Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues

MERCADO. Moeda estrangeira vendida, no último mês, é menos da metade do total do dinheiro colocado no mercado cambial em igual período de 2017. Dos quase dois mil milhões de euros despachados em Janeiro do ano passado, banco central só vendeu, este ano, 43,3%. Comida levou maioria do dinheiro. Reservas internacionais tombam 6,64%.

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As divisas vendidas pelo Banco Nacional de Angola (BNA), de 1 a 31 de Janeiro deste ano, encolheram 54,6%, comparativamente a igual período anterior, ao saírem de 1.938 milhões de euros para 837,3 milhões, de acordo com cálculos do VALOR, com base nos mapas de divisas vendidas do banco central.

Do total de divisas colocadas no mercado cambial, a grande maioria foi tomada pelo sector de ‘Bens Alimentares’, que, no período, absorveu 284,1 milhões de euros, seguido do de ‘Operações Diversas’, com um encaixe de 251,9 milhões.

Os boletins das últimas vendas de divisas de Janeiro não trazem anexadas notas explicativas sobre a redução do montante vendido, mas o Governo e o próprio banco central têm apresentado como razão a crise do preço do petróleo e a “fraca capacidade de exportação das empresas nacionais”.

“Mais divisas para o país, temos de exportar mais. Ou aquilo que exportamos tem de ter um preço mais alto. Ou temos a condição de importar menos”, destacou, por exemplo, o governador do Banco Nacional de Angola, José de Lima Massano, no início do ano, quando a equipa do Governo trouxe a debate mais um plano económico, o designadado ‘Plano de Estabilidade Macroeconómica’.

O terceiro grupo que mais dinheiro recebeu foi das “Cartas de crédito para o sector da indústria”, que levou 151,5 milhões de euros.

As ajudas familiares, viagens, saúde e educação, que integram o grupo de ‘Operações Privadas’, captaram, desses leilões de Janeiro, 58,6 milhões de euros, no mesmo grupo em que se incluem as divisas para salários com expatriados.

Já os transportes aéreos, que se queixaram recentemente de problemas com o Estado angolano por conta dos atrasos no pagamento, receberam 43,8 milhões, o quarto valor mais alto das divisas vendidas em Janeiro.

Os restantes 47,4 milhões foram repartidos pelos vários sectores, como o da saúde, energia e águas, telecomunicações e para a coberturas de operações de ministérios e organismos do Estado, este último com a fatia mais baixa do período (4,0 milhões).

Das várias sessões de venda de divisas realizadas, nenhuma faz alusão às casas de câmbios, como o VE já noticiou. O relatório de balanço de Janeiro do BNA, disponível no site a 1 de Fevereiro, confirma o cenário.

FINANCIAMENTO. Brasileiros apertaram as regras de empréstimos para Angola, depois de sucessivos atrasos nos reembolsos do crédito dos anos anteriores. Dos 3,4 mil milhões USD recebidos, Angola pagou 2,3 mil milhões. Exigências incluem transparência nos contratos de empreitada e projectos a serem realizados à luz do financiamento. Analistas consideram “improvável” mais dinheiro para Luanda.

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O Governo não concluiu o pagamento dos 3,4 mil milhões de dólares de empréstimos contraídos do Brasil entre 1998 e 2016, mantendo uma dívida de 1,1 mil milhões junto do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) daquele país, soube o VALOR do conselho de administração da instituição bancária.

De acordo com o seu presidente, Paulo Rabello de Castro, foi exigido a Angola o cumprimento de “várias condições”, para voltar a candidatar-se a novos empréstimos e ser levantada a suspensão de obras paralisadas no país.

“Da parte do BNDES, houve, sim, uma suspensão temporária de desembolsos [para Angola], no ano passado, em decorrência de um atraso nos pagamentos. Estas dificuldades foram superadas, porque tivemos de elencar [condições] o que era importante que Angola fizesse para que houvesse a retomada no pagamento e liberação de novas tranches”, confirmou Rebello de Castro, em resposta ao VALOR, que questionou a situação actual da dívida.

Os números da dívida chegaram ao VALOR, através de e-mail do BNDES, e foram confirmados pelo presidente da instituição, Paulo Rabello de Castro, numa conferência de imprensa do banco que se seguiu à visita do ministro das Finanças angolano, Archer Mangueira, àquele país.

