Anne Marie Slaughter

Anne Marie Slaughter

Enquanto os países desenvolvidos da Europa, América do Norte e da Ásia envelhecem rapidamente, as economias emergentes são predominantemente jovens. Os jovens nigerianos, indonésios e vietnamitas moldarão as tendências globais de trabalho a um ritmo cada vez mais rápido, trazendo a sua experiência dos mercados informais dinâmicos para uma economia cada vez mais tecnológica e digital.

Não passa um dia sem que haja um novo artigo, conferência ou iniciativa de investigação dedicada ao futuro do trabalho. Os robôs estão a chegar ou, então, não estão a chegar tão depressa quanto pensamos; E quando chegarem, vão substituir todos os trabalhadores ou, pelo contrário, vão criar tantos empregos quanto os que destruírem. E assim vamos. Mas e se, em vez de tentarmos prever o futuro, analisássemos as realidades que existem actualmente para milhões de pessoas?

Cerca de 80% da população global vive em economias emergentes - definidas por mercados informais e estruturas de emprego flexíveis. A SHIFT: Comissão de Trabalho, Trabalhadores e Tecnologia convidou grupos de cinco cidades dos Estados Unidos para imaginarem quatro cenários em torno de dois eixos de mudança - mais ou menos trabalho; e mais empregos ou mais tarefas. Os participantes foram divididos em relação à quantidade de trabalho futuro, mas quase todos previram a contínua desagregação de empregos em tarefas tanto em trabalhos de baixa como de alta especialização, desde a condução até à advocacia. Esta é a realidade actual nas economias emergentes.

Examinar os padrões de trabalho nestes diversos países gera três lições essenciais. Primeiro, as pessoas recorrem-se de múltiplas actividades laborais para assim obterem rendimentos de mais de uma fonte. Em segundo lugar, as economias de plataforma estão a emergir de forma rápida e assentam em redes tradicionais. Finalmente, estes padrões de trabalho andam geralmente de mãos dadas com as desigualdades dramáticas de rendimento.

A flexibilidade e a incerteza definem os mercados informais nos países em vias de desenvolvimento. Os homens e as mulheres mais afortunados que têm empregos formais (menos de 40%) muitas vezes têm "biscates" através dos quais vendem o seu tempo, experiência, rede ou ideias a outros num esforço para se protegerem contra um mercado de trabalho incerto. Um provérbio nigeriano - "Tem um trabalho das 9h às 17h, um trabalho de 17h às 21h e um ao fim-de-semana" - descreve adequadamente o ambiente de trabalho “em camadas”.

O mesmo padrão está a começar a surgir também nos países mais desenvolvidos. Um relatório do Instituto da JP Morgan-Chase concluiu que os empregos de plataforma são na sua maioria uma fonte de rendimento adicional, utilizados para compensar as oscilações no rendimento regular.

Uma diferença fundamental, porém, é que nas economias emergentes as redes flexíveis de indivíduos ou pequenas empresas ocupam o lugar dos empregadores formais. O sector informal do Quénia – apelidado de Jua Kali ("sol quente") em Kiswahili - é o principal criador de emprego do país. O estudo económico de 2017 no Quénia demonstra que o Jua Kali gerou no ano anterior 747.300 empregos, enquanto o sector formal adicionou apenas 85.600.

O Jua Kali inclui associações sectoriais entre trabalhadores e artesãos que remetem para as cooperações medievais. As associações de - carpinteiros, mecânicos, canalizadores, etc. - permitem economias agrupadas, oferecem oportunidades para actualizar competências e criam uma forma de regulamentação do mercado.

À medida que a tecnologia foi sendo adicionada, muitas das associações estão agora online de modo a equilibrar, de uma forma mais eficaz, a oferta e a procura no mercado de trabalho informal. A Go-Jek na Indonésia (trocadilho de ojek, um táxi de motocicleta) é uma empresa no valor de 2,5 mil milhões de dólares que faz entregas de tudo um pouco, desde comida até cabeleireiros, de motocicleta, através de uma aplicação. A empresa, com mais de 200 mil motoristas na plataforma, aumenta a produtividade dos indonésios face ao tráfego caótico.

