Armadores querem combustível bonificado para reduzir preços
PESCA. Produtos do mar estão cada vez mais ‘esticados’ em Luanda. Armadores apresentam como justificação o aumento dos custos operacionais… e não só.
Os elevados custos operacionais e a falta de peixarias são dos principais factores que concorrem para o aumento do preço do peixe, de acordo com Armédio Selvagem, um dos maiores armadores do país, que justifica a situação com o facto de o produto passar por muitos intermediários antes de chegar ao consumidor final.
Para Selvagem, a inversão desse quadro passa pelo fomento do fabrico de barcos no país e pelo fornecimento de combustível às embarcações “a preços bonificados”. Defendendo que os barcos fabricados em Angola reactivariam os carpinteiros navais, “uma profissão em risco de desaparecer”, o empresário aponta, entre as facilidades, a existência de madeira “suficiente” nas florestas angolanas e nota que, antigamente, até os pregos eram feitos no país. “O resto seria só importar motores e GPS, ou seja, equipamentos de localização dos barcos e cardumes em alto mar”, acrescenta, antecipando benefícios na geração do emprego e cortes no preço do peixe.
O armador que possui mais de uma dezena de barcos fabricados nos seus estaleiros na Ilha de Luanda coloca, entretanto, o combustível no topo das preocupações. “Por vezes somos obrigados a recorrer às bombas da Sonangol com os transtornos que isso representa”, lamenta o empresário que, antes da crise, tinha mais de 500 trabalhadores, 210 dos quais marinheiros.
João Pica, também armador de pesca artesanal, identifica igualmente o combustível como um dos factores que dificulta a pesca, avançando que “o ideal seria termos combustível bonificado em bombas específicas”. Pica critica também “os elevados custos” de operação e as “dificuldades burocráticas” colocadas ao exercício da actividade, que, no fim, recaem sobre o preço do pescado. “Pagamos impostos, mas, por vezes, somos indevidamente incomodados pela fiscalização”, lamenta.
Com mais de duas décadas de pesca na povoação do Buraco, Barra do Kwanza (Luanda), e Porto Amboim (Cuanza Sul), João Pica tem na sua frota algumas embarcações de fibra e de madeira. E, tal como Selvagem, considera mesmo “crucial” o fabrico de barcos de madeira que “se adequem à nossa forma de pescar”, um exercício que “aumentaria o produto ao consumidor” e pouparia divisas ao país. “As coisas estão a ficar cada vez mais complicadas. Os preços sobem exponencialmente e não temos lojas onde possamos adquirir peças de reposição para motores, ou mesmo redes de pesca e bóias. As importações estão cada vez mais difíceis porque não há dólares”, observa, propondo uma zona franca para o sector pesqueiro. Nesta “zona, teríamos armazéns afiançados, onde o pescador ou armador poderia recorrer de acordo com as suas necessidades e pagar posteriormente, sem prejuízo para ambas as partes”, sugere.
USD 300 milhões‘atirados’ ao ar
Abreu André, proprietário da empresa Socimóvel, teve de transferir a carpintaria de fabrico de barcos do Soyo para Luanda mas, por causa da fraca procura, acabou por voltar a instalar o ofício na terra de origem, onde o negócio parou muito antes da covid-19. “O problema da nossa paralisação tem que ver com a crise financeira que o país atravessa e a sistemática aposta da importação de barcos pelo Governo”, indicou. Mas Joel Artur Cacupa, da empresa Pescanova, na Baía Farta (Benguela), afirma que “em nada valeu a distribuição de barcos pelo Governo às cooperativas”, porque estas, praticamente, não tiveram nenhuma serventia em toda a costa. “Se os mais de 300 milhões de dólares que foram ‘atirados ao ar’, fossem utilizados para impulsionar o fabrico local de embarcações que chegam a ser mais duradouras, o país sairia a ganhar”, garante.
Cacupa refere mesmo que “como não se presta atenção a este importante sector”, então “qualquer dia será mais rentável enviar os nossos barcos a pescar e comercializar noutros países”.
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