Aliás, a viagem do ministro das Finanças, na semana passada, ao Brasil, previa, entre outros, a assinatura de vários acordos, incluindo o relançamento da linha crédito com aquele país e o afastamento da possibilidade de ‘default’ na liquidação dos empréstimos que Luanda já recebeu, numa altura em que o OGE-2018, aprovado na generalidade, em Janeiro, prevê um défice fiscal de quase 3%.

Das várias condições para a retoma do crédito, Angola foi obrigada a assinar uma declaração de “lisura nos contratos”, para todas as empresas que se candidatem aos empréstimos do BNDES. E inclui as construtoras brasileiras que operam em obras estratégicas no país, nomeadamente a Odebrechet, Queiroz Galvão e Andrade Guiterrez. “Existe uma condição que, por incrível que pareça, é um pouco delicada, que é uma declaração inequívoca de lisura na contratação dos projectos. Esta declaração, por escrito, de lisura e correcção na negociação dos projectos, tem causado uma certa dificuldade, em Angola. Mas já está a ser também objecto de superação por parte do nosso cliente final que é o Governo angolano”, reforçou Rabello de Castro.

O Brasil reconhece que os cortes no financiamento paralisaram obras importantes, mas lembra igualmente que o país já não estava habilitado a receber dinheiro. “Tivemos dificuldade de continuar a financiar quem não tinha condições de ser mais financiado. Isto não estava na previsão de Angola. E, neste caso, nós é que tivemos de superar isso. O ‘Acordo de Leniência’ com a Odebrecht já foi feito e podemos, em tese, retomar essas negociações com vista a novos projectos no futuro”, considera.

‘LAVA JATO’ INVESTIGA…

Apesar de Angola atrasar nos pagamentos, o Brasil reconhece, no entanto, que o Governo observou com as suas obrigações no reembolso e junta às causas do corte no financiamento o processo ‘Lava Jato’.

“É importante notar que o Brasil também teve uma dificuldade que esteve na base dessa suspensão de desembolsos alheia à vontade do banco, mas decorrente dos efeitos não controláveis da ‘Lava Jato’. Não controláveis quando são mencionadas as empresas [brasileiras] que foram objecto de investigação. Até que se fizessem os ‘acordos de leniência’, elas tornaram-se empresas de cadastro ruim do ponto de vista de operações com o banco, daí a suspensão”, sublinhou o gestor bancário.

O acordo de leniência diz respeito a um tratado judicial em que todas as empresas apontadas no processo ‘Lava Jato’ têm de colaborar com as investigações, sob pena de ficarem fora da assistência financeira daquele governo. Na lista, integram a Odebrecht, a Andrade Guiterrez e a Camargo Corrêa, que viram os seus gestores executivos investigados.

…CRISE POLÍTICA TRAVA CRÉDITO

Se, para o presidente do BNDES, “já há condições para voltar ao crédito”, vários analistas das maiores consultoras económicas e financeiras do Brasil apontam as disputas políticas e um “processo de reestruturação do BNDES” como prováveis barreiras à intenção de Angola receber mais dinheiro do Brasil.

Para Alex Agostini, da agência Austin Rating, há menos possibilidade de o BNDES libertar novos créditos, não só pelo histórico de dívida de Angola, mas pelo que chamou de “disputa pública” sobre um valor que o próprio credor tem de devolver ao Tesouro brasileiro. “Acho pouco provável que isso [o desembolso] ocorra em virtude da disputa entre o BNDES e a equipa económica, que ocorre desde Setembro passado, sobre os 130 mil milhões de reais que o banco tem de devolver aos cofres do Tesouro, bem como pela postura assumida pelo seu presidente, focada no apoio a micro, pequenas e médias empresas”, argumenta Agostini.

Também é apontado o cenário político actual como entrave a novos créditos. Segundo ainda Alex Agostini, a esquerda política brasileira é critica às políticas do banco, que, como sublinha, “empresta mais ao exterior, enquanto o Brasil segue com as suas mazelas em infra-estruturas”.

Já Jason Vieira, outro economista da Asset Management, considera igualmente “improvável” que haja saídas de novos financiamentos do BNDES para o exterior, já que se discute uma “revisão do papel do banco, principalmente em relação ao tamanho e retorno de investimento no Brasil”. “Para imaginarmos o BNDES a fomentar novamente obras em países estrangeiros, devemos aguardar a reconfiguração do papel do BNDES como instituição”, comenta Jason Vieira, que considera a visita de Archer Mangueira ao Brasil “importante” para dirimir rumores sobre a possibilidade de ‘default’ de Angola no compromisso com o banco.

