César Silveira

César Silveira

Editor Executivo do Valor Económico

CONTRATOS. À luz dos acordos, em alguns campos, o Estado tem direito, actualmente, a 80% da produção destinada aos lucros das partes intervenientes e as companhias querem inverter o quadro.

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Uma das discussões sobre a mesa de trabalho do grupo criado pelo Presidente da República, João Lourenço, para apresentar um plano de melhoria do sector petrolífero tem que ver com a pressão das companhias no sentido de reverter parte dos lucros do Estado para os grupos empreiteiros.

Segundo apurou o VALOR, a proposta das petrolíferas, grosso modo, resume-se na redução da percentagem a que o Estado tem direito do petróleo destinado o lucro das partes nas produções em curso, revertendo a referida quota-parte para as mesmas. Apresentam como argumento a necessidade de mais incentivo para continuarem a investir face à queda do preço do petróleo.

Em causa, está o facto de grande parte das produções encontrar-se numa fase em que o Estado, por força dos acordos, está a ter mais receitas dos que os grupos empreiteiros.

À luz do contrato, o petróleo destinado à recuperação dos lucros (50% da produção total de um campo) é repartido entre o Estado (através da concessionária) e os grupos empreiteiros. A percentagem a que cada uma das partes tem direito varia com a taxa interna de rentabilidade do projecto e a partilha começa por ser feita a favor do grupo empreiteiro.

Quando a taxa de rendabilidade é inferior a 10%, o grupo empreiteiro fica com 80% da produção e o Estado com os restantes 20%. Vai alterando e, a determinada altura, o Estado passa a ficar com 80% e os grupos empreiteiros 20%. No global, este figurino acontece quando a taxa de rentabilidade do projecto oscila entre 70% e 100% e é nesta fase em que se encontra grande parte dos projectos.

O VALOR sabe, por exemplo, que, no campo Girassol do Bloco 17, a produção é de cerca de 150 mil b/d e o Estado fica com a maior parte, cerca de 80%. A cenário semelhante assiste-se no Bloco 15 nos campos Kizomba A e B.

“É este cenário que as empresas querem alterar, mas este é uma realidade contratual, é definido no início. O Estado deve ficar atento porque uma alteração no decurso destes contratos pode criar muitos transtornos. Em função dos contratos, o Estado tem perspectivas da produção a que tem direito ao longo dos anos. Uma alteração pode criar transtornos financeiros, mas é normal que as empresas defendam esta posição, cabe, entretanto, ao Estado defender-se”, defendeu fonte próxima das negociações.

A mesma fonte considera “importante lembrar” que as companhias têm metade da produção petrolífera destinada recuperação do investimento. “Além do valor do investimento, têm mais 50% que é um incentivo pelo investimento. E todos esses cenários devem ser considerados no momento de avaliar essas possibilidades”, alerta.

A corrente que defende o respeito do contrato em curso considera, entretanto, ser possível avaliar-se nova repartição dos lucros, mas apenas para aqueles casos em que o grupo empreiteiro consiga uma produção acima do perfil previsto. “Imaginemos que está prevista a produção de 100 mil barris por dia num determinado período. Se conseguirem produzir 120 mil, seria possível aplicar o novo acordo, mas apenas para o excedente dos 20 mil”, explicou a fonte que vimos citando.

Por sua vez, o especialista em questões energéticas José Oliveira defende que “a posição do Governo perante as pressões das companhias de petróleo para melhorar as condições financeiras dos contratos em vigor deve ser a de analisar os rendimentos reais das áreas em produção e introduzir, caso a caso, condições de excepção, quando as receitas líquidas das companhias estejam abaixo dos mínimos aceites contratualmente”. Esta prática, como esclarece Oliveira, já existe no país e foi aplicada nalguns PSA, o último dos quais o do Bloco 32. “Mas admito que haja algumas áreas de novas produções que necessitem de melhoria de condições contratuais por estarem ou no vermelho ,ou abaixo dos mínimos de rentabilidade”, considera.

