ANGOLA GROWING
Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues

CÂMBIOS. João Lourenço sugeriu que os estrangeiros que aterrem em Luanda, com divisas, passem a trocá-las por kwanzas já no aeroporto. O objectivo é evitar o abastecimento do mercado informal de câmbio. País só tem quatro agências de câmbio no único aeroporto internacional. Recomendação saiu da reunião da semana passada com empresários nacionais.

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Os estrangeiros que entrarem em Angola poderão ser obrigados a declarar quanto trazem, em divisas, e a trocá-las no aeroporto internacional e ou nas fronteiras terrestres, de acordo com uma sugestão do Presidente da República, dada na última semana, à equipa económica do Governo, na reunião com empresários nacionais.

Ao que soube o VALOR, através do presidente da Associação Industrial de Angola (AIA), José Severino, à saída do encontro com João Lourenço, o Governo pretende acabar com o mercado informal de câmbio, com a ‘proibição’ de circulação de moeda estrangeira por estrangeiros, como forma de impedir a alimentação do mercado cambial.

“Uma das coisas [que foi dita pelo Presidente] é pragmaticamente defender a produção nacional. O cidadão estrangeiro que chega a Angola não tem de andar com divisas. Tem de cambiar no aeroporto, porque isso depois cria outros circuitos que são perversos”, contou José Severino, resumindo uma das intenções do PR, para os próximos dias.

Actualmente, os estrangeiros que entram no país não são obrigados, nem sugeridos, pelas autoridades, a trocarem os seus recursos de moeda estrangeira para kwanzas. O director de Comunicação e Imagem da Empresa Nacional de Exploração de Aeroportos e Navegação Aérea (ENANA), Sílvio Kidy Barros, assegura que os estrangeiros nunca foram obrigados a converter moedas no aeroporto internacional.

Sílvio Barros desconhece a orientação, porém, considera que, ao vir do PR, passa a ser de cumprimento obrigatório. “Se é a palavra do Presidente da República, é de cumprimento obrigatório. Não tem nada a ver connosco”, comentou o porta-voz da ENANA. O presidente da AIA explicou, por outro lado, que já existem indicações neste sentido, apesar de não fazer referências concretas, no que é secundado por Hamilton Macedo, presidente das Associação das Casas de Câmbio.

Para Hamilton Macedo, a sugestão do PR “não é nova” e dá exemplo do regime cambial aplicado ao sector petrolífero, que proibia pagamentos em moedas estrangeiras, seja para salários, seja para compra de bens e serviços em Angola.

“A medida é obrigatória no sentido de que não são autorizadas, para pagamentos em Angola, moedas estrangeiras. Logo, qualquer indíviduo que tenha moeda estrangeira para fazer qualquer tipo de pagamento no sistema angolano, tem de o fazer em kwanza. Se tiver moeda estrangeira, tem de cambiar”, lembra o presidente das associações das casas de câmbio e sócio-gerente da Nova Câmbio.

O Governo aprovou, em Julho de 2013, o regime cambial aplicado ao sector petrolífero, medida que obrigava aos operadores a efectuarem todos os pagamentos de bens e serviços em kwanzas, de acordo com a lei 2/12, de 13 de Janeiro, cujo objectivo era combater a ‘dolarização’ da economia.

Casas de Câmbio aplaudem

Segundo ainda Hamilton Macedo, os aeroportos internacionais e domésticos “têm condições” para a captação das divisas que entram pelas mãos de estrangeiros. Apesar disto, existem apenas quatro casas de câmbio no aeroporto internacional ‘4 de Fevereiro’, em Luanda, contabiliza o responsável.

“Posso adiantar que, de há algum tempo a esta parte, o aeroporto criou condições para que se conseguisse captar essas divisas. E, logo à chegada, quer nos aeroportos de voos domésticos, quer nos de voos internacionais, há casas de câmbio”, assegura Hamilton Macedo.

Governo promete apoio…

Da reunião com o PR, os empresários receberam a promessa de que, nos próximos dias, e após auscultações a demais áreas da economia, o Governo vai intervir, com, entre outros, a facilitação no acesso a divisas e no aumento de infra-estruturas.