 

DIVISAS. Há três sessões que as casas de câmbio são esquecidas na distribuição das divisas. No total, foram vendidos 248 milhões de euros, todos canalisados para 27 bancos comerciais. Gestores lamentam, mas não perdem as esperanças.

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As casas de câmbio continuam a não ser contempladas nos leilões de divisas do Banco Nacional de Angola (BNA), apesar da alteração da política de câmbio que reintroduziu a modalidade da taxa flutuante.

Nas três sessões realizadas ao abrigo da nova modalidade, nem uma única nota de euro foi para as quase 80 casas de câmbio registadas e licenciadas, segundo apurou o VALOR, com base nos relatórios semanais disponíveis no portal da instituição.

De acordo com os dados, foram leiloados, nas três últimas sessões, 248 milhões de euros, exclusivamente a 27 instituições bancárias.

Estão autorizadas pelo banco central a exercer a actividade de câmbio 76 instituições, 12 das quais aguardam início de operação, além de 40 entidades autorizadas para o envio de remessa.

O banco central garante ter já realizado cinco sessões este ano, apesar de, no site, estarem apenas disponíveis relatórios de três sessões, precisamente a do dia 9, quando se inicia a venda no regime de taxas flutuantes, do dia 16 e 23 de Janeiro.

Na sessão do dia 9, por exemplo, foram leiloados 83,6 milhões, metade do montante foi destinado a coberturas de matéria-prima, peças e instrumentos fabris, sendo que 20% foi direccionado para apoio ao sector segurador, telecomunicações, transportes aéreos e outros serviços, excluindo, uma vez mais, os agentes de câmbio.

Os restantes 30% dessa sessão foram canalizados para cobrir as actividades do sector agrícola, agropecuário, pescas e mar, incluindo saídas para suportar encargos com artigos de higiene, limpeza, material escolar e de escritório e utensílios domésticos.

Também não houve qualquer alocação às agências de câmbio na sessão do dia 16. Os cerca de 82,6 milhões de euros foram direccionados para os 27 bancos comerciais com actividade no mercado nacional.

As divisas vendidas nesta sessão foram distribuídas para matéria-prima, peças, acessórios e equipamento fabril, com 60%, seguros, telecomunicações, transportes e outros serviços (15%), agricultura, agropecuária, pescas e mar (19%), artigos de higiene, limpeza, material escolar e de escritório (3%) e vestuário, calçado, artigos e utensílios domésticos (3%).

Nesta sessão, o banco central anunciou ainda que a distribuição de divisas para o sector alimentar continuaria no modelo anterior. Ou seja, “para bens alimentares, medicamentos e operações privadas, o BNA mantém o mecanismo de vendas directas, via bancos comerciais”, anunciou o regulador.

Já no dia 23, o banco central colocou à disposição do mercado 81,8 milhões de euros, absorvidos exclusivamente por 26 bancos. “O Banco Nacional de Angola efectuou, hoje, dia 23 de Janeiro, o quinto leilão de venda de divisas do ano de 2018, tendo participado do mesmo 26 bancos comerciais”, escreveu o banco central, que diz ter vendido o volume de divisas a “uma taxa média ponderada” de venda de 253,706 kwanzas por euro.

Apesar de lamentar o facto e admitir dificuldades, Hugo Barros, gestor da casa de câmbio Capital Câmbio, diz entender a decisão do banco central. “Há muitas casas de câmbio no mercado para poucos recursos e acredito que o BNA tem estado a fazer um trabalho no sentido de ver quem é que está em condições de continuar a operar e depois começar a contemplar. As casas de câmbio não são contempladas há muito e vamos trabalhando com algumas reservas, mas começam a esgotar e, se a situação continuar, muitas terão de fechar.”

BNA NÃO JUSTIFICA

O VALOR questionou o banco central sobre a exclusão das casas de câmbio nos três últimos leilões, mas, até ao fecho desta edição, não obteve resposta. A situação, entretanto, não é nova. Quase todo o ano 2016 fechou sem que as casas de câmbio participassem num único leilão. O quadro não melhorou em 2017, com a distribuição a manter-se irregular.

O presidente da Associação das Casas de Câmbio, Hamilton Macedo, tinha justificado, em finais do ano passado, a restrição nos leilões com o “mau momento” do país, caracterizado pela escassez de divisas, e acreditava em dias melhores.

“Temos informação de que, nas próximas semanas, vai haver injecção de divisas e que tal medida está autorizada para ser executada. O mercado vai sentir um alívio, mas não é nada confirmado porque a venda ainda não se efectuou”, afirmara Hamilton Macedo, ao VALOR.