Por outro lado, o também investigador do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica considera que o momento da negociação “é desfavorável” para o Executivo, devido ao desequilíbrio do mercado petrolífero que, no seu entender, dá vantagem às companhias. “Em tempos de desequilíbrio do mercado petrolífero mundial, como o actual, não se renegoceiam contratos petrolíferos, porque os países produtores estão em situação de fraqueza perante as companhias. Além disso, o nosso PSA (contrato de partilha de produção) devido, entre outros, à taxa de rentabilidade interna, altera automaticamente os parâmetros económico-financeiros de acordo com as oscilações do preço do petróleo, reduzindo as receitas líquidas no país, como vem acontecendo desde Julho de 2014”, alerta Oliveira, inistindo que “o que o país deve ter em atenção é melhorar as condições económico-financeiras dos novos projectos, sempre que estes não sejam rentáveis, à luz dos parâmetros dos contratos em vigor, o que parece evidente, em muitos casos de campos descobertos em águas profundas, nomeadamente os ditos marginai, mas não só”.

Por sua vez, o empresário do sector petrolífero Pedro Godinho defende “flexibilidade” nas negociações como forma de encontrar “o ponto de equilíbrio que se procura”.

“Hoje, encontramo-nos numa situação em que há um equilíbrio entre a oferta e a procura a nível mundial, mas, há vários anos, a demanda era muito superior à procura e foi nesta altura em que se começou a aplicar estes acordos de partilhas. Hoje, o cenário é completamente diferente e estes cenários mostram que todos os processos são dinâmicos e, de facto, as leis, as condições contratuais devem adaptar-se ao dinamismo desta vida”, defende. Para Godinho, “quando há boa vontade em manterem-se as parcerias estáveis, encontra-se sempre um ponto de equilíbrio”. “É importante, numa parceria, de modo a torná-la saudável e sustentável, haver sempre predisposição para analisar conjuntamente todos os factores que possam contribuir para a melhoria dos interesses das partes.”

Criado por João Lourenço no dia 13 de Outubro (com 30 dias para apresentar os resultados), o grupo de trabalho é coordenado pelo ministro dos Recursos Minerais e dos Petróleos. Fazem ainda parte o ministro das Finanças e a Sonangol, bem como algumas empresas petrolíferas como a BP Angola, Cabinda Gulf Oil Company (Chevron) Eni Angola, Esso Angola, Statoil Angola e Total E&P. A revisão da legislação petrolífera em curso já integra, no entanto, o Plano Intercalar que, na visão de João Lourenço, visa melhorar a situação económica e social do país.

Detalhes inviabilizam lei das descobertas marginais

O VALOR apurou que a revisão do Decreto Legislativo Presidencial 2/16 sobre o princípio de tolerância e flexibilidade contratual que visa, essencialmente, a promoção do desenvolvimento dos campos marginais, anunciado no Plano Intercalar, se deve ao facto de o documento em vigor se ter tornado inviável na sequência das correcções que sofreu depois de sair da Sonangol.

As referidas alterações têm que ver, essencialmente, com os intervalos na definição dos prazos e/ou na produção que estavam contemplados no documento original, mas que foram retirados. “São pequenas alterações que parecem detalhes, mas que fazem toda a diferença, porque dizer, por exemplo, recursos recuperáveis de 30 milhões de barris é totalmente diferente de dizer recursos recuperáveis de 20 a 30 milhões de barris”, explicou fonte ligada ao processo.

Diversos especialistas acreditam que, depois da revisão, estarão as condições criadas para o desenvolvimento dos campos marginais, cujas reservas se estimam em cerca de quatro mil milhões de barris, ou seja 40% das reservas totais do país, estimadas em cerca de 10 mil milhões de barris. “Uma melhoria destas condições contratuais pode tornar estes campos viáveis e Angola precisa destes recursos e é avisado, é inteligente que se faça um estudo que permita encontrar um ponto de equilibro”, defendeu Pedro Godinho.