“Foi uma grande satisfação termos ouvido falar o Presidente da República em prol do futuro dos empresários. Temos estado a passar uma fase não adequada, mas ele prontificou-se em tudo fazer, absolutamente tudo que estiver ao alcance, para que saiamos deste marasmo . O Presidente prometeu dar o apoio financeiro de que carecemos e outras que serão definidos pelo Conselho de Ministros”, regozijou-se o presidente do conselho directivo do fórum de auscultação Empresarial e líder do Grupo Alpega, Ambrósio de Lemos Pereira da Gama.

…E exige mais produção

João Lourenço e equipa económica exigiram, em contrapartida, mais produção nacional. Aliás, foi também esta a mensagem que José Massano, governador do BNA, passou ao país, quando questionado pelos jornalistas, na semana passada, sobre a origem das divisas para a “estabilização cambial”, no novo Programa de Estabilização Macroeconómica.

MICROCRÉDITO. Banco participado pela ENSA e mais dois privados angolanos deve inaugurar 2018 com primeiros empréstimos, logo nos primeiros três meses, com facilidades que incluem a isenção de garantias. A entidade já conquistou 125 mil clientes em um ano de operação, com o serviço ‘Xikila Money’, o rosto da instituição.

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O início da concessão de crédito por parte do Banco Postal está previsto para o primeiro trimestre do próximo ano, com o lançamento da sua segunda unidade de negócio, ‘Comércio e Empresários’, soube o VALOR da administração do banco, num encontro de esclarecimento entre os responsáveis da entidade e jornalistas deste meio.

O ‘Comércio e empresários’ é uma das três unidades de negócios da instituição e será a segunda a iniciar a actividade depois do ‘Xikila Money’ que arrancou em Junho do ano em curso. O início da terceira unidade, ‘Corporate & Pessoas’ também está previsto para o primeiro trimestre, depois de o ‘Comércio e Empresários’.

“No primeiro trimestre de 2018, começa o [segmento] ‘Comércio e Empresários’ e, provavelmente, no primeiro mês ou, mais tardar, no início do segundo mês. A máquina está afinada, as equipas estão formadas, a tecnologia está implementada e o sistema está em conformidade. Assim, estaremos em condições de entrar no mercado com a concessão de crédito”, garante Ângelo Costa, director de crédito e marketing da Unidade Comércio e Empresas.

Este propõe-se apoiar pequenos empresários das economias formal e informal e que “são marginalmente servidos por bancos e instituições de microfinanças”, segundo esclarecimento da instituição. O limite máximo do valor do crédito deverá estar próximo dos níveis praticados nos microcréditos. Porém, poderá ultrapassar o limite de um milhão de kwanzas definido pelo BNA para as instituições de microfinanças. Segundo esclarecimentos dos responsáveis do banco, os valores serão determinados por uma variedade de condições onde se podem destacar as perspectivas de negócio e o resultado da avaliação sobre a capacidade de reembolso do cliente.

Para aceder ao crédito, ao cliente não será exigida a constituição de uma empresa ou uma contabilidade organizada, nem garantias iniciais. O banco, através da sua equipa de análise de crédito, encarregar-se-á de elaborar balanços financeiros com vista a avaliar os prazos e modalidades de reembolso.

Uma das particularidades do ‘Comércio e Empresários’ “é a concessão massiva de crédito, mas não nos moldes da banca tradicional, mas de uma banca de facilidade”.

“Vemos claramente que o nosso nicho de mercado tem limitações no acesso ao crédito, por não ter garantia, por não ter uma empresa formalmente constituída, ou porque não tem informação contabilística e nós queremos facilitar”, explicou Ângelo Costa.

Na sua estratégia para a cedência do crédito, estão também programadas visitas de profissionais do banco a clientes, com vista a recolher informações que facilitem o controlo e gestão da carteira de crédito.

“Temo-nos preparado para ir ao encontro do cliente para recolher, ‘in loco’, as informações socioecónomicas e financeiras dos clientes, com vista a construirmos um balanço que permita ter uma visibilidade sobre a real situação de reembolso do empréstimo”, disse Ângelo Costa.

A instituição acredita que receberá muitas solicitações de crédito visto ser esta a realidade actual no ‘Xikila Money’ que, entretanto, não disponibiliza o serviço.

