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Novo modelo para bancos centrais

17 Feb. 2021 Opinião

A costumámo-nos a pensar nos bancos centrais como focados exclusivamente na estabilidade de preços ou, no melhor dos casos, no controlo da inflação ao mesmo tempo em que assegura o funcionamento tranquilo do sistema de pagamentos. Porém, com a crise financeira global de 2008 e agora com a covid-19, temos visto bancos centrais a intervir para apoiar um número crescente de mercados e actividades, usando instrumentos que vão muito além das taxas de juros e das operações de mercado abertas.

Um exemplo é a Facilitação da Liquidez do Programa de Protecção Salarial da Reserva Federal dos EUA (Fed), pela qual oferece liquidez aos credores que ampliarem empréstimos às pequenas empresas que sofrem dificuldades por causa da pandemia. Este claramente não é o mesmo banco central da época em que nasceu.

Agora estamos a ouvir pedidos para ampliar ainda mais estas competências. A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, e uma integrante do grupo de governadores da Fed, Lael Brainard, têm apelado aos bancos centrais que enfrentem o aquecimento global. Com o pano de fundo do movimento Black Lives Matter, a deputada norte-americana Maxine Waters, da Califórnia, tem pressionando o presidente da Fed, Jerome Powell, a fazer mais para combater a desigualdade e, em termos mais específicos, a desigualdade racial.

Estes pedidos provocam arrepios aos puristas da centralização bancária, que alertam que passar estas responsabilidades para os bancos centrais pode fazer correr o risco de se desviar as instituições e os seus instrumentos de política económica de seu objectivo primário que é controlar a inflação. E advertem que a política monetária é um instrumento inadequado para enfrentar mudanças climáticas e a desigualdade, que podem ser abordadas de modo mais eficaz taxando-se emissões de carbono ou fortalecendo-se leis que defendam uma 'casa para todos'.

Acima de tudo, a preocupação dos críticos é que alcançar estas metas possa colocar em risco a independência dos bancos centrais. Os bancos centrais desfrutam de independência operacional para cumprir um trabalho específico, porque há um consenso de que os objectivos determinados são melhor cuidados longe das mãos dos poderes eleitos. Porém, independência não quer dizer que os bancos centrais não respondam aos políticos e à opinião pública. Precisam justificar as suas acções e explicar como as suas decisões de política económica avançam com objectivos determinados. O sucesso ou fracasso destes bancos pode ser julgado ao se responder à questão se eles cumprem as suas metas de modo independente.

Com um mandato muito ampliado, a relação entre os instrumentos e as metas da política económica se tornaria mais complexa. As justificações para decisões de política económica seriam mais complicadas de se comunicar. Ficaria mais difícil avaliar um sucesso ou um fracasso. De facto, à medida que a política monetária tem influência apenas limitada sobre o aquecimento global ou a desigualdade, apontar para tais variáveis seria preparar o terreno para o fracasso do banco central. E a frustração com o fracasso poderia levar políticos a repensar a independência operacional do banco central.

Estes argumentos têm os seus méritos. Ao mesmo tempo, os governadores dos bancos centrais não podem adormecer diante de uma emergência na qual toda a ajuda é necessária. Pedidos para que bancos centrais abordem mudanças climáticas e desigualdades reflectem um reconhecimento de que estes problemas cresceram a ponto de se tornarem crises existenciais. Se os bancos centrais os ignorassem, ou dissessem que “outras pessoas podem cuidar melhor destes problemas urgentes”, esta resposta seria vista como uma demonstração arrogante e perigosa de indiferença. Neste ponto, a independência deles, de facto, estaria em risco.

Ou seja, o que fazer? Bancos centrais no papel de reguladores têm ferramentas para abordar as mudanças climáticas. E a responsabilidade deles em assegurar a integridade e a estabilidade do sistema financeiro dá aos legisladores a possibilidade de as usar. Os bancos centrais podem exigir mais transparência nos dados financeiros relacionados ao clima. Podem impor requisitos de capital e liquidez mais rigorosos das instituições cujos 'portfólios' de activos as expõem a riscos climáticos. Tais ferramentas podem desencorajar o sistema financeiro de assinar por baixo de investimentos impróprios.

O desafio de entender os riscos do aquecimento global à estabilidade financeira é que os eventos climáticos são irregulares e não-lineares. Ao modelá-los, será importante que os bancos centrais evitem os erros que cometeram ao modelar a covid-19. Aqueles problemas surgiram porque economistas e epidemiologistas trabalharam em bolhas distintas. Pode-se perguntar a pessoas como Lagarde e Brainard: quantos cientistas ambientais os bancos centrais contrataram? Quando vão começar?

Quando se trata de desigualdade, alguns bancos centrais já têm a competência necessária. Nos EUA, a Lei de Reinvestimento na Comunidade de 1977 obriga reguladores, entre eles a Fed, a garantir que famílias de baixo e médio rendimento tenham acesso adequado ao crédito. A Fed tem delegado essa responsabilidade a 12 bancos regionais, cada um a cumprir com a sua parte de formas diferentes. Uma orientação mais presente da liderança da Fed sobre exactamente como garantir um acesso justo ao crédito, com atenção explícita às disparidades raciais, reforçaria iniciativas já existentes.

Seria uma mudança para outros bancos centrais, como o BCE, abordar o acesso ao crédito de minorias e grupos desfavorecidos. Mas o Parlamento Europeu pode instruí-la. E a liderança do BCE pode trabalhar com instituições nacionais que compõem o Sistema Europeu de Bancos Centrais para atender a este apelo.

A política monetária tem consequências em questões que vão além de inflação e pagamentos, inclusive mudanças climáticas e desigualdade. Seria ingénuo, e até mesmo perigoso, que os bancos centrais negassem estas ligações, ou insistissem que elas não são problemas deles. A melhor forma de os bancos centrais avançarem é usando a política monetária para controlar a inflação, ao mesmo tempo em que direccionam os seus poderes regulatórios para outras questões urgentes.