Entre os indicadores previstos por lei para que um campo seja marginal, destacam-se a reserva petrolífera inferior a 300 milhões de barris, o rendimento para o Estado inferior a 10,5 dólares por barril e o rendimento para as associadas da concessionária nacional inferior a 21 dólares por barril e ainda a taxa interna de rentabilidade substancialmente inferior a 10%.

MEDIDAS CONTRA A CRISE. Apesar de algumas experiências, faltam exemplos acabados para concluir se o modelo é ou não viável para o país. É uma das 136 medidas que visam melhorar a situação económica.  

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A exploração das parcerias público-privadas (PPP) nos investimentos em infra-estruturas públicas é uma das 136 medidas que constituem o Plano Intercalar – Medidas de Políticas e Acções para Melhorar a Situação Económica e Social de Angola, que foi aprovado na primeira sessão do Conselho de Ministros presidido por João Lourenço, depois das eleições de 27 de Agosto. Apesar de não ser um recurso estranho no país, faltam exemplos acabados para aferir as vantagens e/ou desvantagens das referidas parcerias para a construção de infra-estruturas públicas.

A requalificação da Baía de Luanda foi a primeira experiência do género, mas a interrupção do contrato, em Fevereiro do ano em curso, com o Estado a aprovar o pagamento de 379 milhões de dólares pelo resgate levantou algumas interrupções.

Há ainda o exemplo do Porto do Caio, em Cabinda, que ainda está em execução e, em Setembro, foram aprovados dois novos projectos a serem construídos com o recurso ao ‘project finance’, o modelo de PPP em que o ente privado tem a responsabilidade de financiar a construção e recuperar o investimento com a gestão. São os casos do Porto da Barra do Dande e a requalificação da Marginal da Corimba.

O macroeconomista Cristóvão Neto entende ser um “modelo viável” em função dos resultados positivos em outras economias. “Em princípio, é um modelo que ajudou a edificar economias bem-sucedidas. Ocorre-me agora o Uganda dos anos 1970, quando grandes projectos de investimento foram executados por empresários do sector privado, geralmente de origem indiana, com garantias do Banco Mundial”.

Neto reconhece que “ainda não está provado que seja ou não viável, depois de o projecto Baía de Luanda ter sido tomado pelo Governo. Ainda há o Caio Porto para chegarmos à evidência de que vale a pena ou não continuar a adoptar esse tipo de modelo”.

Por sua vez, o banqueiro Fernando Teles acredita que os bancos estão em condições de financiar projectos do género. No seu entender, trata-se de financiar o Estado por via de iniciativas privadas. “E os bancos estão, todas as semanas, a negociar com o Estado, os bancos têm liquidez e, se forem solidados, responderão como têm feito”, argumentou.

Outras medidas do Plano Intercalar

O plano é constituído ainda por planos que visam dinamizar o sector privado, bem como o ambiente de negócios e a produtividade do país. Neste aspecto, destacam-se, entre outras, a concertação do “investimento público nos projectos estruturantes provedores de bens públicos e promotores da diversificação da economia”, bem como o início da “implementação do Programa Nacional da Competitividade e Produtividade”. Constam ainda das medidas que visam melhorar o ambiente de negócios a simplificação do “processo de outorga de direitos de propriedade e títulos de imóveis”.

Para aumentar a produtividade não petrolífera e ainda substituir as importações, foram aprovadas medidas, como a atribuição de crédito fiscal às actividades produtivas intensivas no consumo de combustíveis, tais como a agricultura de média e grande escalas e a pesca, bem como “reduzir os custos e a burocracia processual no desalfandegamento de matérias-primas importadas e sobre os produtos para a exportação”. Sobre as medidas para o aumento da produção não-petrolífera, o Executivo pretende “dinamizar as culturas do algodão, cana-de-açúcar, girassol, café, palma e cacau, promovendo a sua articulação com o sector industrial”.

