LEGISLAÇÃO. Segunda e terceira maiores forças políticas do país afirmam que o diploma contém várias situações “embaraçosas” que deverão atrapalhar a eficácia e a aplicação da lei na prática. Políticos afectos à Unita e à Casa-CE acreditam que a Lei de Repatriamento de Recursos Financeiros, que estipula, entre outras medidas, o repatriamento, de forma voluntária, de capitais ilícitos no exterior, até Dezembro deste ano, poderá não produzir os efeitos desejados. Em causa está o facto de, até ao momento, a lei não ter sido regulamentada, o que acaba por traduzir-se num empecilho ao processo de repatriamento, segundo defende o presidente da bancada parlamentar da Casa-CE, André Mendes de Carvalho, justificando que a situação não permite esclarecer devidamente quais os procedimentos a adoptar no caso de os visados decidirem abraçar o processo. “Para onde é que as pessoas que estão implicadas no processo deverão repatriar os recursos e para que bancos?”, questiona-se o político, acrescentando que há toda uma série de situações “embaraçosas” no processo que somente o regulamento poderia resolver. Por isso, lamenta por não ter sido regulamentada, até ao momento, apesar de ter estado prevista na altura da aprovação do diploma. “Se o dinheiro é do Estado, só deve ser repatriado para uma conta do Estado. Não pode ser para a conta de um indivíduo de forma particular, porque o dinheiro é do povo”, defende André Mendes de Carvalho, para quem o processo carece também de alguma transparência, sobretudo no detalhe de “quem trouxe, quanto trouxe e onde é que colocou o dinheiro”. Unita sugere criação de contas especiais A Unita, por sua vez, recorda ter já emitido um parecer, no qual manifesta o seu total desagrado pelo facto de o Presidente da República, que tem o papel de regulamentar a lei, não o ter feito até ao momento. De acordo com a vice-presidente da bancada parlamentar do maior partido na oposição, Navita Ngolo, o diploma em causa já deveria estar regulamentado nesta altura, para assegurar que “as pessoas que têm de repatriar os recursos ilícitos no exterior do país o fizessem através de mecanismos previamente bem definidos, já nesta primeira fase”. Em princípio, segundo defende, deviam criar-se contas especiais para esse processo. Sobretudo por tratar-se de “capitais roubados do erário” pelo que, “na regulamentação, podia determinar-se o montante que deve ser destinado para os cofres do Estado”. Mas, para Navita Ngolo, o que se vê na realidade não é propriamente isso. “Contactando os bancos, estas entidades não sabem de nada. Esse é o problema. Aprovam-se leis e depois não as implementam”, desabafou. A política diz-se, por outro lado, expectante quanto à eficácia da proposta de Lei sobre o Repatriamento Coercivo e Perda Alargada de Bens, recentemente aprovada, na generalidade, na Assembleia Nacional e que deve entrar em vigor em Janeiro de 2019. “Esperamos que, com a Lei de Repatriamento Coercivo Alargado de Bens, haja uma regulamentação imediata e que realmente comecemos a assistir ao repatriamento de capitais através de atitudes coercivas do Estado, porque estamos a ver que todo o recurso é necessário”, frisou, ressaltando, no entanto, que esta lei, em particular, também precisa de ser regulamentada. Especialistas minimizam Em recentes declarações ao VALOR, o procurador-geral adjunto da República, Mota Liz, defendeu, quando abordado a respeito, que nem todas as leis carecem de regulamentação para que possam ser aplicadas. Indagado sobre se a lei em causa precisa ou não de estar regulamentada, o procurador-geral adjunto da República alegou não ter estudado o diploma no seu todo, mas advogou que a “regulamentação não é condição de eficácia da lei”. O legislador, segundo o magistrado, pode ser tão pormenorizado na própria lei que ela dispensa regulamentação. Também o advogado Carlos José Salombongo defende que a falta de regulamentação desta lei não impede que ela produza os seus efeitos, até porque o diploma, segundo defende, estabelece um período de graça para que os visados procedam ao repatriamento desses recursos. O governador do Banco Nacional de Angola (BNA), José de Lima Massano, já deixou transparecer publicamente que a instituição que dirige está também à espera que a lei seja regulamentada para que, ao nível do banco central, sejam marcados novos passos no âmbito desse processo. “Há um período de seis meses que termina agora em Dezembro, mas a lei em si terá de ser regulamentada. Esperamos que aconteça a qualquer altura, e o BNA terá depois de emitir instruções precisas aos bancos comerciais sobre o modo como devem actuar relativamente ao repatriamento desses valores”, referiu José de Lima Massano. *Antunes Zongo
António Nogueira
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