Desde finais de 2014 que a distribuição de moeda estrangeira passou a ser irregular devido à redução da disponibilidade devido, sobretudo ao recuo considerável do preço do petróleo. O banco central viu-se obrigado a adoptar várias medidas cambiais, entre as quais vendas direccionadas de moedas cambiais, um modelo que passou a priorizar sectores determinados pelo Governo como “importantes”.

BNA apela, mais uma vez, para mais rigor

Os bancos comerciais angolanos passam a estar obrigados, a partir de 01 de fevereiro, a adoptar “mecanismos rigorosos” de registo das operações cambiais para o exterior, especialmente de Pessoas Politicamente Expostas (PEP), segundo o instrutivo 2/18 do BNA.

O documento sobre os “procedimentos a observar na execução de operações cambiais”, sublinha ainda ser necessário “assegurar, no mercado cambial em geral, e mais especificamente na comercialização de divisas, um comportamento ético e profissional pelos bancos comerciais, o cumprimento da legislação e regulamentação aplicáveis à actividade bancária”.

Recordar que depois das duas primeiras sessões terem sido feitas com spread livre para a venda das notas, o BNA fixou a flutuação em 2%.

PROCESSO JUDICIAL. Ex-presidente brasileiro, condenado a 12 anos e um mês de prisão, recoloca países africanos entre as prioridades na relação com o Brasil, reagindo às críticas do actual partido governante. Lula da Silva atacou duramente a Justiça, que o pode afastar da corrida eleitoral de Agosto como candidato do Partido dos Trabalhadores.

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Os países africanos vão continuar a ter o Brasil como um “verdadeiro parceiro económico”, apesar das críticas dos líderes de forças políticas de oposição ao Partido dos Trabalhadores (PT) na relação do Estado com o continente, anunciou o ex-presidente do Brasil e candidato do maior partido brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva, no discurso que se seguiu à sua condenação pelo Tribunal Regional Federal.

De acordo com o ex-chefe de Estado, que discursava em São Paulo, num acto de protesto ao julgamento que o condena, agora, a 12 anos e um mês de cadeia, os políticos da oposição ao seu partido consideram menos os africanos , preferindo, assim, manter relações com os EUA. “Eles [a justiça e a oposição ao PT] nunca toleraram a nossa visita a 39 países africanos.

Eles diziam que o Lula deveria estar a visitar os EUA, e não África, porque são complexados. Visitei África com muito orgulho”, lembrou Lula da Silva, de punho cerrado. “Eles [o PSDB e PMDB] fazem manifestações de camiseta amarela para fazer protestos contra os nossos vermelhos. Mas, na segunda-feira, colocam camisa americana e vão para Miami, fazer compras de coisas que podiam comprar aqui”, atacou Lula, saudado, de seguida, por uma salva de palmas pelos mais de 50 mil partidários e associações cívicas pró-Lula presentes no acto.

Numa altura em que Lula da Silva se prepara para seguir viagem para a Etiópia, o juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10.ª vara Federal, proibiu-o de se deslocar para o estrangeiro e ordenou a apreensão do passaporte. Esse magistrado alegou “possibilidade de fuga” do ex-presidente. Lula era esperado no último fim-de-semana em Adis Abeba, onde participaria de um encontro da FAO sobre a fome no continente africano.

Lula da Silva é o principal candidato à presidência do PT devido às suas políticas sociais implementadas no Brasil quando ocupou o cargo, de 2003 a 2010. Foi, entretanto, acusado, julgado e condenado, na semana passada, por unanimidade, por crime de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no ‘caso do triplex’, em Guarujá, uma cidade do litoral sul de São Paulo.

O ‘caso triplex’ refere-se a um processo judicial em que o ex-presidente é acusado de ter facilitado a construtora Odebrechet em vários contratos de empreitadas públicas e, como recompensa, a construtura, que também tem várias obras importantes em Angola, terá oferecido a Lula da Silva um apartamento do tipo ‘triplex’, na zona de praias da classe alta daquela cidade.

“Se eles me condenam por um apartamento que não tenho, que me dêem titularidade”, afirmou Lula da Silva, que aguarda agora por recursos dos advogados aos tribunais de última estância. Analistas brasileiros consideram a condenação não decisiva por haver ainda recursos, mas não descartam a possibilidade de o ex-líder brasileiro ficar de fora na próxima corrida para o Palácio do Planalto, já que a ‘Lei da Ficha Limpa’ proíbe políticos condenados, em segunda estância, a candidatarem-se à Presidência da República.

