Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues

PAGAMENTOS. Número de multicaixas cresceu timidamente 3,9% para 3.046 até Julho. Considerando população acima de 15 anos, ATM só cobrem 9,2 milhões de contas. Aumentam queixas e falhas desses aparelhos. Mais de 40% das reclamações na banca são com cartões multicaixa da Emis.

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Um relatório da Empresa Interbancária de Serviços (Emis) indica que o sistema bancário nacional fechou Julho com apenas 3.046 máquinas de pagamento automáticos (ATM, na sigla em inglês), para um total de 9,2 milhões de contas abertas, considerando uma população de 15 anos.

De acordo com dados recentes do Banco Nacional de Angola (BNA), foram abertas, até Dezembro de 2017, um total de 9.274.957 contas bancária, correspondentes a uma taxa de bancarização de 53,15%.

Se considerarmos que cada pessoa acima de 15 anos tem apenas uma conta bancária, as 3.046 máquinas de pagamentos automáticas só dariam cobertura para apenas um grupo de mais de nove milhões, aproximadamente ao equivalente às populações das províncias de Luanda e Benguela juntas, conforme os dados do Censo de 2014.

Os dados da Emis não distinguem as máquinas operacionais das não operacionais, como fazem com os cartões de pagamento, que estão arrumados entre activos, vivos e válidos. Mas os investimentos da entidade gestora nos ATM podem ser medidos através da evolução dos aparelhos entre 2016 e 2017.

No período, as estatísticas da Emis registaram apenas uma evolução de 2,9%. Comparada às margens de 2017, observa-se um ligeiro avanço que não ultrapassa um ponto percentual, já que, no ano passado, o crescimento foi apenas de 3,9%.

Este factor pode explicar as inúmeras reclamações que o VALOR tem constatado à entrada de várias agências bancárias, que apontam para as falhas nas operações com ATM, quedas de sistemas e até mesmo na retenção de valores na máquina.

Por conta disto e de outras avarias, há pessoas que já tentam substituir os ATM pelos Terminais de Pagamentos Automáticos (TPA), facto que ficou ainda mais evidente através de imagens, com origem nas redes sociais, que davam conta do caso.

Ou seja, na falta de cédulas nos ATM, há quem se ofereça para dar ‘dinheiro vivo’ através dos TPA, com descontos de 5% para cada montante solicitado. Em resposta a esse fenómeno que despertou os utilizadores desse serviço, a Emis aconselhou a fazer “mais recurso a pagamentos por TPA”.

O próprio BNA, accionista maioritário da Emis, colocou a entidade gestora da rede multicaixa no país no grupo de empresas que viram os seus serviços mais reclamados até ao final do segundo semestre de 2017.

Poucos ATM geram queixas..

Segundo os dados desse relatório, o número de reclamações de clientes bancários remetidas ao banco aumentou 61,6%, no segundo semestre de 2017, ao sair de 8.027 para 12.979, com os cartões de pagamentos (multicaixa) a responderem por 40,3% das contestações dos serviços bancários.

As queixas com o funcionamento das Caixa de Pagamento Automático (ATM, na sigla em inglês), também detidas pela Emis, ocuparam a quinta posição do grupo de serviços reclamados pelos clientes, com 1.323 queixas registadas.

O relatório não especifica em que se queixaram os clientes. Ou seja, não dá detalhes das denúncias, nomeadamente se é pela captura de cartões, retenção de valores nos ATM e/ou queda de sistemas nesses aparelhos.

Segundo o documento do BNA colocado no seu website, as reclamações de serviços tiveram mais origens nos bancos privados nacionais contra os detidos por capitais estrangeiros.

Queixas não travam subidas

Apesar de ser a matéria mais reclamada até ao segundo semestre de 2017, os cartões de pagamentos da Emis não param de crescer. De Janeiro a Julho deste ano, o conjunto de cartões activos subiu 15,5%, ao sair dos 3,80 milhões para os actuais 4,40 milhões (ver gráficos). Ou seja, a Emis não pára de emitir cartões de pagamentos.

