Gás – A Oportunidade Perdida e a Gestão Incompetente
Quando, em 2016, fui contactado por um grupo de investidores para os ajudar a desenvolver campos de gás não aproveitados (e como tal abandonados) no nosso país, os campos NAG, pensei que seria de interesse maior para a Sonangol, para o Governo, enfim, para todos nós.
Finalmente, iria ver Angola alargar os seus horizontes para além do petróleo e entrar no mundo de producção de gás não associado.
Energia limpa e abundante entre nós. Finalmente, via um novo interesse muito diferente do interesse daqueles que, até pouco tempo atrás, queimavam o gás associado para só produzirem petróleo.
Sob o olhar silencioso e cúmplice da Sonangol, queimaram-se triliões de metros cúbicos de gás até ao aparecimento da planta do Soyo, quase que a força dos ambientalistas. Finalmente, iria poder mandar gás não associado para a planta de LNG. Finalmente, iria poder produzir os campos de gás até hoje ignorados. Iria produzir novos recursos, criar novos empregos, alargar o potencial da região, enfim, iria ajudar Angola a ser um país melhor. Facilmente aceitei o desafio e lancei mãos à obra.
Quando se aproximaram de mim para encabeçar a caminhada, eu ainda trabalhava para outro grupo e isso por si só implicava alguma discrição. Só que essa associação a outro grupo também me garantia acesso facilitado aos corredores do poder. A concessionária, o Ministério dos Petróleos e o Ministério das Finanças foram todos contactados e adequadamente postos ao corrente do interesse. Tudo documentado e transparente.
Como operacional da indústria, a primeira etapa do processo era localizar as reservas existentes e disponíveis para pôr o processo em marcha, para justificar o investimento. Recrutados os especialistas necessários para a operação, rapidamente chegamos a conclusão que havia, pelo menos, sete campos de gás não-associado disponíveis, os “NAG fields” no offshore da bacia do Congo. Esses campos pertenciam à Sonangol, via a ALNG. Portanto, para trabalhar esses campos, bastava a ALNG autorizar o trabalho. Bastava a Sonangol assinar o acordo ao qual nos propúnhamos.
A quantidade de gás disponível era muito próxima dos 25 TCF, o que iria permitir o fornecimento de gás adicional para a planta para um tempo indefinido que deveria ir até ao fim de vida da planta do Soyo.
Convém aqui salientar que a planta do Soyo tem, de forma incompetente e provavelmente criminosa, estado a trabalhar a pouco mais de 60-64% da sua capacidade operacional. Portanto, a planta precisava e continua a precisar de gás adicional para melhorar a sua eficiência e trabalhar de acordo com a capacidade instalada. O gás que se iria disponibilizar não entrava em conflito com o gás associado proveniente dos blocos dos parceiros do consórcio e, como tal, não iria competir com os interesses do grupo. Tendo dito isto, muito cedo compreendemos que a parceria componente da ALNG não estava interessada em melhorar a produção da planta por razões específicas contrárias aos interesses de Angola.
Desde que a planta se mantivesse a produzir abaixo de 65% da sua capacidade, portanto abaixo de cerca de 500,000 toneladas por mês, a ALNG beneficiava de facilidades fiscais significativas, entre elas, continuaria a não pagar o IVA/GST. O começar a produzir LNG acima desta barreira, a ALNG perderia esses mesmos benefícios fiscais e iria começar a pagar impostos significativos ao Estado angolano, incluindo o IVA/GST com prestações retroactivas desde o início de operações da planta. Era, e creio que ainda é vantajoso para o consórcio, não aumentar a produção de LNG. E, ontem a Sonangol, hoje a ANPGB continua silenciosa, a pactuar com esse assalto ao Ministério das Finanças, sem fazerem nada para que essa componente tributária seja recuperada pelo Estado angolano.
O projecto foi prontamente estudado, desenvolvido e apresentado à ALNG (como cliente/beneficiário do gás a ser produzido), à Sonangol como Concessionária e parceira, ao Ministério do Petróleos, e ao Ministério das Finanças. Apresentámo-lo também em várias ocasiões aos parceiros do consórcio em encontros individuais. Que me recorde, só a Chevron levantou problemas, afirmando que o que nós iríamos fazer era exactamente o que eles estavam a planear e, como tal, não precisavam do nosso esforço. Em paralelo, em fins de 2017, foi-nos também dito por uma entidade do Ministério dos Petróleos, hoje na ANPGB, que o desenvolvimento do gás em Angola seria feito ao abrigo de um ‘master plan’ que estava a ser elaborado e que seria da responsabilidade da ENI.