‘Xikila Money’ com mais de 100 mil clientes…

Desde que abriu portas, em Setembro de 2016, e com o lançamento do primeiro segmento de negócio, o ‘Xikila Money’ (pagamento por telefone), o banco já captou 125 mil clientes, além de cerca de 1.600 estabelecimentos comerciais que já usam a solução de pagamento por telefone.

O ‘Xikila Money’ é uma solução de pagamento digital, desenvolvida pelo Banco Postal, lançada no início de Julho deste ano, que permite pagar compras nos supermercados, levantar, transferir e depositar dinheiro, além de ajudar a pagar contas de luz, água, ou saldo de telemóvel, à semelhança dos ATM.

Segundo dados da instituição, dos 125 mil clientes, cerca de 70% já usam o serviço [Xikila Money] com regularidade. No que aos estabelecimentos comerciais diz respeito, integram, essencialmente, os mini-mercados, cantinas, salões de beleza, além de outras operações marginais, “realizadas por engraxadores de sapatos”. Até Outubro passado, o banco registou 80 milhões de kwanzas de todas as operações financeiras realizadas nos estabelecimentos comerciais.

Para além dos pagamentos por telemóveis, os clientes do Banco Postal podem ainda servir-se dos 150 quiosques espalhados por Luanda e Huambo, pequenas ‘agências’ onde se pode levantar ou depositar montantes não superiores a 100 mil kwanzas.

O Banco Postal é participado pelo Estado, por via do grupo ENSA e dos Correios de Angola, que respondem por 30% do capital social, sendo que a maioria do capital, 65%, é suportada pela EGM Capital, do empresário N’gunu Tiny, e mais 5% da sociedade C8 Capital, outro grupo privado no negócio.

RETROSPECTIVA. Principais temas, do ano que termina, da secção ‘Mercado e Finanças’ são resumidos, nesta edição, com destaque para as principais alterações ao regulamento sobre movimentação de divisas, resultados operacionais da banca e recomendação dos auditores para a observância das regras do Banco Central.

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BNA autoriza moeda estrangeira

O Banco Nacional de Angola volta a permitir, no início do ano, que os investidores estrangeiros e demais não-residentes cambiais, com contas em moeda estrangeira, passassem a ter acesso aos seus depósitos, através de pagamentos de serviços em kwanzas, a favor de residentes cambiais e por ordens de pagamentos ou transferências para o exterior, depois de estarem impedidos de o fazer desde o início da crise, em 2014.

FMI ‘preocupado’ com restrições nas divisas

O Fundo Monetário Internacional (FMI) recomenda, em finais de Fevereiro, ao Governo o estabelecimento de um calendário que previsse quando terminavam as restrições na venda de moedas estrangeiras, com vista a “resolver, de forma urgente, os desequilíbrios no mercado cambial”, de acordo com um documento do organismo, publicado pelo VALOR e onde constam as conclusões da sua visita ao país em Novembro de 2016.

Fusão torna Atlântico no 6.º maior banco

Com activos nos 948,4 mil milhões kwanzas, o Banco Millennium Atlântico (BPA) torna-se no sexto maior banco angolano, depois da fusão dos extintos bancos Millennium Angola e o Privado Atlântico. De acordo com uma nota do banco, a fusão também permitiu o crescimento dos lucros em cerca de 40,5% para 25 mil milhões de kwanzas, além do crescimento na carteira de clientes para 980,3 mil. No entanto, a instituição não publica as contas no site, pelo que só foi possível comparar crescimento e desempenho de alguns indicadores graças aos relatórios Deloitte.

BFA fecha contas em Luanda

Depois de observada a exigência do Banco Central Europeu de redução das participações do Banco Português de Investimento (BPI) na sucursal angolana, o Banco de Fomento Angola (BFA) continua, ainda assim, a captar lucros. No balanço de 2016, os accionistas angolanos do BFA aprovam o maior lucro da instituição desde 2010, no valor de 61.712 milhões de kwanzas, mais 63% do que as margens recolhidas em igual período anterior, quando ainda estava sob domínio dos portugueses do BPI.