Para fortalecer a produção petrolífera, destacam-se, entre as medidas, a aprovação da legislação sobre o gás natural, bem como a negociação de novos contratos de concessão para a exploração em zonas já exploradas. Deverá ainda rever o decreto sobre o princípio de tolerância e flexibilidade contratual, de modo a adequá-lo às exigências actuais.

INCUMPRIMENTO. Petrolífera garante estar a trabalhar para honrar as obrigações. Estar impedida de carregar o petróleo a que tem direito ou ser excluída dos blocos são as sanções possíveis para os parceiros do grupos empreiteiros em falta.

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A Sonangol está com dificuldades de honrar com as suas obrigações económicas e financeiras relacionadas com o pagamento da quota-parte dos custos incorridos pelos grupos empreiteiros nas operações petrolíferas e, só este ano, já acumulou uma dívida de cerca de dois mil milhões de dólares.

Diversos parceiros da petrolífera nos blocos petrolíferos disseram ao VALOR que a Sonangol já não paga os seus compromissos para com os grupos empreiteiros, há algum tempo, estando em dívida em todos os blocos em que participa. “Só este ano, estão com uma dívida de cerca de dois mil milhões de dólares”, precisou um funcionário sénior de uma petrolífera.

Segundo as fontes do VE, a Sonangol tem procurado, entretanto, ter uma postura diferente nos blocos em que é a operadora (cinco no total), mas, mesmo nestes, não tem cumprido na íntegra. “Tem priorizado estes, mas também com muitas dificuldades, é uma situação que vai preocupando [as companhias] e criado inúmeras dificuldades”, insistem as fontes.

O especialista em questões energéticas José Oliveira considera elevado o valor da dívida. “A ser verdadeiro, deve englobar todas as dívidas de curto prazo que se encontram por pagar das empresas do grupo Sonangol – Concessionária, Sonangol P&P e Distribuidora e Sonangol Logística fundamentalmente. As dívidas da Sonangol para com os grupos empreiteiros dos Blocos onde é investidora devem rondar metade daquele valor, pelos dados de que disponho, sendo a maior referente ao bloco 32 que está em fase de investimento, devido ao projecto Kaombo”, argumentou.

Oliveira disse acreditar que não se trate “de um incumprimento doloso”, mas diz ser difícil perceber “por que razão a Sonangol não vai pagando, ao longo do ano, à medida que vai tendo verbas das vendas do seu petróleo que rondam os 200.000 b/d”.

Estando a Sonangol em falta, os outros parceiros, como forma de garantir o normal funcionamento das operações, são obrigados a cobrir a quota-parte da petrolífera pública, segundo especialistas do sector que apresentam as possíveis penalizações para a companhia nacional.

A Sonangol poderia ser impedida, por exemplo, de efectuar os carregamentos dos barris a que tem direito, enquanto parceira, e a sua quota-parte seria redistribuída entre os associados que cobrem o seu investimento.

Uma segunda penalização poderia ser a sua exclusão dos blocos pelo “incumprimento das obrigações económicas e financeiras” como aconteceu, por exemplo, em 2014, com a Nazaki nos blocos 9/09 e 21/09 e também com a Falcon Oil nos blocos 18/06 e 6/06.

O facto de a Sonangol ser operadora e concessionária leva, no entanto, a maioria dos especialistas a acreditar que dificilmente seria penalizada, salvo se a situação viesse a tornar-se insustentável. Ou seja, a níveis que obrigassem aos parceiros a fazer recurso ao Ministério dos Recursos Minerais e Petróleos ou, em caso de insucesso, a tribunais internacionais.

