Dois casos
Dois temas que preenchem as páginas deste número são destacados para a reflexão de hoje. O primeiro é sobre a decisão que alarga os anos de carros usados permitidos para a importação. A questão essencial aqui prende-se com a justificação da medida. No entendimento do Governo, os elevados preços praticados pelas concessionárias e as dificuldades no acesso às divisas impossibilitam a compra de viaturas novas pelas populações com menos recursos. Quem contraria o Governo, por sua vez, além de mencionar a abertura do país à possibilidade de entrada de ferro velho, lembra que a decisão é incompleta, porque não resolve o problema crucial de acesso às divisas.
Mas, para se perceber o fundo dessa argumentação contestatária, vale a pena uma micro-caracterização do mercado. Para começar, a venda de viaturas usadas, além das restrições legais forçadas pelo lobby das concessionárias, recuou significativamente por causa da crise de divisas. Como os vendedores oficiais de marcas não importam viaturas usadas para revender, a compra dos usados no exterior, enquanto existiu, foi controlada sobretudo pelo mercado informal. E quem vende nesse mercado informal é o tal operador que, assim como no passado, é o que mais dificuldades tem para aceder à moeda externa, no presente. Por isso, a menos que o Governo dê instruções ao Banco Nacional de Angola para vender divisas a quem queira importar viatura usada (seja para uso pessoal, seja para negócio), no curto prazo, a decisão do Governo não pode ter qualquer efeito digno de referência. Nem no médio prazo terá, enquanto houver racionalização apertada do dólar e do euro, para prioridades atendíveis.
O outro tema é sobre as declarações, ao VALOR, da Bombardier a propósito da sua relação com o desfeito consórcio na aviação Air Connection. Diz a companhia canadiana que nunca chegou a assinar qualquer contrato de venda de aeronaves com a Air Connection. Mas antes com uma outra entidade, a African Aero Trading SA. Só que essa resposta levanta várias curiosidades, interrogações e contradições. Aquando da assinatura do acordo, a 5 de Maio, o responsável de vendas da Bombardier para África assinalou que esperava adicionar a Air Connection à família de operadores das aeronaves Q400. O Ministério dos Transportes mencionava, por sua vez, em comunicado, que o contrato tinha sido assinado com o novo operador de transporte aéreo angolano Air Express e o fabricante Bombardier. E, para deixar tudo em águas aparentemente claras, os integrantes do então consórcio foram os mesmos que assinaram o documento com o representante da empresa canadiana.
Contas feitas, tudo volta ao ponto já referido neste espaço várias vezes. Era, no todo justificado, que o Governo esclarecesse de forma definitiva o que esteve por detrás do tal negócio que levou à exoneração de Augusto Tomás.
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