Banco VTB cumpre exigência do BNA

Três notas dos auditores externos da PricewaterhouseCoopers Angola (PWC) e da Ernest & Young (EY) às contas do banco VTB, relativas ao exercício financeiro dos últimos três anos, confirmam que os accionistas fazem um reforço no capital social com mais 1.100 milhões de kwanzas, subindo para 2,5 mil milhões, o mínimo exigível pelo banco Banco Central. A decisão é tomada três anos depois de várias advertências dos auditores sobre incumprimento da lei, que obriga a um capital mínimo de 2,5 mil milhões para iniciar negócio bancário em Angola.

Crédit Agricole ‘descativa’ obras do Estado

O Governo anuncia, no início do ano, que uma linha de crédito assinada com os franceses do Crédit Agricole, viria a ajudar a descativar vários projectos e obras públicas “de interesse nacional”, que estiveram suspensos, durante vários anos, devido à crise do petróleo que deixou de meter dinheiro no Tesouro nos montantes superiores aos fluxos de antes de Junho de 2014. Sem avançar montante por se libertar, o Governo garante que o dinheiro deveria cobrir despesas sociais e grandes obras do Estado.

Crédito reduz em 85% no BIC

Desde o arranque da crise, em finais de 2014, o nível de solicitação de crédito ao banco BIC, fora do Programa Angola Investe, regista uma redução de cerca de 85%, como resultado do alto custo do financiamento bancário, revela o administrador executivo da instituição, Hugo Teles, em entrevista ao VALOR. Esta medida, que prevalece até à data, foi justificada com o aumento do custo do crédito como resultado da revisão em alta da taxa Luibor, que passou de 9% para 24%.

BPC com primeiro prejuízo

No fim do primeiro semestre de 2017, torna-se público o primeiro balanço com prejuízo, nos últimos 16 anos, do maior banco angolano em activos. Avaliado em 29,5 mil milhões de kwanzas, as perdas decorrem, segundo a administração do BPC, da “constituição de 72,7 mil milhões para o crédito perdido e da prevenção de futuras perdas”. As contas são apresentadas ainda no calor das reformas administrativas e operacionais do banco que, em menos de um ano, foi dirigido por três administrações.

BFA encarece operações com VISA

No início do ano, o BFA avisa os clientes, por via de um comunicado distribuído pelas 159 agências, que viria a cobrar mais nas comissões anuais com manutenção dos cartões Visa, com tarifários cujos preços oscilavam entre 7.500 e 12 mil kwanzas para o crédito e reforço de 1,5 pontos percentuais no custo dos cartões pré-pagos.

BNA de ‘olhos’ nas operações bancárias

Com vista a aumentar a taxa de inclusão financeira, o banco central passa a exigir dos bancos comerciais a apresentação de, pelo menos, dois extractos bancários de clientes para averiguar o cumprimento do aviso que proíbe cobrança à prestação de serviços mínimos bancários. Duas semanas após a publicação da medida, uma equipa da direcção de supervisão comportamental do BNA inicia a inspecção às agências bancárias. Em Agosto, dos 30 bancos, dois já tinham sido inspeccionados, um aguardava visita.

BAI com maior lucro da sua história

Pela primeira vez, desde que iniciou operações, o Banco Angolano de Investimento (BAI) declara lucros de 49,7 mil milhões de kwanzas, captados no exercício financeiro de 2016, correspondendo a uma subida de 213% comparativemnte ao período homólogo, cujo montante ficou nos 15,3 mil milhões. O crescimento em 62% das margens financeiras e a recuperação do crédito e juros abatidos dão ao banco o maior ganho dos últimos três anos, segundo cálculos do VALOR com base numa nota da entidade que resumia o balanço de 2016.

Bancos não cativam para vender divisas

Uma medida agora aprovada pelo novo governador do BNA, José Massano, desobriga a que dinheiros depositados nos bancos estejam cativos quando os clientes vão solicitar divisas para pagamentos no estrangeiro. A iniciativa ‘revoluciona’ o sector empresarial, que reagiu com aplausos, pelos fluxos financeiros que a política possa criar no mercado empresarial nacional, assim como na economia, no geral. As famílias também ficam beneficiadas, porque deixam de ver os kwanzas cativos mesmo quando pedem divisas aos bancos. FSDEA alarga activos em 1,2% O Fundo Soberano de Angola (FSDEA) anuncia o crescimento de activos em 1,2% até ao segundo semestre deste ano, depois de, nos últimos anos, ver corroídos os fundos em função das aplicações pelo mundo. Com esta evolução, os activos da entidade passam a valer 5,05 mil milhões de dólares, mais 60 milhões do que as margens de igual período anterior contabilizadas nos 4,99 mil milhões.

