ZUNGUEIRA

E agora pergunto eu...

24 Jul. 2025 Geralda Embaló Opinião

Seja bem-vindo querido leitor a este seu espaço onde perguntar não ofende depois de uma semana em que a actualidade foi marcada por recuos e avanços do populismo político a nível global.

E agora pergunto eu...

O populismo americano terá assistido a um recúo corporizado na anticlimática resolução de um dos maiores escândalos de pedofilia que o país já viu com

Trump a parecer recuar no populismo que usava promessas de julgamentos em hasta pública. A investigação foi fechada sem exposição da famosa lista de clientes de Epstein e com isso Trump perdeu o apoio de parte da sua base (MAGA – Make America Great Again) que queria responsabilizações no caso, sendo que há rumores de que as ditas listas de clientes do alegado pedófilo, incluem o nome do presidente da nação mais poderosa do mundo, que antes de enveredar para a política privava com Epstein. Outro recúo no populismo foi a mudança de tom com relação à guerra na Ucrânia que Trump havia dito que iria acabar dois dias depois de ser eleito presidente... Foi obrigado a recuar porque já se passaram mais de seis meses desde que tomou posse e a guerra continua impermeável ao seu prometido ‘efeito vupá’.

Na nossa ex-metrópole, o populismo mais abjecto segue inflamado, qual pombo orgulhoso das suas imaginárias vitórias, com o líder da extrema-direita a expor uma lista de nomes de crianças estrangeiras matriculadas no sistema de ensino português como prova de que os estrangeiros e os seus muitos filhos estão a contaminar e deteriorar a qualidade de vida dos portugueses 'de gema' ao usufruírem dos sistemas de segurança, de ensino, e de saúde gizados para o povo português. O infeliz na sua tacanhez anti-imigrante teria piada caso não influenciasse milhares de outros portugueses a cultivarem a mesma tacanhez com resultados práticos no aumento dos casos de racismo, de violência contra estrangeiros de situações que resvalam para absurdos como perigar a segurança de crianças nas escolas. O caso da angolana Maria Luemba de apenas 17 anos encontrada morta em casa em circunstâncias muito suspeitas que está a ser associado a racismo por parte de um homem que perseguia a família e que, mais grave, não foi devidamente investigado pelas autoridades policiais pode ser mais um exemplo do que pode acontecer quando a inspiração racista se banaliza e inflama a narrativa social. Os ataques de grupos de extrema-direita, que não só se focam nos estrangeiros ou em tudo o que não lhes pareça branco, mas em outras minorias como a comunidade LGBT, que atacam com a mesma violência, também estão a aumentar, inflamados pelo discurso populista e xenófobo. Um discurso que insiste em esquecer evidentemente não apenas o facto de o povo português ser historicamente dos que mais anda por terras alheias, como o facto de ter uma dívida para com as ex-colónias por saldar de 450 dos 500 anos de colonização.

O encontro do moçambicano Venâncio Mondlane com André Ventura na semana que passou marcou a actualidade política do país irmão com muitos moçambicanos e não só, desiludidos com o amistoso de um político promessa, com um político que vomita alarvidades racistas para arrebanhar votos, para arrecadar vivas de almas tacanhas que se vêem finalmente representadas no panorama político e não param de aumentar o volume da sua voz. Um dos textos eloquentes a propósito, assinado por um John Kanumbo, resumia: “André Ventura não é um político qualquer. Ele é símbolo. É sintoma. É sequela do império. Representa a gramática do extermínio com sotaque moderno: nega o cativeiro, glorifica a missão civilizadora e criminaliza o que resta da dignidade negra nas vielas de Lisboa e nos becos da história. Ao sentar-se com Ventura, Mondlane não visita: consente.” É justificada a irritação com ver figuras conhecidas e até aplaudidas por moçambicanos e angolanos.

Mas voltando ao populismo que viveu avanços e recuos, nem sempre esse populismo apresenta uma cara feia. Muitas vezes ele pode vir disfarçado de promessa.

No Sahel africano a revolução anti França por exemplo, foi sendo exaltada como exemplo de nacionalismo e de africanismo, um exemplo de África para os africanos, com a renúncia ao ex-colonizador que continua a alimentar a sua economia com a mineração das ex-colónias quer através da monopolização da moeda, quer através da monopolização das elites governantes e dos meios de produção.

O populismo define-se como um apelo ao povo contra uma determinada elite e pode ser manipulado para bem ou para mal. No caso, porque o continente africano certamente precisa de um reset para que os seus povos possam começar a usufruir dele em vez de continuar a sonhar com emigrar para outras paragens (onde lhes espera o populismo e racismo dos outros), o populismo até pode ter uma vertente positiva até necessária. No Senegal, onde a promessa de democracia de desenvolvimento livre do colono levou à eleição do jovem Bassirou Faye em representação de Ousmane Sonko, uma promessa de democracia de africanos para africanos, esta semana o populismo mostrou, em vez uma das suas caras mais feias com o primeiro ministro Sonko a pedir um boicote a meios de comunicação que não sigam a sua batuta e com a continuidade da prisão de pessoas por crimes de opinião pelo novo poder que prometia essa revolução e liberdade e desenvolvimento (que especificamente prometia a descriminalização do jornalismo). Promessas que teima em não cumprir como documentou esta semana o Comité de Protecção dos Jornalistas. O primeiro-ministro Sonko, que foi até preso, segundo o próprio por motivos políticos, não se coíbe de ser líder hoje de um sistema que prende outros por crimes de opinião diferente da sua. E, lá se vai o desenvolvimento democrático que não existe se não existir liberdade de opinião.

O problema do populismo é cumprir o que promete, dificuldade que está a sentir Trump, Sonko e que há de sentir o líder do Chega caso chegue a algum cargo governativo, e que sente até hoje o presidente que prometeu os 500 mil empregos, a ‘Califórnia’ ou o combustível mais barato entre outras - a dificuldade do populismo é a de concretizar as promessas que as bocas populistas lhes levaram a fazer. O populismo que vive de promessas e “do nós contra eles”, dificilmente honra compromissos no tempo... Entre nós as promessas estão por cumprir. E, vimos o “nós contra eles” ser banalizado - “os justiceiros contra os marimbondos” - e agora pergunto eu, será que na verdade se distinguem?

É com esperança sempre querido leitor que marcamos aqui encontro e até à próxima, na sua Rádio Essencial.

 

 

 

 

 

Geralda Embaló

Geralda Embaló

Directora-geral adjunta do Valor Económico