falta a comercialização daqueles produtos, aquelas instalações são de luxo. Investir em Angola ainda é um acto de heroísmo? É difícil investir em Angola. É necessário mudarem-se muitas regras e, depois, são necessários aqueles trabalhos de casa que o Estado tem de fazer. Que conselhos daria para melhorar o quadro do sector? Primeiro, como já disse, seria melhorar as condições mínimas de fornecimento contínuo de água e de luz. Isto é básico. Se não conseguirmos, nunca conseguiremos ter custos competitivos em nada e, não tendo estes custos competitivos, qualquer investidor recua. Se vir os projectos, um dos custos mais elevados é com a energia e água que, em princípio, deveriam ser fornecidos. Em resumo, como caracteriza o sector industrial? Está a recomeçar. Temos muitas instalações grandes, principalmente as fábricas que vieram no tempo colonial. Muitas têm o mesmo equipamento e não funcionam. Muitas têm carolas que vão fazendo qualquer coisa, algumas com qualidade e outras sem, mas está a recomeçar. Há que se pensar ou recomeçar de forma sustentável. Existe indústria no país, sempre existiu com altos e baixos, mais baixos que altos, mas é necessário pensar-se numa coisa de continuidade e progresso. PERFIL Homem dos petróleos emprestado à construção Formado em Engenharia de Minas, em 1979, pela Universidade Agostinho Neto, o actual presidente de direcção da Associação das Indústrias de Materiais de Construção de Angola é administrador da Mota-Engil Angola em representação da Sonangol, respondendo pelo pelouro ligado às indústrias de materiais de construção. Entrou na petrolífera nacional por via da aquisição pela Sonangol da então Fina Petróleos de Angola, numa altura em que esta tinha a denominação de Petrangol. Também já representou a petrolífera no conselho de administração da Sonagalp. Tem ainda um mestrado sobre Engenharia de Tecnologia e já foi director Nacional dos Petróleos.
LITÍGIO. Pela primeira vez, uma das partes considera a possibilidade de negociação amigável oficialmente, depois de a petrolífera norte-americana apresentar, em Maio último, um processo arbitral na Câmara do Comércio Internacional contra a Sonangol. A norte-americana Cobalt manifesta-se disponível para resolver, de “forma amigável”, o diferendo que tem com a Sonangol, relativo à interrupção de um acordo de venda de 40% da sua participação nos blocos 20 e 21, por aproximadamente 1,7 mil milhões de dólares à petrolífera nacional. A posição consta do relatório e contas da Cobalt, referente ao terceiro trimestre do ano em curso, apresentado em Novembro. E, segundo soube o VALOR de fonte junto da petrolífera nacional, a Sonangol também está interessada na “negociação amigável” e que passos neste sentido já estão a ser dados. “Nesta situação, tanto podíamos perder como ganhar, mas há fortes possibilidades de perdermos. Não tanto pela legalidade ou ilegalidade, mais pelo princípio da boa-fé. Os tribunais arbitrários consideram muito este princípio e poderão concluir que a Sonangol arrastou o período de forma dolosa”, argumentou a fonte, acrescentando que “a situação deverá estar resolvida dentro de pouco tempo”. Oficialmente, a Sonangol respondeu ao VALOR que, por ora, a única informação que pode avançar é que “o assunto está a ser tratado”. Entretanto, a Cobalt, apesar de assumir a disponibilidade de negociar amigavelmente, informa que prossegue com o processo litigioso, esperando que a parte angolana se pronuncie. “Continuaremos em busca de um diálogo construtivo com Angola para tentar resolver as nossas controvérsias de forma amigável e, em paralelo, continuaremos a processar as duas arbitragens”, sublinha. Em relação às contas, a perolífera norte-americana apontou que terminou o terceiro trimestre com cerca de 547 milhões em caixa, 250 milhões dos quais correspondentes ao pagamento adiantado que a Sonangol fez para a aquisição da participação em causa, valores que a Cobalt sempre disse não devolver, enquanto se mantivesse o litígio. Sobre contas com a petrolífera nacional, os norte-americanos avançam ainda, no relatório, que, no terceiro trimestre deste ano, a Sonangol acumulou uma dívida com a Cobalt de 179 milhões de dólares. O DIFERENDO Segundo histórico do dossier, as partes acordaram o negócio em Agosto de 2015, tendo, nesta altura, a Sonangol adiantado os 250 milhões de dólares dos 1,75 mil milhões acertados. No entanto, o negócio não se concretizou por falta de aval do Ministério dos Petróleos. Em Agosto do ano passado, as partes reuniram para discutir o assunto e acordaram que uma terceira parte compraria a participação em questão. Na altura, a Cobalt mostrou, entretanto, algumas reservas quanto à possibilidade de realização do negócio com uma terceira parte até 22 de Agosto de 2016, altura em que terminaria o prazo de vigência de um ano do acordo para a venda. O negócio não se realizou, efectivamente, e a petrolífera norte-americana