O total de cartões activos movimentou, no período, 164,6 mil milhões de kwanzas, em levantamentos nas caixas automáticas, e 159,7 mil milhões com pagamentos nos terminais de pagamento automático.

As estatísticas dos ‘cartões válidos’ são ainda maiores. Até Julho, estavam registados 5,87 milhões cartões, contra os 5,60 milhões de igual período do ano passado, evidenciando avanço de 4,8%.

BANCA. Associações empresariais manifestaram-se contra requisitos do banco que obriga um colateral de 20% para quaisquer empréstimos dentro da linha de crédito do BAD. Disponível desde Agosto, dinheiro não serviu nenhuma empresa. BPC fala em “má interpretação”. E que “só segue balizas” do financiador. BAD nega ter dado essa instrução.

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O Banco de Poupança e Crédito (BPC) está a exigir, entre outras condições, um depósito de até 20% do valor que as empresas solicitam em empréstimos bancários, ao abrigo da linha de crédito do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), denunciou o secretário da Federação das Associações Empresariais de Luanda (FAEL), José Ganga.

A medida do banco já está a prejudicar várias empresas associadas à FAEL e já se levanta a possibilidade de encerramento de algumas companhias, se a instituição bancária estatal não corrigir o quadro, de acordo com o líder associativo da Federação que congrega mais de 20 associações empresariais, ao VALOR.

“Como secretário da Federação, tentei informar-me das condições e das exigências do BPC, no sentido de os nossos federados terem acesso a essa linha. Para além de uma série de exigências que são normais para o acesso ao crédito bancário, também o BPC exige que o empresário deposite 20% do valor que ele solicitar ao banco dentro dessa linha de financiamento do BAD”, afirmou José Ganga, diante do economista do BAD e vários técnicos da banca, à margem de um seminário que discutiu, na semana passada, ‘os instrumentos de financiamento internacional’, do Ministério das Finanças.

Anunciado há três anos, ainda na gestão de Paixão Júnior, a linha de financiamento do BAD prevê um desembolso de até 325 milhões de dólares. Parte deste montante, estimados em 120 milhões, já entrou nos cofres do banco, que anunciou a abertura da linha em Agosto último à margem da Expo-Huíla.

Até segunda-feira, e como confirmou a direcção de comunicação e marketing do banco, nenhuma empresa tinha sido já contemplada com um centavo deste envelope financeiro, situação também duramente criticada pelos empresários de Luanda, que dizem “não se justificar”, já que “o país está em crise”.

“Infelizmente, nenhum [empresário ainda recebeu dinheiro]. A última vez que contactei o BPC foi há um mês. E, até agora, ninguém conseguiu ter acesso a esta linha, devido a exigência. E não estou a falar de exigências relativamente a outras questões. A barreira intransponível são os 20%”, atira o empresário, que também é líder da Associação das Indústrias Panificadoras de Luanda.

Condições são do mercado…

Ao VALOR, o BPC nega, entretanto, estar a exigir quaisquer depósitos ou colaterais. Assume, no entanto, estar a seguir orientações baixadas pelo financiador que ditou as regras de como a entidade podia operacionalizar os recursos. Para o BPC, as condições exigidas para o acesso à linha de crédito estão dentro das regras tradicionais do mercado, sublinhando que “nenhum banco financia 100% dos projectos”.

“O banco não está a exigir 20% de colateral. O que o banco está a exigir é que a pessoa que vai receber o financiamento tenha, pelo menos, 20% do valor que ele está a solicitar já aplicado no projecto. É como ir, por exemplo, fazer um crédito automóvel. O banco não financia 100% do carro. Precisas de ter 10% do valor. Há bancos que até exigem 20%”, responde o BPC, através da sua direcção de comunicação e marketing.

O BPC também considera que tenha havido “uma má interpretação ou falta de vontade de falar a verdade” por parte dos empresários associados da FAEL, sublinhando que os contratos de créditos são guiados por condições e que os bancos podem escolher os que têm “melhor viabilidade”. “O banco recebeu valores numa linha de financiamento do BAD. Naturalmente, o banco paga directamente ao BAD, mas o BPC repassa esses valores aos clientes. E é nessa linha de repasse que o banco vê o lucro. O banco licenciou produtos com base nalgumas balizas e indicações dadas pelo próprio BAD”, aponta.

