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Demasiadas clínicas de saúde prejudicam os países em desenvolvimento

05 Jun. 2017 Sem Autor Opinião

Doadores, como o Banco Mundial e a Organização Mundial de Saúde, exortam frequentemente os países em desenvolvimento a investirem em sistemas nacionais de saúde. A ânsia de construir clínicas e outras instalações médicas, mesmo nas regiões mais remotas, pode parecer uma abordagem directa para assegurar a cobertura de saúde universal, mas tal não se revelou ser verdade. A recente epidemia de Ébola na África Ocidental realçou a necessidade urgente de sistemas de saúde mais sólidos, mais eficientes e mais resilientes nos países em desenvolvimento. Mas, quando os países se apressam a construir mais clínicas, as instalações que daí resultam, tendem a ser construídas precipitadamente e deficientes em equipamento, suprimentos e pessoal, necessários para oferecer, de forma efectiva, serviços de saúde vitais.

Nas minhas frequentes visitas às áreas rurais do meu país natal, Serra Leoa, vi vários estabelecimentos de saúde de que as comunidades podiam perfeitamente prescindir. Por exemplo, uma instalação recentemente remodelada em Masunthu, possuía escassos equipamentos e não tinha água nas torneiras. As instalações nas proximidades de Maselleh e Katherie tinham paredes rachadas, telhados com infiltrações, e tão poucos armários que materiais como as seringas e registos médicos, tinham de ser empilhados no chão. Esta situação é o resultado directo de uma abordagem fragmentada e acelerada do investimento em infra-estruturas de cuidados de saúde. No final da guerra civil em 2002, a Serra Leoa tinha menos de 700 unidades de saúde, de acordo com o Manual de Cuidados de Saúde Primários de 2004.

Em 2003, um governo parco em dinheiro decidiu “descentralizar” vários serviços públicos ao nível distrital, alimentando uma concorrência feroz por recursos limitados. As administrações locais, procurando obter a maior fatia possível do bolo, começaram a impulsionar novos projectos, levando a uma expansão rápida e descontrolada do sistema de saúde. Hoje, a Serra Leoa - com uma população de apenas sete milhões - tem cerca de 1.300 estabelecimentos de saúde. O Ministério da Saúde não tem conseguido equipar todas estas novas instalações e cobrir os custos operacionais e de pessoal, pois o seu orçamento não aumentou, em proporção, a essa expansão do sistema. Na verdade, muito poucos (ou mesmo nenhum) dos países africanos que assinaram a Declaração de Abuja de 2001 para alocar 15% do orçamento para a saúde conseguiram fazê-lo.

Em Setembro passado, a Serra Leoa realizou uma avaliação da distribuição de instalações de saúde pública e de profissionais de saúde no país, a fim de orientar discussões sobre a Estratégia de Recursos Humanos para a Saúde 2017-2021. Os resultados foram claros: apenas 47% das unidades de saúde do país empregavam mais de dois profissionais de saúde, incluindo trabalhadores não assalariados e voluntários. Sete por cento dos estabelecimentos de saúde não tinham nenhum trabalhador de saúde que lhes fosse atribuído - uma promessa vazia em forma física. Esta situação não é exclusiva da Serra Leoa - ou de África.

Na Indonésia, o governo investiu as receitas do petróleo na expansão maciça e rápida dos serviços sociais básicos, incluindo os cuidados de saúde. Porém, actualmente, a insuficiência de médicos é um flagelo em muitas dessas instalações, particularmente nas áreas mais remotas, onde o absentismo também é elevado. Existem muitos enfermeiros, mas a maioria não possui formação adequada. Mesmo assim, são deixados por conta própria a gerir instalações remotas.

Além do pessoal, as instalações de saúde remotas na Indonésia carecem de infra-estruturas de apoio adequadas: água potável, saneamento, electricidade confiável, medicamentos e equipamentos básicos. Os governos locais descentralizados, que têm pouca autoridade sobre clínicas remotas, não podem supervisionar as suas actividades. Não é, pois, de admirar que a Indonésia tenha uma das maiores taxas de mortalidade materna no Leste Asiático. Um excesso de instalações de saúde mal equipadas não é apenas ineficaz, como pode realmente piorar ainda mais as coisas, devido a factores como saneamento deficiente e fracos sistemas de referência de emergência.

Durante a recente crise do Ébola, as instalações deficientemente equipadas causaram ainda mais mortes, não apenas entre os pacientes, mas também entre os profissionais de saúde, comprometidos em ajudá-los. Em vez de continuar a prosseguir a proliferação descontrolada de instalações de cuidados de saúde mal equipadas e pouco funcionais, os decisores políticos deveriam considerar uma abordagem mais sensata. É claro, que as pessoas que vivem em áreas mais remotas precisam de ter acesso a cuidados de saúde de qualidade, sem terem de percorrer estradas acidentadas e perigosas que podem tornar-se praticamente inacessíveis durante alguns períodos do ano. Contudo, os serviços no terreno e os profissionais comunitários de saúde poderiam abranger essas áreas de forma muito mais eficaz.

O valor de tal abordagem foi recentemente demonstrado na Etiópia, onde os resultados da saúde melhoraram. Ao passo que a maioria das instalações da Serra Leoa foram construídas com base em donativos, o governo apoiou planos para acelerar o impulso da construção. O governo e os doadores têm assim uma responsabilidade conjunta de procurar uma abordagem mais prudente que garanta uma prestação de serviços de qualidade. Na Assembleia Mundial da Saúde da OMS deste mês, os participantes devem destacar esta responsabilidade e começar a repensar as estratégias actuais de modo a que se possa alcançar a cobertura universal de saúde. Com uma abordagem mais ponderada, será necessário mais tempo para construir o mesmo número de clínicas. Mas, em compensação, mais vidas serão salvas. E isso é que deveria ser o mais importante. Samuel Kargbo é director de Políticas e Planeamento na Serra Leoa, membro do Comité de Orientação UHC2030, e um membro do Instituto Aspen Novas Vozes