diz-se prejudicada pela situação. Na sequência, passou a exigir a prorrogação dos prazos de pesquisa estabelecido nos contratos dos blocos em referência e, em Maio do ano em curso, intentou o processo arbitral na Câmara do Comércio Internacional contra a Sonangol E.P, no qual exige o pagamento de dois mil milhões, acrescidos de juros pelo não cumprimento do acordo, argumentando que a situação lhe provocou prejuízos na ordem dos cerca de 1,8 mil milhões de dólares no primeiro semestre do ano em curso. A Cobalt apresentou uma outra queixa, no caso contra a Sonangol Pesquisa e Produção, visando a recuperação de 174 milhões de dólares, acrescidos de juros e custos, relativos a dividendos da exploração conjunta do bloco 21. A Sonangol respondeu que não existia qualquer incumprimento de sua parte no Contrato de Compra e Venda de Acções (CCVA) e ainda que “a não concretização do CCVA não impõe qualquer obrigação de prorrogar os prazos de pesquisa estabelecidos nos contratos dos blocos de referência”. Portanto, desde o início do diferendo, é a primeira vez que uma das partes fala da possibilidade de tratar o assunto de “forma amigável”. Em Agosto do ano passado, depois do anúncio do recuo da Sonangol na compra dos 40% das accões que a petrolífera Cobalt detém nos blocos 20 e 21, várias análises apontaram a possibilidade de um cenário em que o Estado reclamaria os activos da companhia norte-americana a custo zero, evocando um precedente que envolveu a petrolífera iraniana Petropars. Em 2015, os iranianos viram os 10% que detinham no grupo empreiteiro da zona Norte de Cabinda passados para a Sonangol, com o Governo a argumentar a falta de “técnica e de capacidade financeira”, a mesma situação em que se encontrava a Cobalt por altura do anúncio oficial do recuo da Sonangol no negócio.
Alrosa garante controlo de 41% de Catoca
DIAMANTES. Multinacional russa é detentora, actualmente, de 32,8%, tal como a Endiama. Com reforço da posição, poderá passar a accionista maioritária, caso a Endiama não faça o mesmo investimento. A diamantífera russa Alrosa assegura que terminará o ano com uma participação de 41% na Sociedade Mineira de Catoca (SMC), o que representará um aumento 8,2 pontos percentuais, face à parcela actual de 32,8%. A garantia está expressa num texto publicado no site oficial da empresa, no entanto, esta não é a primeira vez que a multinacional menciona o referido aumento. No início deste segundo semestre, o presidente da companhia, o russo Sergey Ivanov, na sequência da realização da assembleia-geral extraordinária, referiu a intenção de ver a sua empresa crescer na estrutura da SMC. “A Alrosa também planeia aumentar sua participação na Catoca Ltd Mining Co até 41%”, adiantou, na altura. Desta vez, o anúncio dos russos passa da intenção para a concretização do controlo de quase metade da sociedade até ao fim do ano. Tal como nas ocasiões anteriores, a empresa não avança detalhes sobre o negócio que deverá proporcionar o anunciado aumento da participação na estrutura accionista da mina, mas observadores do sector admitem estar em cima da mesa a aquisição de metade dos 16% detidos pela brasileira Odebrecht, possibilidade, entretanto, rejeitada por fonte da sociedade. “Este aumento deve resultar de um outro movimento e não da compra da participação da Odebrecht, porque esta será distribuída pelos vários parceiros”, declarou. A mesma que avança que o dossier da distribuição da participação da Odebrecht “encontra-se bem encaminhado e deverá ser concluído em Dezembro, altura em que está marcada a assembleia-geral”, afiança. A concretizar-se o referido aumento, a diamantífera russa poderá passar para a posição de accionista maioritário da sociedade, caso a Endiama não faça um investimento na mesma proporção, visto que, neste momento, cada uma das empresas é detentora de 32,8% da sociedade, enquanto os chineses da LLI possuem 18%. A Odebrecht acertou com a sociedade a venda da sua participação no passado mês de Agosto, altura em que a Catoca explicou que a parcela dos brasileiros seria distribuída pelos restantes parceiros sem, no entanto, adiantar as proporções nem o valor que a brasileira receberá pelos 16,4% da mina. Em 2016, Catoca representou cerca de 86% da produção nacional, em termos de volume, e cerca de 60,3% em termos de valor, tendo registado aumento nas vendas de cerca de 11,7 milhões de dólares face aos 581,87 milhões de dólares do ano anterior. Para este ano, a empresa perspectiva vendas no valor de 138 milhões de dólares, segundo recente entrevista à Angop de Sergei Amelin, presidente do conselho de gerência da SMC. A Alrosa opera em nove países e em 10 regiões na Rússia. É líder mundial na produção diamantífera com 95% da produção russa e 28% da extracção global de diamantes. Nos primeiros nove meses do ano em curso, obteve receitas de 3,7 mil milhões de dólares e lucro líquido de 1,06 mil milhões.