…Mas BAD desconhece

Confrontado pelo empresário José Ganga, sobre as exigências de 20% do BPC na concessão de empréstimos com recurso a fundos do BAD, o economista-principal do organismo, Joel Muzima, que está em fim de mandato em Luanda, disse “desconhecer” que o estatal BPC esteja a cobrar 20% do dinheiro que os empresários solicitam em crédito.

“Confesso que, para nós, é uma novidade. Não sabíamos que o BPC está a solicitar 20% de entrada [para libertar crédito]. Qual é o empresário que vai conseguir esses recursos? Sabemos das condições do financiamento, que é para agricultura, água e energia e indústria”, questionou Muzima, que se manifestou preocupado com a passividade do banco na operacionalização dos recursos.

“A nossa preocupação é que esse dinheiro, que já está lá [no BPC] desde Dezembro, seja utilizado. Quando não é utilizado, torna-se também um passivo. Se o banco não consegue passar os 500 mil dólares ao empresariado, então qual é a finalidade do financiamento? Onde é que serão aplicados?”, rematou o economista, que encarajou o empresariado a não se “decepcionar”.

CUSTOS. Banco assume não haver dinheiro para “apoiar qualquer um”. E limita festejos do 27.º aniversário a uma campanha interna de doação de sangue.Cortes atingem patrocínios e distinções de colaboradores. Despedimentos são para concretizar e devem colocar mais de mil em casa.

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O Banco de Poupança e Crédito (BPC) cortou, do seu orçamento anual, as despesas com torneios desportivos, festas de aniversário, distinção de trabalhadores e apoio ao mecenato, actividades que eram práticas indispensáveis nas celebrações de aniversário da entidade, sobretudo nos mais de 10 anos da gestão de Paixão Júnior, antigo PCA.

O facto chegou ao VALOR através de quatro responsáveis da gestão do banco, entre os quais auditores e gerentes de agências-sede de duas províncias, e foi confirmado pela direcção de comunicação e marketing da entidade, que assegura não ter havido, este ano, patrocínios a “rigorosamente ninguém”.

Só em 2017, o banco gastou 51.593 milhões de kwanzas, mais 20% do que no ano anterior, com a rubrica custos com o pessoal, 833,8 milhões dos quais destinados a ‘outros encargos sociais facultativos’.

Para celebrar o seu 27.º aniversário desde a fundação, o banco limitou-se a organizar uma campanha interna de doação de sangue, tirando do portefólio de actividades festivas várias campanhas de solidariedade. Só o ‘Prémio António Jacinto’ resistiu aos cortes, segundo o banco.

“Para assinalar esta efeméride, o BPC promove uma campanha denominada ‘Doe Sangue, Doe Vida’, restrita apenas aos seus Colaboradores, com o propósito de contribuir para que haja sangue nos hospitais”, descreve a entidade, numa nota no seu website, dando conta da campanha.

É a segunda vez, desde 2016, com a saída de Paixão Júnior à frente do BPC, que não se assistem a actividades recreativas e sociais no banco. Este facto ficou ainda mais evidente com a entrada de Alcides Safeca na gestão do banco, que leva consigo uma agenda com um amplo programa de redução de custos e de optimização dos recursos.

Ao que soube o VALOR, Alcides Safeca ainda não autorizou este ano nenhuma contratação. Aliás, ele próprio “não contratou uma secretária”, segundo o gabinete de comunicação e imagem do banco.

“Antigamente, novos administradores ou directores podiam trazer uma secretária, por causa da confiança, alguns até motorista. Já não está a acontecer isso. O processo de redução de pessoal do banco já está em curso”, sublinha a entidade.

Os quatro responsáveis do banco estatal, que pediram para não serem “expostos”, garantiram que “sempre houve dinheiro para estas actividades [aniversários]” do banco. “Até aqui na província”, enfatizou outro gestor, para quem essas acções “eram sustentadas com orçamento próprio”, no mesmo pacote financeiro das actividades de responsabilidade social.