José Oliveira acrescenta, no entanto, mais duas possíveis penalizações. “Além do desprestígio internacional que vem acumulando, nos casos em que a companhia operadora do bloco declare a Sonangol ‘em default’, como o Contrato de Partilha de Produção permite, a petrolífera vai ter de pagar juros elevados sobre os montantes em dívida, ou seja, mais algumas dezenas de milhões de dólares. Na maioria das outras dívidas a fornecedores de produtos ou serviços, normalmente, não há juros de mora estipulados nos contratos, por atrasos de pagamento”.

Das 37 concessões petrolíferas existentes, a Sonangol é operadora em seis blocos e só não é investidora em quatro. Ou seja, deve participar económica e financeiramente em 33 para, posteriormente, beneficiar das respectivas produções.

No ano passado, 95,5% do investimento da petrolífera foi canalizado para o segmento da exploração num valor estimado em cerca de 2,8 mil milhões de dólares, representando uma redução de cerca de 31%, comparativamente a 2015.

O QUE DIZ A SONANGOL

Contactada através do seu porta-voz, Paulo Catarro, a Sonangol explica que se ressentiu da “baixa drástica no preço do barril de petróleo que se verificou nos últimos dois anos”.

Uma situação que “tem estado a criar desafios severos” no cumprimento das actividades “programadas com os parceiros, numa altura em que estes também encaram desafios similares”.

Sem nunca se referir directamente à dívida questionda pelo VALOR, Catarro garante que tem estado a apostar “em várias iniciativas de optimização das suas actividades de forma a maximizar os seus recursos e a criar mais valor, tais como a redefinição das suas prioridades para actividades de maior criticidade e valor, assim como a optimização da estrutura de custos das suas subsidiárias, em vários negócios onde opera, através de renegociação de contratos com os prestadores de serviços, para obter tarifas mais competitivas”.

Acrescenta que, como resultado das acções “no sentido de salvaguardar o cumprimento das obrigações financeiras com os seus parceiros nas concessões petrolíferas, nomeadamente com os operadores e grupos empreiteiros nas concessões de que faz parte, implementou, em Dezembro de 2016, medidas que permitiram liquidar cerca de 90% dos seus compromissos em atraso, em finais do ano de 2016”.

Foram ainda implementadas, segundo a Sonangol, “outras iniciativas, na primeira metade de 2017, que permitiram começar um processo de cumprimento com as obrigações correntes numa base mensal e que têm estado a mitigar o crescimento do endividamento”.

Segundo Paulo Catarro uma destas iniciativas “resultou do acordo que a Sonangol estabeleceu com os seus parceiros para fazer o pagamento de parte significativa dos designados ‘cash calls’ em kwanzas, o que permite a liquidação mais rápida dos valores em atraso”.

Neste particular, entretanto, o VALOR apurou, junto dos parceiros da Sonangol, que a empresa está distante de cumprir com as metas traçadas. “A porção em kwanzas ajuda, mas não resolve o problema. Por exemplo, temos conhecimento que a previsão da Sonangol para este ano era de três mil milhões de dólares e, até agora, ainda não foram pagos mil milhões”, detalhou uma das fontes conhecedoras do processo.

A Sonangol destaca, no entanto, o facto de estar “a trabalhar outras medidas, sobre as quais espera captar benefícios, durante o último trimestre de 2017 e o primeiro trimestre de 2018, que vão permitir melhores níveis de sustentabilidade no cumprimento das suas obrigações financeiras em 2018 e nos anos seguintes”.

A petrolífera pública recorda, por fim, que está a desenvolver uma série de medidas para, em conjunto com os operadores, reduzir os custos de exploração, desenvolvimento e produção, que permitiram poupanças superiores a 1,7 mil milhões de dólares nos orçamentos de 2017 e 2018.

INDÚSTRIA. Contam-se 12 empresas de transformação de vidro de obra que dependem essencialmente da importação. Vidrul é a única produtora de vidro de embalagem.