Banco do Brasil encerra representação

O Banco do Brasil fecha a sua representação em Luanda, na primeira semana de Novembro. Os mais de 30 funcionários brasileiros e portugueses abandonaram Angola, ficando apenas a delegação com um representante.

REPATRIAMENTO DE CAPITAL. Associações empresariais sugerem aplicação de impostos para o capital angolano recuperado do estrangeiro e a sua aplicação na economia, enquanto a UNITA prefere incluir no próximo OGE. São reacções ao discurso do Presidente João Lourenço que já avisou que a medida, caso seja aplicada, “não é perseguição aos ricos”. BNA já identificou 30 mil milhões no estrangeiro.

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A Associação Empresarial de Luanda (AEL) defende a aplicação de impostos ao volume de dinheiro angolano saído ilicitamente do país, depois de recuperado pelo Estado e identificados os proprietários, de acordo com o seu presidente, Francisco Viana, em declarações ao VALOR, e em reacção à moratória de João Lourenço para o repatriamento das fortunas de angolanos, depositadas no exterior.

Para os associados da AEL, que aplaudem a ideia do vice-presidente do MPLA, o combate à corrupção e ao branqueamento de capitais deve ser acompanhada de medidas complementares. E é nesta óptica que defendem a criação de uma taxa sobre os dinheiros angolanos depositados no estrangeiro, medida fiscal que deve reverter para um fundo de formação dos gestores. “Estamos satisfeitos com a medida, que vai ajudar [a recuperar] alguns fundos, que são autênticas fortunas para Angola. Mas essa medida, para ter um valor para toda a sociedade, precisa de ser acompanhada de outras complementares, que parte deste dinheiro seja devidamente taxada. Que haja um imposto que recaia sobre este dinheiro e que parte do dinheiro a ser recolhido, por via da taxa, possa reverter a favor de um fundo de capacitação da classe empresarial angolana”, sugerem os empresários de Luanda, através de Francisco Viana.

Há uma semana, João Lourenço apelou aos angolanos com fortunas no estrangeiro a repatriarem os activos para Luanda, avisando que, quem o fizesse de forma livre, “não sofreria nenhuma penalização”, apesar de não ter especificado a que dinheiros se referiu. Ou seja, João Lourenço não diferenciou dinheiros saídos de forma legal dos que, ilegalmente, saltaram para o exterior. “(…) Pretendemos que os angolanos detentores de verdadeiras fortunas no estrangeiro sejam os primeiros a vir investir no seu próprio país, se são mesmo verdadeiros patriotas. O Executivo vai, no início do ano, estabelecer um período de graça durante o qual todos aqueles cidadãos angolanos que repatriarem capitais do estrangeiro para Angola e os investirem na economia, em empresas geradoras de bens, de serviços e de emprego, não serão molestados, não serão interrogados das razões de terem tido o dinheiro lá fora, não serão processados judicialmente”, garantiu João Lourenço, naquela que entra para o grupo de sugestões mais comentadas do novo Governo.

A indefinição no discurso do Presidente da República arrancou, de vários segmentos, diversas reacções. Para o administrador bancário Filipe Lemos, João Lourenço “tinha de esclarecer de que dinheiro se trata”, já que, entende o gestor, “há angolanos com investimentos lícitos no estrangeiro”. “Há aqui alguma confusão. O vice-presidente do MPLA acabou por não concretizar a ideia. Quando fala do repatriamento dos capitais angolanos, não diferenciou os capitais que estão lá de forma lícita dos ilícitos. Na verdade, todos acabamos por subentender que se referia a capitais que foram parar nessas geografias de forma fraudulenta.”, comenta Filipe Lemos.

Se para os empresários de Luanda, o dinheiro ilícito deve ser tributado, a UNITA defende a inclusão do mesmo na próxima planificação orçamental de 2018.

A proposta do maior partido da Oposição sugere que o dinheiro depositado ilegalmente, no estrangeiro, deva ser inscrito numa rubrica especifica do Orçamento Geral do Estado a que designa por “receitas extraordinárias”, além de questionar a identidade dos proprietários das respectivas somas.