Despedimento preocupa…

“Mas este não é o ponto que preocupa os trabalhadores”, assegurou um dos técnicos do banco, que aponta os últimos pronunciamentos do presidente do BPC, Alcides Safeca, sobre a possibilidade de haver despedimentos no banco, como “o grande problema”. Em resposta, o gabinete de comunicação e imagem assegura que o anúncio de Alcides Safeca sobre despedimentos é para concretizar. E dá exemplo de um grupo de trabalhadores em idade de reforma que já começou a ser dispensado.

“As pessoas ainda não começaram a ser desvinculadas, mas esse processo vai obedecer a critérios. Um deles, que já começou a ser feito, são as reformas. As pessoas já começaram a ir para casa, porque é um direito delas de descansar”, atestou o banco.

Há duas semanas, Alcides Safeca garantiu à imprensa que a entidade a que preside iria avançar com despedimentos, sem, no entanto, indicar datas, números de colaboradores a afastar, nem mesmo as áreas do banco em que a medida começaria a ser aplicada.

…E vai levar mais de mil

Por seu turno, a direcção de comunicação assegura que o plano é despedir mais de mil trabalhadores, sem precisar se o número já engloba os que estão a ser afastados por idade de reforma.

“O objectivo é [chegar] a mais de mil pessoas. Ainda assim, poderá haver acordos, com pessoas que ainda não estão no período de reforma e que podem pedir reforma antecipada com contrapartidas, como fez a Taag”, respondeu o banco.

REGULAÇÃO. Banco de Kundi Paihama não recebe divisas desde que a administração foi suspensa pelo BNA. Banco central garantia não alterar relação da entidade com clientes, no entanto, mantém ‘veto’ às divisas.

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O Banco Nacional de Angola (BNA) afastou, sem qualquer justificação ou aviso prévio, o Banco Angolano de Negócios e Comércio (BANC) de quatro leilões de divisas, o que pode indiciar um recuo na decisão da não alteração da relação entre o banco e seus clientes, enquanto durar o processo de saneamento, apurou o VALOR, com base nos últimos relatórios de venda de divisas.

Desde 31 de Julho que o banco, controlado maioritariamente pelo general e político Kundi Paihama (com 80,70% do capital), não é contemplado nos leilões, o que põe em causa o acesso a divisas, cuja venda depende da relação comercial e/ou salário domiciliado dos clientes com os bancos.

“O BNA reitera que não se alteram as relações de negócios do BANC com os seus clientes, garantindo, igualmente, a segurança dos depósitos mantidos junto dessa instituição financeira bancária”, garantia o banco central, no documento que sentenciou a suspensão de toda a administração do BANC e que retirou poderes aos membros da assembleia-geral de accionistas.

Assim como o BNA não justifica o afastamento da entidade dos leilões, também não fez sair qualquer documento que, pelo menos, deixe claro até quando pode durar esse processo de veto ao BANC. O supervisor assegura que o ‘mandato’ provisório dura seis meses renováveis.

Se essa medida foi tomada pelo conselho de administração provisório indicado por José Massano, é expectável que isso dure o tempo que esta administração estiver à frente da gestão do BANC. Ou, no mínimo, até que o banco central conclua estar saneada a situação patrimonial e financeira do banco. É o que conclui Francisco Paulo, do Centro de Estudos e de Investigação Científica da Universidade Católica de Angola: “Se o banco central tomou esta medida, é para salvaguardar a estabilidade do sistema bancário nacional. Não quer que mais um banco vá à falência. A função dos bancos não é apenas a venda de divisas. O banco tem de ter alternativas. Se o banco não tem uma boa condição financeira, onde é que vai tirar o contravalor em kwanzas para poder comprar divisas? É mais uma medida de precaução”.

O BANC não participou nos leilões de 30 e 31 de Julho e nos de 13 e 20 Agosto. Segundo a ‘tradição’ dos leilões, e devido à pressão sobre as divisas, nunca se assistiu à exclusão de um banco em quatro vendas consecutivas. Só as casas de câmbio passam por este cenário.

