BANCA. Reportagem do VALOR no Brás, um dos principais centros comercias da cidade de São Paulo, Brasil, mostra como a redução dos ‘plafonds’ mensais nos cartões Visa vai afectar o dia-a-dia de angolanos no estrangeiro. Arrendamento de casas, contas com saúde e mercadorias ficam comprometidos. Dois bancos já anunciaram as restrições, mas outros deverão seguir o mesmo caminho.
A medida que corta o limite de utilização dos cartões Visa, anunciada inicialmente pelo BFA e pelo BPC, pode reduzir o volume de negócios de empresários angolanos dos vários ramos. Da saúde ao comércio de bens e serviços, esperam-se por cortes, como concluem angolanos que vivem no Brasil e outros que estão de férias, vindos de Portugal e de França.
À reportagem do VALOR, no Brás, centro comercial de São Paulo, Brasil, vários angolanos já anteciparam possíveis consequências que a restrição nos cartões pode trazer no dia-a-dia dos empresários e das famílias angolanas espalhadas pelo mundo. Apontam, por exemplo, que, com o equivalente a 100 dólares, já não se consegue uma diária num hotel, já que o valor médio para esse tipo de cómodo ronda os 400 reais (124,284 dólares, ao câmbio actual).
Depois de o BFA anunciar que vai cortar, a partir de 24 de Fevereiro, para apenas 20 mil kwanzas o limite de dinheiro a gastar nos cartões ‘Kandando’, em 80 mil para o ‘Mangolé’ e 150 mil para o ‘Mwangolé Gold’, os angolanos e estrangeiros que trabalham no país manifestaram-se contra a medida, que pode “desacelerar o comércio e encarecer a vida no estrangeiro”.
“Em território nacional, todos os cartões poderão continuar a ser utilizados até ao limite do ‘plafond’ que foi atribuído a cada cartão”, escreve o BFA, no seu portal, que não avança, no entanto, as motivações para a medida.
Também o BPC publicou um documento a ‘avisar’ sobre as alterações na utilização dos cartões, que justifica com “condicionantes do mercado cambial”. Sem avançar, para já, preços, limita-se a falar em “ajustes”.
“O BPC informa aos seus clientes e público em geral que, em função das condicionantes do mercado cambial, concernente à disponibilidade de moeda estrangeira para a cobertura das transacções resultantes da utilização dos cartões de crédito e pré-pagos de bandeira internacional, irá proceder, a partir de 26 de Fevereiro de 2018, ao ajuste dos limites de utilização mensal no estrangeiro dos cartões de crédito dos seus clientes, de acordo com os programas a que estão adstritos (Gold, Classic, Corporate, Platinum)”, lê-se numa nota do banco, datada de 15 de Janeiro.
Outro banco, o Sol, está igualmente a preparar a publicação de um documento que vai, segundo uma fonte da entidade, anunciar as alterações. O técnico, que pediu para não ser identificado, garantiu que, à semelhança de outros, “mais dia, menos dia, a medida será pública”.
O analista financeiro Galvão Branco explica as restrições com a actual crise cambial, defendendo que os contratos que os bancos têm com a rede Visa “estão sujeitos a procedimentos de reembolsos”. Estes parceiros exigem, “por consequência, a existência de disponibilidades em divisas para que a regularização desses créditos se faça em tempo útil e nos termos acordados”, argumenta Galvão Branco. “Mesmo tratando-se do procedimento mais adequado para viabilizar as compras no exterior pelos particulares, face à segurança que o processo confere e, sobretudo, por restringir a circulação física de moeda externa (notas), nem sempre disponíveis nos ‘stocks’ dos bancos, não escapa a este imperativo de escassez de divisas”, remata o analista.
VENDEDEIRAS QUESTIONAM GOVERNO
Outro grupo de vendedeiras, também conhecidas por ‘moambeiras’, do mercado do Kikolo, em Luanda, de passagem pelo Brás, para comprar produtos que são despachados para Angola, falam em “perseguição” do Governo. Joana de Lourdes, dona de três bancadas na no Kikolo, disse, por exemplo, que “a saída é mesmo ir comprar dinheiro na rua”, numa clara alusão à necessidade de persistir a venda paralela de divisas. “E assim vamos fazer como? O nosso Governo precisa de entender que somos nós que damos de comer a muitas famílias nesse tipo de negócio que fazemos. Agora, tira-nos mais a possibilidade de ter acesso a divisas da forma mais barata e legal. Não sei aonde querem chegar com isso”, desabafou a angolana.
ESTUDANTES DESESPERADOS
Se, para os negociantes, a previsão é de redução dos fluxos financeiros, para os estudantes o impacto vai no mesmo sentido, precisamente no da redução do aproveitamento académico. Dois estudantes angolanos do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP) qualificaram a situação de angolanos no Brasil, no actual contexto de crise, de “desespero”.
Érica Suzana da Costa confessa que, há muito, não usa cartões de pagamento internacional. A razão é a mesma para todos: dificuldades no carregamento ou mesmo no acesso aos dispositivos. “É triste esse quadro a que chegámos com o país. Da abundância à indigência”, atira a finalista do curso de jornalismo, no que é seguida por Sara Cabita, de Ciências Contábeis, que vive o mesmo drama no acesso a divisas e cartões de pagamento no estrangeiro.
Para ambas, o recurso são as ‘remessas’ trazidas pelos viajantes de Luanda para São Paulo, para pagar contas, dinheiro muitas vezes comprado no mercado informal, como asseguraram ao VALOR.
Já Hilário Sangueve, outro estudante angolano residente no Porto, Portugal, revela que a solução foi arranjar trabalho. Sangueve é empregado de um restaurante e dedica-se à comercialização de roupa e cosméticos para sobreviver. “Não tem como não trabalhar. É ilegal [por causa do visto], mas não temos saída. Temos um objectivo”, retrata o jovem, para quem o quadro é o mesmo para vários estudantes angolanos no estrangeiro, bolseiros ou por conta própria.
COMERCIANTES DE OLHOS NO PARELO
Na avenida Celso Garcia à Zona Leste, áreas habitadas maioritariamente por angolanos e da África Ocidental, a conversa é a “redução do dinheiro nos cartões Visa”. Nas lojas e supermercados, já se pressente o que pode advir do ‘aviso’ dos bancos.
Os comerciantes que usam regularmente o cartão ‘Kandandu’ do BFA dizem que “20 mil kwanzas não paga nada”. Ou seja, não dá cobertura às despesas com roupas e acessórios diversos para vender em Luanda, porque as compras são feitas no dia e o pagamento “é exigido na hora”, garante Orlando Malulua, que considera que o mecanismo adoptado pelos bancos “só vai aumentar o mercado paralelo de divisas”. “Não estamos a entender nada.
Não se percebe onde o Governo quer chegar. Já aumentaram o preço da nota [o dólar/euro], agora diminuem mais o dinheiro nos cartões. Assim quem tem família aqui doente como se vai virar no pagamento com contas médicas?”, interroga-se o jovem comerciante.
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