ÁFRICA DÁ AVANÇOS

Dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) brasileiro revelam que, em 2008, o país atingiu um recorde histórico de 25,931 mil milhões de dólares nas relações comerciais com os países africanos.

Só de Janeiro a Outubro de 2017, a balança comercial entre o Brasil e África fechou a crescer. Neste período, as exportações brasileiras para África totalizaram 7.940 milhões de dólares, um avanço de 26,16% face a igual período anterior, enquanto as vendas de África para o Brasil cresceram a um ritmo mais lento, de 16,01%, somando 4.739 milhões de dólares, revela o MDIC. O governo brasileiro destaca ainda o facto de que, entre Janeiro e Outubro desse ano, o intercâmbio comercial com os países africanos ter gerado para o Brasil um ‘superávit’ de 3.201 milhões.

África e Angola importantes

Vários deputados do PT, que discursaram minutos antes de o ex-presidente chegar à tribuna, já tinham recordado a importância de África nas relações com o Brasil, com exemplos de “bons indicadores” conseguidos logo no segundo mandato de Lula da Silva.

Sem fazer referências específicas a Angola, os deputados disseram que vão continuar a apoiar países africanos. Angola entra no grupo, não por ser Nação africana, mas por ser dos países que mais coopera com o Brasil. O sector alimentar é um dos ramos em que os dois Estados têm muito em comum. A relação Brasil-Angola tem ainda outros fundamentos, na medida em que o pais sul-americano é um dos principais compradores do petróleo angolano, a seguir à China e aos EUA.

Essa relação é ainda justificada pelas várias empresas brasileiras que operam em Angola, com destaque para a Odebrechet, Queiroz Galvão e similares, que controlam várias obras públicas, além de participarem de vários projectos sociais do Governo.

BANCA. Reportagem do VALOR no Brás, um dos principais centros comercias da cidade de São Paulo, Brasil, mostra como a redução dos ‘plafonds’ mensais nos cartões Visa vai afectar o dia-a-dia de angolanos no estrangeiro. Arrendamento de casas, contas com saúde e mercadorias ficam comprometidos. Dois bancos já anunciaram as restrições, mas outros deverão seguir o mesmo caminho.

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A medida que corta o limite de utilização dos cartões Visa, anunciada inicialmente pelo BFA e pelo BPC, pode reduzir o volume de negócios de empresários angolanos dos vários ramos. Da saúde ao comércio de bens e serviços, esperam-se por cortes, como concluem angolanos que vivem no Brasil e outros que estão de férias, vindos de Portugal e de França.

À reportagem do VALOR, no Brás, centro comercial de São Paulo, Brasil, vários angolanos já anteciparam possíveis consequências que a restrição nos cartões pode trazer no dia-a-dia dos empresários e das famílias angolanas espalhadas pelo mundo. Apontam, por exemplo, que, com o equivalente a 100 dólares, já não se consegue uma diária num hotel, já que o valor médio para esse tipo de cómodo ronda os 400 reais (124,284 dólares, ao câmbio actual).

Depois de o BFA anunciar que vai cortar, a partir de 24 de Fevereiro, para apenas 20 mil kwanzas o limite de dinheiro a gastar nos cartões ‘Kandando’, em 80 mil para o ‘Mangolé’ e 150 mil para o ‘Mwangolé Gold’, os angolanos e estrangeiros que trabalham no país manifestaram-se contra a medida, que pode “desacelerar o comércio e encarecer a vida no estrangeiro”.

“Em território nacional, todos os cartões poderão continuar a ser utilizados até ao limite do ‘plafond’ que foi atribuído a cada cartão”, escreve o BFA, no seu portal, que não avança, no entanto, as motivações para a medida.

Também o BPC publicou um documento a ‘avisar’ sobre as alterações na utilização dos cartões, que justifica com “condicionantes do mercado cambial”. Sem avançar, para já, preços, limita-se a falar em “ajustes”.

“O BPC informa aos seus clientes e público em geral que, em função das condicionantes do mercado cambial, concernente à disponibilidade de moeda estrangeira para a cobertura das transacções resultantes da utilização dos cartões de crédito e pré-pagos de bandeira internacional, irá proceder, a partir de 26 de Fevereiro de 2018, ao ajuste dos limites de utilização mensal no estrangeiro dos cartões de crédito dos seus clientes, de acordo com os programas a que estão adstritos (Gold, Classic, Corporate, Platinum)”, lê-se numa nota do banco, datada de 15 de Janeiro.