O leilão de 16 a 17 de Julho foi o último em que o BANC viu moeda estrangeira, ao comprar 288.174 euros (o segundo montante mais baixo do leilão), numa sessão em que o banco central colocou à disposição do mercado mais de 222,7 milhões de euros.

Clientes à deriva

Contactado pelo VALOR, o banco central diz que “o trabalho está em curso” e que “mais informação serão dadas no fim da intervenção”. Já Francisco Paulo considera que o banco central não está a actuar por “capricho” ou por “não gostar do BANC”. O académico entende que devem estar salvaguardados os interesses dos clientes, lembrando que estes não dependem só de um banco para comprar divisas. “Qual é o número de clientes que o banco tem? Duvido que o BANC tenha um milhão de clientes. Qual é o peso do BANC no sistema bancário nacional? Creio que o BNA levou isso em consideração. E sabe que, no país, normalmente, as pessoas não têm um único banco. É obvio que o BNA vai zelar pelo interesse dos clientes. Vai criar medidas para ajudá-los”, defende.

Até sexta-feira, não estavam disponíveis as contas do BANC. Os últimos dados consolidados da entidade reportam a 2016 e revelam prejuízos de 1,7 mil milhões de kwanzas. O BNA entende que as medidas de saneamento ao BANC “visam a reposição dos termos de sustentabilidade financeira e operacional do banco, harmonizando-as com as normas vigentes para o exercício da actividade comercial bancária no país”, conforme uma nota emitida pelo conselho de administração do banco central, disponível no seu website.

Leilão de divisas ao mercado 16 a 17.07.2018

BAI 42.199.466,16

BNI 28.455.793,92

SOL 25.527.620,11

BIC 22.466.637,18

BFA 21.092.050,89

BCGA 17.160.000,00

ATL 9.400.723,39

BCA 9.061.949,15

BCH 6.355.163,18

SBA 5.865.253,68

BPT 5.733.147,07

FNB 5.385.871,74

BMF 5.277.051,40

VTB 4.735.686,98

BCI 3.453.509,22

BE 2.238.244,96

BPC 2.195.493,76

BVB 2.017.119,76

BPG 1.298.068,78

SCBA 886.710,14

BCS 797.474,67

BKI 507.487,69

BANC 288.174,25

BIR 253.883,58

YETU 62.935,75

TOTAL 222.715.517,41

FINANCIAMENTO. Executivo terá de se mostrar disponível a ceder parte dos ‘poderes’ e mordomias para haver desembolso do organismo. Bases para o OGE podem depender do FMI. ‘Boa-nova’ são os juros mais baratos do que os empréstimos da China ou Brasil. É esta análise do CEIC e de vários analistas financeiros ao VALOR.

FMI

As contrapartidas do financiamento que Angola pediu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) podem ser duas vezes mais penosas do que as metas que o Governo estipulou e segue no plano de estabilização macroeconómico, a avaliar pelos termos e condições a que se associam as ajudas do organismo. Se se efectivarem as negociações e o FMI desembolsar os recursos, João Lourenço e seu Executivo terão de se sujeitar a um pacote de exigências normalmente aplicadas a países em extrema crise. No caso de Angola, o PR poderá não mais definir estratégias sobre o que quiser, já que teoricamente terá o poder de decisão partilhado com o organismo.

Até a aprovação das bases do orçamento, alteração de algumas leis e várias reformas, normalmente elaborada pelo Governo e aprovada pelo parlamento, poderão ser reportadas ao Fundo, que, considerando as condições do país, pode ou não apoiar.

As análises vêm de vários lados, desde o Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola a vários escritórios de consultoria financeira. Até da Universidade Coventry, Inglaterra, se pôde perceber os contornos a que Angola terá de se sujeitar.

Sem o FMI, Angola já ensaia medidas económicas com forte impacto na qualidade de vida das famílias e do próprio funcionalismo público. Com a entrada do organismo, advinham-se medidas ainda mais pesadas no tocante à aplicação dos recursos púbicos.