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A inexistência de uma fábrica de produção de chapa de vidro para atender a dezenas de transformadoras, a presença do negócio em apenas três províncias e o monopólio na produção do vidro de embalagem são algumas notas rápidas do sector vidreiro do país. Outra tem que ver com a redução em cerca de 89,7% da transformação do vidro nos primeiros sete meses do ano em curso.

Desde 2010 que se assistia a uma tendência de crescimento da produção de vidro de obra, impulsionada pelo dinamismo do sector da construção. Surgiram 11 novas empresas, com a concorrência a iniciar precisamente naquele ano, com o surgimento da Fábrica de Vidro do Kikolo que passou a apresentar-se como “a primeira e única fábrica de vidros temperados” do país.

Até então, a Sovidro detinha o monopólio do negócio, tendo sido superada em termos de tecnologia. Actualmente, as 12 empresas existentes estao distribuídas por Luanda, Huíla e Benguela. No global, o país tem uma capacidade de produção/transformação de perto de 300 mil metros quadrados/ano.

A actividade destas empresas sujeita-se à importação da chapa de vidro em mercados europeus, asiáticos, americanos e africanos (África do Sul e Egipto) e a sua transformação para o sector da construção e mobiliário. Com recurso ao forno e outros equipamentos com destaque para os de corte e molde, produzem desde o vidro mais simples aos temperados. Produtos decorativos como espelhos, vasos, aparadores, mesas, entre outros, também fazem parte da oferta dessas empresas.

Não há, entretanto, uma aposta no vidro para automóveis. “Com o forno que temos, podemos fazer os vidros planos para viaturas mas, talvez, futuramente, poderemos investir num forno que permita fazer vidros curvos e passarmos a fazer vidros propriamente para viaturas”, respondeu Carlos Dionísio da empresa Pureglass.

O QUE FALTA NA CADEIA 

Para que toda a cadeia do segmento da produção e transformação do vidro de obra esteja presente no país ,falta um investimento na produção de chapa de vidro. A existência desta indústria diminuiria significativamente os desafios dos gestores face à carência de divisas.

Entretanto, os diversos intervenientes apresentam-se receosos em relação à viabilidade económica de um investimento do género. “É muito elevado, no mínimo, 100 milhões de euros e seria necessário muito tempo para a recuperação do investimento. Só para ter uma ideia, em todo o continente africano, apenas existem duas fábricas deste tipo”, argumentou José Agante, da empresa Angovidro.

Por sua vez, Carlos Dionísio estima entre 10 e 15 anos o tempo necessário para que a implementação de uma fábrica de chapa de vidro em Angola seja um investimento viável, mas apenas se a actual conjuntura económica do país for ultrapassada. “Estamos a falar de uma fábrica que não produz todo o tipo de vidro. Além disso, Angola não tem capacidade para absorver toda a produção, porque estas fábricas trabalham 24 horas ao dia, são milhares de metros quadrados”, explica Dionísio.

Carlos Martins, director da Vidrul, também afasta a possibilidade de investir no segmento. “Estamos a falar de tecnologias completamente diferentes. A produção de vidro de embalagem e a produção de chapa de vidro estão completamente separadas. É a mesma coisa com os copos: também estamos a falar de vidro, o forno é igual, mas as matérias-primas são completamente diferentes”, explica o gestor, referindo que se trata de um segmento a precisar de investidores.

PRODUÇÃO DIMINUIU 90%

Dados do Ministério da Indústria mostram que a transformação de vidro no país registou uma redução de cerca de 89,7% para 23,450 metros quadrados nos primeiros sete meses do ano em curso face aos 229 mil metros quadrados do período homólogo. Como consequência, o sector assiste à menor produção dos últimos quatro anos. A mais alta registou-se em 2015, ao atingir cerca de 992 mil, resultando num crescimento de 410% face à produção de 194,3 mil metros quadrados de 2014. Nesta altura, entretanto, a produção concentrava-se essencialmente na capital. Apenas nos últimos dois meses de 2015, Luanda passou a contar com a companhia da Huila. Em 2016, Benguela engrossou o grupo.

