PARA JÁ, QUE JORRE O GASÓLEO!
João Lourenço esteve, esta semana, em Cabinda a inaugurar a primeira refinaria construída em 50 anos de governação do MPLA. Apesar da sua declarada reduzida capacidade de produção, face à procura interna, é um projecto que marca historicamente a indústria. Mais do que isso, tem alguma relevância social, económica e política.

Partindo do princípio de que funcione e os números que lhe estão associados se efectivem, terá certa importância na criação de emprego e na redução das importações de alguns refinados, ainda que com impacto ligeiro. Os efeitos positivos estendem-se à possibilidade de ‘retenção’ de alguns recursos em divisas, habitualmente destinados à compra de refinados no exterior.
Até aqui não se colocam dramas. Há quem aponte alegados riscos à soberania pelo facto de ser um projecto detido essencialmente por privados. É uma colocação manifestamente exagerada. Mesmo que se tratasse de um cenário em que o Estado estivesse completamente de fora da estrutura. Até porque não pode ser ignorado o facto de ser a Sonangol o fornecedor da matéria-prima. Há uma relação de dependência que deixa o Estado com estimável descanso. Por outro lado, exemplos de refinarias detidas exclusivamente por privados chegam-nos de todo o lado. Em África, o caso mais loquaz é inevitavelmente a megraestrutura de Aliko Dangote. O multibilionário nigeriano contornou constrangimentos políticos e impôs-se como proprietário da ‘Dangote Petroleum Refinery’, construindo-a com o próprio punho. Inaugurada o ano passado, a refinaria é a maior de África, já funciona e o proprietário é um filho da terra com nome e rosto. É um projecto transparente e que, até prova em contrário, resulta de um processo transparente.
O problema angolano coloca-se essencialmente, e mais uma vez, neste quesito. Na falta de transparência e na incompreensão de algumas decisões do poder. E tudo começou desde a primeira hora. Para início de conversa, o Governo concedeu benefícios fiscais proibitivos para um investimento que tem o retorno previamente assegurado. Com o défice de gasóleo no país estimado pelos 90%, o escoamento do principal produto da Refinaria de Cabinda no mercado interno está mais do que confirmado. E, ainda que Angola não fosse uma opção, o Congo Democrático teria e terá seguramente as portas escancaradas para o petróleo cabindense. O mais do que questionável presente fiscal leva à outra questão ainda mais controversa. Leva-nos aos beneficiários que se ‘escondem’ por detrás da afamada Gemcorp. É aqui onde possivelmente se minimizam os potenciais ganhos económicos para o país.
Um projecto de tal importância estratégica e que conta com capital público tinha de ser totalmente transparente. Os donos da Refinaria de Cabinda tinham de ter rosto e morada. Ou por vontade própria ou por imposição do Estado como condição para se firmar a parceria. Nas ‘estórias’ oficiais contadas até ao momento sobre a titularidade da Gemcorp ninguém acredita. De Cabinda ao Cunene e do Mar ao Leste, ninguém as engole. O que reside, para já, em muitas cabeças angolanas informadas e desinformadas é que estará aí um mais um projecto dos novos e antigos donos disto tudo. E que, por causa disso, directa ou indirectamente, pode ter lesado o Estado angolano em inestimáveis milhões de dólares. Mas, tal como a água misturada com o azeite, a verdade será exposta algum dia, isolando-se da mentira. Sem apelo nem agravo. Para já, que jorre o gasóleo!
Produção agrícola regista défice de 77,4% nos últimos cinco anos