Até do Presidente da República se espera contenção ou redução nas tomadas de decisões para ordens de despesas. Até onde foi noticiado na semana passada, João Lourenço parece estar disposto a abdicar de parte das suas prerrogativas para dar novo ímpeto à economia, ao estender a mão ao FMI, perspectiva que ficou ainda mais evidente com as declarações do ministro das Finanças, Archer Mangueira, desde a Alemanha, a confirmar a ajuda.

Segundo este responsável, o país pode receber até 4,5 mil milhões de dólares do organismo, montante que será desembolsado durante um período de cinco anos.

Este valor está mais ou menos em linha com as regras do FMI para o Programa de Financiamento Ampliado (Extended Fund Facility) e do que calcularam os analistas ouvidos pelo VALOR. Com este instrumento, cada país membro do Fundo deve financiar-se, no acesso normal, até 145% da sua quota anual. O limite cumulativo durante o programa pode ir até 435% da quota do país.

Como Angola tem 740,1 milhões de SDR, a moeda do FMI (direitos especiais de saque, traduzido do inglês), pode contar com um montante a rondar acima dos quatro mil milhões de dólares, considerando 1,40 dólares por cada SDR.

Para os analistas, esse valor pode aliviar as pressões da actual conjuntura, mas não livra o país de sacrifícios económicos associados às ajudas do organismo, que normalmente envolvem reformas na administração pública, desde privatizações e corte nos empregos a mexidas na legislação.

Ivan Negro, consultor financeiro, considera que, para além das alterações a que se podem assistir na estrutura da administração pública – de resto já em curso no país – pode mesmo ser exigida alteração na Constituição. Na sua opinião, mudar a Constituição permitirá que “o pagamento da dívida tenha prioridade sobre qualquer outra despesa pública”, além do facto de que o orçamento passa a ter o visto do FMI.

Segundo ainda este consultor, o Governo vai ter à perna “supervisores da comissão instalada permanentemente em Luanda”, além de que talvez venha a ser obrigado a fazer “cortes nas pensões e despesas com a saúde; privatização das empresas públicas; e reestruturação da dívida pública, conduzindo à conversão compulsiva de depósitos a prazo fixo por títulos públicos denominados em dólares”.

Angola não é Grécia

Já o especialista em petróleo e gás Flávio Inocêncio considera que o recurso ao EFF não põe em causa a soberania dos países, pelo que afasta a possibilidade de o FMI vir a controlar o Orçamento Geral de Estado (OGE) ou mesmo a base da sua elaboração.

“Os países são soberanos e, nos EFFs, o FMI não tem o peso que tem em programas de ajustamento como na Grécia. Mas espera-se que o FMI exija um plano para o equilíbrio das contas públicas, provavelmente em cima da mesa estará um plano para a redução de despesas”, argumentou o especialista, que é titular na Universidade de Convetry, Inglaterra.

Flávio Inocêncio não descarta a possibilidade de reformas profundas na administração do Estado, dando exemplo de “eventuais privatizações”, além das medidas para a “melhoria do ambiente de negócios, que, possivelmente, vão exigir a que se alargue a base tributária”.

Também apontou a possibilidade de o FMI vir a fazer cortes em despesas correntes, prolongar com a desvalorização da moeda para uma taxa de mercado e acabar as taxas de mercado duais. “Nada disso é novo”, enfatiza.

FMI melhor que China

Se há os que questionam a vinda do FMI pelas exigências do organismo, há os que a saúdam, por entenderem que as taxas de juro com os recursos da entidade controlada por Christine Lagarde são menos pesadas do que as praticadas nos empréstimos com a China e o Brasil.

O CEIC da Universidade Católica de Angola, defende, por exemplo, que o recurso ao FMI não deve preocupar, com argumento de que Angola é membro do organismo e paga quotas.

“É importante entender-se que o FMI concede empréstimos a taxas de juro mais baixas do mercado internacional. E, por outro, não será um montante tão exorbitante. O apoio técnico que se pediu tem as mesmas condições de exigências do apoio financeiro, logo vale mais pedir o apoio técnico acompanhado com o financeiro”, argumenta o centro, através do seu investigador sénior, Francisco Paulo, que não descarta a possibilidade de haver reformas associadas ao pedido de ajuda.