MAIS PROTECÇÃO PRECISA-SE

Os diversos operadores ouvidos pelo VALOR defendem que o sector já precisa de ser protegido, face à importação do vidro transformado. “Ainda há, em Angola, uma cultura de importar o vidro. Tem muito que ver também com os impostos que o Estado cobra às empresas que importam, ainda não são os que deveriam ser cobrados”, defendeu Carlos Dionísio.

Ivan Prado, secretário de Estado da Indústria (falou ainda na condiçao de director do Gabinete de Estudo e Planeamento do ministério da Indústria), defende o contrário. “Seria um erro, não existem condições face às necessidade do mercado. Eles [os operadores] têm de ser mais competitivos, porque muitos não são. Basta olhar para as quantidades que são importadas”, argumentou.

VIDRUL PREPARADA PARA A CONCORRÊNCIA 

A Vidrul tem o monopólio da produção de vidro de embalagem no país. Um cenário prestes a alterar com a entrada de um novo ‘player’. Recentemente aprovado, o novo projecto está avaliado em cerca de 120 milhões de dólares, terá uma capacidade de 180 toneladas/dia e é uma parceria entre a Sodiba (produtora da cerveja sagres em Angola) e a Industrial Africa Development (IAD) com 51% e 49% respectivamente.

Carlos Martins, director da Vidrul, garante não estar preocupado com a concorrência, mas acredita que o novo operador terá impacto nas empresas estrangeiras que vendem para Angola. “Existe mercado para as duas fábricas, não conseguimos atender a toda a necessidade do mercado. Há muitas pequenas e grandes empresas para quem não conseguimos vender. São os casos da Refriango e da Sodiba. Há também muita gente a encher bebidas espirituosas”, analisa.

Com uma produção diária de 180 toneladas, a empresa espera, com a entrada do segundo forno no princípio no próximo ano, atingir as 280 toneladas. “O novo projecto terá uma capacidade de 180 mil toneladas por dia e estaremos a cobrir, praticamente, a necessidade do mercado que andará entre 260 e 300 toneladas por dia”, calcula o gestor, que antevê um aumentar da procura interna para as 500 toneladas por dia, por conta dos projectos da agricultura. Martins manifesta-se também despreocupado em relação aos altos custos de produção em Angola, face à concorrência estrangeira e aponta como razão a protecção que beneficiam da pauta aduaneira, bem como os custos de transporte e outros inerentes à importação que, combinados, deixam o preço final muito próximos.

Em 2016, a facturação da Vidrul crecseu 20% para cerca de 6,5 mil milhões de kwanzas, impulsionada pelos reajustes nos preços devido à desvalorização do kwanza e ao aumento da energia. Já a margem de lucro está calculada entre os 10 e 15%.

Em relação às exportações, Martins adianta que a consolidação dos mercados do Gabão, RDC e República do Congo faz parte da estratégia da Vidrul, devido à proximidade geográfica. A empresa vende, actualmente, para 15 mercados (todos do continente), com a República do Congo a destcar-se como o maior comprador nos últimos anos, depois de ultrapassar a Costa do Marfim, o Mali e o Benin. “Vamos procurar consolidar os congos e o Gabão. É fundamental porque estão mais próximos. Em relação aos outros mercados, não há razões para perder qualquer um deles, mas haverá sempre muita variação”.

A rapidez na entrega e o serviço de qualidade são as vantagens que a Vidrul identifica, face à concorrência nos mercados africanos, uma vez que, em termos de custo, a produção nacional continua a “ser muito mais cara”. A tonelada de vidro à porta da fábrica em Angola custa cerca de mil dólares, face aos 400 em Portugal, por exemplo. “Ganhamos, porque conseguimos entregar mais rapidamente. Neste momento, se comprarem à Europa, pedem, no mínimo, seis meses de espera. Nós conseguimos entregar em dois dias”, explica Martins que não descarta a possibilidade de, pontualmente, exportar para novos mercados. “Neste momento, temos uma reserva de entre 5% e 6% da capacidade instalada para responder a uma eventual solicitação.”