BNA confirma 30 mil milhões lá fora

De acordo com o Banco Nacional de Angola (BNA), estão depositados em bancos estrangeiros cerca de 30 mil milhões de dólares, metade dos quais activos de bancos nacionais junto dos correspondentes, do Tesouro e do Fundo Soberano, além de outras entidades não mencionadas.

Também o governador do banco, José Massano, não foi capaz de esclarecer, do total de verbas identificadas pelo BNA, que volume é referente às operações de saídas ilícitas de dinheiro angolano.

Combate à fuga de capital em África

De acordo com a ‘Facilidade de Apoio Legal Africano (ALSF, na sigla em ingles)’, entidade ligada ao Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), que dispõe de ferramentas de recuperação e repatriamento de activos complexos, há mais países na luta contra a fuga de capitais, como a Tunísia, que, segundo o organismo, já recuperou 28 milhões de euros, alegadamente depositados na conta da ex-primeira-dama, Leila Trabelsi, esposa do presidente Ben Ali.

Além da ALSF, existe ainda a Iniciativa de Recuperação de Activos Roubados (STAR, em inglês), outro organismo do Banco Mundial e do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC), que apoia os esforços internacionais para acabar com refúgios para fundos corruptos.

Dados da STAR, citados pela Rádio Alemã, apontam que o governo nigeriano já recuperou, por exemplo, nos últimos quatro meses, cerca de 200 milhões de euros, em operações anticorrupção.

Também o novo presidente do Zimbábue, Emmerson Mnangagwa, anunciou amnistiar todos os servidores públicos próximos ao seu antecessor, Robert Mugabe, que tenham alegadamente desviado fundos do erário público, medidas que colocam Angola junto dos congéneres africanos na luta contra os crimes de lavagem de dinheiro e apropriação de fundos ilícitos.

Dinheiro ajuda economia

O presidente da Associação Industrial de Angola (AIA), José Severino, considera, por sua vez, que o dinheiro referido por Massano, “se recuperado, e colocado a serviço da economia, pode ajudar no processo de desenvolvimento”. “É preciso que se criem condições para que esses valores reforcem a banca, entrem no mercado de capitais e façam investimentos directos”, defende o ‘patrão’ dos industriais angolanos, citando palestrantes ao certame do MPLA, que discutiram a problemática da corrupção na administração pública.

“No caso da AIA, temos lançado reptos para o investimento, sobretudo na agricultura, agro-indústria, bens alimentares, e estamos a pôr avisos públicos, no sentido de que, quem tiver projectos que os apresente, para que esses capitais [enterrados lá fora] possam ser aplicados com a eficiência que todos queremos”, reforça.

“Não queremos capitais estagnados”, sublinha José Severino, no que é seguido pelo economista Lopes Paulo. Para o ex-administrador da Agência para a Promoção de Investimento e Exportação de Angola (APIEX), a medida de João Lourenço “vai dinamizar projectos do Estado, que, desde há já alguns anos, estão entalados por escassez de recursos”. Sobre os 30 mil milhões identificados pelo BNA, Lopes Paulo considera que esse valor “dobra as reservas internas nacionais líquidas do país, pode ser aplicado em iniciativas públicas e desafogar a banca nacional”.

Já o ano passado, José Eduardo dos Santos tinha instruido o ministro das Finanças a captar fundos de financiamento de dois mil milhões de dólares, no mercado internacional, através de emissão de eurobonds. “Estamos a falar simplesmente de cerca de 10%, se o valor [‘apanhado’ pelo BNA] for 20 mil milhões, ou muito menos, cerca 7,5%, se for 30 mil milhões. Se estamos hoje à procura e a tentar regozijar-nos com dois mil milhões de financiamento, que se pode obter no mercado internacional, se o país conseguir recuperar recursos próprios na ordem de 20 ou 30 mil milhões de dólares, vai trazer aqui um desafogamento muito grande no funcionamento da economia do público, tanto do privado”, analisa o economista.

Considerado “tão alto” o dinheiro angolano no estrangeiro, Isabel dos Santos mostra-se preocupada, admitindo que teve de ligar para o governador do banco central a conferir os dados dos activos de Angola no estrangeiro de que a comunicação social e vários comentadores atribuíram a José Massano.