Destacado empresário, entre outros, no sector da logística, Leonel da Rocha Pinto tem a convicção de que os problemas de Angola devem ser resolvidos pelos angolanos. E rotula de fantasiosa a ‘importação’ de estrangeiros para as soluções que impõe. Sobre a economia, alerta para novas possibilidades de criação de monopólios e desafia a banca a ser mais transparente. O que fez o LIDE Angola desde a sua implementação, em 2011? O LIDE é uma organização de líderes empresariais e, em princípio, para se ser membro, tem de se ser um empresário com boa conduta, com os compromissos tanto sociais como de impostos e com a Nação alinhados, porque devemos pautar pelo exemplo. Dedicamo-nos à organização de eventos com temáticas que possam contribuir para o desenvolvimento económico do país, na criação de emprego e de mais-valias em termos de posicionamento empresarial local no mapa empresarial internacional. Refere propositadamente a particularidade da “boa conduta” para se ser membro. Porquê? É uma qualidade rara? Temos [empresários com boa conduta], mas é preciso continuar a melhorar e a incentivar outros a enveredarem para o pagamento de impostos e da segurança social. Mas também para estarem comprometidos com a parte social participativa, porque a responsabilidade social não pode ser só do Estado. As empresas também devem ser participativas e nós devemos dar exemplos. Hoje, por exemplo, temos patrocinadores que ajudam o comité paralímpico, temos empresas que estão qualificadas, pela AGT, como de perfil de responsabilidade, temos membros que já ganharam os prémios Sirius. Há uma série de incentivos enormes que devem ser postos a circular para que aqueles empresários que ainda não estão nesta conduta passem a estar. Quando determinada empresa quer ser membro, nós recomendamos o que deve ser feito de uma forma orientadora. Neste momento, contam com mais de 100 membros. Qual é a média anual de adesão de novos associados? Na verdade, são 110 membros além de associações que fazem parte da organização. Todos os anos há acréscimos. Começámos com 25 membros, mas os eventos vão-nos promovendo a nível nacional e as pessoas começam a rever-se, mesmo o próprio Estado. Hoje, temos assento no conselho de concertação social da República, que é a LIDEA. Portanto, a LIDEA, que é a Liga dos Empresários Angolanos, é parte do LIDE, é a costela nacional do LIDE. E qual tem sido a mensagem do LIDE para os membros, nesta fase de crise? É uma mensagem no sentido de aposta numa gestão rigorosa. Aconselhamos a olharem para tudo o que é negócio e a cumprirem com todos os procedimentos. Não podem pensar no lucro a curto prazo. Hoje, os investimentos são feitos à base do longo prazo e com muita estratégia. Esta é a nossa visão. Quem quer investir a sério tem de definir em que ramo quer ficar, olhando para o negócio de continuidade. Temos de evitar negócios com pessoas que chegam, vão directamente a um hotel, vendem uma ‘commodity’ e vão embora. Não têm uma estrutura e deixam o problema com o cidadão que comprou, porque não encontra nem manutenção nem garantias. O empresário angolano deve ser respeitado em qualquer parte do mundo. Como se deve melhorar, na sua opinião, a distribuição de divisas? Temos de trabalhar, em primeiro lugar, com os ministérios de tutela, identificando as nossas necessidades, para depois estes ministérios trabalharem com o das Finanças e a banca para definirem as prioridades. Creio que, se, para alguns sectores a importação, é necessária, também é verdade que devemos olhar para a produção nacional. Temos de apostar em tudo o que podemos produzir localmente e só importarmos o que o país, efectivamente, não pode produzir. Estes anos todos, andamos a desperdiçar divisas com a importação de produtos que podem ser produzidas localmente. Para os hotéis, por exemplo, podemos aproveitar a matéria-prima que temos, que é a madeira, para fazermos as camas, janelas e outros produtos. Podemos incentivar a cultura do algodão para fazermos os lençóis. É preciso olharmos de uma forma estratégica para que, dentro dos próximos anos, Angola passe a depender menos da importação como acontece com outros países mesmo a nível de África. Este é