O mercado de serviços jurídicos de baixo custo em Accra, no Gana, faculta outro exemplo interessante. O jornalista Joseph Warungu descreve um "beco estreito nas traseiras dos tribunais" repleto de notários, comissários para juramentos, escritores de cartas e advogados que oferecem serviços desde declarações de testemunhas a contratos, todos "processados ??de forma eficiente e a um preço amigável". Este beco é uma plataforma, que reúne vários vendedores de serviços jurídicos distintos, juntamente com compradores, em contraste com um escritório de advocacia tradicional, que exige que os clientes adquiram múltiplos serviços da mesma fonte. Somente precisa de migrar para o formato online.

As economias desenvolvidas estão apenas agora a recuperar o atraso. Bliss Lawyers tem "um banco" de mais de 15 mil advogados em todo os EUA que recebem mais de 200 USD/hora por "trabalharem numa base de compromisso para clientes de departamentos jurídicos internos e escritórios de advogados". De uma forma mais abrangente, o Grupo Business Talent fornece "talentos empresariais a pedido", através de uma ampla gama de serviços profissionais.

Os mercados emergentes também servem de aviso sobre as desvantagens da economia a pedido (on-demand). Pois detêm alguns dos mais altos níveis de desigualdade no mundo. As 50 economias mais desiguais do mundo estão na África Subsaariana e na América Latina, e a África do Sul recebe o prémio pela maior desigualdade de rendimentos.

Os mercados informais, a dificuldade no acesso a financiamento e as poucas oportunidades educacionais nestes países continuam a dificultar a maioria das pessoas em situação de pobreza relativa. As plataformas de economia gig (digital e a pedido) que oferecem pequenos empregos, sem benefícios ou progressão na carreira, podem complementar o rendimento regular e assegurar outros empregos, mas não contribuem para a segurança e oportunidades de progresso de um emprego formal. Em boa verdade, a maioria dos trabalhadores do mercado emergente recorre à economia gig, não por desejo de flexibilidade ou para seguir as suas paixões, mas simplesmente para fazer face às despesas.

No entanto, os mercados informais nos países em vias de desenvolvimento fornecem um vasto campo de experimentação para transformar uma miscelânea de empregos num caminho ascendente e constante para os trabalhadores. Adequar a oferta educativa de modo a permitir que os trabalhadores obtenham as competências a pedido (on-demand) necessárias sempre que necessitarem e criar histórias de trabalho verificáveis ??através de um protocolo de confiança (blockchain), são duas maneiras de ajudar os trabalhadores da economia gig a encontrar oportunidades adequadas de forma mais eficiente e atraírem assim mais valor com a venda do seu trabalho.

Enquanto os países desenvolvidos da Europa, América do Norte e Ásia envelhecem rapidamente, as economias emergentes são predominantemente jovens. Em 2040, um em cada quatro trabalhadores em todo o mundo será africano. Eles são o produto dos mercados informais dinâmicos, e tal facto deverá facilitar a sua integração numa economia gig cada vez mais tecnológica e digital. Os jovens nigerianos, indonésios e vietnamitas moldarão as tendências globais do trabalho a um ritmo cada vez mais rápido. Há que aprender com eles hoje, para prepararmos o amanhã.

 

Anne-Marie Slaughter, ex-directora de planeamento de políticas no Departamento de Estado dos EUA (2009-2011), é presidente e CEO do think tank New America, Professora Emérita de Política e Assuntos Internacionais da Universidade de Princeton e autora de Negócios inacabados: Mulheres, Homens, Trabalho e Família.

Aubrey Hruby é co-fundadora da África Expert Network e Sénior Fellow no Atlantic Council.