Fisicamente, o que nos propúnhamos fazer era reentrar as descobertas conhecidas, completá-las e testá-las a fim de as pôr em produção, instalar todo o equipamento necessário para a produção e tratamento do gás ‘offshore’ bem como os pipelines necessários para o transporte do gás até à planta de LNG. As diferentes alternativas técnicas, o programa e o calendário de trabalho e o financiamento do projecto foram apresentados a todos os parceiros e partes envolvidas. Os mais diversos fornecedores foram contactados e contratos preliminares começaram a ser delineados. Os trabalhos avançavam a ritmo acelerado, pois era nossa ideia, preocupação e objectivo ajudar a solucionar o fraco aproveitamento da planta até hoje sujeita a parar por tempo indefinido por falta de gás.
Um projecto desta dimensão só é possível com o apoio de fontes de financiamento seguras e competentes. Os responsáveis pelo financiamento do nosso projecto haviam garantido a participação equitativa de organizações internacionais, incluindo o Bank of America Merril Lynch, Carlisle Foundation, Wells Fargo, UBS e o Qatar General Retirement Pension Fund. Em Outubro de 2017, o projecto tinha cerca de dois biliões de dólares comprometidos e o grupo estava pronto a avançar. Em 7 de Fevereiro de 2018, o grupo encontrou-se com o Ministro dos Petróleos e propôs iniciar os trabalhos de imediato a fim de iniciar a produção e fornecimento de gás a meio de 2020.
A elaboração e execução deste projecto seria o primeiro a trabalhar na sua totalidade com quadros nacionais, a excepção do conselho de administração. Cerca de duas centenas de técnicos com experiência nos vários departamentos haviam já sido identificados e alguns deles contactados. A disposição e a prontidão bem como a moral estavam então a ser definidas e o sucesso parecia garantido, uma vez que todos eles seriam accionistas da estrutura. Finalmente, em Maio de 2018, fomos informados sob a lei que daria as companhias o direito de produzirem e comercializarem o gás nos seus blocos fazendo com que o gás disponível deixasse de estar à disposição do consórcio. Assim se abortou um projecto que definitivamente iria melhorar a colecta de impostos do Ministério das Finanças, apoiar o OGE, para além de se dar pleno uso dum recurso disponível, o que indirectamente iria melhorar o ‘modus vivendi’ de todos envolvidos e populações adjacentes.
Tudo isto longe de se pensar no fenomenal ano de 2022. Tivesse o nosso plano a funcionar, a planta da ALNG estaria a funcionar a 100%, a pagar IVA/GST entre outros impostos e a beneficiar do preço alto que o gás comanda neste momento. Perdeu-se esta oportunidade extremamente lucrativa por falta de visão ou pela falta de coragem no combate à corrupção imposta não só pelos interesses obstrucionistas das IOC, mas também pelos preferencialismos daqueles que, com a responsabilidade de defenderem os nossos interesses, protegem aqueles que pouco mais fazem que usurpar as nossas riquezas em benefício próprio. Pode também ter havido desconhecimento e falta de sabedoria por parte de alguns ‘decision-makers’ que não foram capazes de compreender que a agenda das companhias internacionais a operar em Angola não é a mesma que a agenda do nosso Governo e que ignora completamente os interesses do povo angolano. Em termos comerciais, o gás seria vendido a porta da planta a um preço calculado a partir do preço do gás no mercado americano com um desconto permanente de 15%. Se o projecto tivesse avançado, Angola poderia neste momento estar a vender cerca de 800,000 toneladas de LNG por mês, em vez de pouco mais de 450,000. (Aliás, este mês não venderá nada uma vez que a planta está parada para manutenção tetra-anual). Em termos reais, o ‘income’ da venda de LNG poderia ser simplesmente três vezes maior.
A Sonangol, como concessionária na altura, falhou ao não conseguir impor as regras do jogo aos seus parceiros na ALNG. Na altura, em discussões com os responsáveis em exercício, havia uma dose de protecção a empresas como a ENI, Chevron e Total. Hoje, a ANPGB parece continuar a dançar a mesma música e a ALNG continua com a sua atitude corruptiva a manter a planta a trabalhar abaixo dos 65% de capacidade de produção. Manter a producção da planta abaixo da sua capacidade para fugir aos impostos é corrupção activa no seu melhor. Ao tolerar esta postura, sabendo que o mercado internacional grita pelo fornecimento de gás e ainda por cima a preços exorbitantes, a ANPGB está a permitir que Angola e os angolanos sejam tratados como ratos do deserto. A ANPGB deveria levar o consórcio da ALNG a um tribunal internacional por nada haver feito até ao momento para colocar a planta de LNG a produzir no seu potencial, e por perda de receitas fiscais devido à corrupção. O combate à corrupção foi uma promessa do Sr. General, tal com foi corrigir o que está mal. O futuro promete.
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