No ano passado, a empresa exportou cerca de 15% da sua produção, números que não devem alterar este ano, “salvo se surgir alguma solicitação fora do planeado”. Entre os modelos exportados, não constam os da Coca-Cola e Fanta em virtude de a primeira adquirir toda a produção.

Com 90 milhões das 220 garrafas/ano, os modelos da marca cuca são os mais produzidos pela empresa.

INVESTIGAÇÃO. Autoridades norte-americanas estão a investigar, sobretudo, fluxos de caixas suspeitos, enviados pelos Gupta directamente da África do Sul para o Dubai e os EUA.

FBI investiga familia Gupta e Presidente Zuma

A poderosa família de origem indiana, que domina os negócios na África do Sul, está a ser investigada pelo FBI, segundo noticiou, na semana passada, o ‘Financial Times’ com repercussão em diversos sites internacionais.

Segundo as noticias, além das escandalosas acusações de que o Presidente Jacob Zuma esteja a favorecer as actividades empresariais dos dois irmãos, o FBI está a investigar, sobretudo, fluxos de caixas suspeitos, enviados pelos Gupta directamente da África do Sul para Dubai e para os Estados Unidos.

As investigações do FBI, segundo consta, concentrar-se-ão em membros da família que residem nos Estados Unidos, no caso os sobrinhos Ashish e Amol Gupta que possuem uma empresa que recebeu dinheiro de uma empresa com sede em Dubai, ligada aos tios Atul e Ajay Gupta.

Acredita-se, no entanto, que o FBI está também a considerar as informações reveladas nos chamados vazamentos de Gupta, no início deste ano, que incluíram centenas de documentos e ‘e-mails’ detalhando o envolvimento da família em práticas de corrupção, envolvendo entidades estatais e altos funcionários do governo e políticos, incluindo o presidente Jacob Zuma e sua família. Na altura, Atul Gupta garantiu, entretanto, que os ‘e-mails’ “não são autênticos”. Por sua vez, a The Hawks, unidade sul-africana especializada no combate à corrupção, adiantou que estava a trabalhar para averiguar a veracidade dos documentos.

“Estamos, realmente, a fazer um esforço para mostrar que, no final, as pessoas podem ser levadas a juízo. Se formos ao tribunal, apenas por mera alegação, ficaremos envergonhados porque os casos serão descartados”, explicou, na altura, Yolisa Matakata, responsável máxima da instituição.

As notícias que dão conta da investigação da família Gupta pelo FBI, entretanto, motivaram reacções internacionais. Consta, por exemplo, que a Autoridade de Conduta Financeira da Grã-Bretanha (FCA, na sigla inglesa), procurou os bancos HSBC e Standard Chartered para averiguar se tais afirmações são de facto verídicas. Também Peter Hain, do Partido Trabalhista, terá enviado uma carta oficial, da Câmara dos Comuns do Reino Unido, ao ministro das Relações Exteriores britânico, Philip Hammond. Hain solicita que Hammond garanta às autoridades responsáveis pela aplicação da lei e às agências reguladoras do país que investiguem as acusações até ao fim.

Na própria África do Sul, o deputado Floyd Shivambu questionou o presidente do Senado, Cyril Ramaphosa, sobre a razão pela qual as empresas vinculadas aos Gupta não estavam a ser investigadas por suposto envolvimento em corrupção. “Porque é que o Governo não fez nada sobre os 500 milhões pagos à Trillion Capital? Porque não há uma auditoria? Vocês têm medo dos Gupta?”, inquiriu Shivambu.

A família migrou do estado indiano de Uttar Pradesh para a África do Sul em 1993, pouco antes das primeiras eleições democráticas do país. Possui investimentos nos sectores de equipamentos de informática, média e mineração.