o nosso grande desafio: começarmos a depender menos das divisas e produzirmos mais divisas com as exportações. Nas condições actuais do país, a diversificação económica exige um grande esforço financeiro. Acha que a banca nacional está à altura do desafio? Temos todos de reflectir o momento e aproveitar, porque esta crise, até certa forma, veio ajudar a criar momentos. Tanto a banca como os empresários devem sentar e definir uma estratégia, porque os bancos trabalham com o nosso dinheiro. Deveriam ser mais transparentes para com os seus depositantes para podermos criar a banca que nós pretendemos e não aquela que, quando alguém precisa de x milhões, o banco diz que não tem, mas o depositante tem o seu dinheiro lá. O banco tem de nos dar resposta. Hoje, muitos dos bancos não têm essa capacidade de resposta, alegam falta de sistema e uma série de problemas que não correspondem à realidade. E o que pensa das taxas de juro do mercado? É preciso que sejam revistas, porque não há investimento nenhum que resista a essas taxas. Hoje, estamos a trabalhar, praticamente, apenas para os bancos porque não há negócio nenhum que rentabilize e que justifique. Mas também os bancos têm medo porque não há garantias da parte dos empresários. As taxas são agravadas devido ao risco, além de que temos muito crédito malparado. Por isso há necessidade de nos sentarmos com a banca e reflectirmos no sentido de corrigirmos os problemas todos identificados. Só se deve dar crédito a quem tem direito, mas os bancos, durante algum tempo, passaram a caçar créditos sem o real levantamento da capacidade das pessoas, criou-se um círculo vicioso que hoje tem de ser corrigido. “ZEE são dos grandes desafios do Governo” Que sectores aconselharia a um potencial investidor no país? A minha primeira preocupação, enquanto nacional, é ver uma Angola industrializada. Seria esta, portanto, a primeira aposta, na indústria. Olhar para a transformação das matérias-primas. Nesta altura, estamos a olhar para a agricultura, mas temos de olhar também para a transformação dos produtos da agricultura. Se estamos a olhar para a produção da madeira, temos de olhar para a transformação desta madeira. O mesmo vale para os mineiros. Ao invés de importamos os mosaicos e azulejos, temos de investir no potencial em termos de recursos humanos no sentido de transformar estes recursos minerais em produtos acabados. Também indicaria o turismo, que é um sector em que estou, agora, a apostar. Se olharmos para o mundo, muitos dos roteiros turísticos estão muitosexplorados e os turistas estão à procura de outras rotas. Angola pode ser uma destas rotas. Considera satisfatório o investimento que já vai sendo feito na transformação? Já há algumas empresas, mas há que criar políticas compulsórias para direccionar o investidor nacional a fazer investimentos na produção local no sentido de passarmos a importar apenas o que é necessário como a maquinaria, por exemplo. Mesmo no que diz respeito aos quadros, podemos criar condições para deixarmos de importar. Quando se fizer qualquer tipo de fábrica, este projecto deve ser acompanhado da formação, porque o que tem estado a acontecer é que temos estado a crescer em betão mas não em recursos humanos com capacidade para depois executar ou cuidar dos equipamentos. Temos um outro grande problema que é a importação de equipamentos com manuais de operação em chinês, por exemplo. É necessário que se revejam estas estratégias. Temos, por exemplo, um monstro adormecido que é a Zona Económica Especial [ZEE]. Foi muito bem pensada, mas muitas das fábricas não estão a produzir para satisfazer o mercado nacional por falta de conhecimento e quadros que possam pegar nestas fábricas. É preciso rever esta situação, é necessário fazer uma avaliação do grande investimento que foi feito porque temos de aproveitar. Muitas das fabricas já estão obsoletas, não servem porque já estão ultrapassadas e será necessário fazer um ‘upgrade’. Está a sugerir uma intervenção urgente na ZEE? O que se deve fazer em termos práticos? Em primeiro lugar, deve fazer-se um diagnóstico do que existe. Depois, fazer um levantamento dos potenciais investidores, começando pelos