Outro banco, o Sol, está igualmente a preparar a publicação de um documento que vai, segundo uma fonte da entidade, anunciar as alterações. O técnico, que pediu para não ser identificado, garantiu que, à semelhança de outros, “mais dia, menos dia, a medida será pública”.

O analista financeiro Galvão Branco explica as restrições com a actual crise cambial, defendendo que os contratos que os bancos têm com a rede Visa “estão sujeitos a procedimentos de reembolsos”. Estes parceiros exigem, “por consequência, a existência de disponibilidades em divisas para que a regularização desses créditos se faça em tempo útil e nos termos acordados”, argumenta Galvão Branco. “Mesmo tratando-se do procedimento mais adequado para viabilizar as compras no exterior pelos particulares, face à segurança que o processo confere e, sobretudo, por restringir a circulação física de moeda externa (notas), nem sempre disponíveis nos ‘stocks’ dos bancos, não escapa a este imperativo de escassez de divisas”, remata o analista.

VENDEDEIRAS QUESTIONAM GOVERNO

Outro grupo de vendedeiras, também conhecidas por ‘moambeiras’, do mercado do Kikolo, em Luanda, de passagem pelo Brás, para comprar produtos que são despachados para Angola, falam em “perseguição” do Governo. Joana de Lourdes, dona de três bancadas na no Kikolo, disse, por exemplo, que “a saída é mesmo ir comprar dinheiro na rua”, numa clara alusão à necessidade de persistir a venda paralela de divisas. “E assim vamos fazer como? O nosso Governo precisa de entender que somos nós que damos de comer a muitas famílias nesse tipo de negócio que fazemos. Agora, tira-nos mais a possibilidade de ter acesso a divisas da forma mais barata e legal. Não sei aonde querem chegar com isso”, desabafou a angolana.

ESTUDANTES DESESPERADOS

Se, para os negociantes, a previsão é de redução dos fluxos financeiros, para os estudantes o impacto vai no mesmo sentido, precisamente no da redução do aproveitamento académico. Dois estudantes angolanos do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP) qualificaram a situação de angolanos no Brasil, no actual contexto de crise, de “desespero”.

Érica Suzana da Costa confessa que, há muito, não usa cartões de pagamento internacional. A razão é a mesma para todos: dificuldades no carregamento ou mesmo no acesso aos dispositivos. “É triste esse quadro a que chegámos com o país. Da abundância à indigência”, atira a finalista do curso de jornalismo, no que é seguida por Sara Cabita, de Ciências Contábeis, que vive o mesmo drama no acesso a divisas e cartões de pagamento no estrangeiro.

Para ambas, o recurso são as ‘remessas’ trazidas pelos viajantes de Luanda para São Paulo, para pagar contas, dinheiro muitas vezes comprado no mercado informal, como asseguraram ao VALOR.

Já Hilário Sangueve, outro estudante angolano residente no Porto, Portugal, revela que a solução foi arranjar trabalho. Sangueve é empregado de um restaurante e dedica-se à comercialização de roupa e cosméticos para sobreviver. “Não tem como não trabalhar. É ilegal [por causa do visto], mas não temos saída. Temos um objectivo”, retrata o jovem, para quem o quadro é o mesmo para vários estudantes angolanos no estrangeiro, bolseiros ou por conta própria.

COMERCIANTES DE OLHOS NO PARELO

Na avenida Celso Garcia à Zona Leste, áreas habitadas maioritariamente por angolanos e da África Ocidental, a conversa é a “redução do dinheiro nos cartões Visa”. Nas lojas e supermercados, já se pressente o que pode advir do ‘aviso’ dos bancos.

Os comerciantes que usam regularmente o cartão ‘Kandandu’ do BFA dizem que “20 mil kwanzas não paga nada”. Ou seja, não dá cobertura às despesas com roupas e acessórios diversos para vender em Luanda, porque as compras são feitas no dia e o pagamento “é exigido na hora”, garante Orlando Malulua, que considera que o mecanismo adoptado pelos bancos “só vai aumentar o mercado paralelo de divisas”. “Não estamos a entender nada.

Não se percebe onde o Governo quer chegar. Já aumentaram o preço da nota [o dólar/euro], agora diminuem mais o dinheiro nos cartões. Assim quem tem família aqui doente como se vai virar no pagamento com contas médicas?”, interroga-se o jovem comerciante.