O futuro do livre comércio de África

26 Mar. 2018 Francis Mangeni Opinião

Enquanto os líderes africanos criam a maior área de Comércio Livre Continental (CFTA), a 21 de Março de 2018, numa reunião em Kigali, no Ruanda, pensam também que a principal prioridade deve ser como evitar lançar algo oco ou redundante. O CFTA - um dos 12 programas emblemáticos no âmbito da Agenda 2063 da União Africana (UA) - poderá duplicar o comércio intra-africano e trazer enormes benefícios para o continente. Mas depende muito da forma como será redigido o texto final. Um sinal positivo é que a CFTA vai incluir o comércio de serviços, que já contribui, em média, com mais de 50% do PIB dos países africanos.

Um número crescente de pesquisas sugere que os serviços providenciam novas vias de desenvolvimento social e económico em África. No seu mais recente livro ‘The Unerxplored Potential of Trade in Services in Africa’, Nora Dihel e Arti Grover Goswani, através dos dados do Banco Mundial, mostram que os serviços têm o potencial de fornecer muitos empregos e rendimentos necessários para a generalidade das pessoas em todo o continente.

As indústrias de serviços, tais como as comunicações, transportes, bancos, seguros, energia, educação e saúde, são os principais impulsionadores do desenvolvimento, enquanto o turismo e a construção têm actualmente um alto potencial de crescimento. Além disso, para muitos jovens profissionais, os serviços são o único meio de ganhar a vida. E com o surgimento de universidades empresariais - onde os trabalhos de cursos e as dissertações produzem profissionais de negócios e não apenas graus académicos - os mercados vibrantes de serviços tornar-se-ão mais necessários do que nunca.

Mas Dihel e Goswani também alertam sobre os “obstáculos regulamentares”. Os decisores políticos africanos precisam de ir além do quadro inicial que já foi acordado no âmbito da CFTA para identificar os sectores que podem ser levados para um mercado de serviços mais abrangente e integrado. E deve seguir um quadro abrangente para estabelecer os termos e condições de comércio e investimento em sectores específicos e como atrair investimentos.

Na selecção de áreas que devem ser promovidas, o foco deve apontar para as infra-estruturas e áreas onde os países já assumiram compromissos de acesso ao mercado através da Organização Mundial do Comércio (OMC). Isso implica que os formuladores de políticas devem concentrar-se nas comunicações, no turismo, na banca, nos transportes e na energia, seguidos dos serviços de educação, saúde e construção. Um desenvolvimento positivo ocorreu, no início deste ano, com o estabelecimento do mercado único de transportes aéreos africanos da UA, que abrange 23 países e 70% das viagens aéreas em África.

Quanto ao comércio de bens, o objectivo principal do CFTA é abrir mercados através de uma ampla redução de tarifas. Mas antes que isso aconteça, os países africanos precisam de concordar com um cronograma comum para diminuir as barreiras à importação. Isso exige negociações potencialmente complexas entre os vários interessados. Para simplificar, será importante manter um número mínimo de partes negociantes, talvez formando agrupamentos de países. Além disso, deve ser estabelecido um prazo bastante curto para as negociações.

Além das reduções tarifárias transversais, os formuladores de políticas também precisam de designar produtos sensíveis e que estejam excluídos de forma a promover cadeias de valor regionais, inclusive no processamento agro-pecuário, produtos químicos e automóveis, bem como nos insumos de serviços/logística que constituem até 60% do valor dos produtos finais. Os formuladores de políticas também devem impor um limite máximo das importações que podem ser excluídas. No geral, o comércio africano já inclui relativamente poucas linhas de produtos, o que significa que, se os produtos mais comercializados forem excluídos, o comércio intra-africano vai sofrer e o CFTA inteiro será supérfluo.

Embora o comércio sob o regime da CFTA não comece até que haja regras estabelecidas, os participantes concordaram, pelo menos, em seguir os critérios reconhecidos pela Organização Mundial das Alfândegas para determinar a “adição de valor”, o “conteúdo material”, a “transformação substancial” e se os bens são “originalmente obtidos”.

Ainda assim, produzir regras específicas do produto para seis mil bens pode levar muito tempo (a OMC fê-lo em mais de 27 anos). Para acelerar a CFTA, os países africanos podem concordar com um limite mínimo geral de 20-40% para a adição de valor e um máximo de 60-80% para material não original. E, entretanto, o trabalho na determinação de transformação substancial e outras regras específicas do produto pode continuar, embora com prazos estabelecidos.

Um objectivo na definição das regras dos produtos da CFTA deve ser a promoção de produção e o comércio de insumos e outros produtos dentro de África. O CFTA deve consagrar o princípio de ‘Made in África’, mesmo que reconheça que alguns insumos sejam necessariamente provenientes do exterior.

O lançamento do CFTA é um importante marco para África. Mudará permanentemente a geografia económica do continente e vai definir a sua história. Os líderes africanos devem usar a ocasião para enviar uma mensagem clara ao resto do mundo de que África está pronta para uma transformação social e económica.

 

Director de Comércio, Alfândegas e Assuntos Monetários no Mercado Comum da África Oriental e Austral (COMESA).