nacionais e dando-lhes prazos para porem as fábricas a funcionar. Creio que estão ali mais de 60 fábricas e menos de 20 estão a trabalhar e a meio-gás. Penso que ter a Zona Económica [Especial] a funcionar em pleno é um dos grandes desafios do Governo. No ano passado, iniciou-se o processo de privatização dessas unidades. Não lhe pareceu correcto? Tem de haver vontade política. Sei que foi feito um levantamento, mas tem de haver uma política e uma estratégia muito bem definida para não cair no descrédito. Uma coisa é a vontade de fazer e outra é o empresário ter compromisso de fazer. De boa vontade o mundo está cheio. Precisamos de pessoas empreendedoras que queiram investir e que não estão preocupadas com o lucro imediato. Depois, a banca tem de ter condições de dar o financiamento, mas olhando para o financiamento sem estar preocupado para os riscos e aí, mais uma vez, vem a credibilidade do empresário. A banca tem de acreditar no empresário e o empresário tem de mostrar que tem capacidade. “O porto seco está a ser vítima de concorrência desleal” Como se define enquanto empresário? Sou um empresário que gosta de desafios e muito ousado. Gosto de ver as coisas serem realizadas. O meu grande desafio é fazer com que as coisas aconteçam e estou muito comprometido com o país. Estou em vários sectores e em todos tenho batalhado de modo a servir como um empresário de exemplo e referência positiva. Tento fazer o meu melhor. No meio de tantos problemas, sou pequenino, mas vou fazendo a minha parte. Com que sector gosta mais de ser identificado? A logística. Como sabe, fui director da NDS, por muitos anos. Comecei em 1984 com a Global, que é uma empresa que trabalhava para o projecto Gamek. Depois, passei para a NDS, que era um ‘outsider’ com um navio apenas e passámos para centenas de navios. Hoje é uma das maiores operadoras no país. Atendendo às dificuldades que o país vivia, na altura, com o recondicionamento no Porto de Luanda, enveredei para o meu próprio negócio que foi criar espaços de armazenamentos de cargas. Comecei assim com os portos secos e logísticos, que são o meu forte. Pretendo continuar a investir nesta área, criar uma plataforma logística de referência a nível do país. Tem sido esta a minha grande aposta, estou a fazer um investimento no porto seco de Luanda, temos uma grande aposta de trabalhar com o caminho-de-ferro. Estamos, agora, na exploração do porto seco de Santa-Clara; quero apostar, seriamente, na plataforma logística a nível das províncias fronteiriças com alguns países, como é o Congo, a Namíbia e Zâmbia. Tenho, hoje, o maior centro de frio no porto seco; queremos também criar uma área de alojamento para os camionistas que vêm das outras províncias. Está satisfeito? Há passos por marcar, mas estão criadas as principais bases para uma plataforma logística. Temos as alfândegas, os bancos, as balanças, as áreas de inspecções, os parques, as máquinas e energia 24/24. Temos uma área de transporte com oficina para atender aos problemas das viaturas. Falta criar outras mais-valias que complementam esta plataforma logística. O que gostaria de ver é um porto seco, onde as cargas fossem posicionadas e de lá os grandes importadores fizessem as suas distribuições para deixarmos de ter a circulação de camiões com contentores na cidade. Apareceriam os camiões apropriados para a distribuição como é em qualquer parte do mundo. É um sector que sofreu muito com a redução das importações. Sofreu muito com a redução das importações, mas também com a criação de outros portos secos pelos próprios terminais, copiando aquilo que era a grande intenção do porto seco. Os terminais, por direito, quiseram criar os seus próprios parques. Creio que é uma prática que deveria ser revista porque os portos têm a responsabilidade de fazer as descargas e não criarem portos secos para matarem outros negócios conforme foi com o porto seco. Hoje, estamos a ser vítimas, mas continuamos a trabalhar e tenho a certeza de que o processo será invertido. Nós investimos aí cerca de 95 milhões de dólares entre máquinas e outros equipamentos e estamos a enfrentar esta situação. Mas continuamos a gerir numa gestão de crise, não