“Ouvi [no fórum] um dos ‘painelistas’ a referir-se a valores muito avultados na ordem dos 31 biliões de dólares (mil milhões), que estão aparentemente registados no BNA como sendo investimentos angolanos no estrangeiro. Fazendo parte do sector bancário, obviamente que esta informação para mim foi bastante preocupante e tentei informar-me mais. E tomei a liberdade de telefonar para o senhor governador do banco, e mandar-lhe um mail, de forma que pudesse informar-me melhor sobre essa situação”, disse a recém-demitida PCA da Sonangol, respondendo à imprensa, no fim do fórum dos ‘camaradas’ do MPLA .

AIA defende dinheiro limpo

José Severino tem ainda outra perspectiva. Como lembrou, parte dos angolanos transportava dinheiro para o estrangeiro devido “às condições económicas internas inviáveis”, dando exemplo do mau ambiente de negócios e a falta de segurança.

“Não nos podemos esquecer que muita pessoa boa tinha os seus dólares aqui, nos bancos, e hoje anda à procura deles. É preciso que essas pessoas que tenham capital lícito no exterior sintam segurança no mercado. A outra questão é melhorar o ambiente de negócios, porque o nosso ainda tem sérios problemas. E este é também um dos objectivos desta nova visão”, considera o presidente da AIA.

Para os investidores com activos não justificados no estrangeiro, Severino adverte que, em obediência ao apelo de João Lourenço, devolvam o dinheiro. “Os capitais presumivelmente ilícitos, esses têm de responder, de boa fé, ao apelo que foi feito pelo vice-presidente do MPLA. No seu discurso, João Lourenço prometeu criar um conjunto de parâmetros, em que esses capitais, ditos ilícitos, possam regressar ao país com a segurança que foi manifestada pelo Chefe de Estado”, recorda.

Mais atenção à condição social

Por outro lado, o presidente dos empresários de Luanda defende que a estratégia de combate à corrupção “deve incluir ainda a melhoria da vida dos servidores públicos”, elementos que, na análise de Francisco Viana, “são sujeitos” a este tipo de crime. Com isto, sugere reajustes nas condições salariais dos membros da administração pública.

“Combater a corrupção só retornando os capitais que saíram indevidamente não chega. Temos de combater as causas da corrupção, criando uma boa capacidade dos empresários angolanos, que se alargue o leque de oportunidades do crescimento da classe e, simultaneamente, que se criem condições para que os quadros da administração do Estado tenham qualidade de vida e remuneração compatível a um nível de vida digno”, adverte Viana, que junta à Polícia Nacional no grupo a quem o Governo “precisa de dar mais atenção”.

“Que os nossos polícias possam receber o suficiente para não serem corrompidos, assim como os nossos quadros da administração e os nossos governantes possam ter condições para que, quando cessam funções, também mantenham um nível de vida adequado”, defende.

POLÍTICA MONETÁRIA. Banco central desobriga que dinheiros depositados nos bancos estejam cativos quando os clientes vão solicitar divisas para pagamentos no estrangeiro. Medida ‘revoluciona’ sector empresarial, que luta pelo acesso regular desde finais de 2014.

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As famílias e as empresas que necessitarem de divisas para compromissos no estrangeiro deixam de constituir cativos junto dos bancos comerciais, de acordo com uma medida do Banco do Nacional de Angola (BNA), aprovada há uma semana numa reunião do Comité de Políticas Monetárias (CPM).

Do mesmo encontro, que sucedeu a uma reunião entre o banco central e responsáveis da banca comercial, incluindo os seus accionistas, ficou ainda decidido que os bancos estão igualmente proibidos de exigir, como condição, que os clientes tenham, em depósito, montante igual ou superior ao valor solicitado.

“O CPM decidiu pôr termo à obrigação dos bancos comerciais de constituir cativos em moeda nacional para efeitos de compra de divisas ao banco cen-tral. Adicionalmente, decidiu pôr termo à obrigação dos clientes dos bancos comerciais de constituir cativos em moeda nacional como condição prévia para a compra de moeda estrangeira”, determina o banco central, naquilo que é a primeira medida do novo governador José Massano, saída do CPM, desde que voltou ao controlo da ‘casa da moeda’.

