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Condenação de Valter decreta necessidade de revisão da Constituição

18 Aug. 2020 César Silveira Opinião

A condenação de Walter Felipe, ex-governador do BNA, a oito anos de prisão, pelo Tribunal Supremo, no ‘caso 500 milhões’, motiva várias discussões e algumas conclusões. Uma destas, e talvez pouco discutida na sequência do julgamento, tem que ver com a necessidade urgente da revisão da Constituição no sentido de se acabar com o regime ‘presidencialista’ que atribui excessivos poderes ao Presidente da República, colocando os diversos membros do Executivo na  condição de YES-MAN.

Se afinal de contas, como ficou agora provado, os auxiliares devem ser responsabilizados por cumprimento de uma orientação do todo-poderoso Presidente da República, das duas uma.  Ou mantém-se a Constituição, abrindo-se uma janela nas atribuições dos auxiliares do Presidente no sentido de reduzirem a casaca de YES-MAN dos mesmos, atribuindo-lhes poder para, sempre que necessário, se negarem a cumprir ordens do chefe sem o risco de retaliação, inclusive de exoneração. Ou se avança com a revisão da Constituição, acabando-se com o modelo presidencialista, permitindo que cada ministro passe a agir por sua conta e risco com a devida fiscalização dos deputados.

Ao pensar alto neste texto, entretanto, vozes manifestaram-se contra esta visão, argumentando que, independentemente de serem simples auxiliares, estes devem, perante orientação de risco, condicionar o cumprimento dessa mesma orientação, mesmo que esteja por escrito. Acreditar nessa tese é manifestar desconhecimento de que, até mesmo na gestão de uma cantina, há decisões urgentes e imediatas que devem ser efectivadas, ainda que perante um eventual confronto com as questões formais. É assim também nos Estados, sobretudo naqueles com mentes militarizadas enraizadas, cujo pensamento segundo o qual a ordem do chefe é uma lâmina é uma realidade. 

É o caso de Angola. Foi assim ontem e é hoje. Tanto é que, antes da publicação em Diário da República da autorização do Presidente João Lourenço de se avançar com a compra das aeronaves De Havilland Canada (DHC) Dash 8-400, depois do recuo inicial, já havia movimentos neste sentido. A Taag, por exemplo, já estava a dar formação aos pilotos. Só depois surgiu a formalização por escrito. E se João Lourenço deixasse o poder antes desta formalização, os executivos envolvidos na antecipação e preparação da operação corriam assim o risco de serem julgados e condenados?

Porém, determinada corrente defende que o ex-governador do BNA foi condenado não por ter cumprido a orientação do ex-Presidente, mas por não ter ficado provada a veracidade da carta de JES confirmando a orientação da operação. Ora, se efectivamente havia vontade de se encontrar a verdade, porque é que não se recorreu a outros meios para clarificar se foi JES quem escreveu ou não? Custava, por exemplo, fazer recurso aos serviços da Embaixada de Angola em Espanha? E se os órgãos de justiça acreditam na possibilidade de não ter sido JES quem escreveu, levantando-se, desta feita, a hipótese de falsificação, porque é que se concluiu o julgamento sem abrir uma investigação à volta da suposta falsificação e tentativa de enganar o Tribunal?

César Silveira

César Silveira

Editor Executivo do Valor Económico