morremos. Estamos em presença de uma concorrência desleal? Até certa forma, sim, porque quem deveria decidir onde é que a carga vai é o importador, mediante a qualidade de serviço. Mas nós tivemos uma situação com um dos terminais onde o próprio armador queria trabalhar connosco e o terminal não aceitou. São estas coisas que têm de acabar. Precisamos de acautelar estas situações, porque temos de olhar para um país onde todos sentimos que temos os nossos espaços conquistados por mérito. O discurso do Presidente João Lourenço incentiva-nos, porque ele é um grande motivador e quer incentivar a livre concorrência que faz parte de qualquer economia aberta. Acredita numa livre concorrência no verdadeiro sentido a curto espaço de tempo? Creio que Angola tem de ir para este caminho, de outra forma, vamos correr os riscos do passado, vão criar-se monopólios. Tem de se deixar os empresários conquistarem os seus espaços e os negócios através das suas estratégias. A concorrência é salutar, ajuda a regulamentar os preços, a qualidade e o próprio Estado a definir quem é quem. Ajuda a deixarmos de ter empresários oportunistas e de especulação. Temos de ter empresários comprometidos com o país e não aqueles que vêm para fazer dinheiro e ter os dinheiros fora do país sem estar a servir nem a nossa banca, nem a nossa economia, mas sim a banca estrangeira. Em que sector novo gostaria de investir? Já comecei a investir. No turismo e também na reciclagem de lixo. Tenho uma empresa, a Greentech, que é especializada na limpeza de praias, mas, mais uma vez, sofremos porque se criaram alguns monopólios para fazer as limpezas. Nós fizemos investimentos nesta área e, hoje, somos chamados a abandonar porque apareceram outras empresas que não sabemos de que formas foram lá postas. São estas situações que, se não estivermos preparados para outros mercados e enquanto houver essa indefinição da estratégia de protecção do empresário nacional, comprometem vários projectos empresariais. E o que tem projectado para o turismo? Estou no investimento, porque acredito que é o futuro. Estou a trabalhar para um grande projecto, que é o instituto de formação do turismo, porque acredito que não se pode fazer turismo sem a formação dos quadros. O que mais o preocupa enquanto empresário? Enquanto empresário, estou muito preocupado com a mudança de mentalidade do cidadão angolano que ainda não sabe interpretar o valor daquilo que tem em mão. Nós continuamos a dar espaço para que os estrangeiros nos venham indicar o que é melhor para nós. Continuamos a estar distraídos e a não desenvolver o que está à nossa frente, precisamos de despertar para transformarmos o potencial que temos. Outra questão que precisamos de mudar é o facto de as pessoas pensarem muito nelas, ao invés do país. As pessoas têm também de aprender a lidar com o sucesso dos outros, solicitar conselhos e não terem dificuldades de perguntar a quem tenha sucesso como é que fez, ao invés de guerrearem estas pessoas. Temos de nos unir, ser patriotas e solidários. Entre as características do gestor ,há a necessidade de desenvolvermos a humildade. Aceitar quando estamos errados e saber ouvir as pessoas que estão ao nosso lado. Temos de estar focados em formar líderes e não ‘bosses’. Mas, quando digo isto, não estou a dizer que o país não tenha bons líderes. Temos, mas poucos e o desafio deve ser o de multiplicar esses poucos. Há uma solução mágica para isso? Hoje, estamos todos a dizer que o crime continua a aumentar, precisamos de fazer leituras das razões. Tudo passa por uma avaliação do contexto actual desde a crise ao problema da falta de emprego, educação e o problema das famílias destruturadas por causa da guerra. Temos de olhar seriamente para estas questões porque a solução cabe a nós e não aos estrangeiros. Devemos deixar a fantasia de trazer pessoas que sabemos terem experiências para o país deles, mas desconhecem a nossa realidade. Precisamos de identificar o nosso potencial porque Angola tem quadros, pessoas capazes para tirar o país desta situação. Temos o exemplo da guerra. Quem terminou com a guerra foram os próprios angolanos.
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