Ao que o VALOR apurou junto de vários bancos, a medida das cativações junto dos bancos impedia as empresas e as famílias de honrarem demais compromissos particulares, quando solicitassem moeda estrangeira aos bancos. Muitos desses compromissos tinham que ver, por exemplo, com obrigações fiscais ou mesmo pagamento de impostos, como contou um alto quadro do Banco Angolano de Investimento (BAI).

“Vamos deixar de exigir que os clientes façam cativos quando solicitarem operações com o exterior. Deixámos de fazer cativos com os clientes e deixámos de fazer cativos junto do BNA”, garante a fonte do BAI, que vê na decisão uma boa medida para as famílias e empresas.

Com a nova medida, as famílias passam também a poder fazer pedidos de divisas, sem as cativações, mas serão exigidos os depósitos à ordem. Ou seja, o montante em conta poderá ser movimentado a “qualquer altura pelo cliente”, explica a fonte, do segundo maior banco angolano em activos, com 1,3 biliões.

Empresários aplaudem

A medida já mereceu a apreciação de vários lados, desde a Associação das Empresas Contratadas da Indústria Petrolífera Angolana (AECIPA) à Comunidade das Empresas Exportadoras e Internacionalizadas de Angola (CEEIA). Os associados da AECIPA consideram que, com a medida, as empresas passam a ter liquidez adicional, além de poder aumentar, também, os fluxos financeiros da própria economia no geral.

“É uma medida benéfica não só para o sector que acompanho [a indústria petrolífera], mas para toda a economia angolana, que passa a estar desobrigada a cativar dinheiro enquanto o processo de [conversão em] moeda estrangeira estiver a ocorrer. Isso criava, obviamente, vários constrangimentos”, congratulam-se os industriais da AECIPA, pela voz do seu líder, Braúlio de Brito, no que é seguido pelo seu congênere da CEEIA, o empresário Agostinho Kapaia.

Segundo Kapaia, a medida obrigava as empresas um maior esforço de tesouraria, pelo que, o embargo do BNA, vem desafogar e facilitar a capacidade de as empresas se financiarem.

“É uma medida positiva, porque isso [as cativações] fazia com que a as empresas tivessem de fazer um esforço de tesouraria maior. Era um esforço muito grande, não só para as empresas, mas também para as famílias. Isso vai, de uma maneira geral, promover uma maior circulação da moeda, entre as empresas, e, também, uma velocidade maior da própria circulação monetária a nível do sistema bancário”, considera Agostinho Kapaia, dono do Grupo Opaia e presidente da CEEIA.

Mais facilidade nos pagamentos

Para os exportadores angolanos, não deviam haver necessidade de cativar depósitos dos clientes, mecanismo que, na visão destes empresários, seria substituído pela facilitação nos pagamentos e nos financiamentos junto da tesouraria dos bancos.

O líder do grupo lembra que a anterior medida já chegou a colocar os seus associados e várias empresas do mercado nacional em condições de “aperto” com os compromissos com salários e, nalguns casos, com o fisco.

“Não é só um membro. Quase todas as empresas exportadoras e as ligadas à associação tinham [esses] problemas, porque isso era um problema genérico. Era um problema de todo o mercado. As empresas eram obrigadas a colocarem os seus colaterais e não só, de modo que não podiam ter, permanentemente, a sua capacidade de tesouraria saudável para o financiamento da própria empresa”, conclui Kapaia, aplaudindo a primeira medida assinada pelo punho do governador do banco José Massano.

Taxa BNA evolui para 20%

Na mesma medida que ‘desobriga’ as cativações sobre os depósitos, o banco central decidiu subir a taxa básica de juro em dois pontos percentuais, para 20%, justificando com a necessidade controlar a inflação. “O acompanhamento rigoroso dos níveis de liquidez da economia será fundamental para que seja garantida a estabilidade de preços. Sendo assim, o CPM decidiu adoptar a base monetária em moeda nacional como a variável operacional da política monetária”, escreve o banco central, num comunicado, em que também é anunciada a alteração dos mecanismos de reservas obrigatórias.

Desde o último fim de semana, o coeficiente das reservas obrigatórias a ser aplicado sobre os depósitos dos clientes dos bancos comerciais, em moeda nacional, está reduzido de 30% para 21%, não afectando as contas do Governo central, dos governos locais e das administrações municipais, que mantêm o actual coeficiente.